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Legados de megaeventos esportivos
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Legados de megaeventos esportivos
E-book337 páginas4 horas

Legados de megaeventos esportivos

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Sobre este e-book

O Brasil vem ganhando espaço na agenda dos megaeventos esportivos e, no cenário que se configura, cabe refletir: que impactos competições como a Copa do Mundo de Futebol e os Jogos Olímpicos têm na sociedade e no desenvolvimento do país? O que elas podem nos ensinar?
Esse livro vem fornecer elementos para a compreensão das relações possíveis entre os legados de megaeventos do esporte e as várias esferas da atividade humana a eles relacionadas. Assim, temos um mosaico de abordagens, abrangendo aspectos como: políticas públicas, controle social, ciências, esporte, lazer, economia, turismo, infraestrutura, meio ambiente, formação e atuação profissional, educação física escolar e pessoas com deficiência.
Com autores de experiência reconhecida, ligados a universidades de várias regiões do país e a órgãos públicos e corporativos, a diversidade que se mostra nos textos não é somente temática, mas também de fundamentação, o que resultou em múltiplos posicionamentos, baseados em pesquisas e fontes as mais diferenciadas. - Papirus Editora
IdiomaPortuguês
Data de lançamento28 de fev. de 2014
ISBN9788530811211
Legados de megaeventos esportivos

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    Legados de megaeventos esportivos - Nelson Carvalho Marcellino

    Organizador

    1

    LEGADOS DE MEGAEVENTOS: ABORDAGEM GERAL

    Nelson Carvalho Marcellino

    O objetivo deste capítulo é contribuir para a caracterização de megaeventos, bem como de seus legados.

    Em quase todas as definições de eventos, encontramos entre os pontos comuns: l) a concentração temporal e espacial, 2) a consideração de sua abrangência e 3) a necessidade de planejamento (cf. Martin 2003).

    Quando os eventos são tratados na literatura disponível, os pontos contemplados abrangem fundamentalmente aspectos técnicos de planejamento, execução e avaliação (ibid.).

    Ao analisar o que faz de um megaevento ele ser mega, Da Costa e Miragaya afirmam que as características de um megaevento estão relacionadas ao número de participantes e ao processo – curta duração, porém, de preparação longa e por vezes intermitente, sempre operando em escala de milhões de participantes (2008, p. 36).

    Para Hall, o entendimento de megaeventos passa também por sua grandiosidade no que diz respeito ao público, mas esse autor destaca ainda um mercado-alvo definido, efeitos políticos, extensão pela mídia e construção de instalações e impacto tanto no aspecto econômico quanto social da sociedade-sede (2006, p. 59).

    Já Tavares, analisando os megaeventos esportivos, conclui pela ausência quase absoluta de esforços acadêmicos no Brasil para conceituação do termo (2011, p. 16).

    A abrangência dos eventos não se resume aos esportivos, inclui a variada gama de expressões culturais.

    Do nosso ponto de vista, a consideração dos eventos culturais, dos quais os esportivos e de lazer fazem parte, não pode deixar de considerar as características desse tipo de programação, presentes também no senso comum, mas é preciso lembrar que, numa política de esporte e lazer, os eventos são apenas um dos elementos. Devem ser considerados vários outros itens, como: 1) necessidade de democratização, com minimização de barreiras socioeconômicas e culturais, inter e intraclasses sociais; 2) espaços e equipamentos; 3) formação de quadros para atuação (cf. Marcellino 2008a).

    Essas considerações ganham maior força, ainda, quando os eventos fazem parte de políticas públicas, nas quais o investimento vem do setor público governamental ou não governamental.

    Quando do início da preparação para a realização da Copa de 2014 e da Olimpíada de 2016, no Brasil, as declarações, datadas de 2007, do executivo brasileiro e das autoridades ligadas ao esporte prometiam que os gastos com a Copa 2014 seriam bancados totalmente pela iniciativa privada e que essa seria a Copa da transparência. O que temos hoje, nos preparativos para a Copa e para a Olimpíada é uma situação bastante diferente, com o Estado consumindo enormes recursos públicos, pouca participação da iniciativa privada e transparência patrocinada, sobretudo, não pelas autoridades governamentais e esportivas, mas pelas organizações não governamentais (ONGs) e pela imprensa.

    Essa situação pode comprometer os legados desses megaeventos.

    A palavra legado é usada constantemente como o que se deixa em benefício de outrem, conforme pode ser observado nos dicionários de língua portuguesa.

    Quando examinados os legados de megaeventos – ou seja, seus resultados –, a tendência maior é considerar os benefícios, seus aspectos positivos.

    A imprensa tem denunciado vários perdedores, já no processo de instalação dos megaeventos esportivos previstos para o nosso país: escolas desfeitas, 11 milhões de toneladas de CO2 a serem lançadas, vendedores ambulantes que não poderão realizar seus negócios nas áreas próximas aos equipamentos, índios desalojados etc. Além disso, não se têm verificado os legados do evento brasileiro que mais se aproxima de mega, realizado há pouco tempo, os Jogos Pan-americanos, na sua maioria, incluindo o uso posterior das instalações.

    A necessidade de planejamento e transparência de eventos esportivos no Brasil precisa levar em conta os possíveis aspectos negativos e potencializar os positivos. Nesse sentido, podem ser destacados, no que diz respeito à construção, os legados negativos que recebemos dos Jogos Pan-americanos, realizados no país em 2007: Engenhão, velódromo, parque aquático Maria Lenk, campo de golfe e Maracanã, todos com problemas sérios, necessitando de reforma ou de construção de novos espaços. E, no que tange à gestão, o estádio de remo da Lagoa, só para citar alguns exemplos. Isso sem contar a falta de transparência das contas que ainda não fecharam.

    Para Tavares (2005), é comum que se listem os vencedores e perdedores quando se trata de megaeventos.

    Da mesma forma, Preuss (2008) alerta que um ponto fundamental para o entendimento do que seja legado é que ele pode ter características positivas e negativas. Destaca ainda que a literatura mostra que os legados de eventos esportivos são multifacetados, dinâmicos e dependentes de fatores locais e globais, e que há uma tendência à superestimação dos legados positivos em detrimento dos negativos. Apresenta, também, um quadro sumário de impactos positivos e negativos, em quatro categorias: físico/ambiental, sociocultural, psicológico e político/administrativo.[1]

    O mesmo autor vincula as classes sociais aos legados de megaeventos esportivos, sendo que um positivo para as classes mais pobres pode ser negativo para as camadas mais ricas, e vice-versa. Essa relação pode mudar com o desenvolvimento histórico, e um legado positivo pode se tornar negativo, com a mudança de circunstâncias variadas.

    Em Rubio (2007), vários autores destacam a dimensão multifacetada do legado e a responsabilidade social que eles deveriam abranger. Isso ocorre também numa publicação do Ministério do Esporte, datada de 2008 (cf. Rodrigues et al. 2008).

    Um bom levantamento sobre os legados foi elaborado pelo New Zealand Tourism Research Institute (2007), envolvendo aspectos econômicos, socioculturais, ambientais e de saúde.

    Já Villano et al. (2008) apresenta e analisa uma lista de possíveis legados positivos, dependentes de um planejamento adequado, em cinco categorias: legados do evento em si, da sua candidatura, da imagem do Brasil, de governança e de conhecimento.

    É preciso considerar ainda os interesses econômico-financeiros em jogo e o papel da mídia, que contribui para a espetacularização dos megaeventos esportivos. Recorremos a Debord (1997), para quem o espetáculo é a manifestação geral da mercadoria, que se caracteriza por uma ilusão.

    Raeder (2010) analisa a importância que os megaeventos esportivos têm no ordenamento territorial urbano, aplicando o termo espetacularização também às cidades, ao espaço urbano.

    Damo (2011, p. 90) destaca a abrangência e complexidade das questões atinentes aos megaeventos esportivos no Brasil. Referindo-se ao esporte espetáculo, o autor afirma que no decorrer deste espaço se desenvolveu, a partir da segunda metade do século XX, portentoso mercado envolvendo gama extensa de mercadorias (ibid.).

    No editorial da revista Motrivivência, sobre megaeventos, os editores, referindo-se às manifestações organizadas quando da comemoração do anúncio da Olimpíada de 2016 no Brasil, destacaram: Como se pode perceber, esse aparato ‘espetacular’, montado pelo governo e pelos cartolas do Comitê Olímpico Brasileiro (COB), para a celebração da ‘vitória’ do Brasil, expressa o sentimento alienante de patriotismo ufanista e piegas, tão comum em megaeventos esportivos e espetáculos ‘de’ massa que são, na verdade, ‘para’ a massa (cf. Lorenzi Pires e Silva 2009, p. 12).

    A espetacularização do esporte mercadoria e os outros pontos destacados acima não devem ser motivo para considerarmos os megaeventos supérfluos, baseados na hierarquização das necessidades. Nem justifica levá-los em conta somente como gastos sem retorno. Eles estão aí, apresentados à sociedade brasileira, e, como já vimos, podem ser positivos ou negativos. Trata-se, assim, de não considerá-los somente pelos seus aspectos negativos, o que contribui para uma visão crítica, mas pouco criativa das políticas públicas setoriais da área.

    Uma pesquisa qualitativa de opinião pública encomendada pelo Ministério do Esporte ao Ibope, realizada de 6 a 10 de dezembro de 2007, cujo objetivo geral era levantar junto aos entrevistados da área em estudo opiniões relacionadas ao ME e aos Jogos Pan-americanos[2] (Ibope 2007), pôde observar que:

    Os entrevistados com nível superior de instrução dão mais valor à promoção da inclusão social por meio do esporte e da democratização do acesso ao esporte e da melhoria da infraestrutura esportiva do país. Ainda que se possa questionar a inclusão social pelo esporte, o fato é que essa camada da população valoriza mais o esporte de participação do que o de representação.

    Regionalmente, a pesquisa revela curiosidades: os moradores das regiões Norte e Centro-Oeste são os que mais se preocupam com a organização de grandes eventos; já para os moradores do Sudeste, um dos principais itens é o fortalecimento do esporte nas escolas; ao passo que, para os sulistas, é a democratização do esporte.

    Os entrevistados, em geral, em respostas múltiplas, consideram que os grupos prioritários para o ME são: crianças (68%), pessoas com deficiência (55%), jovens (52%), idosos (36%), atletas amadores (35%). Os outros itens são muito menos votados. Percebe-se aqui, novamente, o valor do esporte de participação.

    Quanto ao conhecimento de projetos do ME, os itens não conhece nenhum deles (48%) e não sabe (11%), somados, atingem impressionantes 59%. O projeto mais conhecido foi Esporte e lazer na cidade, que contava com poucos recursos, comparados aos outros do ME, e atendia o esporte recreativo e de lazer, confirmando mais uma vez a importância do esporte de participação para a população brasileira, importância essa inversamente proporcional à distribuição de verbas pelo ME.

    Realizada sob o impacto dos Jogos Pan-americanos, a pesquisa apresenta também dados que permitem o entendimento de um otimismo muito grande, com a possível realização de megaeventos no país, como a Copa do Mundo e a Olimpíada.

    Outra pesquisa feita pelo Ibope, em 2011,[3] dá conta de que, na época, com base num cenário inicial traçado pelos dados, pôde-se perceber que:

    1. a população vive hoje um momento de incógnita sobre os legados da Copa de 2014 – e sobre a capacidade dos gestores públicos de resolver com transparência e a tão curto prazo os diversos problemas de infraestrutura e prestação de serviços;

    2. este pulso popular é alimentado por percepções difusas e por vezes contraditórias, sentimentos que vão da desconfiança em relação às lideranças do processo passando pela crença de que a Copa no Brasil representará um grande passo para a imagem e posição do país frente ao mundo – e reforçando o orgulho de ser brasileiro;

    3. alguns projetam expectativas positivas com certo ceticismo, por acreditarem que ações e mudanças são paliativas ou muito superficiais;

    4. até mesmo os mais otimistas parecem um pouco apreensivos com a falta de movimentação: A Copa já está perto e a gente não vê nada acontecendo, os estádios sendo construídos, os aeroportos arrumados etc.;

    5. não acreditam que haverá legado à população, a exemplo dos Jogos Olímpicos no Rio de Janeiro.

    Isso tudo aumenta consideravelmente as responsabilidades dos setores envolvidos, governamentais ou não governamentais, e também dos profissionais que atuam na área.

    Levando em conta todos esses aspectos, é fundamental assegurar que os legados de megaeventos sejam previstos no planejamento e contemplem os negativos e positivos, procurando, durante o processo, minimizar os primeiros e potencializar os positivos. É preciso enfatizar, também, que os legados de megaeventos esportivos podem ser considerados integrantes de políticas públicas. Assim, devem ser apreciados como resultados de uma ação, cujos impactos podem ser acompanhados segundo suas características.

    Os resultados podem ser considerados de uma tripla perspectiva:

    l. Na fase de deflagração, caracterizada pela ação sensibilizadora, levantamento de necessidades e possibilidades de intervenção, definição de objetivos condutores da ação, seleção de instrumentos de intervenção e sua realização como atividade.

    2. Na fase de avaliação dos resultados da ação, geralmente ocorridos no que pode ser denominado de período de carência. Os resultados podem ser considerados em dois grupos:

    a) respostas: intrinsecamente ligadas aos objetivos da ação, previstas no planejamento, geralmente necessitando de acompanhamento técnico para a continuidade do processo; e

    b) reflexos: independentes de acompanhamento, uma vez que são assumidos por grupos de pessoas e/ou instituições ou podem nem mesmo estar previstos no planejamento da ação.

    3. Na fase de continuidade, com a retomada dos resultados dependentes de acompanhamento, num período de sedimentação, durante o qual é exigido acompanhamento direto, necessário à consolidação do processo, tendo em vista o alcance efetivo do planejamento (adaptado de Marcellino 2008b).

    As considerações aqui expressas reforçam a necessidade de considerar os megaeventos parte de uma política pública de esporte e lazer. O que se tem na área, ainda hoje, são programas de governo, e não uma estrutura de Estado que contemple aspectos fundamentais como a definição do papel dos entes federativos nessa política setorial.

    Referências bibliográficas

    CASTILHO, M. e FERNANDO, F. (2011). Os brasileiros e a Copa 2014: Movimentos de opinião pública e de mercado. [Disponível na internet: http://www.waporbh.ufmg.br/papers/Marcelo_Castilho.pdf, acesso em 19/12/2012.]

    DA COSTA, L.P. e MIRAGAYA, A. (2008). Estado da arte do conhecimento sobre legados de megaeventos esportivos no exterior e no Brasil. In: RODRIGUES, R.P. et al. Legados de megaeventos esportivos. Brasília: Ministério do Esporte.

    DAMO, A.S. (2011). Produção e consumo de megaeventos esportivos: Apontamentos em perspectiva antropológica. Comunicação, Mídia e Consumo, ano 8, v. 89, n. 21. São Paulo, pp. 67-92.

    DEBORD, G. (1997). A sociedade do espetáculo: Comentários sobre a sociedade do espetáculo. Rio de Janeiro: Contraponto.

    HALL, C.M. (2006). Urban entrepreneurship, corporate interests and sports mega-events: The thin policies of competitiveness within the hard outcomes of neoliberalism. In: HORNE, J e MANZENREITER, W. (orgs.). Sports mega-events: Social scientific analyses of a global phenomenon. Oxford: Blackwell, pp. 59-70.

    IBOPE (2007). Pesquisa de opinião pública sobre o Ministério do Esporte. [Disponível na internet: https://i3gov.planejamento.gov.br/balanco/2%20-%20CIDADANIA%20E%20INCLUSAO%20SOCIAL/7%20-%20Esporte/1%20-%20Documentos/Pan%20e%20Parapanamericano/BGF%20-%20Jogos%20Pan%20e%20Parapanamericanos%202007%20-%20Pesquisa%20IBOPE.pdf, acesso em 12/12/2012.]

    LORENZI PIRES, G. de e SILVA, M.R. da (2009). Os ‘negócios olímpicos’ de 2016 no Brasil: ‘O esporte pode tudo’? Motrivivência, ano XXI, n. 32/33, pp. 9-15.

    MARCELLINO, N.C. (2008a). Subsídios para uma política de lazer: O papel da administração municipal. In: MARCELLINO, N.C. (org.). Políticas públicas de lazer. Campinas: Alínea, pp. 11-16.

    ________ (2008b). Pressupostos de ação comunitária: Estrutura e canais de participação. In: MARCELLINO, N.C. (org.). Políticas públicas de lazer. Campinas: Alínea, pp. 17-19.

    MARTIN, V. (2003). Manual prático de eventos. São Paulo: Atlas.

    NEDER, R. (2011). O que Copa e Olimpíadas fazem pelas cidades. [Disponível na internet: http://albertomurray.wordpress.com/2011/10/03/texto-de-renata-neder-da-ong-action-aid/, acesso em 20/10/2011.]

    NEW ZEALAND TOURISM RESEARCH INSTITUTE (2007). The benefits of events: An annotated bibliography. [Disponível na internet: http://www.sportnz.org.nz/Documents/Research/The_benefits_of_events_-_An_annotated_bibliography.pdf, acesso em 21/1/2013.]

    PREUSS, H. (2008). Aspectos sociais dos megaeventos esportivos. In: RUBIO, K. (org.). Megaeventos esportivos: Legado e responsabilidade social. São Paulo: Casa do Psicólogo, pp. 13-35.

    RAEDER, S. (2010). Jogos e cidades: Ordenamento territorial urbano em grandes eventos esportivos. Brasília: Ministério do Esporte.

    RODRIGUES, R.P. et al. (orgs.) (2008). Legados de megaeventos esportivos. Brasília: Ministério do Esporte.

    RUBIO, K. (org.) (2007). Megaeventos esportivos, legado e responsabilidade social. São Paulo: Casa do Psicólogo.

    TAVARES, O. (2005). Quem são os vencedores e os perdedores dos Jogos Olímpicos? Pensar a Prática, v. 8, n. 1. Goiânia, pp. 69-84.

    ________ (2011). Megaeventos esportivos. Movimento, v. 17, n. 3, jul.-set. Porto Alegre, pp. 11-35.

    VEJA (2011). Atividade esportiva é restrita a homens jovens e ricos. Veja, 24/9/2011. [Disponível na internet: http://veja.abril.com.br/noticia/saude/atividade-esportiva-e-restrita-a-homens-jovens-e-ricos, acesso em 20/10/2012.]

    VILLANO, B. et al. (2008). Seminário ‘Legados de megaeventos esportivos: Pontos de convergência’. In: RODRIGUES, R.P. et al. (orgs.). Legados de megaeventos esportivos. Brasília: Ministério do Esporte, pp. 47-50.

    2

    LEGADO PARA AS POLÍTICAS PÚBLICAS BRASILEIRAS DE ESPORTE E LAZER:

    GOVERNANÇA INTERFEDERATIVA DOS JOGOS OLÍMPICOS E PARAOLÍMPICOS DE 2016

    Rejane Penna Rodrigues

    O presente capítulo foi elaborado em um momento histórico em que o Brasil realiza um projeto de Jogos Olímpicos e Paraolímpicos, com compromissos firmados pelos governos e pelo setor privado para entrega do conjunto de obras e serviços necessário à concretização desses megaeventos. Processo aqui analisado com o objetivo de identificar elementos para a compreensão das relações que vêm sendo construídas no sentido da consolidação dos legados desses jogos para as políticas públicas de esporte e lazer do país.

    Por entendermos legado como narrativa, ou seja, forma de pensar e articular trajetórias passadas, presentes e futuras de uma cidade, consideramos esse processo de desenvolvimento (com ganhos tangíveis e intangíveis), de passar para as próximas gerações uma herança de conhecimentos, tecnologias, propriedade e atitudes articulados ao projeto olímpico (cf. MacRury 2008), um dos maiores desafios que o Brasil enfrenta no momento.

    Ao falar em legados dos Jogos Olímpicos e Paraolímpicos não estamos, pois, referindo-nos a uma mera relação de resultados palpáveis. Muito mais que isso, os legados resultam da capacidade de uma cidade ajudar o desenvolvimento, os projetos, as conexões e novas redes, colocando em pauta as necessidades específicas para a preparação desses megaeventos tanto na organização de suas atividades fins como em outras a eles diretamente relacionadas e igualmente indispensáveis ao seu sucesso.

    O momentum legado, que, no entender de Iain MacRury (2008), refere-se à capacidade da cidade e da economia regional continuarem avançando no seu desenvolvimento imediatamente depois da realização do megaevento, integra uma força ao processo de transformação de uma cidade, uma região e um país.

    Nesse sentido, os Jogos Olímpicos e Paraolímpicos são mais do que a realização de várias competições esportivas, cada uma com suas especificidades na preparação e realização. Eles articulam também outros eixos tangíveis (infraestrutura, mobilidade urbana, aeroporto, segurança, acessibilidade, energia, telecomunicações, tecnologias para controle de doping, alfândega) e intangíveis (educação, cultura, integração federativa na passagem da tocha e bandeira olímpica pelo país etc.) fundamentais ao pleno desenvolvimento das atividades esportivas promovidas ao longo desse megaevento e assumidas pelo Dossiê de Candidatura Rio 2016 como legados de todas essas áreas.[4]

    Legado implica, pois, contextualização histórica (de onde partimos e o que almejamos no futuro) e ações políticas mais amplas, pois envolve diferentes faces da ação, suas conexões internas, trajetórias, demandas e possibilidades locais em tempos diferentes. É por isso que o planejamento de legados começa pela qualidade desejada e, depois, pela construção da quantidade.

    Para nós, no Brasil, o ponto de partida dessa reflexão sobre legado de megaeventos esportivos se iniciou com os Jogos Pan-americanos e Parapan-americanos Rio 2007. A realização desses Jogos no Brasil entrou para a história do esporte mundial como exemplo de organização que preparou o país para outro fato histórico: o diferencial de, pela primeira vez nas Américas, os Jogos Olímpicos e Paraolímpicos serem realizados nas mesmas instalações, envolvendo pessoas sem e com deficiências.

    A realização dos Jogos Pan-americanos e Parapan-americanos de 2007 na cidade do Rio de Janeiro foi uma oportunidade ímpar também para adquirir novos conhecimentos sobre a gestão de megaeventos com base nos acertos e erros vividos. Era essa a experiência que faltava ao país para qualificar sua candidatura e para a escolha da mesma cidade para sede dos Jogos Olímpicos e Paraolímpicos de 2016, baseada em regras estabelecidas pelo Comitê Olímpico Internacional (COI) (franquia olímpica).

    Além disso, foi igualmente importante conhecermos as experiências vivenciadas em outras cidades e outros países, sedes de megaeventos esportivos, cujos conhecimentos, aliados ao entusiasmo, à maturidade e à criatividade dos profissionais que se envolveram na elaboração do projeto, contribuíram e vêm contribuindo muito para a elaboração e realização desse megaevento tão complexo (Rodrigues 2011).

    Os legados são, pois, políticas públicas no seu sentido mais amplo. Políticas de financiamento e gestão, motivadas pelos Jogos Olímpicos e Paraolímpicos e realizadas considerando o macroplano de desenvolvimento da cidade-sede, do seu estado e do país. Política que, assim, aponta para vários movimentos de qualificação de suas ações, em um processo que tem como ponto de partida e de chegada as histórias locais, particulares, com seus valores, seu cotidiano, suas culturas e trajetórias políticas. Há que se considerar, assim, em que processo histórico se constituem os Jogos Olímpicos e Paraolímpicos de 2016.

    No Brasil, a trajetória da história esportiva tem como auge a proclamação do direito de acesso ao esporte e ao lazer a todos os cidadãos brasileiros, pelo artigo 217 da Constituição de 1988 (Brasil 1988). Porém, apesar dessa conquista, as proposições políticas decorrentes e as ações efetivas para concretizar esse direito só ganharam força política alguns anos depois, especialmente em 2003, com a criação do Ministério do Esporte. E, mesmo considerando que muito foi feito após esse fato histórico, ainda hoje a população brasileira não conquistou plenamente o direito ao esporte educacional, de participação/lazer e de rendimento. Há muito que fazer para garantirmos a democratização do esporte neste país continental e com diversidades regionais.

    Nesse contexto de demandas pela democratização do esporte e do lazer para toda a população brasileira, o esporte brasileiro tem conquistado projeção internacional pelos resultados que vem obtendo nos megaeventos olímpicos, paraolímpicos e não olímpicos.

    Além disso, no contexto mais amplo, o país, como os organismos internacionais, reconhece cada vez mais a importância do esporte no desenvolvimento humano sustentável, como indica o relatório da força-tarefa entre agências das Nações Unidas sobre o Esporte para o Desenvolvimento e a Paz (ONU 2003), divulgado em 2003, que o coloca em posição estratégica para alcançar as metas de desenvolvimento do milênio estabelecidas pela Organização das Nações Unidas.

    Entendido o esporte como direito humano, o país reafirma seu potencial para o desenvolvimento social e econômico da nação nas áreas de saúde, educação, cultura, turismo, meio ambiente, dentre outras. Nesse sentido, iniciativas governamentais e da sociedade em geral têm potencializado esforços por meio de políticas públicas, privadas, corporativas e do terceiro setor, procurando garantir o direito ao esporte e ao lazer a todos os cidadãos brasileiros.

    Porém, se aprofundarmos o nosso olhar sobre as históricas trajetórias das políticas de esporte e lazer no Brasil, podemos observar que há uma tendência de maior intervenção do Estado nesses campos, desde a definição das políticas de esporte e lazer há mais de seis décadas, pelo decreto-lei n. 3.199/41 (Brasil 1941), que criou o Conselho Nacional de Desportos (CND) e que deu poderes ao Estado para intervir nos entes desportivos.

    Dessa época aos dias de hoje, o esporte e o lazer foram utilizados para vários fins, como, por exemplo, veículo para a propagação de ideários totalitários do Estado Novo; para o desenvolvimento de projetos com forte caráter patriótico-militar nos anos 1970, período de movimentos nacionais que tendiam à massificação esportiva, como é o caso do programa Esporte para Todos, ou do esporte de alto rendimento, expresso no cunho atribuído aos jogos estudantis e no reforço às modalidades esportivas que projetavam o país, como o futebol. Com isso, foram construídos estádios com capacidade superior a 100 mil espectadores em diversos estados brasileiros e criado o campeonato brasileiro de clubes, com representantes de todos os estados da federação; ações que priorizaram a apropriação do hábito da prática esportiva pela população brasileira.

    A Constituição Cidadã de 1988, ao inserir no seu texto, de forma inédita, a garantia do direito de todos ao esporte, implicou também deveres do Estado nesse sentido, requerendo o protagonismo do poder público na garantia desse provimento.

    Em decorrência, nas décadas de 1980 e 1990, as políticas públicas de esporte e lazer passaram a privilegiar o acesso da população às diversas práticas, mobilizando ações que fomentassem todas as formas de práticas e competições esportivas. Novos ordenamentos sobre o esporte foram promulgados no país – como a lei n. 8.672/93 (Brasil 1993), conhecida como lei Zico, e a lei n. 9.615/98

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