A irreversibilidade dos efeitos da decisão na tutela de urgência
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Sobre este e-book
Contudo, o foco principal desta obra é a reversibilidade da medida, conforme estabelecido no § 3º do artigo 300 do Código de Processo Civil. Por meio desta análise, conclui-se que, apesar de algumas ressalvas, o Brasil adota a irreversibilidade em três dimensões: lógico-jurídica, empírico-fática e econômico-financeira. Quando identificado o risco de irreversibilidade para a parte requerida, torna-se crucial adaptar o texto do § 3º do artigo 300 do Código de Processo Civil ao princípio da igualdade, previsto no artigo 7º do CPC. Isso implica na necessidade de considerar a irreversibilidade para ambas as partes envolvidas. Assim, incumbe ao julgador avaliar a probabilidade do direito e o risco de irreversibilidade de cada parte antes de emitir sua decisão.
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A irreversibilidade dos efeitos da decisão na tutela de urgência - Pedro Henrique Marangoni
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INTRODUÇÃO
A tutela de urgência apresenta-se como uma ferramenta fundamental para salvaguardar direitos que correm perigo de dano ou risco de perecerem no andamento processual. Vive-se um tempo cada vez mais acelerado sendo comum o advento de direitos que necessitam de urgência para serem decididos. Nesse contexto, a tutela de urgência assume um grande desafio: decisões eficientes com extrema celeridade.
Conciliar os interesses da efetividade e celeridade exigidas pela tutela de urgência trata-se de uma árdua tarefa, eis que não é possível obter as mesmas bases sólidas para uma decisão em cognição exauriente; neste contexto, surge uma grande preocupação: os efeitos prejudiciais de uma decisão equivocada. Para isso, mostra-se essencial que a técnica da antecipação de tutela seja avançada evitando-se ao máximo futuros prejuízos injustos a uma das partes em função da decisão sumária destoar da decisão exauriente.
Este trabalho tem como objetivo principal analisar a função e aplicação da regra do § 3º do art. 300 do Código de Processo Civil (CPC/2015) o qual surge no intuito de limitar a tutela de urgência justamente pelo risco intrínseco de decidir com bases em uma evidência de probabilidade do direito. Assim, dispõe a regra que a tutela de urgência de natureza antecipada não será concedida quando houver perigo de irreversibilidade dos efeitos da decisão
.
Apesar desta norma existir por aproximadamente 25 anos, ainda carece de contornos bem definidos, eis que a sua aplicação constantemente foge de um critério objetivo. Busca-se, no segundo capítulo, entender o panorama da tutela de urgência sob o viés constitucional, seja na busca de uma duração razoável do processo, bem como, como uma manifestação do direito de ação. Após, explorar-se-á a utilização do processo de modo instrumental, identificando os limites da atuação judicial sob o manto da instrumentalidade. Assim, será tecida uma crítica à instrumentalidade do processo sem limitações, que cria campo para decisões com alta carga subjetiva do julgador.
Identificar-se-á, buscando analisar os prejuízos causados ao sistema processual e fundamentações jurídicas sem uma técnica adequada que afastam normas infraconstitucionais com base em direitos fundamentais. Outrora, analisou-se o problema da aplicação do § 3º do art. 300 do CPC sem considerar ressalvas. Deste modo, apresenta-se a técnica da antecipação de tutela de urgência com um método detalhado. Para isso, apresentou-se a estrutura da tutela de urgência, bem como, a necessidade de se identificar se a tutela se trata de natureza satisfativa ou cautelar.
Sequencialmente, no terceiro capítulo, propor-se-á a técnica do passo a passo para análise da tutela, consistente em uma sequência de pontos a serem examinados pelo julgador para que se chegue à conclusão de deferir ou não a tutela de urgência. Neste contexto, critica-se a teoria da gangorra, a qual busca a análise da tutela propondo uma ponderação entre o perigo de dano e a probabilidade do direito. Assim, entende-se precisamente a distinção entre perigo de dano e risco ao resultado útil do processo, bem como, detalha-se o conceito de probabilidade do direito, apontando como o age o sistema brasileiro para alcançar o juízo de probabilidade. Estudar-se-á os institutos da justificação prévia e da caução real ou fidejussória idônea. Além disso, discorrer-se-á sobre a responsabilidade civil pela fruição da antecipação da tutela.
No quarto capítulo, procurar-se-á entender a dificuldade em conceder tutelas de caráter satisfativo, razão pela qual surgiu a necessidade de que as tutelas não produzissem efeitos irreversíveis. Assim, analisar-se-á o conceito de irreversibilidade no seus aspecto lógico-jurídico, empírico-fático e econômico financeiro, apontando em qual dessas categorias o sistema brasileiro se encaixa.
Além disso, verificar-se-á a possibilidade de tutelas de urgência que gerem irreversibilidade parcial, momento em que se necessita a tutela seja analisada de forma dual, sem desprezar eventuais teses defensivas que poderiam ser arguidas pela parte requerida. Observar-se-á, ainda, com mais enfoque o aspecto da reversibilidade econômico-financeira no sistema jurídico brasileiro, bem com, tecer-se-á críticas a interpretação cum grano salis, comumente utilizada para flexibilizar a norma do § 3º do art. 300 do CPC. Assim, permitindo estabelecer critérios de análise para eventual irreversibilidade de mãos dupla entre as partes. Além disso, demonstrar-se-á como ocorreria a defesa pela parte requerida.
Por fim, proceder-se-á a análise de acórdãos de tribunais brasileiros, os quais dispuseram sobre a irreversibilidade. Finalizando, proceder-se-á análise de situações onde aconteceu a flexibilização do § 3º do art. 300 do CPC, momentos em que o § 3º do art. 300 do CPC utilizado como instrumento de conveniência do julgador, bem como, a irreversibilidade sob o viés econômico-financeiro e frente a direitos fundamentais.
2
A TUTELA DE URGÊNCIA SOB A PERSPECTIVA DA INSTRUMENTALIDADE DO PROCESSO E DE DIREITO FUNDAMENTAL
2.1 O VÍNCULO ENTRE DIREITO MATERIAL E PROCESSUAL: O PROCESSO ADEQUADO À TUTELA DOS DIREITOS
O direito material e o direito processual possuem uma íntima ligação, entretanto, são independentes. Segundo Oliveira (2012, p. 1) A necessária processualização que deve passar o reconhecimento e a realização do direito material não impede o processo de guardar íntima relação com o direito material
. Assim, expõe o autor que o exercício da jurisdição possui diversas finalidades, uma delas é que através do processo se satisfaz o direito subjetivo, logo, há uma nítida conexão entre a atividade judicial e o direito material.
A mais evidente prova da relação entre ambos os campos consiste na natureza instrumental do direito processual, chamado a intervir ao se verificar alguma crise, efetiva ou virtual, no plano do direito material, inclusive em caráter preventivo e até abstrato. E assim é porque uma das suas finalidades precípuas consiste na efetiva realização do direito material, de modo a se alcançar a necessária justiça do caso concreto. (OLIVEIRA, 2012, p. 1).
Segundo Araújo (2016, p. 40) a Teoria da Relação Jurídica no direito material evoluiu para a relação jurídica no direito processual, então O direito processual, anteriormente visto como o direito material em movimento, autêntico apêndice do direito material, ganha autonomia com a fixação de fundamentos próprios e com desenvolvimento de princípios para sua sistematização
.
Ocorre que com a necessidade de afastar o direito processual do direito material, segundo Marinoni (2020, RB-1.1), fez com que a doutrina afastasse das suas preocupações a principal finalidade da jurisdição: a tutela dos direitos. Segundo o autor, a reconstrução do processo, a partir de bases publicistas, teve por influência a escola processual italiana do início do século XX, entretanto, iniciou na história a neutralidade do direito processual, afastando-o perigosamente dos seus compromissos com o direito material.
A escola italiana clássica não só negou à ação qualquer vínculo com um procedimento que pudesse apontar para as necessidades do direito material, como também organizou as formas processuais que necessariamente deveriam estar ao redor da ação a partir de critérios unicamente processuais. (MARINONI, 2020, RB-1.1).
Nesse sentido, a neutralidade do processo ganha espaço no universo jurídico, onde não havia mais qualquer relação do processo com o direito material afirmado pelas partes. Sobre este contexto , Marinoni (2020, RB-1.1), descreve que os processualistas desejavam criar um universo de sentenças igualmente abstrato: Por essa razão, as sentenças obviamente não foram vistas como tutela aos direitos, ou como instrumentos capazes de propiciar a tutela dos direitos, mas apenas como provimentos de fecho do processo
. Segundo Marinoni (2020, RB-1.1)
Pensou-se que o processo poderia existir sem qualquer compromisso com o direito material e com a realidade social. Porém, como não é difícil constatar, houve uma lamentável confusão entre autonomia científica, instrumentalidade do processo e neutralidade do processo em relação ao direito material. Se o direito processual é cientificamente autônomo e o processo possui natureza instrumental, isto está muito longe de significar que ele possa ser neutro em relação ao direito material e à realidade da vida. Aliás, justamente por ser instrumento é que o processo deve estar atento às necessidades dos direitos.
Entretanto, não se pode falar em completa desvinculação entre o direito material e processual, a eficácia de ambos depende de um sistema mutualístico. O direito material sem a tutela adequada não se efetiva quando levado ao crivo do Estado-juiz. De outro modo, não há processo sem afirmações de direito material, que ao final, o órgão estatal apresentará, em tese, a melhor solução. Nesse sentido, Oliveira (2012, p. 2) escreve que:
Aliás, todo o processo está impregnado do direito material. O autor alega fatos, mas não qualquer episódio da vida
e sim fatos que, por se enquadrarem no esquema de um texto legal, geram determinadas consequências jurídicas, deduzindo assim os fatos constitutivos da situação jurídica (substancial) preexistente, e antes de tudo, a situação fática concreta da qual deriva a posição de proeminência em relação ao bem, vale dizer o direito subjetivo (substancial). Outro ponto de confluência é o pedido imediato, que contém a especificação da tutela jurisdicional pretendida (declarar, condenar, constituir, mandar, executar), e que está estreitamente vinculado à lesão ou ameaça de lesão afirmada pelo autor, pressupondo a insatisfação de uma situação material juridicamente protegida.
Logo, a teoria da neutralidade do direito processual, consistente na indiferença do processo em relação ao direito material que levou a uma falha do processo na eficácia dos diretos materiais, eis que estes dependem do processo de acordo com suas necessidades. Segundo Marinoni (2020, RB-1.1), os institutos do processo dependem da estrutura não apenas das normas que instituem direitos, mas também das formas de proteção ou de tutela que o próprio direito substancial lhes confere
.
O processo deve se estruturar de maneira tecnicamente capaz de permitir a prestação das formas de tutela prometidas pelo direito material. De modo que entre as tutelas dos direitos e as técnicas processuais deve haver uma relação de adequação. No entanto essa relação de adequação não pergunta mais sobre as formas de tutela, mas a respeito das técnicas processuais. (MARINONI, 2020, RB-1.3).
É certo que o direito material, por si só, já é capaz de regular grande parte das condutas humanas sem que para isso utilize da força coativa oriunda da máquina judiciária. Esta força sim, somente é exercida quando houver o processo. Deste modo, pode-se afirmar que a efetividade do direito material está intimamente ligada ao binômio direito material e processual. Segundo Oliveira (2012, p. 2):
Por esta razão, a doutrina alemã, embora sob diversas visualizações, ressalta que na sentença de mérito unem-se o direito processual e o material, ou que a mais estreita vinculação entre o direito processual e o material verifica-se na sentença de mérito, que possibilita a transição do processo no domínio da vida e no direito material.7 Passa-se, assim, da tutela jurisdicional para a tutela do direito, mas em outro nível qualitativo, porque coberto o comando judicial pelo manto da coisa julgada, gozando ainda da imperatividade própria da soberania que impregna a jurisdição.
O processo somente encontra seu papel quando o direito material não é observado voluntariamente, ou mesmo quando há divergências quanto à sua aplicação. Segundo Zollinger (2006, p. 116) [...] não se pode olvidar que a efetividade do direito material depende, ao menos quando não atendido voluntariamente, da existência de procedimentos jurisdicionais hábeis a realizar o desejo de proteção da norma de direito material
.
No Estado constitucional, pretender que o processo seja neutro em relação ao direito material é o mesmo que lhe negar qualquer valor. Isso porque ser indiferente ao que ocorre no plano do direito material é ser incapaz de atender às necessidades de proteção ou de tutela reveladas pelos novos direitos e, especialmente, pelos direitos fundamentais (MARINONI, 2020, RB-1.1).
Araújo (2016, p. 40-41) coloca que houve um rompimento do direito material e processual, o que permitiu seu nascimento, desenvolvimento e consolidação. Entretanto, a separação absoluta deve ser evitada. Para isso apresenta-se a metáfora:
O papel do processo civil moderno reside na efetivação adequada do direito material (Durchsetzung). O processo, por si só, sem o direito material, consiste numa armadura sem corpo. Obviamente, aquele que veste a armadura não sabe se ganhará