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De dendê e baianidade: A mercadoria de restaurantes de comida baiana em Salvador
De dendê e baianidade: A mercadoria de restaurantes de comida baiana em Salvador
De dendê e baianidade: A mercadoria de restaurantes de comida baiana em Salvador
E-book287 páginas4 horas

De dendê e baianidade: A mercadoria de restaurantes de comida baiana em Salvador

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Sobre este e-book

O que se observa é que a comida baiana permanece no cotidiano de moradores ao mesmo tempo em que se arma como bem cultural, sendo parte da economia de serviços que marca a Bahia, envolvida em novos rituais de consumo e de produção que atendem às demandas da alimentação contemporânea e de seu mercado.
IdiomaPortuguês
Data de lançamento8 de abr. de 2016
ISBN9788581487410
De dendê e baianidade: A mercadoria de restaurantes de comida baiana em Salvador

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De dendê e baianidade - Taís de Santanna Machado

Copyright © 2016 by Paco Editorial

Direitos desta edição reservados à Paco Editorial. Nenhuma parte desta obra pode ser apropriada e estocada em sistema de banco de dados ou processo similar, em qualquer forma ou meio, seja eletrônico, de fotocópia, gravação, etc., sem a permissão da editora e/ou autor.

Coordenação Editorial: Kátia Ayache

Revisão: Nara Dias

Assistência Editorial: Augusto Pacheco Romano, Érica Cintra

Capa e Projeto Gráfico: Bruno Balota

Assistência Digital: Wendel de Almeida

Edição em Versão Impressa: 2015

Edição em Versão Digital: 2016

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

Conselho Editorial

Profa. Dra. Andrea Domingues (UNIVAS/MG) (Lattes)

Prof. Dr. Antonio Carlos Giuliani (UNIMEP-Piracicaba-SP) (Lattes)

Prof. Dr. Antonio Cesar Galhardi (FATEC-SP) (Lattes)

Profa. Dra. Benedita Cássia Sant’anna (UNESP/ASSIS/SP) (Lattes)

Prof. Dr. Carlos Bauer (UNINOVE/SP) (Lattes)

Profa. Dra. Cristianne Famer Rocha (UFRGS/RS) (Lattes)

Prof. Dr. Eraldo Leme Batista (UNIOESTE-PR) (Lattes)

Prof. Dr. Fábio Régio Bento (UNIPAMPA/RS) (Lattes)

Prof. Dr. José Ricardo Caetano Costa (FURG/RS) (Lattes)

Prof. Dr. Luiz Fernando Gomes (UNISO/SP) (Lattes)

Profa. Dra. Magali Rosa Santa'Anna (UNINOVE/SP) (Lattes)

Prof. Dr. Marco Morel (UERJ/RJ) (Lattes)

Profa. Dra. Milena Fernandes Oliveira (UNICAMP/SP) (Lattes)

Prof. Dr. Ricardo André Ferreira Martins (UNICENTRO-PR) (Lattes)

Prof. Dr. Romualdo Dias (UNESP/RIO CLARO/SP) (Lattes)

Prof. Dr. Sérgio Nunes de Jesus(IFRO/RO) (Lattes)

Profa. Dra. Thelma Lessa (UFSCAR/SP) (Lattes)

Prof. Dr. Victor Hugo Veppo Burgardt (UNIPAMPA/RS) (Lattes)

Paco Editorial

Av. Carlos Salles Block, 658

Ed. Altos do Anhangabaú, 2º Andar, Sala 21

Anhangabaú - Jundiaí-SP - 13208-100

Telefones: 55 11 4521.6315 | 2449-0740 (fax) | 3446-6516

atendimento@editorialpaco.com.br

www.pacoeditorial.com.br

Agradecimentos

No momento em que este estudo se torna livro, faz-se necessário agradecer aqueles que forneceram apoio para que chegássemos até este ponto. Em primeiro lugar, às condições oferecidas pela Universidade de Brasília através do Programa de Pós-Graduação em Sociologia, onde cursei o mestrado, e do Decanato de Pesquisa e Pós-Graduação, que garantiu as condições financeiras para a realização da pesquisa de campo. E também pelo apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) pela bolsa de estudos concedida durante o curso. Como suporte fundamental do processo agradeço a Edson Silva de Farias, meu orientador, por instigar a curiosidade científica sobre o mundo e manter seu incentivo nos momentos de crise. E também pelas contribuições dos professores Élder Patrick Maia Alves e Analía Soria Batista durante a defesa dessa dissertação. Meus agradecimentos também ao grupo de pesquisa Cultura Memória e Desenvolvimento (CMD) pelos encontros e o diálogo produtivo empreendido, que certamente enriqueceram este texto.

Ao mesmo tempo, transcritos aqui também estão meus companheiros de vida, que tiveram toda a paciência do mundo em aguentar a montanha russa emocional que é a composição de uma dissertação. Agradeço à minha família, espalhada em diversas partes da Bahia, por toda a calma em escutar as indagações (e achar graça) da integrante socióloga sobre seu local de residência. E também aos amigos de Salvador, que ainda tinham a paciência extra de contribuir com as elucubrações. Aos companheiros de mestrado, em madrugadas longas de conselhos e incentivos. Aos amigos do peito, Cíntia Engel, André Cidade e Marco Aurélio, sempre dispostos a me escutar, me divertir e me levar a sério. E à minha ciumenta querida, Manuela Muguruza, por estar sempre disposta a oferecer esse sofá imenso, esse abraço imenso, esse amor imenso. Deixo por último aquele que esteve aqui durante todos os dias, todos os arroubos de produtividade, todas as crises, por todo esse percurso. Marcelo Rocha, bem meu, você é fundamental. Obrigado pelo apoio incondicional, por estar aqui e ser parte da minha vida.

O tio Sam está querendo conhecer a nossa batucada

Anda dizendo que o molho da baiana melhorou seu prato

Vai entrar no cuscuz, acarajé e abará

Na Casa Branca já dançou a batucada de ioiô iaiá!

Brasil Pandeiro - Assis Valente,

Sumário

Folha de rosto

Página de Créditos

Agradecimentos

Introdução

Capítulo 1: Comida, negritude e o feminino a construção de um bem cultural da baianidade

1. De mestiçagem, tradição e dendê: a formação da comida baiana

2. A Bahia midiática: uma composição musical e literária

3. A baiana e a Bahia: de dendê, negritude, generosidade e sensualidade

4. A proposição identitária como mercadoria: turismo e ação governamental

Figura 1. Identidade visual do produto Bahia, em tom exclamativo

Capítulo 2: A experiência de comer a Bahia – a narrativa de comensais e restaurantes

1. Hábitos alimentares e a comida baiana contemporânea

Figura 2. Produto Acarajé Express

2. A pesquisa de campo

2.1 Metodologia e técnicas de pesquisa empreendidas

2.2 Pesquisa de campo – conhecendo o espaço social alimentar soteropolitano e a narrativa dos comensais

2.2.1 O processo de ir à Salvador

Figura 3. Identidade visual da loja Tabuleiro

Figura 4. Produto da loja Tabuleiro

Figura 5. Produto da loja Tabuleiro

2.2.2 Uma experiência baiana da comida baiana: os comensais soteropolitanos (ou moradores da cidade)

2.3 Restaurantes

2.3.1 Restaurante Camafeu de Oxóssi – o turístico

Figura 6. Emblema do restaurante.

2.3.2 Restaurante Maria de São Pedro - o tradicional

Figura 7. Identidade visual do restaurante.

2.3.3 Restaurante Boca de Galinha – o original e autêntico

Figura 8. O trajeto de barco.

Figura 9. Cais na chegada à Plataforma

Figura 10. Palmeiras ao lado dos trilhos do trem.

Figura 11. Rua do restaurante

Figura 12. Frente do estabelecimento.

Figura 13. Interior do estabelecimento.

Figura 14. Interior do restaurante.

Figura 15. Refeição disposta na mesa.

2.3.4 Paraíso tropical – a nova comida baiana

Figura 16. Identidade visual do restaurante, com o galo à frente.

Capítulo 3: Trânsitos dos rituais da baianidade – entre a comida imaginada e a cotidiana

1. Consumo e identidade através do signo da baianidade e da comida baiana

2. Tradição e inovação: a mediação de comensais e de restaurantes

Considerações Finais

Referências

Paco Editorial

Introdução

Esta obra é resultado de indagações de uma etapa anterior de minha vida acadêmica, a pesquisa de graduação, quando empreendi uma pesquisa etnográfica em um restaurante de comida nordestina em Brasília. O objetivo desta investigação foi o de elucidar que elementos estavam articulados na composição da mercadoria de um restaurante de comida regional, em uma cidade que, além de estar fora do Nordeste, é, com frequência, caracterizada coloquialmente pela ausência de uma identidade autêntica – a despeito das controvérsias desta afirmação. Vale destacar somente a comparação de que não existe uma comida que receba a denominação de brasiliense, para pensar o valor de um restaurante de apelo a uma identificação regional na cidade. O texto anterior, então, já marcara meu interesse pela temática da alimentação e aprofundou meu conhecimento sobre o tratamento do tema pelas ciências sociais, atestando de que modo uma análise sobre o alimento, que foi – e pode-se dizer que ainda é – considerado um objeto de estudo não relevante e pouco comum à sociologia tradicional, é capaz de elucidar processos sociais, econômicos, culturais e/ou políticos considerados sérios e relevantes por essa mesma sociologia.

Entre idas e vindas a este restaurante de comida nordestina em Brasília, refletindo sobre a seleção de pratos definidos como típicos de estados do Nordeste, tornou-se perceptível a ausência daqueles definidos como baianos – ao indagar à proprietária a respeito, esta respondeu que a ausência se devia à diferença da comida baiana em relação a outros pratos da região. Na ocasião da defesa do texto, o diálogo estabelecido com a banca, formada por um integrante soteropolitano e o orientador, que havia morado em Salvador, levantou possibilidades para a definição desta diferença, e, neste momento, começava a surgir o objeto de estudo da dissertação. A finalização do trabalho de graduação e sua apresentação em outros eventos acadêmicos estimularam a reflexão sobre a especificidade da pesquisa e do campo escolhido na graduação. Em uma reflexão sobre a possibilidade de investigação em outras cidades brasileiras, como Salvador ou Rio de Janeiro, se impunha a questão: quais são os elementos que atuam na seleção de uma comida definida como baiana ou carioca vendida nessas capitais? Para essas duas cidades marcadamente turísticas, onde a afirmação da existência de uma comida típica é bastante nítida, como o acarajé baiano ou a feijoada carioca, trata-se de pensar quais são os critérios mobilizados para determinar o que é a comida regional em seu lugar considerado legítimo (em termos geográficos). Especialmente porque, refletindo de modo simplista sobre a definição de comida típica, esta definição deveria advir da comida cotidiana consumida neste lugar.

O percurso da investigação seguiu para a escolha de um campo de estudo em que a análise pudesse ser frutífera. Um dos critérios importantes para a definição seria o reconhecimento de uma identidade regional alimentar bem marcada do lugar. E o panorama brasileiro tem alguns exemplos mais destacados. Partindo da observação do tratamento do tema pelos diversos canais midiáticos, é possível observar a recorrência da afirmação das peculiaridades de uma identidade gaúcha, carioca, mineira, paulista e baiana, para citar algumas.

Entretanto, não é possível negar que a proximidade com o contexto baiano foi determinante para a escolha. Vivi treze anos em Salvador, após ter nascido e morado brevemente no Rio de Janeiro e também em uma pequena cidade do interior da Bahia. A mudança para Brasília proporcionou o sentimento nostálgico que é comum àqueles que se mudam, evidentemente. Estando mais sensível, foi possível perceber de que modo o discurso e o material da baianidade estava disseminado. Presente em matérias jornalísticas recorrentes sobre o destino turístico aprazível, na propaganda dos shows de axé music na capital brasiliense e nas redes sociais, por exemplo. Nestas últimas, a existência de comunidades virtuais destinadas a enaltecer o estado e seus nativos é bastante elucidativa. Os amigos que ainda residiam em Salvador, ao informarem o estado de origem nestes sites, escreviam frequentemente: Eu moro onde você passa férias. A altivez e o orgulho eram marcados.

Ao mesmo tempo, a sensação saudosa que me tomava ao ouvir "Ah, que saudades eu tenho da Bahia de Dorival Caymmi, ou Ah, que bom você chegou/ Bem vindo a Salvador / Coração do Brasil, de Nizan Guanaes, refletia este sentimento. Bem como a necessidade de comer um acarajé e um abará, e a reação extremamente negativa diante das apropriações dessas receitas feitas para adaptá-las ao paladar brasiliense. É preciso destacar que, estando em Brasília, passei a consumir a tal comida de azeite" com mais frequência do que quando residia em Salvador. Assim como a escutar axé music. Evidentemente, todo este arcabouço de memórias afetivas, capazes de engendrar estas ações e sensações, não é inédito ou específico àqueles que vêm da Bahia. Mas, pensando em outros estudantes que advinham de outros estados, pareciam marcar, de maneira explícita, algumas regionalidades mais do que outras. Especialmente porque este arcabouço simbólico sobre a baianidade também estava no discurso de pessoas originárias de outros estados. Para além das anedotas sobre a preguiça, era frequente ser questionada sobre qual seria o motivo para ter saído de Salvador. Afinal de contas, Salvador é um lugar maravilhoso, com aquele povo, as praias, as festas... e você vem pra Brasília, essa cidade tão sem graça?. Não adiantava expor razões para a mudança. Ainda havia o fato de que era sempre identificada pelo sotaque e pela fisionomia, sendo negra de cabelos crespos. E a partir daí se esperava que fosse hospitaleira, alegre, simpática – caso contrário, nem pareceria baiana. Quando, em uma conversa mais demorada, se sabia que o meu local de nascimento era o Rio de Janeiro, poderia então ser chamada de Falsa Baiana, em tom jocoso, como se tentasse merecer um certificado que não tinha qualificação para receber. Interessante também era o fato de que mesmo aqueles que não haviam visitado Salvador, sentiam a necessidade de dizer que tinham vontade. E não passava despercebido o fato de que o uso do termo Bahia designava especialmente Salvador, ou outras regiões litorâneas do estado.

E, neste ínterim, a comida era mencionada por meus interlocutores com frequência. Chamava a atenção de como era sempre caracterizada por um caráter exótico, como algo muito específico e característico da Bahia, notadamente pelo azeite de dendê. Assim, alguns mencionavam como morriam de saudades, e como não era possível comê-la fora de Salvador em virtude dessa especificidade. Mas era mais comum mencionarem a suposta incapacidade de consumir as iguarias baianas, em geral uma confissão seguida de anedotas sobre desarranjos intestinais.

A partir deste percurso, pude então definir que a comida baiana seria o objeto da dissertação. Deste modo, mantendo o interesse inicial da monografia, de observar de que maneiras a alimentação é capaz de denotar processos econômicos, políticos e sociais enquanto parâmetro de uma identidade regional. No entanto, a mudança fundamental está no fato de analisar esta comida regional em seu lugar de origem. Tornou-se imperativo então analisar o processo que culmina na definição de uma comida baiana na própria Bahia. Na afirmação de um repertório de ingredientes, pratos, modos de comer e de preparar que passam a ser reconhecidos como baianos na Bahia e fora dela. Fundamentalmente, na especificação de pratos extraordinariamente baianos.

E, me intrigava o fato de que consumi-los não era um hábito apenas dos visitantes, uma vez que os baianos também consomem estes pratos. Costume que culmina, inclusive, na definição de um dia por semana em que a maioria dos restaurantes de Salvador serve o que chama de comida baiana, às sextas-feiras. Mas como este repertório alimentar se definiu? O questionamento torna-se mais interessante diante da observação de que um conceito simples de comida baiana passaria pelo significado de ser esta a comida consumida na Bahia. Trata-se de pensar como, em meio aos hábitos alimentares rotineiros de Salvador, se define um compêndio que recebe a marcação de baiano, e que permanece no cotidiano alimentar dos moradores. A problemática está na tensão entre caracteres ordinários e extraordinários refletidos nos hábitos alimentares, por intermédio da comida que se chamará baiana.

Em termos metodológicos, define-se o objeto do estudo: é a comida baiana, para entender de que modo nela convergem a comida ideal (definida como baiana) e a comida rotineira de Salvador. Mas estudá-la a partir de que ponto? Neste sentido, os restaurantes de comida baiana, ao se posicionarem comercialmente como espaços dotados do saber fazer culinário de uma seleção de iguarias emblemáticas e autênticas, pensados a partir deste estereótipo, se inscrevem como resultados importantes do processo de construção da comida baiana. Ademais, vale também a hipótese de que não são simples produtos deste processo, mas atores, que tem um papel que deve ser verificado na construção e na divulgação de emblemas dessa baianidade que são vendidos a turistas e a nativos pelo fato de serem restaurantes de comida baiana. Desta maneira, recortam-se objeto e objetivo: é a comida baiana, mas enquanto uma mercadoria que compõe um circuito de restaurantes em Salvador, na Bahia.

Definidos estes elementos, delinearemos o percurso definido por esta pesquisa. Em um primeiro momento, é importante delinear o processo histórico, econômico e social que atravessa a construção de um ideal de baianidade e de comida baiana. A proposta é analisar a construção estética e discursiva utilizada contemporaneamente nos diversos meios de comunicação e informação, e que tem amparo em mídias artísticas, como a literatura e a música, que representam repositórios de descrição da Bahia, do baiano e da comida baiana como elementos de uma identidade regional distintiva e destacada. Para tanto, uma pesquisa documental foi realizada a partir de registros destacados dos séculos XX e XXI, congregando literatura, música e material turístico. E, para dar conta da definição propriamente da comida baiana, a análise de livros de culinária voltados à culinária regional.

Em seguida, a pesquisa se ocupa da descrição dos modos que assumem os hábitos alimentares em torno da comida idealizada, e como é significada e mobilizada na narrativa dos comensais, na relação entre ordinário e extraordinário. Nesta direção, as entrevistas realizadas com moradores da cidade têm como objetivo levantar elementos sobre a relação dos indivíduos com essas iguarias: como a frequência e as ocasiões do consumo; o conteúdo da imagem construída sobre a comida baiana; ou os possíveis questionamentos sobre a autenticidade da comida, por exemplo.

E, por fim, investiga o contexto dos restaurantes de comida baiana em Salvador, a partir de uma pesquisa documental prévia sobre a imagem divulgada do restaurante, um período de observação e a realização de entrevistas. A coleta de informações buscou compor uma descrição de cada estabelecimento, composta por caracteres como seu histórico, o processo possível de idealização, a composição do espaço e a localização, a seleção de pratos, a figura das/os cozinheiras/os e a manipulação de ingredientes na cozinha, e a narrativa dos atores envolvidos no processo. O objetivo é compreender de que modo estes estabelecimentos comerciais operam com as imagens da baianidade e da comida baiana, criando um espaço de experimentação de características baianas, e as possíveis ressignificações empreendidas a esse ideário.

Assim, a partir das metas estabelecidas, este livro está dividido em três capítulos. Comida, negritude e o feminino: a construção de um bem cultural da baianidade aborda a construção do arquétipo da comida baiana enquanto uma mercadoria simbólica do produto maior da baianidade. O percurso do capítulo analisa a relação que se estabelece entre comida e identidade no contexto de Salvador e do estado, examinando o conteúdo de livros de culinária, artefatos culturais essenciais na definição de uma cozinha, e estabelecendo nexos de sentido com a narrativa mais ampla da baianidade, como aquela divulgada, por exemplo, pela literatura e música. Além disso, o capítulo também trata do conteúdo do material produzido com fins turísticos, por considerá-lo fundamental na dispersão deste imaginário, e por sua relevância no contexto econômico da cidade e na formação de uma economia de serviços, aqui incluídos os restaurantes. E, como um dos fios condutores que atravessam todas as seções do capítulo, o destaque para a construção do ideário em torno da figura feminina e negra que é reconhecida como autêntica detentora deste saber fazer culinário.

O segundo capítulo, A comida baiana como mercadoria geradora de experiências: a narrativa de comensais e restaurantes, trata dos aspectos envolvidos na segunda parte da problemática que guia este estudo, o delineamento de aspectos da comida baiana rotineira, a partir dos parâmetros estabelecidos por moradores e da mercadoria proposta pelos restaurantes. Esta seção se empenha em dar conta da oscilação existente entre os hábitos alimentares ordinários e a comida extraordinária na fala de comensais e na composição dos restaurantes. Para tanto, o capítulo empreende uma análise das práticas alimentares contemporâneas, envolvendo consumo e produção, no contexto internacional, brasileiro e soteropolitano, observando a disponibilidade de dados, para então apresentar e analisar os dados registrados durante a pesquisa de campo, especificamente. O conteúdo se apropria em um primeiro momento da narrativa de comensais, para compreender a estrutura alimentar – de produção e de consumo – que se inscreve em torno da comida baiana, em um trânsito entre a comida rotineira e a comida idealizada. E, em seguida, trata da composição das mercadorias dos restaurantes, cuja análise busca entender as maneiras que os restaurantes definem a comida baiana, e se apresentam como espaços de experimentação do alimento (e da Bahia) para seus clientes.

O terceiro e último capítulo, Trânsitos dos rituais da baianidade: entre a comida imaginada e a cotidiana, se ocupa do intermédio que se estabelece entre a comida extraordinária e a ordinária, observando que a disjunção que supostamente compunha a problemática se reveste de novas mediações para as práticas alimentares. Assim, a seção analisa a definição de novos hábitos e rituais dos comensais, que são fortemente influenciados pela existência e as propostas dos restaurantes de comida baiana, em seus modos diversos de mobilizar o repertório da comida regional. E sintetiza algumas contribuições dos estudos das Ciências Sociais sobre a composição dos rituais sociais e a relação entre cultura, identidade e hábitos de consumo na criação de uma rotina de hábitos em Salvador, que se reflete na incorporação de padrões de consumos para moradores e na inserção dos restaurantes neste circuito comercial de memória e identidade.

Capítulo 1: Comida, negritude e o feminino a construção de um bem cultural

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