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Em pedaços: Love in Kona
Em pedaços: Love in Kona
Em pedaços: Love in Kona
E-book296 páginas4 horas

Em pedaços: Love in Kona

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Sobre este e-book

COLBY:

Orion Walker é muitas coisas.

Ele é de tirar o fôlego. Ele é desconcertante. É uma força silenciosa mas inevitável, que me atrai.

Designer gráfico. Pai solteiro. Um dos muitos que sobreviveu por causa da morte da minha prima.

Na noite que ela morreu aprendi uma lição: a necessidade de manter minha boca fechada.

As pessoas me disseram a vida inteira que eu sou muito ríspida, socialmente imprópria. Talvez seja a hora de eu ouvi-las.

Então talvez eu tenha uma chance com o cara que me odiou à primeira vista.

ÓRION

Colby Harlowe tem muitos problemas.

Ela é muito ríspida. Não sabe como conversar com as pessoas. Me irrita de um jeito como se alguém a estivesse pagando para fazer isso.

Mas, meu Deus, ela é linda. Doce, engraçada. Brutalmente sincera, uma qualidade que odeio e admiro. Se fosse só eu, eu iria atrás dela em um segundo.

Mas não sou só eu. Minha filha é minha prioridade número um.

Não estou procurando uma namorada. Estou procurando a nova mãe da London. No dia em que nos conhecemos eu sabia que esta busca não terminaria com a Colby.

E aí nos encontramos de novo. E quanto mais próxima ela fica de mim, mais próxima ela também fica da minha filha... ou talvez seja ao contrário.

Ela não é o que estou procurando.

E é exatamente por isso que não consigo ficar longe.

Aviso: este romance contém cenas íntimas que alguns leitores podem não achar apropriadas.

IdiomaPortuguês
Data de lançamento11 de abr. de 2020
ISBN9781071537985
Em pedaços: Love in Kona

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    Em pedaços - Piper Lennox

    Para os maiores pedaços do meu coração

    Capítulo 1

    Colby

    — Eu só estou dizendo o que eu penso: isso é bizarro.

    — Anotado — minha mãe sussurrou com os dentes cerrados em um sorriso enquanto o garçom se aproximava.

    Eu me afasto. Essa é minha deixa e provavelmente não terei outra até que a festa acabe.

    Fora do salão, analiso a fotografia no cavalete. É enorme e desfocada. Está escrito Saudade de quem fica em garranchos com purpurina logo abaixo do nome Eden.

    As datas queimam meus olhos. São muito próximas uma da outra.

    — Oi, este é o lugar certo?

    Eu me assusto quando sinto uma mão no meu ombro. É outra repórter. Já tem três deles aqui: dois de jornais locais e um âncora. Há um boato de que eles irão vender suas matérias e filmagens para grandes emissoras, e eu acredito nisso. As pessoas adoram uma tragédia.

    — Sim, por essas portas — digo a ela.

    Ela me agradece e entra sem cerimônia.

    Fato engraçado: ela nem olhou para a foto de Eden.

    Essa é a pior parte de estar aqui, na verdade. Têm fotos de Eden por toda parte, em cima de cavaletes e espalhadas nas mesas. Não percebi mais ninguém se sentir incomodado com elas. Eles estão muito felizes para lembrar. Até as lágrimas que testemunhei são estranhas e sorridentes.

    Ainda é uma tragédia, mas é velha.

    Eu, enquanto isso, tenho uma faca me abrindo ao meio. Do umbigo ao peito. Meu luto aparentemente mora em algum órgão abdominal que nunca se esvazia completamente.

    Pare.

    Olho para a foto de novo. É a foto de Eden na época do ensino médio, antes dos piercings e da tatuagem no pescoço. Não é coincidência que a tia Rochelle tenha escolhido esta para ampliar: para ela, mudar-se para a Califórnia para se tornar atriz já era ruim. Desistir de atuar, colocar piercing nas bochechas e cravar na pele uma tatuagem de caveira mexicana colorida era inconcebível.

    Mas essa era minha prima. Corajosa, ousada e cheia de surpresas. Capaz de qualquer coisa. Especialmente o inconcebível.

    Pare. Agora.

    Outro soluço reprimido. Eu não deveria estar chorando. Já faz um ano.

    — Com licença, esta é... — outra voz pergunta, desta vez um homem.

    — Sim — falo bruscamente, sem nem me virar. Percebo os passos dele atrás de mim, arrastados e hesitantes, antes de se direcionar para a sala.

    A festa foi ideia da tia Rochelle. Ela pensou que seria catártico encontrar os receptores dos órgãos da Eden depois de ler histórias sentimentalistas na internet, sobre mães que podiam ver os olhos de seus filhos novamente e crianças que abraçavam estranhos e escutavam as batidas do coração de seus pais.

    — Você não acha que vai ser legal? — minha mãe me perguntou no telefone, quando eu disse para ela que não queria voltar para Kona e ver essa palhaçada. Até agora, apenas um dos receptores de órgãos tinha aceitado, mas minha família estava otimista de que eles viriam em massa. Afinal, quem não gostaria de agradecer à família cuja perda irreparável havia dado a eles uma segunda chance de viver? Quem não gostaria de uma viagem de graça para o Havaí?

    — Não, acho que vai ser estranho pra caralho.

    Nem a distância conseguia abafar o suspiro dela.

    — Colby, você vem pra casa. Fim de papo.

    — Você não pode me obrigar — eu ri.

    — Hmm... — ela estalou a língua. — Talvez você não possa nos obrigar a pagar seu aluguel mês que vem.

    Deus do céu. Golpe baixo.

    — Mãe, sério, eu só...

    Minhas desculpas diminuíram na minha boca. Eu simplesmente não consigo. Ainda sinto muita falta dela.

    Ainda tenho pesadelos com o barulho que o corpo dela fez quando caiu no chão. Ainda a odeio um pouco.

    — Significaria muito pra sua tia — minha mãe disse. — Você vem pra um final de semana, vai a uma festa, e é só isso.

    — Só isso — repeti, irônica.

    Bom, foi isso. Meu pai pagou uma nota para me arrastar da Califórnia por dois dias, enviando a passagem de avião sem nem mesmo uma mensagem. Estava decidido.

    O voo foi um inferno. Cheio de casais em lua de mel com colares de flores e camisas floridas, um pouco de turbulência que quase derrubou o meu café da manhã, e o passageiro do meu lado que achou que eu não conseguia ver o pornô que ele estava assistindo no celular.

    Toda Kona estava elétrica com a notícia. Os receptores de órgãos da Eden seriam tratados como reis da ilha pelo que dava para ver: plantações de café enviaram pilhas de amostras grátis para nossa casa, onde a tia Rochelle morava agora — no meu quarto, inclusive — e eu nunca tinha visto maior quantidade de cestas de muffin na minha vida.

    — Uau — olhei para os nove porta-retratos alinhados na mesa da cozinha e joguei minha bagagem embaixo dela. Cada um deles tinha a mesma foto da Eden, rindo em frente ao mar. Eu conhecia esta foto. Foi o primeiro dia dela na Califórnia. Ela enviou para todos nós na ilha.

    — Achei que os receptores dos órgãos iam gostar de uma foto — a tia Rochelle explicou.

    Ela tirou da calça o papel picado das cestas que estava arrumando e me abraçou.

    — Bom te ver, querida.

    — Bom te ver também, tia. A mamãe e o papai estão aqui?

    — Sua mãe está organizando um evento de adoção — ela respondeu, pensando — e seu pai está... — vagarosamente, ela sorriu — Ah, não posso te contar.

    Sorri também. Papai sempre comprava meu sorvete favorito na Sorveteria Kona toda vez que eu os visitava, e eu sempre fingia surpresa quando ele dava para mim. Uma pequena tradição, mas que valia a pena manter.

    — Então — continuei, sentando na cadeira do outro lado da mesa e afastando uma cesta para o lado — todos os nove aceitaram?

    O rosto dela murchou. Desde que a Eden morreu, ela vestia uma máscara com seu melhor sorriso, que se transformava de repente em pranto sempre que alguém fazia uma pergunta muito direta. E eu, como sempre me diziam, falava de maneira direta demais para o gosto das pessoas.

    — Dois — ela disse, o sorriso falso voltando ao rosto. — Mas os outros sete não disseram não, eles simplesmente... não responderam. Então vamos ver.

    — Espera, você comprou passagens de avião pra todos eles?

    A insanidade dessa festa chegava agora a um ponto crítico.

    Diabos, esqueça a festa. A tia Rochelle estava perdendo a noção. E minha mãe também, provavelmente, porque eu tinha certeza que ela tinha pagado tudo.

    — Sim — respondeu com a voz baixa, mas na defensiva. — Também reservei quartos no resort. Eles me deram desconto.

    Isso parecia certo. Todo mundo na ilha estava dando descontos grandes e brindes para minha tia desde o ano passado. Não que ela não mereça, e francamente, ela precisava. Ela tinha ficado tão deprimida que parou de trabalhar e de pagar o financiamento da casa. Ela parou com tudo.

    Por alguns minutos me senti culpada por ter pensado que a festa seria bizarra e esquisita e tensa. Para mim ainda tinha todas aquelas coisas, mas para minha tia talvez fosse um tipo de encerramento.

    E, julgando pela quantidade de presentes na mesa a nossa frente, foi uma chance de ela se distrair com algo.

    — Como está o Luka? — perguntei, só para mudar de assunto. — Vejo o irmão dele em Santa Bárbara às vezes.

    — Não sei dizer. A mãe dele conseguiu o desconto pra mim quando soube da festa. Ninguém o vê muito ultimamente.

    — O Kai disse que ele virou um workaholic. Quem diria.

    — Ah, eu não fico nem um pouco surpresa. Ele entrou com tudo no resort. Toda aquela energia que ele tinha quando era pequeno tinha que levá-lo a algum lugar.

    Rochelle pegou um porta-retrato e arrumou as presilhas da parte de trás.

    — Espero que dê tudo certo.

    Eu sabia, pelo jeito que o sorriso dela esmoreceu, que ela estava falando da festa de novo.

    — Tenho certeza que vai dar tudo certo — respondi, evasiva, rolando uma lata de café na minha direção e passando o dedo por cima do rótulo onde se lia Produzido em Kona.

    Claro que Rochelle estava alheia ao fato de que eu preferia falar de qualquer outra coisa.

    — Espero que todos tenham recebido as cartas. O programa de doadores disse que encaminharia para todos que tivessem disponibilizado o endereço para correspondência, mas não me disseram quantos eram.

    Neste momento, até o pensamento do meu sorvete favorito me fazia sentir vontade de vomitar.

    Interação social não era minha especialidade, mas perto da Rochelle eu parecia super empática. Ela manteria esta conversa não importa quão secas minhas respostas fossem. Incluindo o humm que deixei sair quando ela adicionou:

    — Eu sei quais dos receptores vêm. Dos dois que responderam, digo.

    Quando não fiz a pergunta que eu sabia que ela estava tentando transmitir para o meu cérebro, ela deu um suspiro. O sorriso dela voltou.

    — Um é um rapaz com mais ou menos a sua idade. Rim. E o outro é uma mulher. Ela recebeu os olhos.

    Foi instantâneo o pânico que embrulhou o meu estômago, como um tsunami.

    Rins. Claro, legal. Você não pensa sobre rins.

    Você não os vê.

    Mas os olhos dela.

    Olhar para aqueles olhos esverdeados de novo, pela primeira vez em dez meses. A pálpebra de uma estranha piscando sobre eles.

    Um pedaço dela vivendo, sangue bombeando, tecido se desenvolvendo, sendo que a própria Eden era agora apenas um monte de cinzas no mar.

    — Já volto.

    Saí depressa para o jardim. A mesa balançou quando eu saí. Ainda podia ouvir as cestas de brindes batendo umas nas outras quando fechei a porta da varanda atrás de mim. Uma floresta de cestas de vime e brindes e papel picado.

    Os ataques de pânico eram recentes. Eu os odiava por mais razões do que as dores no peito e a completa perda de lógica conforme o meu cérebro criava o seu próprio filme de terror. Eram inconvenientes porque aconteciam justamente quando eu mais precisava me controlar; e inconsistentes porque melhoravam aos trancos e barrancos em uma semana, antes de piorarem bastante na semana seguinte.

    Mais do que tudo, faziam eu me sentir fraca. O que fazia com que não me sentisse eu mesma.

    Andei pelo jardim em círculos e pratiquei as dicas de respiração que tinha lido na internet. Então selecionei os pensamentos, ignorando os que não faziam sentido, até que achei o que fazia: eu teria que olhar nos olhos da Eden de novo.

    Você consegue.

    Seria um rosto completamente novo. Uma pessoa nova. Sem o sorriso incandescente da Eden ou as piscadelas, talvez os olhos nem se parecessem com os dela.

    É só um dia. Você vai sobreviver.

    Eu tinha sobrevivido a coisas piores.

    Órion

    Ela era filha de alguém.

    Senti ânsia de vômito.

    Isso não era exatamente uma novidade. Eu sei que órgãos não aparecem como num passe de mágica, e sabia disso muito antes daquela carta aparecer. Doadores não são pessoas sem nome. Mesmo que você nunca saiba os nomes deles.

    Alguém morreu... e eu vivi.

    Mas ter provas de que aquele alguém era mais do que uma pessoa qualquer em um arquivo? Isso foi a primeira vez que aconteceu.

    A mãe dela queria me conhecer.

    — Viagem de graça pro Havaí — Walt soltou no jantar no dia em que a carta chegou.

    Coloquei a carta na mesa na nossa frente, onde nós dois lemos e relemos sem tocá-la.

    — Não ligo pra isso.

    — Eu ligaria.

    Minha respiração estava lenta e barulhenta até para os meus ouvidos, o que era irônico. Claro que o Walt iria focar na viagem de graça. Ele via o lado positivo de quase tudo, ressaltando qualquer ganho pessoal que pudesse ser colhido.

    — Eu quero ir, papai — London se animou. Ela tinha se transformado no Coringa, mas com molho de tomate.

    — Você tem aula — peguei uma toalha de papel e passei para ela. Não adiantou, ela só espalhou o molho pelo rosto.

    Ela fez bico. Walt empurrou o leite com chocolate para perto dela.

    — Afogue suas mágoas, criança. Nós vamos nos divertir horrores enquanto seu pai não estiver aqui. Eu vou te levar na casa de chá de novo.

    London sentou e abriu um sorriso. Eu o encarei.

    — O quê? — ele perguntou inocentemente. — As festas de chá de Walt e London são uma coisa nossa.

    — Eu não disse que eu ia. 

    Meus olhos pousaram na carta de novo.

    — Tenho zero interesse em conhecer a família.

    — Claro, por isso você ficou com essa carta a tarde inteira.

    Minhas mãos tremiam ao tentar pegar o pão de alho, até que eu desisti de usar utensílios e peguei com a mão mesmo, mais para provocar a mania de limpeza dele.

    — Eu me sinto forçado, mas não quero ir. Por isso larguei a carta aí.

    — Nós dois sabemos que você vai se sentir culpado se não for. Então vai. Vai ser tipo umas férias.

    — Férias? Conhecer a mulher cuja filha...

    Nós dois congelamos e olhamos de relance para London. Ela estava soprando e fazendo bolhas no leite, feliz em sua ignorância.

    — Eu acho —Walt continuou — que vai ser bom pra eles. E você, vá apenas pra ver umas caras novas. Você precisa socializar.

    — Eu socializo bastante.

    — Por mais que eu goste de te arrastar pra festas e bares, nós dois sabemos que nenhum dos meus amigos pode dar o que você precisa.

    —Ah, você está falando de namoro.

    Eu não podia discordar dele. Minha socialização ia bem com relação a amigos. Eu tinha Walt e alguns outros amigos através dele. Mas namoradas, aí era outra história. Nenhuma.

    Não era como se eu tivesse me fechado para encontros. Eu tinha simplesmente me resignado a mais alguns anos de solidão, até ficar mais velho. Quer dizer, até as garotas da minha idade ficarem mais velhas.

    Ninguém queria ser madrasta aos vinte e três. E as que queriam geralmente decepcionavam, tratando London como se ela fosse uma boneca que elas podiam vestir, exibir no Facebook, e depois deixar de lado sempre que quisessem algo apenas como um casal.

    Walt e seus amigos me atormentavam por eu ser muito exigente, mas eles não entendiam. Nenhum deles tinha filhos. Eu não estou procurando alguém só pra mim, disse a eles, várias vezes. Estou procurando alguém pra London também. Alguém pra sair é fácil, pra ser mãe, nem tanto. Enfim, não na nossa idade.

    Quem disse que tem que ser uma mãe? um deles provocava, toda vez que essa conversa surgia. A London pode ter dois pais.

    Nesse ponto da conversa, eu ria da provocação. A lamentação sobre a minha heterossexualidade era uma piada que corria no círculo deles, e as piadas raramente mudavam. Incluindo quando Walt fingia estar super ofendido: Humm, desculpa? A London basicamente tem dois pais, muito obrigada.

    E de novo, eu não discordava. Walt esteve presente para London e para mim desde o começo. Duvido que eu tivesse conseguido passar pela pior fase da doença sem ele.

    Na verdade, no dia que ele veio morar conosco, eu tinha acabado de começar um e-mail para a avó da London.

    Você tem razão. Ela precisa de mais do que eu consigo oferecer.

    Ele foi até mim, salvou o e-mail como rascunho e me disse para esperar e refletir mais antes de enviar. Sempre serei grato por isso. Na maioria dos dias, London é a única razão para eu sair da cama.

    A carta tremulou com o vento do ventilador de teto. Eu a peguei.

    — Talvez eu vá — disse em voz baixa. London e Walt comemoraram batendo as mãos.

    Então aqui estou eu, no meio de uma festa a que ainda não tenho certeza se queria vir.

    Uma mulher com um vestido vermelho, rodeada de repórteres, me abraça sem pedir permissão.

    — Isso é tão...

    Ela sussurrou com olhos cheios de lágrimas, terminando com um suspiro. Acho que era um suspiro de felicidade, apesar de não ter a menor ideia de qual palavra ela usou para terminar a frase. Essa coisa toda é tão... alguma coisa. Eu não sei o quê, mas a coisa do tão eu concordo. Qualquer coisa que eu esteja sentindo é realmente em grande intensidade.

    — Eu, ahn... quero te agradecer — eu digo.  O flash de um dos fotógrafos, e pelo menos cinquenta outros dos celulares de convidados, nos cegaram. — Eu tenho uma filha. Não consigo imaginar como é pra você ter perdido a sua — um nó na minha garganta me surpreende. Eu tusso.

    O sorriso da Rochelle treme. Ela me abraça de novo. Uma profusão de flashes.

    Graças a Deus a atenção sai de cima de mim no mesmo segundo em que outro convidado de honra chega. Uma mulher de uns trinta anos, da Virgínia, que ficou cega quando criança. Assisto do outro lado do salão quando Rochelle olha nos olhos dela. Os olhos da sua filha.

    Eu me sinto despedaçado.

    A multidão é densa, mas consigo atravessá-la como um tanque.

    Lá fora, encontro um espaço pequeno e me sento, com a cabeça entre os joelhos, o sangue descendo. Pisco para diminuir a ardência nos meus olhos. Como se eu estivesse tendo uma reação alérgica, meu rosto esquenta e depois esfria me dando vontade de vomitar.

    Recomponha-se.

    — Quer um?

    Levanto minha cabeça tão rápido que bato na parede atrás de mim.

    — Merda!

    Tem uma mão esticada na frente do meu rosto segurando uma lata de balas de menta. Ela sacode, como se eu fosse um cachorro querendo petisco.

    — Elas são balas salvadoras — me diz a garota.

    Nem pergunta se estou machucado, mesmo eu esfregando minha cabeça e fazendo careta.

    — Pra ataques de pânico. Quer uma?

    Quase falo que não é um ataque de pânico, mesmo sem ter certeza, mas ela já agarrou minha mão. Eu olho calado enquanto ela coloca duas na minha palma.

    — Chupe, não morda — ela ordena, bem quando eu acabei de esmagar a primeira entre meus dentes.

    — Desculpe. Humm... obrigado.

    Eu me encolho contra a parede, ela se senta ao meu lado, quase nenhum espaço entre a gente.

    — Sendo sincera, não sei se elas realmente funcionam.

    A lata reflete quando ela a vira para ler os ingredientes.

    — Tipo, às vezes é só um efeito placebo. Algo pra te distrair enquanto você se acalma.

    Eu estou distraído e, portanto, mais calmo, mas não sei dizer se é a bala ou ela.

    — Então... — Ela estica as pernas. São bronzeadas e lisas, exceto pelo corte na coxa. — Você recebeu os rins da minha prima.

    — Ahn... — eu puxo o meu braço contra meu corpo quando ele encosta nela. — Sim.

    — Cuide bem deles.

    Eu deveria me sentir aliviado quando ela recolhe as pernas e se levanta. Porém, com as balas atrapalhando a minha fala, sinto uma vontade estranha de dizer alguma coisa. Qualquer coisa, só para fazê-la ficar.

    — Ei, espera um pouco — ela se vira e me vê tropeçando nos meus próprios pés. — Obrigado.

    — Sem problema — ela sacode as balas uma última vez antes de colocá-las no bolso do vestido.

    Eu tiro o cascalho da minha calça social. Não foi o melhor lugar para sentar com roupa social.

    — Não, eu quis dizer obrigado por...

    Ela franze a testa.

    — Por...?

    — Não sei — limpo minhas mãos. Ela não deveria saber o que eu queria dizer? Pelo que mais eu a agradeceria?

    — É por isso que estou aqui. Pra agradecer à família da doadora. E você é da família. Certo?

    — Eu não te dei os rins dela — ela me olha de cima a baixo. Eu conheço essa expressão, ela está me julgando.

    — Quero dizer, nem minha prima te deu os rins, na verdade. Foi coincidência. Então você não precisa agradecer ninguém.

    É aí que eu a reconheço. Alguma coisa no comentário ácido que ela fez soou familiar. O jeito como o sorriso não se encaixa com o que ela está dizendo. Ela parece legal, mas as palavras são quase brutais.

    — Eu te conheço — digo, o que a faz parar.

    A mão dela que estava na porta do salão fica imóvel.

    — O quê?

    — Eu te conheço — repito.

    Meu pé engata em um arbusto quando eu passo por cima dele. Recupero meu equilíbrio, voltando para a calçada, ela vira o rosto para mim.

    Retomo o fôlego.

    — Você é a garota que me atazanou por querer substituir meu gato se ele morresse.

    Ela inclina a cabeça e ri. Vejo a língua dela molhar os lábios enquanto ela procura na memória e, finalmente, se aproxima de mim.

    — Isso mesmo — ela diz devagar.

    Com um único passo ela estreita o espaço entre nós.

    — Eu lembro agora.

    Capítulo 2

    Um ano antes

    Colby

    — Por favor, faça tudo que puder.

    Os quatro olhos na minha frente tinham ares de súplica, mas apenas dois deles se voltavam para mim: os da menininha loira na ponta dos pés do outro lado do

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