Os Piratas Circulares
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Sobre este e-book
No dia de seu sétimo aniversário, o garoto que viria a ser chamado de Napa é sequestrado e se torna cativo do capitão Garsen. Impressionado, porém sem medo, ele deixa-se levar pelo capitão até entrar na única escola de piratas do mundo. Lá ele será educado junto com outros meninos e meninas para poder se tornar um pirata da lenda. As aulas incluirão desde a História da Pirataria até técnicas de combate, sobrevivência, noções de astúcia, aritmética e muitos conhecimentos interessantes que terão de ser colocados em prática quando as verdadeiras aventuras em alto mar começarem.
Uma escola de piratas. Aventuras, sobrevivência, amizade e superação. Um galeão, uma ilha, um mistério e uma confabulação. Quando Lewis, Cabratorto e seus temíveis capangas abordam o galeão encalhado no bosque, todos se perguntam quem, na realidade, é o capitão Garsen e por quê fugiu. Alguns pensam que é um traidor e um covarde, outros, que aguarda pacientemente em algum lugar para levar a cabo sua tão desejada vingança. No entando, nada é o que parece.
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Os Piratas Circulares - Rafael Estrada
Índice
I. Capitão Garsen
II. O Galeão
III. Paquimari
IV. O Napa
V. Carassuja
VI. A ira de Garsen
VII. O Relato
VIII. Sandra
IX. Cabratorto
X. O Lyndon
XI. O Capitão Lewis
XII. O enigma
XIII. Segredos
XIV. A traição
XV. A ilha
XVI. A fuga
XVII. A abóbada
XVIII. O resgate
XIX. A caverna
XX. A escuna
XXI. Estranha reunião
XXII. Capitão Napa
Glossário Pìrata
I
Capitão Garsen
––––––––
Se alguma vez já lhes falaram de Portobel, poderão dizer-lhes que se trata de um povoado situado entre Cabo Punção e Rochedo Tinhoso, à costa do Mediterrâneo; poderão falar de sua beleza e da situação privilegiada do porto, de seus invernos quentes e de suas pessoas silenciosas.
Poderão contar-lhes isso e pouca coisa mais, porque jamais lhes dirão nada de Galeão, a única escola de piratas que há no mundo, onde o capitão Garsen transmite seus conhecimentos àqueles que tenham condições e caráter para suportá-los
Dizem que este mesmo capitão se encarregou de ir casa por casa, explicando a todos o que aconteceria se alguém acabasse falando demais. Por isso, não tem como alguém chegar por ali e dizer ao capitão: É que, senhor, ouvi falar de sua escola e quero ser um pirata...
porque somente ele escolhe quem fará parte de sua tripulação e o faz no momento que lhe parecer oportuno.
Não posso dizer que me lembro da noite em que me escolheu, já que o fez poucas horas depois que vim ao mundo, porém recordo-me de como o tom de voz de minha mãe se alterou quando relembrou aquele momento terrível:
—Você nasceu em uma noite fria de novembro; —ela me contou dias antes que eu completasse sete anos— a bruma do mar se elevava acima das casas do povoado. Havia um estranho silêncio, ocasionalmente rompido pelo latido de algum cachorro. Era como se o mundo tivesse sido preso, ou ao menos foi o que pareceu para seu pai e para mim, que te observávamos aninhado no berço, com a cara toda inchada do esforço de nascer. Era um menino forte e grandalhão.
Neste ponto, mamãe sorriu, apertou minha mão e pude ver como seus olhos brilhavam, antes de continuar.
—Então ouvimos aquele som se aproximando: Tap-tap... Tap-tap... Tap-tap... Y supomos que Garsen havia te escolhido, pois era assim que costumava acontecer. Seu pai abriu a porta segurando uma faca, sem esperar ser chamado, mas o capitão o desarmou com uma gargalhada.
—Ha, ha, ha...! —disse, colocando-se diante dele, com os braços cruzados—. Este é um mau momento para que derramemos sangue; não seria bom deixar o menino órfão antes da hora.
Garsen pousou uma mão sobre a empunhadura do sabre e ergueu o queixo, desafiante.
—Por outro lado, vim apenas lhes dar as felicitações e comunicar de passagem que decidi admitir este pequenino em minha escola: ensinarei a ele o velho ofício e o converterei em um pirata. —depois, sorriu maliciosamente e acrescentou— Não vai querer que seja um fracassado sem futuro.
Não disse mais nada. O Capitão deu as costas e partiu, desaparecendo pela névoa.
—O seu pai ficou petrificado na porta, engolindo a humilhação e a raiva, enquanto a noite levava embora o pirata. Poderia abatê-lo facilmente, pois você conhece sua habilidade com a faca, mas algo inexplicável protegia aquele homem malvado; te deixava paralisado só com sua presença e não era possível mover um dedo sequer se ele não quisesse.
Lembro-me que neste ponto interrompi minha mãe e tentei tranquilizá-la.
—Não tenha medo, mamãe, pois não pretendo ir para essa escola de piratas —eu disse, me fazendo de valente—. Quero ser caçador como papai.
Mas quando o capitão apareceu, na mesma noite que completei sete anos, nem sequer resisti. De maneira que nem teve que me levar pela orelha como havia feito com outros, como por exemplo Carassuja, o mais forte e aplicado da escola.
Passaram-se seis anos desde aquela noite... Ainda assim me vem à memória as lembranças de cana de açúcar e de raiz de alcaçuz, de mel roubado das abelhas e de bolos quentes assados pela mamãe. Também me lembro da mão firme que me ensinou a manusear facas e a caçar, com alguns sopapos quando me distraía ou afugentava a presa.
Porém, tudo isso foi antes da chegada deste misterioso pirata, encoberto em sua capa negra adornada em ouro, e privou meus pais de mim para sempre.
II
O Galeão
––––––––
A impressão que tive ao caminhar ao lado de Garsen era de que nada podia me atingir. Talvez isso significasse que já tinha me atingido, pois poderia haver algo pior do que estar nas mãos dele?
Enquanto caminhávamos em direção à escola e apesar do terror que eu sentia nesse momento, me ocorreu de pensar que eu não levava nada comigo, com exceção da roupa do corpo e da navalha que papai havia me presenteado.
Disse isso ao capitão, iludido com a ideia de voltar novamente à minha casa, para arrumar uma mala com mudas de roupa e outras coisas que poderia vir a precisar.
—Um pirata não precisa de nada —exclamou com um olhar ardente—. Porque um pirata já tem tudo: a água, o ar, sua espada e o medo de todos os homens.
Depois de escutá-lo, com aquele tom de voz controlado e profundo, não pude pensar em outra coisa que não fossem suas palavras. De modo que continuamos o resto do caminho em silêncio, acompanhados pelo som de nossos próprios passos.
Estava realmente cansado quando deixamos de lado o caminho de cascalho e continuamos por uma trilha de terra vermelha; que terminou bruscamente frente a uma barreira de pinheiros que chegavam até a borda de um penhasco.
Paramos sobre umas saliências rochonas e observamos o mar, ouvindo as ondas e nos deixando acariciar pela brisa. Então, retomamos a marcha através das árvores, sempre descendo, seguindo uma rota aparentemente arbitrária, que nos conduziu a um pântano.
É certo que todos nós tínhamos ouvido falar da escola, embora ninguém tenha chegado a vê-la. Os pais de todas as crianças de Portobel aterrorizavam seus filhos com relatos exagerados sobre o que poderia acontecer a eles caso atrevessem-se a explorar por ali.
Falavam de cães negros que espreitavam a área e devoravam os intrusos; também de almas penadas e cavalos diabólicos que podiam te perseguir incansavelmente mesmo depois de dormir, durante o sono.
Contudo, nada disso era certo, salvo que eram fantasias estimuladas pelo poder que emanava do capitão e o medo que sua presença provocava nas pessoas.
Porém o que nunca havíamos imaginado era que Galeão, a temida escola de piratas, era um autêntico galeão no meio do bosque.
Tratava-se de uma embarcação de primeira classe, um poderoso navio de guerra daqueles utilizados pela Espanha e pela Inglaterra em suas campanhas, que foram construídos pelos portugueses. Media quarenta e cinco metros de comprimento; tinha cinco conveses, dois deles com quarenta canhões, e três poderosos mastros, que atravessavam as pontes e apoiavam-se no fundo do barco.
Todas as velas encontravam-se soltas, ressoando ao vento; e na parte mais alta do mastro grande, ondulava majestosa a bandeira pirata.
Até ter me aproximado um pouco mais da paliçada de troncos que rodeava aquela impressionante visão, não pude ver que aquele navio jamais de lançaria ao mar. Tratava-se de um galeão de granito, uma amostra extravagante do engenho e do poder deste enigmático personagem. Como havia chegado até ali era algo que eu não conseguia imaginar.
Olhei para o capitão, que se encontrava parado ao meu lado analisando minhas impressões. Quis lhe dizer algo, mas as palavras não saíam, de modo que me deixei ser conduzido ao interior da paliçada, passando abaixo da placa da escola, que balançava em suas dobradiças de ferro.
Subimos ao convés superior pela proa, utilizando uma escada espiral semelhante aos brandais que suportam os mastros; atravessamos o convés e adentramos por uma escotilha que descia diretamente ao cabrestante de proa. Paramos ali; o capitão acendeu uma lamparina que iluminou parte do cômodo.
—Acomode-se onde conseguir e nos vemos amanhã —me disse antes de virar e começar a subir até o convés principal.