Bracaris
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Sobre este e-book
No século I da nossa era, estabelecida a paz entre os povos autóctones e os conquistadores, na velha aldeia dos brácaros começava a erguer-se uma cidade a que, para homenagear o imperador, os seus habitantes deram o nome de Brácara Augusta. Dos montes à volta desciam artífices, pastores e labregos a vender os seus produtos no mercado e a comprar o que necessitavam. Pentóvio, que habitava a pequena aldeia de Eleanóbriga sobre o monte com vista para a cidade, sentia-se um estrangeiro na própria terra onde nascera. Tudo pertencia agora aos romanos. Os brácaros, depois da guerra, habituaram-se à presença do invasor, tentando viver como até aí: em pequenos aglomerados de casas, a pastorear as cabras e ovelhas, a plantar couves e cebolas. Falavam a sua língua, tinham as suas festas, os seus deuses.
José Leon Machado
José Leon Machado nasceu em Braga no dia 25 de Novembro de 1965. Estudou na Escola Secundária Sá de Miranda e licenciou-se em Humanidades pela Faculdade de Filosofia de Braga. Frequentou o mestrado na Universidade do Minho, tendo-o concluído com uma dissertação sobre literatura comparada. Actualmente, é Professor Auxiliar do Departamento de Letras da Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro, onde se doutorou em Linguística Portuguesa. Tem colaborado em vários jornais e revistas com crónicas, contos e artigos de crítica literária. A par do seu trabalho de investigação e ensino, tem-se dedicado à escrita literária, especialmente à ficção. Influenciado pelos autores clássicos greco-latinos e pelos autores anglo-saxónicos, a sua escrita é simples e concisa, afastando-se em larga medida da escrita de grande parte dos autores portugueses actuais, que considera, segundo uma entrevista recente, «na sua maioria ou barrocamente ilegíveis com um público constituído por meia dúzia de iluminados, ou bacocamente amorfos com um público mal formado por um analfabetismo de séculos.»
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Bracaris - José Leon Machado
PERSONAGENS:
Brácaros
Bórnio I – nos quadros de I a V, adolescente de 14 a 18 anos
Bórnio II – nos quadros de VI a XII, homem de 35 a 40 anos
Pentóvio – pai de Bórnio (40 a 50 anos)
Âmia – mãe de Bórnio (40 a 50 anos)
Erbuto – brácaro, criado de uma vila romana (40 a 50 anos)
Veroto – pastor (50 a 60 anos)
Talabro – legionário (30-40 anos)
Celsídia – mulher brácara (30-35 anos)
Romanos
Lauro Énio Rufo – senhor da Vila Rufina (50-65 anos)
Valéria Lépida Severina – esposa de Lauro (50-60 anos)
Lívia I – nos quadros de I a V, menina de 12 a 14 anos
Lívia II – nos quadros de VI a XII, mulher de 25 a 35 anos
Aurélio – filho de Lauro (20 a 25 anos)
Cornélio Frontão – procurador romano (30-40 anos)
Túlio Marcolino – prefeito da cidade (50-65 anos)
Ducria – escrava da Vila Rufina (50-65 anos)
Arcisa – escrava da Vila Rufina (40-50 anos)
Adrono – escravo da Vila Rufina (40-50 anos)
Ramilo – escravo da Vila Rufina (40-50 anos)
Nero Polão – liberto (30-40 anos)
Figurantes: oito a dez legionários devidamente equipados; gente do povo.
––––––––
CENÁRIOS:
Cidade de Brácara Augusta: mercado; praça; Fonte do Ídolo.
Aldeia de Eleanóbriga: castro celta com casas redondas, um curral, a estátua de um guerreiro e um pequeno altar.
Vila Rufina: interior da casa; pátio; capoeiras; uma fonte.
––––––––
GUARDA-ROUPA E CARACTERIZAÇÃO:
Os homens brácaros vestem calças ou calções à moda celta e camisa com jalecas de pele; têm cabelos compridos com tranças, grandes bigodes ou barba.
Os romanos vestem túnica com um cinturão e têm a cara rapada.
As mulheres brácaras usam vestidos compridos com avental de enfeites coloridos. Têm grandes tranças e arrecadas nas orelhas.
As mulheres romanas usam vestidos compridos de uma só cor, estolas e véus. O cabelo é apanhado em cima com ganchos.
Quadro I
CENA I
VOZ em off
No século I da nossa era, estabelecida a paz entre os povos autóctones e os conquistadores, na velha aldeia dos brácaros começava a erguer-se uma cidade a que, para homenagear o imperador, os seus habitantes deram o nome de Brácara Augusta. Dos montes à volta desciam artífices, pastores e labregos a vender os seus produtos no mercado e a comprar o que necessitavam. Pentóvio, que habitava a pequena aldeia de Eleanóbriga sobre o monte com vista para a cidade, sentia-se um estrangeiro na própria terra onde nascera. Tudo pertencia agora aos romanos. Os brácaros, depois da guerra, habituaram-se à presença do invasor, tentando viver como até aí: em pequenos aglomerados de casas, a pastorear as cabras e ovelhas, a plantar couves e cebolas. Falavam a sua língua, tinham as suas festas, os seus deuses. E os romanos nem davam pela sua presença, exceto quando ambas as partes precisavam de trocar produtos ou serviços. De resto viviam de costas voltadas. Algo, porém, começava a minar a mentalidade tribal. Não podendo desenraizar velhos costumes das gentes adultas, a civilização romana era aos jovens que atraía. Muitos abandonavam os castros dos seus ancestrais seduzidos pelo brilho da urbe que crescia na colina e a ela se entregavam, ora como ajudantes de artífice, ora para trabalhos pesados na construção do templo a Júpiter Máximo e do forum, e até como criados de senhores ricos nas vilas que começavam a aparecer por todo o vale. Esta é a história de um desses jovens: Bórnio, filho de Pentóvio.
––––––––
CENA II
PENTÓVIO desce até Bracara Augusta com BÓRNIO e entra no mercado. Encontram ERBUTO.
ERBUTO – (Reconhecendo-os:) Pela deusa Nábia! Pentóvio, tu por aqui?
PENTÓVIO – Os deuses te abençoem, Erbuto, filho de Cálabo. Pois bom é ver-te no meio desta barafunda.
(Dão as mãos em sinal de estima.)
ERBUTO – Que fazes por cá? Estavas farto dos montes e vieste espairecer até à civilização?
PENTÓVIO – Ora, ora! Os romanos não têm nada de que eu precise. Por mim evitaria descer até aqui.
ERBUTO – Então que vieste cá fazer?
PENTÓVIO – Trocar uns animais.
ERBUTO – Dizes que os romanos não têm nada de que precises e vens trocar umas cabras?
PENTÓVIO – Troco-as com os do meu povo, não com os romanos. Estes até de longe são repelentes e ninguém se lhes pode chegar ao pé com o cheiro a fossa e aloés.
ERBUTO – Não tenho notado nada.
PENTÓVIO – Pois sim, a ti, que com eles vives, certamente o aroma te passa despercebido.
ERBUTO – (Rindo-se.) Antes o cheiro a aloés do que o fedor a esterco de cabra.
PENTÓVIO – Disse-me teu pai que agora trabalhas na quinta de um romano.
ERBUTO – Oh! Sim! (Mostra um ar superior e distinto).
PENTÓVIO – Consta-se que os romanos tratam muito mal os escravos.
ERBUTO – Sim, é verdade. Os escravos andam quase sempre ao ritmo do chicote. Mas eu não