Encontre milhões de e-books, audiobooks e muito mais com um período de teste gratuito

Apenas $11.99/mês após o término do seu período de teste gratuito. Cancele a qualquer momento.

Geriatria — Prática clínica baseada em evidências — Volume 1
Geriatria — Prática clínica baseada em evidências — Volume 1
Geriatria — Prática clínica baseada em evidências — Volume 1
E-book1.203 páginas13 horas

Geriatria — Prática clínica baseada em evidências — Volume 1

Nota: 0 de 5 estrelas

()

Ler a amostra

Sobre este e-book

O conceito da Geriatria tem início em 1909 nos Estados Unidos, como especialidade para cuidar de idosos. No Brasil, a Sociedade Brasileira de Geriatria é fundada em 1961, no Rio de Janeiro e é afiliada como especialidade em 1969 pela Associação Médica Brasileira. No início, teve pouca atratividade para especialistas, por diversos motivos. À medida que as universidades incorporaram a disciplina em seus programas de graduação, especialização e residência médica (1981) nota-se um nítido crescimento do interesse na especialidade, cria-se um ambiente propício para a geração de conhecimento, estudos, pesquisas clínicas e consagração da especialidade integrada à Gerontologia.
O cuidado da população idosa deixa de ser feito exclusivamente por especialistas como cardiologistas, pneumologistas, endocrinologistas e outros, que também tinham pacientes senis e passa a receber um olhar mais acurado como prevenção e promoção de saúde, tratamento, reabilitação e cuidados paliativos.
O Hospital Sírio-Libanês foi privilegiado por ter em seu corpo clínico, referências nacionais na especialidade, que nos desafiaram e nos apoiaram a construir a melhor estrutura para oferecer atendimento na especialidade. Cabe aqui ressaltar o papel dos Professores Wilson Jacob Filho e José Antonio Esper Curiati que transmitiram conhecimento, formaram e agregaram profissionais.
Assim, criou-se o Núcleo de Geriatria, o Pronto-Atendimento Geriátrico, o primeiro e único na América Latina com o selo da Geriatric Emergency Department Accredita-tion, a pós-graduação em Geriatria e a produção científica com trabalhos e livros, incluindo o Manual de Emergências Geriátricas.
O livro Geriatria, prática Clínica baseada em evidên-cias, tendo como editores Kelem Negreiros, Luiz Antonio Gil Junior e Pedro Kallas Curiati, além de dezenas de autores, com certeza contribuíra para compartilhar conhecimento de qualidade, não só para geriatras, mas para acadêmicos, residentes, pós-graduandos e profissionais de outras especialidades.
A área do conhecimento é um dos pilares estratégicos institucionais e a Geriatria está totalmente alinhada ao nosso Propósito de fornecer vida Plena e Digna.
IdiomaPortuguês
Data de lançamento31 de ago. de 2023
ISBN9788585162832
Geriatria — Prática clínica baseada em evidências — Volume 1

Relacionado a Geriatria — Prática clínica baseada em evidências — Volume 1

Ebooks relacionados

Médico para você

Visualizar mais

Artigos relacionados

Avaliações de Geriatria — Prática clínica baseada em evidências — Volume 1

Nota: 0 de 5 estrelas
0 notas

0 avaliação0 avaliação

O que você achou?

Toque para dar uma nota

A avaliação deve ter pelo menos 10 palavras

    Pré-visualização do livro

    Geriatria — Prática clínica baseada em evidências — Volume 1 - José Antônio Esper Curiati

    INTRODUÇÃO

    O envelhecimento populacional é uma realidade em todo mundo, guardando-se as esperadas diferenças socio-econômicas que caracterizam as condições de vida nos diferentes pontos do planeta.

    No Brasil, é estimado que os idosos representarão cerca de 21% da população total em 2060.¹ Apesar do aumento expressivo nessa população, e da demanda crescente por assistência à saúde, seja pela multimorbidade, seja pela grande ampliação do conhecimento dos fatores protetores e agressivos da saúde na longevidade, dados recentes apontam que em nosso país há somente cerca de 2.500 geriatras formados, o que representa um geriatra para cada 12 mil idosos, longe da meta de um geriatra para cada mil idosos.² Torna-se imperioso, portanto, a formação de mais geriatras e gerontólogos para que essa população seja melhor atendida.

    HISTÓRICO

    O termo Geriatria foi utilizado pela primeira vez em 1909, por Ignatz Leo Nascher, decorrente da junção de duas palavras: geronto (idoso) e iatros (médico).

    A partir de 1935 a Dra. Marjory Warren, médica do Reino Unido, lançou as bases para melhor avaliar a população idosa. Sua proposta de avaliação abrangia não somente o processo saúde-doença, mas também as condições sociais e psicológicas frente ao estado de saúde do idoso. Esses conceitos deram origem à Avaliação Geriátrica Ampla (AGA).

    No Brasil, estes conhecimentos levaram algum tempo para se disseminar. A Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia (SBGG) foi somente criada em 1961 e o primeiro Programa de Residência Médica em Geriatria foi implantado em 1981, no Rio de Janeiro.³

    CONCEITO

    O papel do geriatra é o cuidado à pessoa idosa a partir de uma avaliação ampla e individualizada. Uma das principais ferramentas para avaliação é a AGA, a qual leva em consideração aspectos como funcionalidade, avaliação cognitiva, investigação de quadros de humor, transtornos do sono, ingestão alimentar, capacidade de mobilidade, risco de quedas, internações prévias, aspectos sensoriais (como audição e visão) e convívio social. Dessa forma, o geriatra é capaz de averiguar potenciais riscos à saúde do idoso, nas suas múltiplas dimensões.

    Além disso, a partir dessa avaliação, o geriatra consegue auxiliar os demais especialistas na tomada de decisão. Uma vez realizada, a AGA permite a discriminação dos idosos frágeis dos não frágeis, entre inúmeras outras peculiaridades que são de fundamental importância na determinação da real relação risco-benefício. Assim sendo, pode ajudar um oncologista a decidir se o tratamento quimioterápico será mais proveitoso do que maléfico ou pode, em outro exemplo, ajudar um cirurgião a decidir se o idoso está ou não em condições de realizar determinada cirurgia naquele momento.

    Uma vez identificados os pacientes que estão sob risco maior, é papel também do geriatra tentar reabilitar o paciente para que as perdas de funcionalidade sejam mitigadas.

    Além disso, cada vez em maior proporção, muitas vezes o geriatra é procurado pelos pacientes que buscam vivenciar um envelhecimento sadio. Cabe também, como atributo do geriatra, a promoção da saúde com a inclusão na proposta de atuação, as práticas de vida saudável e rastreamento de doenças assintomáticas, dentre elas as neoplasias.

    CAMPOS DE ATUAÇÃO

    Além do atendimento direto à população em regime ambulatorial, ambiente mais adequado à prevenção, diagnóstico precoce, controle das doenças crônicas e orientações às necessárias mudanças dos hábitos de vida, o geriatra também pode atuar em pacientes internados, onde realiza importante interface entre os especialistas, mormente das áreas cirúrgicas, preparando os idosos para os procedimentos e equilibrando-os após a sua realização.

    Cada vez mais, as visitas nos domicílios e nas instituições de longa permanência (ILPI), permitem que o idoso possa permanecer no seu ambiente de moradia, tendo o seu atendimento visando não apenas o seu estado de saúde física, como também a sua adequação psíquica e social.

    Além disso, a interação com as áreas clínicas, como a psiquiatria e a neurologia geriátricas, permite grandes avanços na esfera assistencial e também no ensino aos profissionais, tanto da medicina como das inúmeras outras áreas direta ou indiretamente ligadas à saúde.

    Por fim, outra importante função exercida pelos especialistas em Geriatria e/ou Gerontologia, são diretamente ligadas aos setores administrativos (Figura 1.1).

    ■ FIGURA 1.1 Áreas de atuação do geriatra.

    GEMU: unidade de avaliação e tratamento geriátrico; PACE: programa de cuidados das necessidades do idoso.

    Fonte: Adaptada de Morley JE., 2017.

    CONCLUSÃO

    O médico geriatra, por sua característica formação generalista, tem a capacidade de compreender as diferentes nuances que determinam as condições da saúde do cliente, tanto no momento atual como no que se pode prever em termos de evolução na longevidade.

    Evidentemente, esta aptidão não substitui nem reduz a importância dos médicos especialistas e demais elementos das equipes interdisciplinares. Muito ao contrário, compõe com este profissionais uma fundamental ampliação da área de atuação: a profundidade do saber do especialista em intersecção com a abrangência do saber geriátrico e gerontológico permite que sejam escolhidas as melhores estratégias diagnósticas e terapêuticas e, simultaneamente, estejam preparados tanto para o idoso, como seus familiares e cuidadores, para melhor colaborar para o sucesso das intervenções.

    Para tal, cada vez mais se inclui na formação dos geriatras e gerontólogos um crescente contingente de conteúdos sociais, humanísticos e éticos que, anexados aos tradicionais conteúdos científicos de cada área, favorecem a sua atuação na interface dos diferentes especialistas envolvidos na condução dos casos mais complexos.

    De forma clara e objetiva, poder-se-ia afirmar que os especialistas têm incomparável expertise nas doenças, enquanto que o geriatra contribui de forma inequívoca com seu conhecimento sobre o doente.

    Esta simbiose tem sido cada vez melhor avaliada nos ambientes de atuação especializada, mormente nos planos terciários de atendimento, como poderá ser verificado na leitura da Seção 2 – Interfaces da Geriatria – e nas Seções de OncoGeriatria e OrtoGeriatria, onde fica evidente a interação do geriatra no ambiente cada vez mais amplo e bem sucedido de atenção adequada à saúde do idoso.

    REFERÊNCIAS

    1. Canhisares M, Cury T. Brasil tem déficit de 28.000 geriatras. Disponível em: [acesso em 21 mar 2023] Disponível em: https://infograficos.estadao.com.br/focas/planeje-sua-vida/brasil-tem-deficit-de-28000-geriatras#:~:text=O%20Brasil%20tem%20hoje%202.488,hoje%20um%20para%20cada%2012.086 .

    2. Freitas E, Py L. Tratado de geriatria e gerontologia. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 2002.

    3. Gorzoni ML. Geriatria, medicina do século XXI? Medicina (Ribeirão Preto) 2017;50(3):144-9

    4. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Projeção da População do Brasil e das Unidades da Federação. [acesso em 21 mar 2023] Disponível em: https://www.ibge.gov.br/apps/populacao/projecao/index.html .

    5. Morley JE. Geriatricians: the super specialists. J Am Geriatr Soc 2017;65(4):866-8.

    INTRODUÇÃO

    Em uma época de conceitos e percepções diversas da verdade, poucos problemas têm merecido tanto a atenção e a preocupação do homem em toda a sua história como os problemas do envelhecimento e da incapacidade funcional comumente associada a ele.

    Pode-se considerar, por um lado, o que leva as pessoas a envelhecer com a consequente proximidade da finitude e, por outro, as características dos velhos em cada sociedade, seus direitos, apoios específicos e a realidade ética dos direitos inerentes à pessoa humana.

    Desta forma, o estudo da ética e da história da atenção aos idosos deve ser considerado de maneira conjunta. Já se disse que a História é o laboratório da Filosofia e a realidade do envelhecimento humano confirma esta afirmação.

    Evidências antropológicas parecem indicar que a esperança de vida humana (idade máxima esperada para cada espécie) não se tenha alterado substancialmente nos últimos 10.000 anos. Não obstante, a expectativa de vida humana (média do tempo de vida esperado para cada indivíduo ao nascer ou em determinada idade em uma dada sociedade) nas sociedades antigas era extremamente reduzida. Tal fato devia-se aos problemas de saúde pública, de doenças endêmicas e epidêmicas e da violência, sendo extremamente raro e digno de registro o fato de um determinado indivíduo sobreviver até a senectude.

    Nessas sociedades primitivas, por outro lado, o conceito de doença esteve ligado, segundo Reinhard Hofschlaeger, à chamada Teoria dos Corpos Estranhos. Essa teoria corresponde a uma percepção intuitiva de um paralelismo entre os traumas por objetos que penetram o corpo como flechas e pedras, seguramente os primeiros problemas com que defrontaram os seres humanos primitivos e as enfermidades internas percebidas como possível consequências da penetração no corpo de parasitas, venenos, alimentos etc. Daí serem as medidas terapêuticas mais antigas relacionadas à eliminação provocada de fluidos corpóreos, tais como clisteres, catárticos, sangrias, sudorese etc.

    Em tais sociedades, a valorização pessoal parece ter estado ligada diretamente à capacidade física. Homens que se mantinham vigorosos, mesmo na senectude, parecem ter tido mais consideração social que os que apresentavam fraquezas e mazelas peculiares do envelhecimento. A valorização do conhecimento e da experiência dos idosos parece ter variado na dependência direta do montante de conhecimento e cultura, e da disponibilidade de meios alternativos de transmissão deles. Essa visão utilitarista e sua ética particular infelizmente não parecem ter se extinto nos primitivos povos, na era pré-filosófica. Reaparece, episodicamente, no decorrer da história e pode ser vista, com raro vigor para sua idade, em nossa sociedade dita pós-moderna.

    O conceito de solidariedade humana e de apoio pessoal da sociedade a seus membros mais fracos, deve ser atribuído a uma evolução de conceitos de apoio em algumas sociedades primitivas, tendo evoluído de maneira mais notável na tradição judaica, quando os mais pobres e necessitados, entre os da própria nação, deveriam receber tratamento diferenciado por preceitos bíblicos, e principalmente na tradição cristã, que ao amor ao próximo associa, de maneira revolucionária, o amor aos inimigos, inimaginável em qualquer sociedade primitiva.

    Esse conceito de amor gratuito e radical, devotado a todas as pessoas indistintamente, permeou a cultura ocidental com maior ou menor força nos últimos 20 séculos e se encontra na base de todas as instituições sociais, religiosas ou não, de nosso tempo. Não é sem motivo que o moderno Serviço Social, indispensável na adequada atenção à população idosa, tem suas origens não em qualquer conquista da Revolução Francesa de 1792, mas na modesta e operosa obra das Damas de Caridade de São Vicente de Paulo, fundada por um professor universitário, Frederico Ozanan, em 1833 e, mais remotamente, nas tradições monásticas desde o século V.

    ANTIGUIDADE

    Oriente

    China

    A mais antiga filosofia de saúde e doença na China (2900 a.C.) baseia-se no Tao, o caminho, o equilíbrio da dualidade da natureza: o princípio masculino ou Yang (ativo, quente, seco, luminoso e positivo) e o princípio feminino ou Yin (passivo, frio, úmido, escuro e negativo). Viver, segundo o Tao, significa ser equânime, moderado e ter conduta apropriada. O texto Clássico de Medicina Interna do Imperador Amarelo, compilado em 200 a.C., descreve as doenças como alterações do equilíbrio entre o Yin e o Yang, bem como a saúde e a longevidade como consequência do equilíbrio pelo seguimento do Tao.

    Durante toda a sua história, os chineses colocaram a ênfase primária na prevenção de doenças, envolvendo o equilíbrio de cinco elementos: Terra, Ar, Fogo, Água e Metal, por meio de dietas específicas, exercícios e aspectos da vida diária que se alteravam de maneira sazonal. Existe referência ainda à vacinação contra a varíola, bem como a cirurgias com anestesia, incluindo esplenectomia.

    Mesmo reconhecendo a limitação natural da vida humana, acreditava-se que, de maneira natural, esta devesse se prolongar até a senectude, com a preservação das faculdades mentais e dos sentidos. Manifestações do envelhecimento, como hipoacusia, também eram consideradas como doença e tratadas por meios que incluíam acupuntura, rnoxabustão, modificações dietéticas e medicamentos fitoterápicos com o fim de restaurar o equilíbrio.

    Do ponto de vista social, os idosos parecem ter sido respeitados e bem tratados na antiga China. A própria filosofia de Confúcio (500 a.C.) exalta a virtude da piedade filial.

    Japão

    Pouco se sabe sobre a medicina japonesa anterior ao século VII. Aparentemente, até essa época, grande influência exerceu aí a medicina da China, da qual eram importados, inclusive, os medicamentos. No século XVI, a medicina ocidental foi introduzida pelos missionários portugueses. Após o contato com o Comodoro Perry, o Japão apresentou rápido progresso na área médica, e atualmente é um dos principais centros de desenvolvimento gerontológico.

    Índia

    O tratado Sushruta Samhita, escrito em 400 d.C. por Sushruta, grande médico hindu, compila um conhecimento de transmissão oral muito anterior e, de alguma maneira, abarca grande parte da ciência médica hindu. Este conhecimento já relacionava a malária aos mosquitos, a praga aos ratos e refere mais de 700 plantas medicinais. Esse documento também se refere ao rejuvenescimento e ao prolongamento da vida. Nesse contexto, a doença é vista como uma desarmonia dos elementos do corpo. Quatro tipos de doenças são assim identificados: traumáticas, causadas por lesões externas; corpóreas, causadas por desequilíbrios físicos internos; mentais, causadas por emoções excessivas; e naturais, causadas pela privação das necessidades físicas e pelo envelhecimento. Cria-se que o homem possuía tendências mórbidas inatas e limitada expectativa de vida. O prolongamento desta é também considerado como possibilidade de melhor preparo espiritual para o nirvana. Acreditava-se que se poderia reduzir o processo de envelhecimento pelo controle de influências desarmoniosas, associado ao uso de medicamentos específicos, como os feitos por meio de algumas plantas alucinógenas.

    Oriente Médio

    Mesopotâmia

    O início do que hoje entendemos por civilização tem sua origem entre os sumérios (cerca de 3.300 a.C.), primitivos habitantes da Mesopotâmia que, entre outras coisas, introduziram a escrita, dando início à possibilidade da História.

    Entre eles, estudos seriados de jazigos e ossadas têm permitido verificar que a média de idade na morte era de 30 anos para os homens e 28 para as mulheres; 22%, das pessoas viviam mais de 35 anos. Em sua sociedade, na qual a figura do médico não se encontra em suas formas mais antigas, no tratamento do doente primeiramente havia a intervenção específica de um šhipu ou ašhipu ou šipu (clérigo-exorcista); não havendo resultados, o tratamento prosseguia com o asû (curador prático), que recorria a um conjunto de manipulações físicas, pequenos atos cirúrgicos e administração ou aplicação de prescrições medicamentosas variadas. Em caso de insucesso, os doentes poderiam recorrer aos serviços de um bârû (sacerdote-adivinho) que, pelo exame das vísceras de um animal especialmente sacrificado para o caso, daria uma explicação final.

    Por volta de 2000 a.C., os amoritas unificaram as nações e tribos no vale entre os rios Tigre e Eufrates. Nesse ambiente foi construída a cidade da Babilônia, tendo florescido a ciência e a arte graças a alguns monarcas, entre eles Hamurabi, responsável pelo código em que, pela primeira vez, se definem responsabilidades e padrões de conduta dos profissionais médicos, bem como dos diversos setores da sociedade de então.

    É originário da Mesopotâmia o mais antigo símbolo médico conhecido, o caduceu, já presente em vasos datados de 2700 a.C. Esse símbolo está intimamente ligado à aspiração ancestral do rejuvenescimento. Outra coisa não significa a serpente que, ao renovar sua pele permanentemente, se rejuvenesce, na visão da época.

    É interessante notar que a legislação mesopotâmica, registrada no código de Hamurabi, baseia-se essencialmente num controle de relações comerciais, definindo, por exemplo, quanto o médico poderia cobrar por determinado procedimento, bem como numa justiça retributiva, com multas e penalidades fixas para as diferentes infrações, inclusive da prática médica. Não se vê, por outro lado, qualquer vestígio de conceituação de direitos humanos intrínsecos ou de valores éticos pessoais. Não se pode deixar de notar certa semelhança com os valores propostos por sociedades economicamente desenvolvidas da atualidade.

    Egito

    Já podiam ser observadas no antigo Egito, por volta de 3000 a.C., uma vida familiar desenvolvida e uma estrutura social intrincada, na qual se ressaltavam as crenças religiosas e suas influências na vida cotidiana. Diversos documentos ressaltam a obrigação dos filhos de cuidar de seus pais idosos e de manter suas tumbas após a morte.

    Uma das primeiras representações gráficas do conceito de envelhecer encontra-se no hieróglifo que significa velho ou envelhecer, visto a partir dos anos 2700 a 2800 a.C. e que representa uma imagem humana arqueada e apoiada em um bastão, um ideograma representativo de fraqueza muscular e perda óssea, algo semelhante àquela encontrada, na atualidade, para designar os locais reservados a idosos nos estacionamentos e transportes públicos.

    Não obstante as limitações, os egípcios objetivavam vida longa e saudável. Viver 110 anos era considerado o prêmio por uma vida equilibrada e virtuosa. A par disso, grande importância foi dada a medidas higiênicas como os banhos, rituais de sudorese, vômitos e clisteres. A importância dessas práticas pode ser medida pela saudação normal de então: Como você tem suado?.

    Em 1600 a.C. parece ter sido escrito o documento conhecido como o papiro cirúrgico de Edwin Smith. Além de descrições clínicas, esse documento também refere diversas formulações. Uma delas chama-se o livro para a transformação de um homem velho em um jovem de 20 anos, o qual contém a prescrição e a formulação de um unguento especial feito a partir de uma pasta, mantida em um recipiente de pedras semipreciosas e usado em fricção para a eliminação de rugas e manchas, seguramente um problema comum no clima do Egito.

    O papiro de Ebers, em 1550 a.C., é uma compilação de múltiplas fontes. Apresenta também valiosas prescrições, como o óleo de rícino como catártico e o ácido tânico para o tratamento das queimaduras. Esse documento também é referido como um dos primeiros a tentar explicar as manifestações do envelhecimento, considerado como consequência da debilidade do coração, teoria que posteriormente foi assumida pelos gregos.

    Israel

    A civilização hebreia, contemporânea à mesopotâmica, reforçou principalmente as medidas higiênicas e preventivas no tratamento das doenças. Muitos desses preceitos encontram-se codificados em livros da Bíblia, particularmente nos cinco primeiros (Pentateuco), bem como no Talmude, que comenta estes primeiros livros.

    O respeito do povo judeu pelos idosos fica patente em seus principais livros. No livro de Ben Sirak (Eclesiástico), escrito aproximadamente em 200 a.C., pode-se ler conselhos não apenas sobre o cuidado com idosos, mas também referências aos cuidados necessários a pacientes demenciados: "Meu filho, ajuda a velhice de teu pai, não o desgostes durante sua vida. Se seu espírito desfalecer, sê indulgente, não o desprezes porque te sentes forte, pois tua caridade para com teu pai não será esquecida (Eclesiástico, 3:14,15); ou máximas sobre a velhice como as seguintes: Como acharás na velhice aquilo que não tiveres acumulado na juventude? Quão belo é para a velhice o saber julgar e para o ancião o saber aconselhar! Quão bela é a sabedoria nas pessoas de idade avançada… A experiência consumada é a glória dos anciãos!" (Eclesiástico, 25:3-8).

    Também dos pontos de vista legal e político a velhice era valorizada. Maltratar os pais era um crime que podia chegar a ser punido com a morte. O Sinédrio, órgão máximo do povo hebreu, era composto por 70 anciãos do povo, título honorífico concedido aos principais chefes das tribos, homens ilustres, cujas filhas poderiam se casar com sacerdotes.

    Uma das características mais marcantes do povo judeu foi sua vida diária impregnada por uma estrutura teocêntrica. Nessa perspectiva, a doença era vista como a consequência do pecado, vinda como castigo ao pecador ou a seus descendentes. A figura do médico era extremamente valorizada, bem como os preceitos de higiene, havendo vários rabinos que proibiam, em seus escritos, a permanência de seus discípulos em cidades que não tivessem médico ou condições sanitárias adequadas.

    No entanto, o forte da medicina hebraica era a prevenção. Se por um lado as informações que se têm sobre recursos medicamentosos ou terapêuticos indicam que os médicos usavam diversas plantas, o azeite e o vinho para diversos tratamentos, por outro, abundam os conselhos para uma vida longa e sadia. Pode-se ler no tratado Gittin: "Existem oito coisas em que o excesso é prejudicial e em que deve ser observada moderação: viagens, relações sexuais, riqueza, trabalho, comida e bebida, sono, banhos quentes e sangrias. Em outro dos livros pode-se encontrar a recomendação de banhos de vapor seguidos de duchas frias e massagens com óleo, o que, se refere, mantinha o rabino Khaninna, aos 80 anos, ainda capaz de ficar num pé só, enquanto colocava o chinelo no outro".

    No entanto, mesmo com esses cuidados os anos chegavam para todos em que se pode ler: "Não tenho nele prazer! A época em que os homens fortes e as mulheres se encurvam e não podem mais moer o trigo nem as azeitonas e quando, na verdade, como disse o poeta, a canção do pássaro se esvai. Também merece atenção a percepção da disparidade, muitas vezes observada nos grandes idosos, entre quantidade e qualidade de vida, explicitada na afirmação do salmista: A soma da nossa vida é de setenta anos, os mais fortes chegam aos oitenta; mas a maior parte deles é fadiga e dor, passam depressa e nós desaparecemos" (Salmos 90:10).

    Possivelmente, a maior contribuição da cultura hebraica à história como um todo, e à história da medicina em particular, está ligada não tanto aos conhecimentos científicos precários, mas à conceituação, muito anterior aos filósofos gregos, do valor intrínseco da pessoa humana, base fundamental da consideração ética.

    Ocidente

    Grécia

    O envelhecimento, para os gregos, representava um declínio da juventude e vigor, altamente valorizados pela cultura helênica. Contudo, encontram-se demonstrações de respeito pelos antigos vencedores e suas passadas vitórias, bem como por seus velhos estadistas e filósofos. Curiosamente, Esparta, na qual o ideal físico era mais valorizado, foi o local em que o conselho dos cidadãos idosos foi mais valorizado. Um conselho de 28 homens, com idade acima dos 60 anos tinha, por meio da Gerúsia, o total controle da cidade-estado.

    Por volta do século VI a.C., por influência dos pitagóricos, aceitava-se a existência de quatro elementos básicos que participavam na composição de todas as substâncias: terra, ar, fogo e água, com suas correspondentes qualidades: secura, frio, calor e umidade. Na época de Hipócrates (460 a.C.), em meados do século V a.C., essa doutrina tinha evoluído para a dos quatro humores: sangue, fleuma, bile amarela e bile negra. O equilíbrio de tais humores no corpo correspondia à condição de saúde, sendo a deficiência ou o excesso de um ou mais desses humores causada por fatores externos ou internos, relacionados à doença.

    O método hipocrático de exame incluía observação cuidadosa da aparência do paciente, seu estado emocional, condições funcional, de vida e ambiente, incluindo clima e costumes locais.

    Hipócrates registrou grande número de observações sobre alterações peculiares aos idosos, incluindo distúrbios respiratórios, disúria, doenças renais, artralgias, vertigens, acidente vascular encefálico (AVE), perda ponderal, catarata, hipoacusia etc. Percebeu também que as doenças crônicas, que acompanham o envelhecimento, raramente se curam. Ele sugeria moderação em todas as atividades e desaconselhava aos idosos suspender suas ocupações habituais.

    Durante esse período da história grega, a teoria predominante de envelhecimento referia-se ao calor intrínseco, um dos elementos essenciais, e o principal deles relacionado à vida. Essa teoria postulava que, a princípio, cada pessoa possuía uma quantidade limitada de matéria, inclusive calor, para ser usada durante toda a vida. A taxa de utilização e o tempo necessário a essa variariam de um indivíduo para o outro. O calor intrínseco poderia ser reforçado ou restaurado, mas nunca inicialmente; assim, a reserva total diminuiria até a morte.

    Aristóteles, cujo pai, Nicômaco, era médico do rei Filipe da Macedônia, um século mais tarde expôs, de maneira detalhada, sua teoria do envelhecimento nos livros: Sobre a Juventude e a Velhice, Sobre a Vida e a Morte e Sobre a Respiração. Segundo essa teoria a alma é combinada, ao nascer, ao calor intrínseco e dele depende para se manter unida ao corpo. A vida consistiria na manutenção desse calor e de sua relação com a alma que se localizaria no coração. Para continuar aquecido, o calor intrínseco exige combustível. À medida que esse combustível vai sendo consumido, o calor intrínseco diminuiria sobrevindo o envelhecimento. Toda a chama débil pode ser extinta com mais facilidade que uma chama vigorosa (juventude), mas, deixada por si, essa chama poderia perdurar até o total consumo do combustível.

    Certamente não passará despercebido a qualquer moderno gerontólogo o paralelismo destes conceitos milenares com os atuais conceitos sobre a síndrome da fragilidade e sua importância na compreensão do processo de envelhecimento e suas complicações.

    Não menos importante que a tradição hipocrática, a antiguidade grega iluminou a Filosofia e, em consequência, a Ética. A partir dos conceitos pré-socráticos de pessoa, também expressos em Hipócrates no seu conhecido juramento, já se pode observar a visão do ser humano como fim em si mesmo e não como meio. A Filosofia de Platão (428 a.C.) e Aristóteles (384 a.C.) estruturou e definiu os conceitos relativos à identidade da pessoa, condição essencial da natureza humana e base de todos os seus direitos intrínsecos.

    Roma

    Os idosos parecem ter recebido o respeito, ao menos nominal, na antiga Roma. A mais importante instituição de poder, o Senado, deriva seu nome do senex (idoso), valorizando a experiência desses cidadãos. Um dos mais interessantes documentos sobre o envelhecimento foi legado por Marco Túlio Cícero, político, orador e filósofo, que em seu livro Sobre a Velhice (De Senectute), faz preciosas considerações quanto aos diversos problemas do envelhecimento, como a memória, a perda da capacidade funcional, as alterações dos órgãos dos sentidos, a perda da capacidade de trabalho etc. Impressiona, na leitura desse clássico, a clareza com que são tratados problemas com os quais os gerontólogos ainda debatem, há mais de 2.000 anos após o seu lançamento, com soluções, absolutamente atuais, propostas para muitos desses problemas pelo genial intelectual romano. Exemplar é o tratamento proposto aos problemas da memória, que põe em relevo, entre outros, a importância dos exercícios mentais.

    Entre as mais importantes figuras médicas do Império Romano temos Celsus e Galeno.

    Aulus Cornelius Celsus (10-37 d.C.), de origem aristocrática, situação rara em Roma, em que a medicina era exercida principalmente por escravos gregos, escreveu uma enciclopédia médica de oito volumes denominada De re medica, em que trata, nos primeiros seis volumes, do diagnóstico de diversas doenças e de seus tratamentos, incluindo recursos de dieta, drogas e manipulação; e nos dois últimos volumes, dedicados à cirurgia, descreve o tratamento para doenças comuns nos idosos como a catarata, o bócio e os cálculos de bexiga.

    Galeno, médico romano nascido na Grécia (129-200 d.C.), fez observações extensas de anatomia e fisiologia em animais (porcos, cães e bodes), descrevendo conceitos sobre digestão, formação do sangue e função dos nervos. Tem ainda extensa produção em clínica, sendo o primeiro a valorizar o estudo do pulso como recurso diagnóstico. Foi autor de trabalhos que exerceram capital importância em Medicina. Em seu livro Gerontomica, adverte: o idoso deve ser aquecido e umedecido. Devem tomar banhos quentes, fazer dietas especiais, tomar vinho e permanecer ativo. Galeno ainda participou de uma polêmica até hoje candente: se o envelhecimento pode ou não ser considerado uma doença.

    Do ponto de vista ético, os romanos adotaram os conceitos gregos da Filosofia e da Ética. Incorporaram a esses conceitos seu pragmático sistema jurídico, criando uma sólida tradição que incorpora a Filosofia Grega ao Direito Romano, tradição esta que, de alguma maneira, molda toda a cultura ocidental. Pode-se lembrar do nome de Anicius Manlius Torquatus Severinus Boetius (475 d.C.) já no ocaso do Império Romano e transição para a Idade Média que, entre muitas outras contribuições dá, talvez, a melhor definição de pessoa como sendo substância individual de natureza racional. Graças a essa definição e à sua adequada análise pode-se deduzir quase toda a filosofia personalista e suas implicações no comportamento e na ética.

    Um momento importante, ainda na Antiguidade, corresponde à orientação pela Igreja após o Primeiro Concílio de Nicéia em 325 DC, para a construção de um hospital em cada cidade catedral. Entre as primeiras estavam as construídas pelo médico São Sampson, em Constantinopla, e por Basílio de Cesaréia, na Turquia moderna, no final do século IV. No início do século V, o hospital já havia se tornado onipresente em todo o Oriente cristão no mundo bizantino, sendo uma mudança dramática da era pré-cristã do Império Romano, onde não existiam hospitais civis. Chamado de Basileus, este último parecia uma cidade e incluía alojamento para médicos e enfermeiras, além de edifícios separados para várias classes de pacientes. Havia uma seção exclusiva para leprosos. Alguns hospitais mantinham bibliotecas e programas de treinamento, e os médicos compilavam seus estudos médicos e farmacológicos em manuscritos. A equipe do hospital bizantino incluía o médico-chefe (archiatroi), enfermeiras profissionais (hypourgoi) e os atendentes (hyperetai). No século XII, Constantinopla tinha dois hospitais bem organizados, com médicos que eram homens e mulheres. As instalações incluíam procedimentos de tratamento sistemáticos e enfermarias especializadas para várias doenças.

    Outro nome que não pode ser esquecido, já na transição da Antiguidade para A Idade Média, é a do imperador Flávio Anício Justiniano, que foi imperador de 527 a 565 d.C. Além da reestruturação geral das leis e das instituições romanas, ele estruturou instituições de apoio de saúde a diversos grupos como: os brephotrophia receberiam crianças abandonadas, os orphanotrophia receberiam órfãos, os gerontodochia receberiam idosos, os ptocotrophia receberiam pobres e desamparados, os xenodochia receberiam viajantes e peregrinos enfermos, os lobotrophia receberiam inválidos e leprosos, e os nosocomia receberiam doentes em geral.

    Não se pode deixar de notar a estruturação, nesta condição, de estruturas asilares específicas para os idosos: os gerontodochia.

    IDADE MÉDIA

    A chamada Idade Média compreende um milênio (500-1500 d.C.). Imaginar que tal período de tempo possa ser chamado, em bloco, de Idade de Trevas, como por vezes se vê, mesmo em ambientes acadêmicos, é uma suposição no mínimo temerária. Em nossos dias, cada vez mais estudos vêm demonstrando uma pujante vida intelectual e científica em muitos períodos deste milênio, cujas descobertas e invenções vieram a marcar definitivamente a história da humanidade e permitir o ulterior desenvolvimento de ciências específicas, aí incluída a Medicina.

    Nesse período, a medicina ocidental enfrentou o problema de concatenar as tradições dos invasores bárbaros com as tradições clássicas greco-romanas e a influência cristã. Pode-se dizer que a influência de Galeno ficou praticamente inalterada. O interesse acadêmico centrou-se, quase exclusivamente, em medidas higiênicas para a manutenção de boa saúde até uma idade avançada, sem se definirem, não obstante, medidas concretas de saúde pública, realidade impensável em uma sociedade dividida em feudos como a medieval.

    Deve ser dito que, em matéria de higiene, a Renascença teria muito a aprender com o período medieval. Chama a atenção a importância dada a medidas de higiene pessoal e banhos prescritos nessa época. Um singelo testemunho arquitetônico pode ser encontrado no fato de a Abadia de Cluny dispor de aproximadamente 40 banheiros, comodidade desconhecida, por exemplo, no palácio de Versalhes, que dispunha de um único.

    No século VII iniciou-se a grande expansão islâmica, atingindo o Oriente Médio, o norte da África e o sul da Europa, principalmente a Espanha. Nesse período observa-se uma captação da cultura clássica, principalmente a grega pela cultura árabe. Atuaram, pois, os árabes como preservadores da cultura médica grega que, num segundo tempo, foi restituída por inúmeros centros de estudos.

    Altamente eclética, a medicina islâmica associou aos elementos dos clássicos gregos, cujo conhecimento lhes veio por monges nestorianos, os conhecimentos do Talmude, conhecimentos de Astrologia provenientes do Egito e do Oriente. Processos químicos básicos como destilação, cristalização e sublimação datam dessa época. Não é sem motivo que palavras árabes como álcali, álcool, xarope e droga são, até hoje, usadas em Medicina.

    Maimônides (Moses ben Maimon, 1135-1204), de origem israelita, foi médico do sultão Saladino e líder da comunidade judaica no Egito. Foi um influente médico de formação essencialmente hipocrática e galênica, um dos autores que mais valorizaram a Medicina preventiva e que já advertia os idosos, em alguns de seus 10 tratados, para evitar excessos, manter cuidados de higiene, beber vinho e fazer acompanhamento médico periódico, unindo, dessa forma, orientações relativas à prevenção primária e secundária na atenção aos idosos.

    Paralelamente à participação árabe, a Escola Médica de Salerno, fundada em 800 d.C., no sul da península italiana, foi um dos primeiros e mais famosos centros médicos do medievo, combinando um centro de ensino, um hospital e uma escola médica, com um ensino influenciado por conhecimentos da filosofia grega, com influências árabes e judaicas. A grande liberdade de ensino aí reinante pode ser avaliada pela presença de mulheres como professoras, fato absolutamente inusitado até esse momento. A mais conhecida, Trotula, publicou um dos primeiros tratados de Ginecologia. A anatomia baseava-se no estudo do porco, seguindo os passos de Galeno. O curso durava cinco anos e os alunos deviam passar por um exame de qualificação antes de poder exercer a Medicina.

    Cem anos mais tarde, no início do século X, já se encontrava em Veneza legislação que tributava em 10% as heranças para, com esse fundo, prestar assistência específica às pessoas incapazes e idosas.

    O surgimento das universidades contribuiu para organizar o ensino médico e criar critérios de excelência aceitos pelas principais instituições da época, como as Universidades de Paris (1110), Bolonha (1113) e Oxford (1167).

    Fundada em 1161, um pouco depois de Salerno, a Escola Médica de Montpellier teve maior ligação intelectual com a Medicina islâmica.

    De Montpellier é justo que se destaque o nome de Arnold de Villanova (1235-1312), doutor em Teologia, leis e Filosofia, diplomata, médico e químico que imaginou atingir o elixir da longa vida. Seu livro Da Conservação da Juventude e da Proteção da Velhice foi escrito em 1290 e, embora contenha uma crítica a Galeno, concorda essencialmente com o conceito galênico de que o envelhecimento decorre do aumento dos humores secos e frios, podendo ser contrabalançado pela utilização de humores úmidos.

    Nessa mesma época, Roger Bacon (1212-1294), frade franciscano considerado, com justiça, o primeiro advogado do método científico, defendia os conceitos galênicos sobre a ligação do envelhecimento com a diminuição do calor intrínseco, acrescentando conceitos próprios sobre situações que intensificariam a perda desse calor, como infecções, desordem na organização de nossas vidas e ignorância sobre hábitos de higiene. Para prolongar a vida, esse autor sugeria medidas até hoje ortodoxas, como controle dietético, repouso e exercícios moderados, e bons hábitos de higiene. A esse cientista deve a Medicina a ideia de tratar a deficiência visual com o uso de lentes corretoras.

    Dignas de nota são, ainda no século XIII, a Tacuina (Tacuinum Sanitatis), obra que reúne textos médicos com preciosas iluminuras, que destacam uma série de recursos terapêuticos de origem vegetal e animal. Nesses textos, encontrados nos últimos 100 anos em bibliotecas de vários centros europeus (tacuinum de Paris, Viena, Liège, Ruão, Roma), mas que parecem ter sua comum origem na região norte da Itália (vale do rio Pó), pode-se ver, por exemplo, citadas as vantagens do uso da manjerona pelos idosos, melhorando a obstrução do cérebro.

    No tocante à Ética, dificilmente se poderia encontrar período mais florescente. A contribuição de pensadores e filósofos cristãos, judeus e árabes ilumina a Idade Média em todos os campos da Filosofia, da Metafísica à Filosofia da Ciência, que nesse período tem, em Alberto Magno (1200) e Roger Bacon (1214), seus primeiros estruturadores. A contribuição mais significativa nesse período deve-se ao gênio de Tomás de Aquino (1225) que, como Agostinho de Hipona (354 d.C.) fizera no início da Idade Média em relação a Platão, desenvolve, a partir de Aristóteles, toda uma escola filosófica que é, com certeza, a que individualmente mais contribuiu para a formação da cultura e da ética das civilizações ocidentais a partir do medievo.

    RENASCIMENTO

    Nessa fase, pode-se observar progressivo aumento na expectativa de vida, bem como maior interesse com referência aos problemas do envelhecimento. Na segunda metade do século XV, Gabriele Zerbi (1468-1505), anatomista, professor e clínico escreve seu livro Gerontocomia, um manual de higiene para idosos e que representa o primeiro livro impresso destinado exclusivamente à Geriatria. Nesse texto, Zerbi define que o idoso tem compleição especial, definindo essa compleição como uma predisposição para mais de 300 doenças: Os velhos têm dificuldade de respiração, catarro acompanhado de tosse, dores e dificuldades à micção, dores nas juntas, doenças nos rins, tonturas, apoplexia, caquexia, pruridos por todo o corpo, falta de sono, descargas líquidas pelas fezes, olhos e narinas, dificuldades de visão, catarata e diminuição da audição.

    Nesse livro, Zerbi analisa muitas das atividades normais dos idosos, orientando, inclusive, os melhores lugares para as casas de idosos, bem como adequada prescrição dietética. Ponto curioso nesse autor é a defesa do uso de leite humano para a melhoria de condição dos idosos. Tal conceito, aparentemente estranho, pode ser encontrado em muitas passagens históricas desde então. É conhecido o fato de que o duque de Alba, ao morrer em Lisboa em idade avançada e já muito doente, somente conseguia se alimentar de leite humano. Mesmo recentemente pode-se ler em As Vinhas da Ira, de John Steinbeck, o episódio em que o velho moribundo é cuidado por uma jovem que acabara de perder um bebê.

    Muito interessante também é o fato de, nesse texto, Zerbi ter colocado as virtudes necessárias aos que quisessem se dedicar à atenção dos idosos, os gerontocomus que deveriam ser: Humanos, conhecedores da Medicina, moralizados, experientes, frugais, religiosos, limpos, moderados no comer, com bons hábitos, de boa aparência, sem odores corpóreos ou perspiração excessiva. Essas características seriam necessárias nos profissionais para que eles, por sua própria vida, pudessem servir de exemplo de conduta para os pacientes idosos.

    Um pouco depois, Luigi Cornaro (1467-1566), veneziano nobre e especialista em leis, escreveu aos 88 anos o Tratado sobre Saúde e Vida Longa e sobre os Meios Seguros para Consegui-Ias, um manual de higiene que se tornou extremamente popular, em especial pelo fato de o autor ter vivido até os 99 anos. Na verdade, esse autor, por volta dos 40 anos, percebeu que problemas importantes de saúde que apresentava eram decorrentes de seu estilo de vida. Restringiu-se, a partir disso, a 350 g de alimentos sólidos e 500 g de líquidos por dia, com o que refere ter recuperado sua saúde e paz de espírito, evitando, ao mesmo tempo, os estresses físicos e emocionais.

    Paracelsus (Teophrastus Philipus Aureolus Bombastus von Hohenheim, 1493-1541), médico e químico alemão, teve posição extremamente polêmica em seu tempo, condenando a Medicina tradicional e definindo, como causa das doenças, não o desbalanço do equilíbrio interno, mas a agressão de agentes externos, contra os quais, afirmava, devia direcionar o tratamento. Esse autor considerava como inata a tendência do corpo a corrupção, separação e acúmulo de detritos, processo este que acarretaria não apenas as doenças como o envelhecimento, sendo possível retardar este processo de dissolução com medidas como nutrição e ambientes geográficos adequados, bem como com algumas substâncias místicas.

    Por ocasião do aparecimento da ciência experimental, no século XV, a necessidade de verificação experimental dos eventos tornou-se patente. O primeiro livro de Geriatria em língua francesa é escrito nessa época por André du Laurens, médico da corte e professor universitário, que a partir de autópsia realizada em idosos, discute a antiga teoria de que o coração diminui de idade após os 50 anos.

    Francis Bacon (1561-1626), proponente do raciocínio indutivo, escreveu A História Natural da Vida e da Morte e a Prolongação da Vida, quando contradiz muitas das antigas teorias sobre o envelhecimento e a morte natural, retornando ideias de Galeno sobre o espírito (pneuma). Segundo Bacon, um espírito jovem inserido em um corpo velho faria regredir a evolução da natureza. Para prolongar a vida recomendava uma dieta apropriada, exercício, certas ervas, massagens e banhos especiais. Francis Bacon é o primeiro a se referir a transplantes de órgãos. É interessante notar ainda que, apesar disso, como muitos sábios do Renascimento, Bacon era um crédulo seguidor da astrologia, com conceitos que fariam muitos de seus predecessores medievais sorrir, cinco séculos antes.

    O primeiro livro de Geriatria impresso originalmente em inglês foi Medicina Gerontocomia ou a Arte Galênica de Preservar a Saúde dos Homens Velhos, escrito por Sir John Floyer (1649-1734), médico inglês. George Cheyne (1671-1743) escreveu um tratado de higiene denominado Considerações sobre a Saúde e a Vida Longa. Em comum, esses autores têm a defesa da teoria humoral da Patologia, sendo seus escritos indicativos dos primeiros passos da Ciência.

    Do ponto de vista filosófico, o Renascimento, parte da era moderna, que só passou a ser assim chamado a partir do século XIX, apresenta muito menos brilho que os demais períodos da História. Não tem mais o fulgor de Platão, Aristóteles ou Tomás de Aquino e ainda não tem o brilho de Descartes. No entanto, deve-se a esse período a contribuição de Francis Bacon na estruturação da Ciência Experimental. Chama a atenção a colocação, nesse período, do Homem como o centro da atenção e do pensar filosófico, dando origem ao Humanismo, no qual se destacam os florentinos do século XV como Leonardo da Vinci, Marsílio Ficino (Conhece-te a ti mesmo, ó linhagem divina vestida com trajes mortais) e Giovanni Pico della Mirandola, autor do famoso discurso sobre a dignidade do homem. Por outro lado, dado o culto à Antiguidade clássica observado no Renascimento, os conceitos de dignidade humana inerente ao ser do homem, permaneceram em muitos autores, estáveis. Pode-se, entretanto, observar em pensadores, como Nicolau Machiavel, a elaboração de uma ética de resultados, não ligada à dignidade intrínseca. Por natureza, afirma, os homens são vorazes, nunca se contentam com nada. É preciso dominá-los com o poder e a astúcia. Para Maquiavel, o conceito de virtude centra-se no saber fazer e não em qualquer conceito moral.

    ERA MODERNA

    Os avanços na Química, Anatomia, Fisiologia e Patologia nos séculos XVII e XVIII tornaram mais realistas as discussões sobre o problema do envelhecimento. Morgagni, cientista italiano (1682-1771), em seu livro Sobre os Locais e Causas das Doenças, descreve 50 anos de pesquisa em 500 cadáveres, estudando a correlação entre os sintomas clínicos e os achados necroscópicos. Foi a eliminação final da teoria humoral como causa única e final de todas as doenças. Esse livro, verdadeiro divisor de águas na história da Medicina, foi publicado quando o autor já contava 79 anos.

    Johann Bernard von Fischer (1685-1772) escreveu o primeiro livro sobre idosos que rompe com a tradição medieval, dirigindo-se à modernidade. Em seu trabalho De Senio Eiusque Gradibus et Morbis (A Velhice, seus Estádios e suas Doenças), publicado na Alemanha em 1754, o autor ataca energicamente o pessimismo existente no meio médico sobre a atenção aos idosos. Na primeira parte de seu livro, von Fischer dedica-se ao estudo da anatomia e fisiologia dos idosos, procurando separar envelhecimento normal e doença. Como características do envelhecimento são listadas: dilatação do coração e da aorta, calcificação dos pequenos vasos, adelgaçamento cerebral, espessamento de cartilagens e degeneração dos ossos. Descreve ainda as características de respiração, pulso, sono, nutrição e excreção. A segunda parte do livro é dedicada às doenças e seu tratamento, e a terceira define regras de higiene a serem seguidas pelos idosos.

    Com o início da Revolução Industrial e do Racionalismo, autores passam a comparar o corpo a uma máquina, sujeita ao desgaste. Erasmus Darwin (1731-1802), avô de Sir Charles Darwin, propunha que o envelhecimento e a morte decorriam da incapacidade de irritabilidade e uma menor resposta dos tecidos; ainda nessa época, importante contribuição é dada pelo médico americano Benjamin Rush (1745-1813) com o livro Análise do Estado do Corpo e da Mente na Velhice com Observações sobre as Doenças e os Remédios, no qual o autor faz uma análise da fisiologia do envelhecimento, com as implicações clínicas das alterações observadas. Esse autor, de maneira pioneira, lança o conceito de que as doenças, e não o envelhecimento em si, são as responsáveis pela morte e de que o envelhecimento não é doença.

    Em seu livro A Arte de Prolongar a Vida do Homem, Christoph Hufeland (1762-1836) afirma que a força vital é capaz de renovar continuamente o corpo e por isso a vida poderia ser prolongada pelo aumento da força vital, fortificando os órgãos e diminuindo sua perda; no entanto, esse prolongamento não podia ser feito de maneira indefinida. Outros, mais otimistas, como Condorcet (1743-1794), acreditavam que com o progredir da ciência, a expectativa de vida poderia crescer indefinidamente. Com o final do século XVIII e início do século XIX, métodos progressivamente mais científicos são descritos. Burkhard Seiler (1779-1843) publicou em 1799 um livro referente à anatomia do idoso, baseando-se em dissecções post-mortem e que teve grande valor durante o século XIX. Carl Canstatt (1807-1850), na Alemanha, e Clovis Prus (1793-1850), na França, publicaram simultaneamente sistemáticas descrições de doenças nos idosos.

    Carl Friedrich Canstatt apresentou, durante seus 43 anos de vida, impressionante produção científica. Além de editar um livro e fundar um periódico anual de atualização médica, publicou em 1839, em Erlangen, Die Krankheiten des höheren Alters und ihre Heilung (As Doenças da Idade Avançada e seu Tratamento). Nesse impressionante tratado, considerado erroneamente o primeiro tratado científico de Geriatria, título que deve ser concedido a von Fischer, podem ser encontradas verdadeiras pérolas da verdade científica em Geriatria: O idoso morre gradualmente enquanto ainda vive ou: O envelhecimento identifica-se à involução: um enfraquecimento do estado mental, exteriorizado numa indiferença psíquica que pode levar à melancolia e ao suicídio. Em seu trabalho, Canstatt não hesita em indicar os inúmeros problemas não resolvidos, estimulando os estudantes e leitores a completar suas observações. Esse trabalho marcou de tal maneira sua época que autores franceses estranharam como poderia o autor ter tanta experiência em idosos clinicando na pequena cidade de Anspach, na Baviera. Poderiam talvez obter como resposta a máxima de Goethe: O gênio floresce em ambientes tranquilos.

    Na metade do século XIX, a população idosa começou a crescer e o interesse médico no cuidado dos idosos como um grupo separado passou a existir. O Hospital Salpétrière em Paris, que acomodava de dois a três mil idosos, pode ser considerado como o primeiro estabelecimento geriátrico. Nesse hospital, Jean Martin Charcot (1825-1893), a par de suas atividades nas áreas de Neurologia e Psiquiatria, deu suas famosas aulas sobre o envelhecimento, tendo publicado em 1867 as Lições sobre o Envelhecimento. Esse trabalho, rico em observações clínicas e estilo de vida dos pacientes, também traz consigo muito do estilo pessoal de observação e de ensino de Charcot: Nos idosos, os órgãos parecem estar independentes uns dos outros. Eles sofrem independentemente e as lesões de cada um podem afetar muito pouco a economia geral do organismo. Assim, doenças graves podem ter manifestações muito discretas, podendo mesmo passar despercebidas. Nos idosos, pode-se encontrar grande número de doenças latentes. De interesse é o fato de que Charcot teve, entre seus pacientes idosos ilustres, o Imperador Pedro II, de quem cuidou até a morte em Paris.

    Do ponto de vista filosófico, a era moderna inicia-se com René Descartes como importante referencial.

    Descartes reconhece o corpo humano como a mais perfeita das máquinas, pois trabalha por impulsos naturais, – o que é hoje chamado reflexos condicionados, que podem ser controlados ou modificados pela mente, pelo poder da vontade racional. A higiene do corpo é importante, mas há igualmente a necessidade de uma higiene mental, com base no conhecimento dos fatores psicológicos que condicionam o comportamento. A mente necessita do treinamento do bom senso e a aquisição de sabedoria, o que, por sua vez, depende do conhecimento das verdades da metafísica, incluindo o conhecimento de Deus. A atividade moral baseia-se no conhecimento verdadeiro dos valores, ou seja, em ideias claras e distintas garantidas por Deus, do valor relativo das coisas.

    A partir da filosofia cartesiana passa a se desenvolver o racionalismo (Pascal) e o cientificismo (Espinosa, Leibniz), que permearão toda a filosofia do século XVIII.

    Já no período iluminista pode-se encontrar Emanuel Kant, que pensava que a moralidade pode resumir-se num princípio fundamental, a partir do qual se derivam todos os deveres e obrigações. Chamou a esse princípio imperativo categórico. Na Fundamentação da Metafísica dos Costumes (1785) exprimiu o dessa forma: Age apenas segundo aquela máxima que possas, ao mesmo tempo, desejar que se torne lei universal, sendo, também significativo esse outro pensamento kantiano: Age de tal forma que trates a humanidade, na tua pessoa ou na pessoa de outrem, sempre como um fim e nunca apenas como um meio.

    ERA CONTEMPORÂNEA

    O médico I. L. Nascher (1863-1944) pode ser considerado o pai do termo Geriatria. Americano nascido em Viena, ali teve oportunidade de visitar casas de idosos e pôde verificar a boa saúde deles. Escreveu: Isso decorre do fato de que os idosos são tratados da mesma maneira que os pediatras tratam as crianças. Esse fato levou-o, em 1909, a criar um novo ramo da Medicina que ele denominou Geriatria. Em 1912, fundou a Sociedade de Geriatria em Nova York e em 1914 publicou o livro Geriatria. Em 1917, o The Medical Review of Reviews decidiu ter uma seção de Geriatria e convidou Nascher para seu editor.

    Alfred Worcester (1855-1951) foi considerado um pioneiro em muitas áreas do conhecimento médico em Clínica, Cirurgia e Obstetrícia nos Estados Unidos. Iniciando sua carreira na Harvard Medical School, sob a orientação de Oliver Wendell Holmes, Worcester foi o pioneiro a propor, entre outras coisas, a operação precoce na apendicite aguda e a internação dos tuberculosos. Seu livro de 77 páginas tem o curioso título Cuidados com os Idosos, os Moribundos e a Morte e foi, por muitos anos, considerado um clássico da literatura médica. Nesse texto pode-se ler: "A melhora e o conforto dos pacientes deveriam ser os objetivos principais e não o simples prolongar de suas vidas, mesmo porque a melhoria das condições de vida fornecidas aos idosos frequentemente reflete-se num prolongamento de suas vidas, por restaurar sua vontade de viver. É importantíssimo tirar o idoso do leito que é, por vezes, a única maneira de salvá-lo. Se necessário deve o próprio médico carregá-lo como a uma criança desde o leito até uma poltrona próxima a uma janela aberta".

    Pode-se ainda observar, nesse autor, interessante e válida avaliação do desempenho dos jovens médicos a partir de seu relacionamento com os idosos. "Creio que a qualificação de um jovem médico pode ser medida pela reação de seus pacientes idosos a seus cuidados com eles. Não existe maneira mais precisa de medir seu tato e cortesia, sua simpatia e dedicação. Estas são qualificações indispensáveis aos médicos. Alguns parecem tê-las como características naturais, com maior facilidade de expressão que, com a prática, pode ser levada à facilidade de conduzir à ação os interesses de cada um".

    Em 1939, Vincent Cowdry (1888-1975) escreveu seu livro Problems of Aging.

    O progressivo interesse da comunidade médica pelos temas geriátricos desembocou nos Estados Unidos na criação de duas sociedades: The American Geriatrics Society, em 1942, iniciando seu jornal em 1946; e The Gerontological Society, em 1945, com seu jornal também em 1946.

    Em 1950 foi fundada a International Society of Gerontology, que passou a congregar, em nível mundial, as sociedades médicas interessadas no estudo do envelhecimento.

    No Brasil, apesar de reunir referências específicas sobre algumas particularidades do exame físico do idoso já no início do século XX, com trabalhos de Ovídio Pires de Campos, o interesse sistemático pela atenção ao idoso é bem mais recente. Apenas em 1961 foi fundada a Sociedade Brasileira de Geriatria, posteriormente designada Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia, tendo como fundador e primeiro presidente Roberto Segadas Viana e como membros da diretoria Isaac Weissman e Paulo Celso Uchoa Cavalcanti. O primeiro título de especialista foi concedido em 1969 ao Dr. Frederico Alberto de Azevedo Gomes, do Rio de Janeiro. O primeiro serviço universitário aparece por volta de 1975 na Universidade Católica do Rio Grande do Sul, sob a direção de Yukio Moriguchi. A este viria juntar-se, já na década de 1980, o Serviço de Geriatria da Universidade Federal do Rio Grande, sob a orientação de Jorge Silvestre.

    Em São Paulo, o interesse pela Geriatria começa a se delinear na década de 1970, com a fundação, em 1975, da seção São Paulo da Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia, por meio do Serviço de Clínica Médica do Hospital do Servidor Público Estadual, dirigido por Reynaldo Chiaverini e que teve como estimuladores iniciais, além do próprio Chiaverini, as figuras de Wanderley Nogueira da Silva e de Ney Perracini.

    Na Universidade de São Paulo, as atividades começam pouco depois dessa época. Em 1979, um grupo de médicos do Serviço de Propedêutica do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo visitou Centros de Ensino e Pesquisa Gerontológica nos Estados Unidos, Inglaterra, Holanda, Alemanha e Itália, conseguindo subsídios técnicos para a criação do Serviço de Geriatria do Hospital das Clínicas, inicialmente ligado à disciplina de Propedêutica a partir de 1982 e como um serviço independente a partir de 1992.

    Ainda nesta data iniciaram-se serviços de Geriatria na Escola Paulista de Medicina, no Instituto do Coração e na Santa Casa de Misericórdia.

    Em 1992, a Universidade de São Paulo incluiu a Geriatria como disciplina obrigatória no currículo do quarto ano médico, tendo sido realizado o primeiro concurso de livre docência em Geriatria. Ainda em 1992, iniciou-se o trabalho da Clínica Geronto-Geriátrica do Hospital do Servidor Público Municipal de São Paulo.

    O início do século XXI encontra o Brasil com grande número de serviços de Geriatria. Chama a atenção a existência de diversos programas de Residência Médica em Geriatria credenciados pelo MEC, bem como grande número de cursos de especialização e difusão cultural em Geriatria e em Gerontologia. Tal condição tende a adequar o Brasil, já tardiamente, à realidade epidemiológica e aos desafios do futuro.

    Do ponto de vista filosófico, a era contemporânea apresenta peculiaridades nem sequer imaginadas nos demais períodos históricos. À sequência de escolas filosóficas modernistas somaram-se, a partir dos séculos XIX e XX, múltiplas linhas de pensamento, como idealismo, positivismo, materialismo, evolucionismo, espiritualismo, realismo, historicismo e existencialismo. A intensa evolução tecnológica ocorrida, particularmente após a Segunda Guerra, bem como as notáveis mudanças sociológicas, como o progressivo aumento da população idosa; diminuição do tamanho das famílias, que se tornaram nucleares; urbanização galopante de sociedades tradicionalmente rurais e a progressiva participação das mulheres no mercado de trabalho, tornaram patentes faces desconhecidas da realidade, com a consequente perplexidade diante de situações para as quais não existem soluções tradicionais. Por outro lado, as correntes filosóficas ligadas ao materialismo, individualismo e relativismo, já latentes na sociedade ocidental desde os séculos anteriores, encontraram terreno fértil na onda de hedonismo observada após a Segunda Guerra. O conceito de pessoa passou a ser relativizado por algumas correntes filosóficas, que negam ser esta condição intrínseca ao ser humano, negando-a aos limitados, aos ainda não nascidos, aos doentes terminais e a muitos que são apenas socialmente inconvenientes. Soluções impensáveis em outros momentos, como o aborto eugênico ou a eutanásia, podem ser vistas em prática em algumas sociedades no século XX, como a sociedade alemã no período nazista ou a sociedade soviética. Já no século XXI, algumas sociedades, como a holandesa, tornaram realidade práticas de eutanásia, inclusive em menores de 12

    Está gostando da amostra?
    Página 1 de 1