Práticas Integradas em Saúde Coletiva: Um Olhar para a Interprofissionalidade e Multiprofissionalidade
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Práticas Integradas em Saúde Coletiva - Rodrigo de Souza Balk
COMITÊ CIENTÍFICO DA COLEÇÃO MULTIDISCIPLINARIDADES EM SAÚDE E HUMANIDADES
A minha esposa, Andréa, e meu filho, Gabriel,
pelo amor, pelo companheirismo e pela parceria.
Aos colegas, bolsistas e amigos autores dos capítulos,
que inspiraram e concretizaram
o sonho de realização desta obra.
PREFÁCIO
CAMINHAR
Impossível seria começar este prefácio e não discorrer sobre o amor que me move pela educação superior. Dedicar a vida profissional a ensinar por caminhos construídos coletivamente tem sido uma das marcas da minha vida acadêmica, e, talvez por isso, tenha recebido o desafio de transpor em algumas palavras a caminhada do Programa de Educação Tutorial – Práticas Integradas em Saúde Coletiva da Universidade Federal do Pampa, campus Uruguaiana, neste livro.
Fomentar a formação para saúde sustentada pelos princípios do Sistema Único de Saúde (SUS), das Diretrizes Curriculares Nacionais dos cursos da área de saúde, amarrados pelos referencias da Educação Interprofissional, coloca em roda uma série de fatores que necessitam ser considerados em prol da qualidade na formação, nos serviços de saúde e educação. Caminhar teoricamente pelo território vivido emana intensidade, integralidade e interprofissionalidade. Esses conceitos perpassam pelas estruturas curriculares e refletem no cotidiano do trabalho em saúde. Um diálogo de diferentes atores que se movimentam em prol do aprender juntos, para fazer juntos, olhando os usuários do SUS com base na integralidade.
Mergulhar nesse universo de diferentes saberes traz consigo inquietude, seja pelo amor que nos move pela temática, seja pelos desafios impostos pelo sistema. Reconheço essa sensação como um movimento dialético entre teoria e prática, entre o vivido individual e o coletivo, entre a escola e o serviço. Produzir saúde em meio a esse movimento dialético de campo e de núcleo, ajustando e considerando o outro nos processos de fazer saúde é, portanto, um pouco do que o leitor encontrará neste livro. Marx e Engels (2007), ao usarem a dialética, objetivavam suprimir a imediaticidade e a pretensa independência com que o fenômeno surge, subsumindo-o a sua essência. Com a dialética os elementos cotidianos deixam de ser naturalizados e eternizados, passando a ser encarados como sujeitos da práxis social da humanidade.
A integralidade como um ser de coração imenso busca abraçar o todo, perceber o indivíduo na sua intensidade e necessidade. Vale dizer que a integralidade aqui é compreendida de acordo com Mattos (2005) — na clínica, na organização e nas políticas —, chegando à clínica ampliada de Cunha (2005), pensando no sujeito além dos recortes teóricos, que faça diferença onde o que parece o limite do saber possa se transformar no caminho para possibilidades de intervenção. Mattos (2004) discorre que a integralidade é um termo polissêmico e entre seus diversos sentidos existem traços comuns. Porém, o mais importante deles pode ser uma recusa ao reducionismo.
A Integralidade é um dos princípios do SUS e, como tal, configura-se como uma forma de regular e conduzir a produção de saúde. Sua intensidade significa, o que possibilita sentir e racionalizar as demandas de saúde, sejam estas individuais, sejam coletivas. Mais do que ser uma doutrina do sistema de saúde, a integralidade é uma prática de percepção do contexto. Arraigada na saúde coletiva, é sentida também como uma possibilidade de melhorar a formação em saúde e qualificar o trabalho em saúde. Por essa perspectiva de construção coletiva no encontro de diferentes sujeitos, imergimos na interprofissionalidade, na educação interprofissional.
Essa estratégia é a mais recente iniciativa de mudar o paradigma da formação em saúde na graduação, pós-graduação (residências) e no trabalho (BARR et al., 2005). O Centre for the Advancement of Interprofessional Education define a Educação Interprofissional em Saúde como as ocasiões em que dois ou mais profissionais aprendem uns com os outros e entre si, para melhorar a colaboração e a qualidade dos cuidados (CAIPE, 2002). Nessa perspectiva, intrigante e desafiadora, convidamos o leitor a flutuar sobre a escrita do movimento e das desacomodações realizadas por um grupo de docentes, discentes e trabalhadores de saúde junto às ações implementadas pelas Práticas Integradas em Saúde Coletiva da Unipampa, campus Uruguaiana.
Gostaria de dizer que discorrer sobre o ápice de 10 anos de avanços na formação em saúde foi um privilégio. Conhecer e aprender move-nos nessa caminhada da vida por espaços dialógicos em prol da qualidade dos serviços de saúde para o SUS. Que o impacto sentido pelo corpo fisicamente e mentalmente possa fomentar, por meio desta leitura, atitudes e práticas sustentadas pela interprofissionalidade na possibilidade do diálogo, da roda, do coletivo, do movimento, da dialética — da integralidade!
Prof.ª Dr.ª Fernanda Sarturi
Universidade Federal de Santa Maria (UFSM)
Coordenadora do PET – Saúde/Interprofissionalidade da UFSM
Campus Palmeira das Missões
Referências
BARR, H. et al. Effective interprofessional education: arguments, assumption & evidence. Oxford: Blackwell, 2005.
CENTRE FOR THE ADVANCEMENT OF INTERPROFESSIONAL EDUCATION (CAIPE). United Kingdom: Center for The Advancement of Interprofessional Education - CAIPE, 2002.
CUNHA, G. T. A construção da clínica ampliada na atenção básica. São Paulo: Hucitec, 2005.
MARX, K.; ENGELS, F. A ideologia alemã: crítica da mais recente filosofia alemã em seus representantes Feuerbach, B. Bauer e Stirner, e do socialismo alemão em seus diferentes profetas 1845- 1846. São Paulo: Boitempo, 2007.
MATTOS, R. Integralidade como eixo da formação dos profissionais de saúde. Rev. bras. educ. med., Rio de Janeiro, v. 28, n. 2, maio/ago. 2004. Editorial, p. 91-92. Disponível em: https://www.scielo.br/pdf/rbem/v28n2/1981-5271-rbem-28-02-91.pdf. Acesso em: 15 jul. 2020.
MATTOS, R. Os sentidos da integralidade: algumas reflexões acerca de valores que merecem ser defendidos. In: PINHEIRO, R.; MATTOS, R. (org.). Os sentidos da integralidade na atenção e no cuidado em saúde. 4. ed. Rio de Janeiro: Cepesc; IMS; Uerj; Abrasco, 2005.
Sumário
INTRODUÇÃO 17
1
DEZ ANOS DO PROGRAMA PRÁTICAS INTEGRADAS EM SAÚDE COLETIVA NA UNIPAMPA: DA TRAJETÓRIA ÀS PERSPECTIVAS 19
1.1 Referências 23
2
PRÁTICAS QUE INTEGRAM A SAÚDE MENTAL À SAÚDE COLETIVA: UMA VISÃO DENTRO DA RESIDÊNCIA MULTIPROFISSIONAL 25
2.1 Referências 30
3
BOAS PRÁTICAS EM SAÚDE MENTAL: COMO REORIENTAM A CLÍNICA E REPERCUTEM NO PROCESSO DE RECUPERAÇÃO
DAS PESSOAS 33
3.1 Grupos de ajuda e suporte mútuos em saúde mental 35
3.2 Gestão autônoma de medicação e autonomia 36
3.3 O movimento internacional de ouvidores de vozes e os grupos de ouvidores
de vozes 39
3.4 Open dialogue (diálogo aberto) 43
3.5 O que pensa sobre um expert por experiência? 45
3.6 Referências 47
4
POLÍTICAS PÚBLICAS DE ATENÇÃO À SAÚDE DA CRIANÇA
NO BRASIL 51
4.1 Contexto histórico: dos direitos da criança à saúde 51
4.2 Desafios da integralidade do cuidado à saúde infantil 55
4.3 Considerações finais 59
4.4 Referências 59
5
ONCOLOGIA NA SAÚDE COLETIVA: FISIOTERAPIA E SERVIÇO SOCIAL NO ATENDIMENTO A PESSOAS COM CÂNCER 65
5.1 Fisioterapia e oncologia na atenção primária à saúde 65
5.2 Os desafios da doença oncológica 66
5.3 Fisioterapia: a importância da multidisciplinaridade dentro da oncologia 67
5.3.1 Fisioterapia Oncológica e Atenção Primária à Saúde 68
5.4 Serviço social no atendimento a pessoas com câncer 70
5.5 Considerações finais 74
5.6 Referências 75
6
PRÁTICAS EDUCACIONAIS EM TOXICOLOGIA SOCIAL 79
6.1 Cenário geral de drogas 80
6.2 Estrutura da rede pública – políticas públicas de saúde e educação 83
6.2.1 Organização da Saúde 83
6.2.2 Organização da Educação Fundamental 84
6.2.3 Qualificação Acadêmica: Unipampa 85
6.2.4 Proposta e Abrangência da Ação 85
6.3 Drogas lícitas e ilícitas 86
6.3.1 Tabaco 90
6.3.2 Álcool (etanol) 91
6.3.3 Anfetaminas 92
6.3.4 Cocaína/Crack/Oxy 95
6.3.5 Maconha 96
6.3.6 LSD 97
6.3.7 Outras drogas 98
6.4 Considerações finais 98
6.5 referências 99
7
PLANTAS MEDICINAIS E COMUNIDADE 103
7.1 Conceitos importantes em fitoterapia 104
7.3 Motivações para o emprego terapêutico das plantas medicinais 110
7.4 O uso de plantas medicinais é isento de risco? 113
7.5 Considerações finais 117
7.6 Referências 118
8
A SAÚDE DA MULHER NA ATENÇÃO BÁSICA POR UMA
PERSPECTIVA MULTIPROFISSIONAL 125
8.1 Reflexões iniciais 125
8.2 A mulher na adolescência 126
8.3 A mulher na vida adulta 128
8.4 A mulher na velhice 134
8.5 Referências 137
9
O PROCESSO DE ENVELHECIMENTO E A SAÚDE: UMA ABORDAGEM POLÍTICA E MULTIDISCIPLINAR 141
9.1 Políticas voltadas à pessoa idosa e ações desenvolvidas pela atenção primária 143
9.2 A atuação multidisciplinar no processo de envelhecimento 146
9.3 Considerações finais 153
9.4 Referências 154
10
FALANDO DE GÊNERO E SEXUALIDADE PARA PRÁTICAS INTEGRADAS EM SAÚDE COLETIVA 161
10.1 Um pouco de história 162
10.2 Buscando definições, pavimentando caminhos 164
10.3 Fazendo distinções 166
10.4 E as práticas integradas de saúde nisso tudo? à guisa de conclusão 169
10.5 Referências 171
11
AS PRÁTICAS EDUCATIVAS EM SAÚDE E O PROTAGONISMO ESTUDANTIL: REFLEXÕES PERANTE O PROCESSO DE FORMAÇÃO EM SAÚDE 175
11.1 Para início de conversa... 175
11.2 Os movimentos sociais e a luta pela consolidação do SUS 176
11.3 A formação em saúde e o protagonismo estudantil 179
11.4 Educação em saúde: trajetória e perspectivas 180
11.5 Referências 183
12
EDUCAÇÃO E SAÚDE NO CONTEXTO ESCOLAR: PROGRAMA SAÚDE NA ESCOLA 187
12.1 Referências 189
13
ESTRATÉGIAS PEDAGÓGICAS PARA ABORDAGEM DE SAÚDE NO CONTEXTO ESCOLAR: INSERÇÃO DO PROGRAMA FIFA 11 PELA SAÚDE NA ESCOLA 191
13.1 Alternativas pedagógicas para ensino e saúde: um relato de experiência 192
13.1.1 Sessão 1 193
13.1.1.1 Jogue Limpo: Jogue Futebol 193
13.1.1.2 Jogue Futebol: Aquecimento 194
13.1.2 Sessão 2 195
13.1.2.1 Jogue limpo: Respeite meninas e mulheres 195
13.1.2.2 Jogue Futebol: Passe 195
13.1.3 Sessão 3 196
13.1.3.1 Jogue Limpo: Proteja-se contra HIV e IST 196
13.1.3.2 Jogue Futebol: Cabeceio 196
13.1.4 Sessão 4 197
13.1.4.1 Jogue Limpo: Não use drogas, álcool ou tabaco 197
13.1.4.2 Jogue Futebol: Drible 197
13.1.5 Sessão 5 198
13.1.5.1 Jogue Limpo: Controle seu peso 198
13.1.5.2 Jogue Futebol: Controle da bola 199
13.1.6 Sessão 6 200
13.1.6.1 Jogue Limpo: Lave suas mãos 200
13.1.6.2 Jogue Futebol: Defesa 201
13.1.7 Sessão 7 202
13.1.7.1 Jogue Limpo: Beba água tratada 202
13.1.7.2 Jogue Futebol: Domínio 203
13.1.8 Sessão 8 203
13.1.8.1 Jogue Limpo: Siga uma dieta balanceada 203
13.1.8.2 Jogue Futebol: Entre em forma 204
13.1.9 Sessão 9 204
13.1.9.1 Jogue Limpo: Vacine-se 204
13.1.9.2 Jogue Futebol: Chute 205
13.1.10 Sessão 10 206
13.1.10.1 Jogue Limpo: Tome os medicamentos prescritos 206
13.1.10.2 Jogue Futebol: Impedir os gols 207
13.1.11 Sessão 11 207
13.1.11.1 Jogue Limpo: Jogue Limpo 207
13.1.11.2 Jogue Futebol: Trabalho em equipe 208
13.2 O papel do professor 208
13.3 Considerações finais 209
13.4 Referências 209
14
ESTRATÉGIAS METODOLÓGICAS PARA EDUCAÇÃO EM SAÚDE NO CONTEXTO ESCOLAR: RELATO DE EXPERIÊNCIAS DE
RESIDÊNCIA MULTIPROFISSIONAL 211
14.1 O problema e sua importância 211
14.2 Estratégias metodológicas para o relato de experiência 213
14.3 Estratégias para o desenvolvimento do programa saúde na escola 215
14.3.1 Direito sexual e reprodutivo
215
14.3.2 Educação alimentar e nutricional
218
14.3.3 Antropometria: risco de doenças cardiovasculares
220
14.3.4 Combate ao mosquito Aedes aegypti
222
14.3.5 Saúde mental: prevenção do risco de suicídio
223
14.4 Considerações finais 225
14.5 Referências 226
SOBRE OS AUTORES 231
ÍNDICE REMISSIVO 243
INTRODUÇÃO
A presente obra permite refletir sobre a temática Interprofissionalidade e Multiprofissionalidade em Saúde Coletiva com professores, pesquisadores, doutorandos, residentes, bolsistas, para produzir uma ampla reflexão sobre o tema. A seguir, será exposta a sucinta descrição das ideias apresentadas pelos autores.
O livro inicia com uma narrativa da trajetória e das perspectivas do Programa Práticas Integradas em Saúde Coletiva da Unipampa em seus 10 anos de existência. No segundo e terceiro capítulos os autores apresentam o tema Saúde Mental com base na Residência Multiprofissional em Saúde Mental Coletiva, assim como propõem a discussão sobre a autonomia e o protagonismo das pessoas no tratamento, o potencial de recuperação e aceitação por meio da confiança, do diálogo e da gestão compartilhada.
O quarto capítulo apresenta a saúde da criança desde o contexto histórico dos direitos da criança à saúde como os desafios da integralidade do cuidado à saúde infantil. No quinto capítulo são apresentados pelos autores os desafios em face da doença oncológica e as ações integradas por profissionais de Fisioterapia e Serviço Social. No sexto capítulo o autor descreve a temática da drogadição, abrangendo tanto drogas lícitas como ilícitas, assim como políticas públicas direcionadas ao tema. O sétimo capítulo apresenta a temática Fitoterapia desde conceitos até as motivações para o emprego terapêutico de plantas medicinais. No oitavo capítulo os autores fazem uma narrativa acerca da saúde da mulher (adolescência, adultez e velhice), assim como o foco na atenção básica e multiprofissional. No Capítulo 9 é apresentado pelos autores o tema envelhecimento, valendo-se de uma abordagem política e multidisciplinar. No 10º capítulo os autores abordam a importância da formação em gênero e sexualidade para o pleno desenvolvimento do papel das e dos profissionais da saúde no atendimento às especificidades das pessoas usuárias dos serviços de saúde. O 11º capítulo relata sobre os movimentos sociais e a luta pela consolidação do Sistema Único de Saúde, assim como a formação em saúde, o protagonismo estudantil e a educação em saúde. Os capítulos finais apresentam alternativas pedagógicas de abordagem da temática Saúde na Escola, indo ao encontro dos objetivos propostos pelo Programa Saúde na Escola.
Pelo exposto, este livro apresenta uma coletânea de artigos/capítulos que só se concretizou como obra pelo esforço de todos os que compõem essa rede, revelando-se excelente fonte de conhecimento a todos que se interessam pela área da Saúde Coletiva e por ferramentas efetivas de aprendizagem.
O organizador
1
DEZ ANOS DO PROGRAMA PRÁTICAS INTEGRADAS EM SAÚDE COLETIVA NA UNIPAMPA: DA TRAJETÓRIA ÀS PERSPECTIVAS
Odete Messa Torres
Rodrigo de Souza Balk
Neila Santini de Souza
Joana dos Santos da Silva Corbette
Mylena Francini da Rosa
Rafaella Martini Paiva
Passados 10 anos da proposição do Programa Práticas Integradas em Saúde Coletiva (Pisc), da Universidade Federal do Pampa (Unipampa), campus Uruguaiana, seus proponentes fundadores e servidores públicos, atualmente docentes de diferentes instituições de ensino superior do país, agremiados aos bolsistas, decidem interinstitucionalmente descrever sua trajetória, avaliar suas conquistas e projetar perspectivas.
O Pisc nasce do desejo de discentes de enfermagem, durante atividades curriculares da graduação na comunidade de Uruguaiana, de realizarem atenção integral às famílias por meio de visitas domiciliares (DUARTE et al., 2012). Atravessados pelos conceitos da integralidade da atenção, confrontados com a realidade sanitária das pessoas dos territórios da Atenção Primária em Saúde (APS), e sabidos da capacidade técnica dos cursos de graduação da área da saúde ofertados pelo campus Uruguaiana da Unipampa, os discentes questionaram o motivo de não haver propostas coletivas de atuação dos cursos na comunidade.
Em 2009, o Pisc abrolha o desejo da oferta de atenção integral e da interprofissionalidade em saúde. Quando surge, seus proponentes advogam pela composição de equipes multiprofissionais para o desenvolvimento de ações interdisciplinares. Inicia-se com os cursos de graduação de Enfermagem e Fisioterapia, amplia-se, imediatamente ao começo das ações, para Farmácia, Medicina Veterinária, Educação Física e Medicina. Incorpora-se às
ações do Pisc a participação de residentes dos Programas de Residência em Saúde Coletiva e Saúde Mental Coletiva ofertados pela Unipampa. Hoje, passados 10 anos, ao recordarmos essa origem identificamos os pilares da Educação Interprofissional (EIP) no Pisc.
O trabalho em equipes interprofissionais no Pisc apontava para práticas colaborativas voltadas para ações no território e nos serviços de saúde, visando à melhora dos resultados em saúde, bem como à qualificação do trabalho em saúde e de seus serviços, promovendo seus sistemas de saúde e resultados, propósitos de ações da EIP, segundo a OMS (2010).
Somado a essas intenções, vale destacar o objetivo do Pisc de incidir sobre a formação em saúde, com foco na mudança nas estruturas curriculares dos cursos da área da saúde, com vistas às práticas interprofissionais inseridas no bojo do desenvolvimento acadêmico-profissional. A experimentação do Pisc leva docentes, discentes e profissionais da área da saúde a repensar ações pedagógicas, de atenção e de gestão dos serviços e sistemas de saúde. Como resultado, percebe-se que o profissional em formação ressignifica-se, qualifica-se e transforma-se, promovendo mudanças curriculares, de atenção em saúde, de gestão setorial e de controle social em saúde, em consonância com princípios da Educação Permanente em Saúde (EPS), segundo Ceccim e Feuerwerker (2004).
As vivências possibilitadas pelo Pisc permitem aos envolvidos confrontarem conteúdos teórico-práticos dos componentes curriculares dos cursos da área da saúde de forma transversal, guiados por uma realidade concreta e desenvolvida com base no protagonismo e na proatividade, em articulação entre ensino-serviço-gestão-controle social, pilares da EPS. Dessa forma, constroem-se novos saberes em saúde. Aprendem todos os envolvidos. Aprendem aqueles cuja formação na área da saúde se inicia em processo de experimentação, ou ainda os graduandos. Aprendem gestores e trabalhadores da área da saúde que ressignificam suas práticas. Aprendem usuários que se relacionam às ações propostas pelo programa, construindo-as e avaliando-as em conjunto com os demais atores. E, por fim, aprendem os docentes envolvidos com o Pisc, aqueles cuja reprodução de conceitos e práticas pedagógicas é questionada, e cuja inovação pedagógica se faz exigir no contato com as variadas dimensões das ações do Pisc. Trata-se, portanto, de um agir (trans)formador da educação e da saúde.
A dimensão da transformação nos processos de trabalho das equipes de saúde com as quais o Pisc se relaciona é uma de suas marcas.
Inicialmente, nas ações promovidas em 2009, o programa concentrava-se em realizar visitas domiciliares, acompanhados dos Agentes Comunitários de Saúde (ACSs), que, em conjunto com as equipes de saúde, definiam os casos que demandavam atenção integral multiprofissional em seus territórios (PACHECO et al., 2013; BALK et al., 2015; CARDOSO et al., 2013). Com o decorrer do tempo, conquistando espaço nas equipes de saúde, os estudantes do Pisc vão aos poucos se inserindo nessas equipes, participando de suas reuniões, promovendo ações educativas entre os profissionais e a comunidade. Da sala de espera à EPS; do diagnóstico comunitário ao planejamento estratégico situacional; da visita domiciliar à interconsulta; dos grupos na comunidade às oficinas terapêuticas no Centro de Atenção Psicossocial (Caps) e no Centro de Referência em Assistência Social (Creas), o Pisc transforma e transforma-se.
A escuta às demandas da comunidade compreende no Pisc a estratégia de alcance às necessidades de saúde dos grupos populacionais atendidos pelo programa. Consonante às práticas da EIP, o Pisc buscou a escuta ativa das demandas da saúde da população, quer seja por meio de práticas de visitas domiciliares, quer pela escuta aos profissionais de saúde e gestores ou de sua interface com os usuários e com o Conselho Municipal de Saúde.
Em face dos desafios constantes impostos pelas desigualdades sociais, no perfil demográfico e epidemiológico da população, na ampliação da pobreza, dos processos migratórios de evasão do campo e inchamento da população urbana, que refletem na saúde em problemas de saúde cada vez mais complexos e cronificados, observam-se novos riscos de danos e agravos à saúde, infecciosos, endêmicos e pandêmicos, que desafiam os setores da saúde e da educação no repensar os modos de cuidar a vida. Esses movimentos dinâmicos da realidade imprimem a necessidade da otimização de custos nos sistemas e serviços de saúde, que por si provocam novas dinâmicas no processo de trabalho em saúde. O produto desse processo de trabalho em saúde vislumbra-se na relação pessoal e profissional com os usuários desses serviços, por meio da escuta ativa de suas necessidades. Por isso, o trabalho em equipe exige muito mais que dividir o mesmo espaço físico de um serviço de saúde. Questões necessárias para pensar o contexto da EIP em saúde apontam para o aprendizado colaborativo, no qual estudantes de distintos cursos de graduação da saúde aprendem juntos, sem negar sua especificidade, mas ampliando sua capacidade de atuação em equipes de saúde. As questões somadas ao planejamento de aprendizagem compartilhado são os primeiros movimentos em torno da EIP (COSTA et al., 2018).
Parte-se da necessidade de formar profissionais aptos à colaboração para o trabalho em equipe.