Cachecol Blues
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Sobre este e-book
Um escritor judeu-espanhol chega a Madri para um encotnro de hispano-judeus, logo depois da norte do melhor amigo e da irmã. Em Sevilha, acha um cachecol, que permanece em seu pescoço por 13 dias e, assim como chega, some e se perde em Madri. O cachecol se transforma em uma obsessiva reflexão sobre a perda e a despedida das coisas e das pessoas. O escritor se despede dos mortos, mas também de todas as pessoas de quem não pode se despedir e que nunca poderá. Depede-se dos sonhos. Enquanto isso, vêm a seu encontro judeus-espanhóis que ficaram perdidos por 150 na Amazônia, sobre os quais tinha escrito dez anos antes em um de seus romances. Terá inventado essa realidade? A realidade é fruto do que imaginamos? O romance viaja por vários países, Marrocos, Brasil, Nova York, Israel. E línguas: hebraico, francês, espanhol, português e, principalmente, o jaquetía, o judeu-espanhol do norte do Marrocos, que persevera em continuar uma morta-viva de uma cultura que não existe mais, de palavras e expressões que deixam para trás um mundo perdeu.Um escritor judeu-espanhol chega a Madri para um encotnro de hispano-judeus, logo depois da norte do melhor amigo e da irmã. Em Sevilha, acha um cachecol, que permanece em seu pescoço por 13 dias e, assim como chega, some e se perde em Madri. O cachecol se transforma em uma obsessiva reflexão sobre a perda e a despedida das coisas e das pessoas. O escritor se despede dos mortos, mas também de todas as pessoas de quem não pode se despedir e que nunca poderá. Depede-se dos sonhos. Enquanto vêm a seu encontro judeus-espanhóis que ficaram perdidos por 150 na Amazônia, sobre os quais tinha escrito dez anos antes em um de seus romances. Terá inventado essa realidade? A realidade é fruto do que imaginamos? O romance viaja por vários países, Marrocos, Brasil, Nova York, Israel. E línguas: hebraico, francês, espanhol, português e, principalmente, o jaquetía, o judeu-espanhol do norte do Marrocos, que persevera em continuar uma morta-viva de uma cultura que não existe mais, de palavras e expressões que deixam para trás um mundo perdido.
"O espanhol de Mois Benarroch flutua entre o uso literário clássico da língua, com períodos longos em que se privilegiam as nuances que os verbos têm nessa língua, e entre uma linguagem com gírias, expressões de grande informalidade e palavras que só fazem sentido no contexto de um espanhol judaico falado no norte do Marrocos. As memórias contidas em Cachecol Blues obedecem aos objetivos de um monólogo franco e, muitas vezes, despreocupado. Tentei ao máximo verter para o português os jogos de linguagem contidos no original espanhol, tarefa ora simples, ora impossível. O português brasileiro escolhido para traduzir este livro, portanto, é atravessado de um lirismo informal, em que privilegiei formas coloquiais de se expressar, usando as conjugações faladas da nossa língua, a fim de dar à tradução os movimentos de ida e vinda que o original apresentou. Além disso, dois capítulos foram mantidos praticamente o mesmo, do original, pois estão escritos em jequetía, a língua que os sefarditas fugidos da Espanha cristã formaram em seu refúgio marroquino. Com isso, espero ser proporcionado a você o prazer das reflexões que o autor faz de sua vida."
Carlos Getúlio de Freitas Maia
Mois Benarroch
"MOIS BENARROCH es el mejor escritor sefardí mediterráneo de Israel." Haaretz, Prof. Habiba Pdaya.
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Cachecol Blues - Mois Benarroch
1.
Achei um cachecol em Sevilha e o perdi em Madri. Um cachecol marrom claro, claro, Pierre Cardín. O perdi em Madri, talvez no Café Gijón. Costumo esquecer celulares no Café Gijón, pelo menos três vezes esqueci meu celular no Café Gijón, mas dessa vez foi um cachecol achado em Sevilha. O vi a última vez no Café Gijón, mas bem que posso o ter perdido no El corte inglês de Nuevos Ministerios quando vestia as ceroulas que me custaram vinte e oito euros, que comprei porque minhas pernas se gelavam. Nunca senti tanto frio quanto no dia quando perdi o cachecol marrom. O Achei num restaurante do bairro judeu de Sevilha, quando estava com um grupo de marroquinos espanhóis e fui o último a sair. Depois do almoço, fui beber um cafezinho no balcão do bar e, ao sair, só havia minha jaqueta e o cachecol, o qual talvez fosse de alguém que ainda estava no restaurante. Embora eu acreditasse me lembrar de que era de algum dos trinta judeus que estavam comigo. De modo que peguei o cachecol e fui anunciando a cada um dos participantes que tinha um cachecol em minhas mãos e que procurava por seu dono. Mas ninguém disse esse cachecol é meu. Voltar ao restaurante eu já não podia e comecei a gostar de seu calorzinho e sua maciez. Botei o cachecol em volta do pescoço e assim ficou por duas semanas, até que o perdi em Madri. Talvez no Café Gijón, talvez no El corte inglês, talvez na Castellana, ou pela Rua Orense, entre o Café Gijón e a Rua Orense.
Um cachecol sempre me traz lembranças. A primeira é de uma mãe levando um cuidadosamente ao redor do pescoço, em um dia de céu branco. Outras são dos cachecóis das dores de garganta da adolescência, quase mensais, cheias de antibióticos. Outras ainda dos cachecóis das amantes, vermelhos, sempre vermelhos, às vezes cobrindo um jersey preto. Tanta beleza. Poucas vezes sobre o corpo nu da mulher amada. Me dou conta de nunca me lembrar de ter comprado um cachecol. Sempre os acho em lugares inesperados ou são presentes cheios de carinho de mulheres queridas, às vezes de um amigo. Às vezes, você gosta desse cachecol? Pega para você. Os cachecóis quase sempre têm essa qualidade de ser bissexuais, não se briga pelo gênero, coisa que hoje em dia quase todo mundo faz e, a despeito do que pensamos, nem sempre foi assim, e as linhas traçadas entre homem e mulher não eram tão claras, por exemplo, faz pouco tempo um ator masculino não sentia nenhuma repulsa em dar sua carne para viver um papel feminino, nem ao contrário, os homens calçavam salto e a diferença entre uma fada e um par de calças nem sempre era bem acentuada. De tanta liberdade sexual, estamos nos criando outra religião do sexo e dos sexos.
O que eu fazia em Sevilha? O que fazia de trivial depois de topar com esse cachecol marrom. Eu ia ao Centro das três culturas. Íamos trinta pessoas, a fim de saber o que houve com os judeus do Norte do Marrocos nos últimos séculos, por que e para onde se dispersaram. Assim como meu cachecol que chegou às minhas mãos por causalidade e por causalidade, depois, o perdi, para que chegasse ao pescoço de outro. Um cachecol também é um risco e um perigo, pode facilitar o estrangulamento de alguém, se alguém decide nos matar. O cachecol já está pronto para o estrangulamento, seja porque alguém o usa de forma corrente e dá a volta a umas das pontas do cachecol sobre o ombro, e à outra ao peito, ou se alguém a usa em forma de nó como se fosse um tipo de gravata, ou até os que o usam sem nó, com as duas pontas paralelas sobre o peito e o ventre, sempre pode ser um perigo. Ainda que eu não esteja certo agora de nenhum filem em que alguém foi estrangulado por um cachecol. Sua conotação calorosa impediu tal uso comum.
Um ano difícil me acompanhava, no frio espanhol de novembro eu vinha encontrar algo. Alguém. O ano começou com a morte inesperada de meu melhor amigo, Alan, que decidiu operar o estômago para emagrecer, e seguiu no outono, na festa de Sukot, com a morte de minha irmã. Entre os dois passamentos, vendi minha casa de vinte e sete anos, vendi o sonho de viver em uma casa velha com tetos altos e muito cara de manter e me mudei para uma casa burguesa. Os sonhos morrem de um golpe só. Sonhos que morrem por liquidação. Um cachecol era do que precisava.
Sinto uma tristeza neste momento, neste momento sem cachecol. Mesmo que já tenha regressado de Madri e já não sinta frio, não aquele frio que fez doer as omoplatas depois de andar meia hora pelas ruas que sempre gostei da cidade. É a mesma tristeza que senti antes de achar o cachecol, o cachecol que dá paz a essa dor, mesmo que eu não possa com ela. Com ele, eu podia me perguntar de quem tinha sido antes de chegar a meu pescoço. Parecia mais ou menos novo, teve um dono, talvez fosse um presente como os meus, talvez dois donos. Homem ou mulher? Pode ter sido de qualquer um. De um funcionário público, de um mafioso. Os cachecóis não são caros, ainda que sejam de marca, e até um funcionário público ou um desempregado pode comprar um sem ter que apertar o cinto. Talvez fosse o cachecol de uma puta, que o punha no dia em que se encontrava com seu amor verdadeiro para se passar por uma moça normal e corriqueira, talvez nem seu noivo soubesse de seu trabalho, ela lhe diz que trabalha em uma oficina nos arredores da cidade, assim não tem medo de que a venha ver sem avisar. Uma de tantas, ou que responda às ligações. Pode ser que foi o cachecol de um homem de negócios com empresas grandes, como um sócio da Renault ou da Mercedes, talvez o deu de presente para sua mulher ou amante ou filha ou neta, um cachecol pode vir de qualquer um. Talvez o comprou um senhor ou uma senhora no El corte inglês porque começava a doer a garganta de tanto frio.
Muitos conhecidos morrem. Me concentro nas notícias que chegam de outros mortos, nascidos entre 1955 e 1960, amigos de tantos anos, de um fico sabendo ao me encontrar depois de anos com sua mulher, que me conta como quem conta uma anedota, nem chego a recordar ou nem sei se seguia casada com ele ou se tinha se divorciado antes de ele morrer. Morreu de súbito, de um infarto numa viagem de negócios, depois de um dia de esqui. Foi um de meus amigos mais importantes há vinte anos, até um dia me disse que era um alguém muito mal e que não queria me ver nunca mais. Não entendo muito bem porque algumas pessoas têm de acabar as coisas tão mal ou justificar o desejo de não te ver mais. Me parece normal que haja amizades, algumas tão intensas, que simplesmente tenham que acabar, para abrir portas para outras. A nossa foi assim durante cinco ou seis anos, cheguei a convencê-lo a deixar de trabalhar por um ano em seus negócios para escrever o livro tão sonhado. Ele fez isso. E escreveu dois, depois, pelo visto (quando o publicaram, eu já o tinha perdido de vista) se deu conta de que a escrita era um caminho largo demais para a pobreza, e preferiu viver rico e morrer jovem num país estrangeiro. Digo que preferiu, assim, porque se decide pela vida e pela morte. Outro, morreu faz um ano, nascido em 1957 e muito amigo meu na época da universidade. Descobri isso na orelha de um livro que escreveu, nesses parênteses tão finais (1957-2009), o segundo número sempre é um final brutal, sem possibilidade de mudar, agora, nunca. No livro, descobri que tinha virado um rabino e no livro misturava cabala com música. Não conheço nem conheci tanta gente assim