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Currículo Escolar e Epistemologia Social
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E-book345 páginas4 horas

Currículo Escolar e Epistemologia Social

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Sobre este e-book

Currículo escolar e epistemologia social insere-se no movimento dos educadores interessados em compreender a forma como os sujeitos elaboram suas concepções e as transformam em ação, seja no âmbito escolar, seja no âmbito das políticas em educação. Por meio de uma ampla investigação com um grupo de educadores de uma escola pública do município de Blumenau-SC – tendo os significados elaborados sobre o currículo escolar como objeto de pesquisa e a epistemologia social como perspectiva de análise –, Carin Carvalho Brugnara apresenta a relevância da investigação histórica da escolarização, articulada com a compreensão das práticas discursivas, especificamente dos sistemas de raciocínio e de conhecimento que nela circulam, como alternativa para compreender os padrões que determinam o pensar e o fazer na educação, bem como os efeitos de poder em circulação. Assim, a obra propõe-se a discutir como os regimes de verdade são construídos, estabelecendo relações entre a constituição histórica de um dado período, as políticas curriculares vigentes e os discursos que circulam nos processos de escolarização. A leitura desta obra é especialmente recomendada para professores, pesquisadores e gestores do campo da educação interessados em compreender como se constituem os discursos e as práticas que circulam nas escolas, produzindo efeitos normativos.
IdiomaPortuguês
Data de lançamento22 de jul. de 2020
ISBN9786555234411
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    Currículo Escolar e Epistemologia Social - Carin Carvalho Brugnara

    INTRODUÇÃO

    Os estudos acerca das políticas curriculares, de seus pressupostos⁸ e desdobramentos teórico-práticos têm contribuído sobremaneira para a compreensão do campo⁹ curricular no Brasil, tendo em vista que permitem investigar a sua configuração atual, seus limites, possibilidades e aspectos contingentes. Essas discussões objetivam, entre outras coisas, traçar um mapa das discussões atuais e desenvolver teorias e perspectivas que permitam manter em movimento o campo e encontrar espaços alternativos de interlocução sobre descobertas, dúvidas e novas questões que se descortinam quotidianamente.

    No Brasil, o currículo escolar tem sido objeto de estudo para um considerável número de pesquisadores e gestores. Para se ter uma ideia, é tema para colóquios nacionais e internacionais e objeto de estudo para grupos de pesquisa de Programas de Pós-Graduação em Educação, em todo o país; é tema de instigação de um grupo de trabalho da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação e da Associação Brasileira de Currículo, criada em 2011, além de objeto de investigação e prescrição de Secretarias de Educação e unidades escolares em todo o país.

    Em relação à forma de investigar os processos curriculares e suas problemáticas, Silva (1999) afirma que esta tem sofrido modificações ao longo do tempo. Pode-se dizer que o campo da teoria curricular é relativamente novo e dinâmico. Nascido com o intuito de elaboração de políticas e propostas curriculares, com o passar do tempo, assumiu um caráter cada vez mais político e de compreensão das determinações, práticas e relações que afetam e determinam a escolarização.

    Ainda, segundo Silva (1999), os estudos referentes ao currículo tiveram sua origem nos Estados Unidos, no início do século XX. Naquele momento, todo o investimento, tanto intelectual como financeiro, visava encontrar alternativas mais adequadas de apresentação prática e organizacional do currículo. A ênfase permaneceu quase que exclusivamente na elaboração eficiente de programas e na formação técnica e especializada. Em outras palavras, na atividade técnica de como fazer o currículo.

    No final dos anos de 1960, sob a influência dos estudos em sociologia da educação, o currículo como campo de estudos teóricos sofreu alterações. As perspectivas teóricas desse período conduziram a um domínio eminentemente político e propuseram o questionamento da estrutura social e das formas dominantes de conhecimento. Silva (1999) explica que essas teorias se voltaram para compreender o que o currículo fazia e, em especial, para compreender os arranjos sociais de poder, ideologia, reprodução e resistência que permeavam as relações escolares. A partir de então, a escola passou a ser percebida não mais como um espaço neutro de transmissão desinteressada dos conhecimentos, mas como produto social a serviço dos interesses da classe dominante.

    Nas décadas que se seguiram, o campo da teoria curricular não parou de se movimentar. A partir da década de 1980, as teorias curriculares acrescentaram ao seu escopo de investigação novos elementos de leitura do currículo. Buscava-se, então, compreender o currículo sob a hipótese de sua construção discursiva. Esse novo cenário ganhou contornos do que se pode chamar de hibridização de perspectivas teóricas¹⁰. Pode-se mencionar a emergência, na referida década, de debates relativos ao exercício sutil do poder presente nas questões relativas a gênero, raça e sexualidade, resumidas sob a perspectiva dos estudos culturais e de todo o conjunto das teorias pós-modernas¹¹ e pós-estruturalistas¹².

    Essa teorização, baseada em formas de análises textuais e discursivas, buscou a produção de novos sentidos para o campo curricular. No Brasil, autores como Alice Casimiro Lopes, Alfredo Veiga-Neto, Antônio Flávio Moreira, Marisa Vorraber, Elizabeth Macedo, Tomaz Tadeu da Silva, entre outros, têm apontado o currículo e suas problemáticas como uma invenção social. Suas investigações levaram à compreensão do currículo escolar como uma construção social e histórica, na qual circulam e se produzem saberes, relações de poder e subjetividades determinadas.

    Considerando o exposto até o momento, a obra que aqui apresento parte do pressuposto de que o currículo escolar não é o resultado de asserções mais adequadas sobre como organizar a escolarização, mas, como argumenta Goodson (1995), é um artefato social e cultural que envolve formas particulares de organizar os conhecimentos, os tempos e os espaços escolares e tem como objetivo disciplinar e criar normas e padrões para o pensar e agir dos sujeitos envolvidos nesse processo. Em outras palavras,

    Uma perspectiva que vê o conhecimento corporificado no currículo escolar como um artefato social e cultural [...] deve tentar explicitar como esse determinado artefato veio a se tornar o que é, descrevendo a dinâmica social que o moldou dessa forma. [...] Isso implica não ver o currículo como resultado de um processo social necessário de transmissão de valores, conhecimentos e habilidades, em torno dos quais haja um acordo geral, mas como um processo constituído de conflitos e lutas entre diferentes tradições e diferentes concepções sociais. (SILVA, 1996, p. 78).

    Diante disso, pode-se entender que as políticas curriculares, apresentadas em forma de projetos e documentos, são cartas de intenções imbuídas de decisões políticas e administrativas, que são sempre parte de uma tradição seletiva de alguém, da visão de algum grupo acerca do que seja conhecimento legítimo [...] produto de tensões, conflitos e concessões culturais, políticas e econômicas (APPLE, 2002, p. 59). Não são, portanto, neutras, mas produtos de escolhas nas quais se travam disputas e se demarcam lugares e relações de poder.

    É importante pensar também que dentro do conjunto de conhecimento escolar, o que é incluído e o que se exclui, o que tem importância e o que não tem, também serve em geral a uma finalidade ideológica; significa dizer que o currículo não é um instrumento passivo, mas uma força ativa que pode, inclusive, servir para legitimar as ideologias e os sistemas sociais e econômicos tão estreitamente ligados à escola. (COPPETE, 2003, p. 21).

    Pelos motivos mencionados, ao investigar as propostas curriculares oficiais, os seus pressupostos político-ideológicos e a ação que delas decorre, é pertinente compreender sua articulação com o contexto exterior à escolarização. De acordo com Cortella (2003), é ingênuo considerar que a escola possui uma autonomia absoluta na sua inserção social, livre de influências econômicas, sociais e culturais. Mais ingênuo ainda é pensar que os sujeitos envolvidos na escolarização também estão isentos dessas influências.

    Nessa direção, no cenário das teorias e análises curriculares, surgem perspectivas de investigação de interesse epistemológico. Essas perspectivas vêm indicando que, para compreender as políticas curriculares e suas formas de seleção e organização dos conhecimentos, suas regras e normas, seus interesses, suas contradições e relações de poder, necessariamente se deve passar pela investigação dos sistemas de raciocínio e de conhecimentos¹³ que dirigem o pensar e o agir dos sujeitos envolvidos na escolarização.

    Tais perspectivas estão, particularmente, interessadas em compreender como se começou a pensar e a agir da forma como se pensa e age.

    As verdades e os valores da educação, da pedagogia e do currículo são tornados objetos de problematização. Afinal não importa mais perguntar se determinada abordagem, determinado conhecimento ou conteúdo é verdadeiro ou falso. Importa saber como determinados conhecimentos vieram a ser considerados mais verdadeiros que outros. Importa saber os processos, os procedimentos, a feitura, a fabricação. [...] Explicitam os processos pelos quais as verdades são produzidas e os valores inventados [...] e questionam os processos que nos levam a considerar certos tipos de conhecimentos mais desejáveis que outros e alguns valores preferíveis a outros. (PARAÍSO, 2005, p. 75).

    Nessa esteira, o autor Thomaz S. Popkewitz tornou-se reconhecido por seu interesse em análise de reformas curriculares. Sua proposta, fundamentada em pressupostos epistemológicos¹⁴, tem se ocupado pouco com a prescrição de modelos de reforma curricular e muito mais com a investigação dos sistemas de conhecimentos que as envolvem.

    Para Popkewitz (2001), a investigação dos discursos que circulam na escolarização é uma possibilidade para se chegar aos sistemas de raciocínio e de conhecimentos que se produzem socialmente sobre a educação. Esses sistemas devem ser encarados como práticas sociais que têm o poder de produzir pensamentos, ações e subjetividades.

    O poder desse conhecimento está no fato de não ser apenas conhecimento. As idéias funcionam para modelar a maneira como participamos [...]. Tal fusão do conhecimento público/pessoal que disciplina nossas escolhas e possibilidades pode ser pensada como efeitos de poder. [...] o próprio conhecimento que organiza o ensino, a aprendizagem, o manejo da classe e o currículo imprime uma certa seletividade naquilo que os professores ‘vêem’, pensam, sentem e conversam sobre as crianças e as matérias escolares. (POPKEWITZ, 2001, p. 13).

    Para englobar todas as questões que aponta, Popkewitz (1997) utiliza o conceito de epistemologia social. De modo mais específico, tomada como perspectiva de análise, visa compreender as conexões entre o conhecimento e o poder presentes nas relações sociais e institucionais. O próprio Popkewitz se manifesta sobre a epistemologia social:

    Tenho usado a frase Epistemologia Social referindo-me à linha de análise que orienta este estudo: a relação do conhecimento, instituições e poder. Uso epistemologia como conceito histórico, social e pragmático. [...] Com a filosofia pragmática, afirmo que não há base comum onde possamos colocar um verdadeiro consenso ou um modelo neutro permanente, segundo o qual seja possível avaliar um argumento racional. Não há esquemas universais de raciocínio e racionalidade, mas somente epistemologias socialmente construídas que representam e incorporam relações sociais. (POPKEWITZ, 1997, p. 39).

    Desse modo, a epistemologia social pronunciada por Popkewitz apresenta-se como alternativa para análise dos processos escolares, porque permite compreender que as teorias curriculares e as ações que delas decorrem não estão num campo puramente neutro epistemologicamente, mas num campo epistemológico social (SILVA, 1999, p. 16), em que os conhecimentos que se produzem acerca da escolarização – e, nesse caso específico, do currículo – podem ser interpretados como práticas sociais que produzem efeitos normativos.

    Popkewitz (1994) ainda explicita seu entendimento a respeito da possível contribuição de uma epistemologia social na análise do currículo.

    Exploro os efeitos do currículo através daquilo que chamo de Epistemologia Social da escolarização. Uso o conceito de epistemologia para me referir à forma como o conhecimento, no processo de escolarização, organiza as percepções, as formas de responder ao mundo e as concepções de eu. O ‘social’ que qualifica ‘epistemologia’ enfatiza a implicação relacional e social do conhecimento, em contraste com as preocupações [...] como a busca de asserções de conhecimentos universais sobre a natureza, as origens e os limites do conhecimento. (POPKEWITZ, 1994, p. 174).

    O mesmo autor acrescenta que sua preferência pelo termo ‘Epistemologia Social’ tem a intenção de historicizar o processo de escolarização de uma forma que a maior parte das teorias discursivas não o faz (POPKEWITZ, 1994, p. 175). Essa proposta de investigação tem o intuito de auxiliar a compreensão de como foram sendo construídos historicamente, nas instituições escolares, os sistemas de raciocínio e de conhecimento que formam as normas e padrões para o pensar e o agir dos sujeitos que nelas circulam, como também seus efeitos de poder.

    Em outras palavras, investiga como se articulam sistemas de raciocínio, sistemas de conhecimento, práticas discursivas e relações de poder ao longo do tempo. Para o autor, a investigação histórica da escolarização constitui uma forma de, criticamente, depreender os discursos que proclamam propostas de conhecimentos verdadeiros e racionais sobre as crianças, os professores e os processos pedagógicos.

    O esvaziamento da história, no conhecimento da pedagogia e da infância em discursos da reforma, produz uma memória que funciona para normalizar e produzir sistemas de inclusão e exclusão [...] princípios para ação e participação. A falta de historicidade, relacionada com a construção da ‘razão’ em políticas educacionais e na pesquisa educacional, também é sua ironia. A construção da memória e do esquecimento pressupõe continuamente que as políticas e pesquisas sejam guiadas por propósitos normativos, sem refletir sobre como essas construções normativas de propósitos e satisfações representam os efeitos do poder. (POPKEWITZ, 2004, p. 123).

    Para tanto, Popkewitz (2001) recomenda a análise de discurso dos sujeitos que agem na escolarização para identificar os significados e o que/como estes são construídos e interferem nas práticas educativas. A investigação dos processos curriculares e seus discursos pode se constituir, para o referido autor, em uma possibilidade para compreender as formas de regulação¹⁵ social. Ou seja, de regras e padrões que organizam as percepções dos professores e alunos sobre o mundo e seus regimes de verdade¹⁶, sobre o bom e o mau professor, o bom e o mau aluno, a boa e a má escola, o currículo ideal etc. Portanto, é uma possibilidade de compreender os determinantes sociais, históricos, políticos e culturais que conduzem as percepções dos professores e alunos.

    Tendo por base o até aqui apresentado, afirmo que meu interesse em estudos sobre políticas curriculares e seus efeitos não aconteceu por acaso. A partir dos anos de 1990, quando iniciei minha formação para a docência, acompanhei um crescente movimento de reflexão sobre reformas e mudanças¹⁷ educacionais. Nesse período, no Brasil, as teorias críticas eram a principal referência nas análises que se realizavam sobre a educação. Além disso, a experiência profissional, a partir de 1994, foi acompanhada de um conjunto de modificações em políticas curriculares no município de Blumenau, no estado de Santa Catarina.

    Os debates que acompanharam essas modificações, em especial o aprofundamento nos estudos em currículo e nos estudos realizados por Thomas Popkewitz, realizados no Programa de Pós-Graduação em Educação, a partir do ano de 2004, cingiram minha formação como pesquisadora e, sem dúvida, influenciaram na delimitação do objeto da pesquisa, no seu desenvolvimento e na textualização dos resultados.

    Uma das mudanças educacionais que acompanhei ocorreu no início da década de 1990, quando o conjunto de professores da Rede Municipal de Educação de Blumenau pôde participar de uma intensa discussão acerca da pertinência das reformas educacionais. A gestão municipal de 1993, aos cuidados do governo do Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB), promoveu um dos primeiros movimentos de interesse em gestão democrática da política educacional no município, o qual se estendeu até as eleições de 1997, que colocou o Partido dos Trabalhadores (PT) na gestão. A partir daí, a Prefeitura de Blumenau organizou sua política educacional por ciclos¹⁸, tomando como principal objetivo a reorientação curricular, que ficou conhecida como Escola Sem Fronteiras.

    Durante os oito anos em que a gestão de 1997 esteve à frente da Prefeitura, por intermédio da Secretaria Municipal de Educação, foram oferecidos aos seus professores espaços coletivos de reflexão nas escolas, além de oficinas, grupos de pesquisa e, anualmente, seminários, congressos ou fóruns de debate. De acordo com Andrade (2002, p. 59), as temáticas que permearam os encontros de formação voltaram-se para recentes teorias, de diferentes áreas, processos de renovação pedagógica, o papel da escola e sua organização, estrutura curricular e práticas pedagógicas.

    As temáticas mencionadas por Andrade (2002) permearam a política educacional do município de Blumenau até o final de 2004, ano em que também saiu da gestão do município o PT, e a proposta Escola Sem Fronteiras foi substituída pelo regime seriado. Assumiu a gestão municipal o Partido da Frente Liberal (PFL).

    Minha imersão nesse contexto, inicialmente como professora das séries iniciais e posteriormente como coordenadora pedagógica do ensino fundamental da Secretaria Municipal de Educação de Blumenau, do período de 2002 a 2003, suscitou a pesquisadora. O contato quotidiano com professores e suas expectativas, anseios e angústias levantou questões como: o que é mesmo currículo? O que o caracteriza? Como proporcionar uma mudança curricular que possibilite a relação teórico-prática? Como organizar espaços de formação coletiva que possibilitem o questionamento e a ruptura com uma cultura curricular tão fortemente estabelecida? Como historicizar e desnaturalizar os currículos, a ação que deles decorre, os conteúdos escolarizados e a organização dos tempos e dos espaços escolares?

    Todos esses anseios e expectativas foram os propulsores para a busca pelo mestrado e a construção desta pesquisa. Foi o processo de não saber ao certo quais influências, relações e interesses se fazem presentes na construção dos conhecimentos e práticas que envolvem a elaboração de um currículo, e que estratégias sociais e culturais determinam o currículo, que me levou a pensar sobre questões nas quais, até então, não havia pensado e que me eram, portanto, desconhecidas.

    O ingresso nos estudos em currículo, em especial as leituras do autor Thomas S. Popkewitz, levaram-me a perceber que a investigação das questões epistemológicas que envolvem o processo de escolarização pode apontar alternativas para a compreensão de como todo o aparato escolar, ou maquinaria escolar, de acordo com Varella e Alvares-Uria (1992), é posto em movimento e se apresenta como algo natural, e não como resultado de escolhas. Almejando encontrar respostas para as questões levantadas, a pesquisa que desenvolvi norteou-se pela seguinte questão-problema: quais são os principais significados do currículo para um grupo de professores de uma escola pública do município de Blumenau, com base na epistemologia social?

    Desse ponto de partida, e tendo a epistemologia social como pressuposto de análise, defini como questões específicas de pesquisa: quais sistemas de conhecimento e práticas discursivas orientaram a constituição histórica da educação do município de Blumenau? Quais sistemas de conhecimento e práticas discursivas orientam as concepções curriculares dos documentos oficiais da educação do município de Blumenau? Quais sistemas de conhecimento e práticas discursivas orientam as concepções e as práticas curriculares dos professores de uma escola pública do município de Blumenau?

    Baseada nas questões levantadas, elenquei como objetivo geral compreender o significado do currículo para um grupo de professores de uma escola pública do município de Blumenau, na perspectiva da epistemologia social. Já por objetivos específicos estabeleci compreender a constituição histórica da educação e do currículo do município de Blumenau, em seus aspectos sociais e políticos; identificar quais sistemas de raciocínio e conhecimento orientam as concepções curriculares dos documentos oficiais da educação do município de Blumenau; analisar quais sistemas de raciocínio e conhecimento orientam as concepções e práticas curriculares de um grupo de professores de uma escola pública do município de Blumenau; investigar as relações existentes entre a constituição histórica do município, as políticas curriculares oficiais e as práticas discursivas dos docentes da escola investigada, em especial quais fatores sociais e políticos as influenciam.

    A investigação das relações existentes entre a construção histórica da educação do município, as concepções curriculares presentes nos documentos oficiais e os principais significados do currículo presentes nos discursos dos professores protendeu compreender como, social e historicamente, os conhecimentos sobre a escolarização (sua epistemologia social) e seus regimes de verdade produzem relações de poder e, consequentemente, a construção curricular de um determinado tempo/lugar.

    Deste ponto de vista, parto do pressuposto que se compreendidos como funcionam os sistemas de raciocínio e conhecimentos que norteiam, desde a função social que se atribui à escola até as concepções que se têm sobre educação, infância, currículo e planejamento, é possível problematizar, desnaturalizar e questionar a forma como se chegam a construir os regimes de verdade, ou seja: Por que se defendem certas formas de organizar o trabalho pedagógico e outras não? Por que se selecionam alguns conteúdos e outros não? Por que se classificam as capacidades dos alunos, das famílias e dos próprios professores?

    Em um contexto no qual a educação está cada vez mais sendo envolvida pelas influências e interesses do que se convencionou chamar, depois da década de 1980, de globalização¹⁹, considero que a investigação dos sistemas de conhecimento e das práticas discursivas que norteiam os pensamentos e ações docentes seja uma possibilidade de resistência em face dos mecanismos de regulação e poder cada vez mais sutis e um espaço alternativo de análise da própria práxis pedagógica do(a) professor(a). Quiçá uma possibilidade para a construção de espaços alternativos de escolarização.

    Tendo por objetivo pesquisar as políticas curriculares, em especial seus sistemas de conhecimento e seus mecanismos de regulação, estabeleci como percurso de pesquisa um estudo de caso de uma escola pública do município de Blumenau. Nesse percurso, optei por investigar qual o significado do currículo para o grupo de professores(as) das séries iniciais do ensino fundamental.

    Por estudo de caso, de acordo com Lüdke e André (1986, p. 19), entende-se o interesse em investigar uma determinada realidade procurando revelar a multiplicidade de dimensões presentes numa determinada situação. Além disso, segundo Goldenberg (1997), esse tipo de estudo

    [...] reúne o maior número de informações detalhadas, por meio de diferentes técnicas de pesquisa, com o objetivo de apreender a totalidade de uma situação e descrever a complexidade de um caso completo. Através de um mergulho profundo e exaustivo em um objeto delimitado. (GOLDENBERG, 1997, p. 34).

    Ainda, Bogdan e Biklen (1994) explicam que estes estudos incidem sobre uma organização específica, ao longo de determinado tempo, relatando o seu desenvolvimento. A organização específica mencionada pelos autores é, no caso desta pesquisa, a escola e seu grupo de professores.

    A pesquisa de campo ocorreu de março a julho de 2005, período em que professores, alunos e comunidade vivenciavam o fim do projeto Escola Sem Fronteiras, anunciado pela nova Secretaria de Educação em janeiro de 2005.

    Durante o período de permanência na escola para coleta de dados, procurei reunir o maior número possível de informações que permitissem compreender quando e como esse grupo de professores(as) interage, como elabora suas práticas curriculares, quais são seus espaços de qualificação profissional, a que tipos de materiais pedagógicos tem acesso e quais referências teóricas utiliza, quais suas concepções curriculares, que documentos curriculares do município chegam à escola.

    Para compreender os aspectos mencionados, a pesquisa se valeu de diferentes instrumentos de coleta de dados: (1) documentos (livro ata de reuniões pedagógicas, projeto político-pedagógico, histórico da escola escolhida e propostas curriculares oficiais); (2) observação do cotidiano da escola, dos(as) professores(as); e (3) entrevista semiestruturada²⁰. Para registro da observação, utilizou-se diário de campo; para registro das entrevistas, gravação em fitas K7.

    A escolha da escola e do grupo de professores(as), dentre as 50 escolas do município de Blumenau, deu-se por diversos fatores. Em primeiro lugar, porque esse grupo de professores(as) aderiu, desde 1998, ao projeto Escola sem Fronteiras. Na época, a implantação do projeto ocorreu de forma gradativa e se deu por opção das instituições via votação interna. A escola representava uma das 28 escolas (BLUMENAU, 2004b, p. 9) que optaram, naquele primeiro ano, pela implantação do primeiro ciclo e por um projeto de reorientação curricular. Além disso, o grupo de professores(as) que participou da pesquisa foi coeso em sua opção, e boa parte dele permanecia na escola em 2005. Os professores(as) que participaram da pesquisa atuavam de 5 a 20 anos na escola-campo de pesquisa.

    Durante os anos de 1998 a 2004, o grupo viveu muitos momentos de discussão curricular coletiva e de reestruturação da escola. Fora isso, também foi decisivo nesse processo já conhecer a instituição e os(as) professores(as) e ter certa liberdade para inserção no seu cotidiano e facilidade de acesso aos documentos.

    Dos 17 professores(as) que atuavam nas séries iniciais do ensino fundamental, 14 concordaram em participar da pesquisa, sendo que a estes apliquei uma entrevista semiestruturada. Quanto à qualificação profissional dos(as) professores(as) que participaram da pesquisa, na época, um professor(a) possuía magistério, cinco estavam em fase de conclusão do ensino

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