Esporte, política, educação
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Esporte, política, educação - Renato Sampaio Sadi
COMITÊ CIENTÍFICO DA COLEÇÃO EDUCAÇÃO, TECNOLOGIAS E TRANSDISCIPLINARIDADE
Dedico este livro à memória de minha única filha, Stella.
Saudades e mais saudades... te amarei para sempre.
Agradecimentos
Aos professores Ivan e Rafael, pela histórica parceria.
À minha fiel companheira, Joana.
Aos meus cães, filhos da natureza, Batman e Jonas.
À psicóloga Dionice Araújo, pelo apoio e profissionalismo.
À professora Mara Medeiros, pelo prefácio.
Aos meus colegas professores do DCEFS.
Aos alunos e ex-alunos do curso de Educação Física da UFSJ.
Aos ex-alunos da Faculdade de Educação Física da UFG.
A todos que queiram discutir e compartilhar a temática deste livro.
APRESENTAÇÃO
Muitas coisas são necessárias para mudar o mundo: raiva e tenacidade,
ciência e indignação. A iniciativa é rápida, a reflexão longa, a paciência fria,
a perseverança infinita. A compreensão do caso particular e a compreensão
do conjunto, apenas as lições da realidade podem
nos ensinar como transformar a realidade.
(Bertolt Brecht)
Os pensamentos complexos sempre foram desafiadores. Dentro e fora da universidade, as pesquisas, os estudos e os debates, assim como os rápidos avanços tecnológicos, têm possibilitado, nas últimas décadas, novas percepções ao sistema educacional, entre eles reformulações conceituais, desenhos metodológicos modificados, complexidades nos percursos teóricos, inovações na prática e ebulições no mundo do trabalho, direta e indiretamente conectadas, com a educação e a saúde. São várias transformações: currículo, formação, gestão, intervenção, espaços, equipamentos, novas necessidades, novos desejos e novas perspectivas; pode-se dizer que os sujeitos tiveram que adaptar realidades e remodelar os discursos e, assim, buscar vencer o sedentarismo, as doenças emocionais, a pobreza, a apatia da profissão.
Desde 2003, uma injeção significativa por meio do Ministério do Esporte (ME) marcou uma espécie de inflexão na vida de muita gente. Embora ainda estejamos longe do pleno desenvolvimento, os passos fundamentais na direção do progresso foram ensaiados. O processo político semeou elaborações e aplicações, e, ao mesmo tempo, impactado por problemas, confusões, paralisações e regressões, discórdias e rupturas.
Neste livro, o centro nervoso do debate são as relações do esporte e da educação com a política. Procuro o fio condutor que liga os recursos às perspectivas. Desde 1986, quando ingressei no mercado de trabalho da profissão, tenho acumulado conhecimentos, mantendo dúvidas, negociando quando é possível e provocando, no sentido de tencionar os debates, tanto nos círculos acadêmicos quanto na prática profissional. Foram experiências de crescimento, de participação ativa, de motivação para o estudo e a pesquisa. Hoje, há um processo de amadurecimento e curiosidade com o futuro, influenciado pelo recente lastro histórico. A trajetória da redemocratização deixou como legado uma formação política qualificada, uma verdadeira escola de política. Os dias atuais, embora diferentes, marcados pelo declínio dos movimentos sindicais e políticos, pela ascensão da ignorância, pelo ódio entre grupos, pela repugnância do povo com o tema da política e pelo afastamento dos intelectuais, carregam, como saldo, novas gerações dispostas à aprendizagem de velhos erros. O pensar e o fazer de uma nova política enfrenta a corrupção e o descaso. A aposta é a de que possamos seguir mudando o que está errado e melhorando o que tem sido acertado.
As reflexões a seguir sobre o esporte, a política e a educação atendem a dois condicionantes: em primeiro lugar, ao diálogo com o leitor, o que implica em deixar dúvidas e questões em aberto para novas reflexões. Em segundo, aos impactos da política nos sujeitos. A necessidade de luta, objetiva e subjetiva, individual e coletiva, conectada à formação permanente e à intervenção criativa me fizeram refletir sobre a política e sua amplitude. Os momentos de crise são reveladores de novas estratégias e táticas, o que significa uma luta paciente e atenta à possibilidade de resgatar um pensamento crítico à crítica dominante. Ancorado em plataformas progressistas, tal pensamento é propositor de uma política ousada, para além do universo acadêmico.
O foco do conteúdo são questões políticas, filosóficas e pedagógicas que permeiam a vida profissional e afetiva dos professores que trabalham com esporte, desde a formação e produção até o acabamento.
Os professores estão alinhados na rota de complexidades perversas, formam-se e dependem da tensa empregabilidade do mercado, assim como das mazelas do Estado. No entanto, encontram luzes para conduzir uma caminhada esperançosa.
A tendência de acentuação burocrática na universidade contribui também para frear a autonomia da intelectualidade progressista. A piora de relações democráticas e os obstáculos da burocracia acentuada são linhas de reflexão para uma aprendizagem das relações políticas. A amargura dos entraves burocráticos me fez perceber o contraditório desse tema, pois do ponto de vista da formalidade, da legalidade, da transparência e da responsabilidade coletiva, a lógica burocrática é plenamente aceita entre o professorado, embora nem sempre compreendida.
No interior dos processos de conhecimento aplicado, o papel das novas gerações de professores será o de assimilar uma perspectiva de mudança, driblando as crises de identidade. Para reorientar a pós-graduação e as exigências de alta produtividade, é preciso aprofundar o terreno da política, repensar os conselhos profissionais e suas posturas contraditórias, revendo a excessiva valorização da pesquisa e da publicação. O emaranhado inclui, também, desbravar o novo, remar contra o caos e sonhar um sonho coletivo. O abandono político, econômico, pedagógico e prático da educação básica já acumula gerações de céticos. Frear tal piora não é simples. O tema requer paciência.
Uma costura crítica, ancorada na prática social da realidade, associada às próximas conjunturas e aos anseios de mudança, tornam-se urgente para as gerações vindouras. As críticas radicais, sectárias, dogmáticas, reacionárias, extremistas e abusivas, quando substituídas por críticas de cunho propositivo, transformam-se em trabalho produtivo. Nessa direção, criticar a crítica dominante não é tarefa fácil, esbarra nas sensibilidades dos pensadores críticos, tangencia a neutralidade e fica perto daquilo que não é considerado crítico. Criticar a crítica é, portanto, uma tarefa complexa.
Chamo a atenção para o fato de que, neste livro, o conteúdo não formal e objetivo têm como intenção provocar novos projetos e abalar as certezas daqueles projetos existentes que, outrora, eram considerados revolucionários. Isso implica em pensar os projetos críticos e não críticos, seus avanços e retrocessos. A história tem questionado os erros dos projetos revolucionários, os quais tiveram que ser passados a limpo frente às novas formas de luta e às possibilidades de conquista. Os caminhos e confrontos foram fundamentados em acúmulos filosóficos, políticos e práticos com ajustes táticos e subjetivos, ou seja, na via dupla de reforma e, ao mesmo tempo, revolução. Então, para situar a problemática do esporte nesse contexto, o objetivo central foi buscar elos com uma programática adequada. Durante o processo de produção textual resolvi deixar saliente os erros da política retilínea do discurso simplório, do tipo fomentar os espaços públicos, ou mesmo planejar estrategicamente dez anos. Programas e projetos não podem ser estruturados dentro da atual rigidez hierárquica na qual a política fica refém de coletivos dispersos. A ampliação de fóruns coletivos e autônomos somada à democratização mais radicalizada são questões nodais que dependem de mecanismos espiralados, estratégicos e heterárquicos, de médio e longo prazos, nos quais centralização e descentralização possam convergir.
Os aspectos históricos, a memória e o legado do esporte na subjetividade dos professores é uma das alavancas de um vasto conjunto de verdades na política, a ser descoberto e colocado em prática. Sofrimento e esperança se entrelaçam na busca da verdade, fazendo com que tenhamos de lutar, dentro de nós mesmos, antes de assumir uma luta coletiva.
Como um guarda-chuva que pode abrigar e esconder, a política é o eixo que articula os principais temas deste livro. Dividido em uma introdução e três capítulos, uma caixa preta é lançada como objetivo e desafio. A sensibilidade dos temas e diálogos está posta para quem se dispuser às discussões políticas, de caráter aprofundado. Inicialmente, há um mapeamento da forma humana e artística do esporte, incluindo os aspectos centrais de profissão e profissionalismo. As referências teórico-metodológicas são largas, mas não ecléticas. Desde Aristóteles, passando por Marx, incluindo Maquiavel, Arendt, Gramsci, Adorno e Leontiev, entre outros pensadores. Em um texto limpo sem os contornos academicistas, no capítulo 1, o conteúdo versa sobre uma caixa preta na profissão, ou seja, uma pressão sofrida de fora para dentro e, de dentro para fora, pelos professores, no encontro dos vencimentos (salários) com as condições de trabalho. Nessa esteira, utilizo as contradições econômicas para mediar, explicar, refletir e criticar. No capítulo 2, de cunho qualitativo e propositivo, a esperança é visualizada como utopia legítima para aqueles que nela se apoiam. Pensamentos e provocações são sugeridos aos indivíduos e à sociedade, no sentido de se buscar saídas aos problemas, muitas vezes vistos como impossíveis de serem solucionados. No capítulo 3, enredos e rascunhos foram recuperados e estão organizados em forma de contos/narrativas com personagens fictícios, hipotéticos e fantasiosos, mas com sabor de realidade. A ideia é problematizar a vida dos professores, suas vozes autênticas, o que enfrentam e como arrumam forças para vencer o sofrimento, mantendo a esperança. Também nesse capítulo, apresento ensaios não publicados e com conteúdo reformulado.