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Ave Diadorim: Imagética da Mulher em Grande Sertão: Veredas
Ave Diadorim: Imagética da Mulher em Grande Sertão: Veredas
Ave Diadorim: Imagética da Mulher em Grande Sertão: Veredas
E-book149 páginas2 horas

Ave Diadorim: Imagética da Mulher em Grande Sertão: Veredas

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Sobre este e-book

Partindo de uma discussão que consiste em apontar, ainda que de forma breve, uma evolução teórico-referencial das fases da crítica do Grande Sertão: Veredas, este livro procura identificar, no conjunto das imagens veiculadas pelo romance, o que é (re)produzido no texto sobre a mulher Diadorim, a personagem tomada para apreciação neste estudo como elemento da poética de Rosa.

Em Ave Diadorim – imagética da mulher em Grande Sertão: Veredas o interesse recai sobre a poesia que de Diadorim emana, por intermédio do que o narrador Riobaldo vê. Nesse aspecto, o livro aponta que se estabelece no romance rosiano, para as representações sobre a mulher, um laboratório de criação que busca dialogar com os gêneros mais tradicionais do saber literário, como o épico e o lírico. Assim, por associação, é do poema de narrativa épica que se aproxima Diadorim quando cotejada pela ótica da donzela-guerreira; assim como se aproxima do modo de produção lírica, a arte de Rosa, quando na concepção da personagem poetizada pela insistência semântica das aves, com adequação bastante significativa de representação via metáforas (símbolos?) no romance.

É por deleite, mas também por motivação pela descoberta da possibilidade amorosa entre os parceiros de jagunçagem - embora esse conhecimento lhe chegue tardio - que o narrador se faz ainda mais poeta da idealização. Deita sobre a heroína um olhar lírico-amoroso que reverbera em tudo que busca descrever: pássaros e paisagens do Grande Sertão. Cabe à jovem, no romance, constituir mediação dessa subjetividade, pois com ela, e somente ela, Riobaldo aprendera a apreciar as "belimbelezas" dos Gerais. Quando vista assim, em perspectiva mais amorosa, Diadorim é andorinha pelo sertão. É canto, é poesia, é ave em arribação.

Relacionada ao épico, a Diadorim donzela-guerreira reúne em torno dela as contradições de uma representação, a gravitar entre a insurgência e um modelo de repetição. No que essa figuração em Grande Sertão: Veredas aparece reforçando valores da tradição romântica, ou está em conflito de representação da feminilidade da heroína, merece apreciação. No final da narrativa, o(a) leitor(a) perceberá que não é a donzela que se nega, pelo travestimento da moça na obra, mas a guerreira mesma, que nela há, e que a cultura androcêntrica teima em não admitir.
IdiomaPortuguês
Data de lançamento3 de jul. de 2020
ISBN9786555237726
Ave Diadorim: Imagética da Mulher em Grande Sertão: Veredas

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    Ave Diadorim - Lígia Regina Calado de Medeiros

    autora

    Sumário

    INTRODUÇÃO

    No corpo da crítica, as asas de um instante

    Capítulo I

    Sertão de mulheres encobertas 

    Capítulo II

    Sexo: as poesias do corpo, malandragem 

    Capítulo III

    Diadorim: a donzela-guerreira 

    Capítulo IV

    Dindurinh, a ave-palavra 

    conclusão

    Voa, Diadorim 

    Referências

    INTRODUÇÃO

    No corpo da crítica, as asas de um instante

    Ah, o que eu não entendo, isso é que é capaz de me matar¹...

    O romance Grande Sertão: Veredas foi lançado em maio de 1956, poucos meses depois do lançamento de Corpo de Baile, novelas publicadas em janeiro do mesmo ano. Essas duas obras, recebidas com impacto pela crítica, dado o ineditismo da construção, tiveram que esperar dez anos até chegar à mão do (a) leitor (a), intervalo que se deu entre a publicação delas e Sagarana (1946), livro de estreia e uma marca definitiva da entrada do escritor para o rol dos grandes autores da literatura brasileira.

    O esforço de dez anos de trabalho de Rosa não é reconhecido, de imediato, por leituras significativas da crítica especializada, com exceção das poucas vozes que se manifestam a respeito. Uma desconfiança, ainda, travestindo quem sabe a impotência diante de textos que exigiam novos parâmetros de análise, os críticos da época habituados que estavam a recortes históricos ou naturalistas.

    Essa incapacidade de percepção da crítica já se denota quando da participação de Guimarães Rosa, sob o pseudônimo de Viator, no Concurso Humberto de Campos, promovido pela mais prestigiosa editora da época, a José Olympio, realizado em 1938². Sendo mesmo difícil ignorar, acerca desse, a espécie de mea culpa de Graciliano Ramos, publicada anos depois, em Conversa de bastidores³, quando rememora, resgatando o membro do júri que foi, os detalhes da tensa decisão. A láurea de 1938 fora concedida ao pernambucano Luís Jardim, que havia concorrido com a obra Maria Perigosa, eleita por um voto de diferença, na disputa até o último instante com os Contos, de Rosa. Isso depois de muita divergência entre os avaliadores, conforme relata o próprio Graciliano, um dos mais ferrenhos na crítica de preterição. Já os Contos, com os quais concorrera Rosa, foram organizados mais tarde sob o título Sagarana e publicados com sucesso em abril de 1946, o autor, felizmente, não se dobrando àquela apreciação primeira.

    Entre os argumentos apresentados aos colegas de comissão, Ramos, frente às mais de quinhentas páginas de texto literário, dispostas para julgamento, diz ter reprovado delas três dos doze enormes contos reunidos em volume. Segundo explica, por irregularidade de composição, pois destoavam aqueles contos, em qualidade, dos outros nove escritos. E repreende do conjunto, especialmente, o estilo, que julga demasiadamente prolixo no concorrente.

    Mestre das Tesouras, ou a quem caberia perfeitamente esse epíteto, tão comumente atribuído a editores, o escritor alagoano costumava exigir de si e dos colegas de ofício, primordialmente, objetividade no processo de construção com a linguagem. Não raro recomendando, quando algum lhe pedia leitura ou revisão, que fossem extraídas do texto o que costumeiramente designava por gorduras⁴. Para o crítico Graciliano Ramos, os excessos comprometendo, sempre, a consistência da produção.

    Ramos aponta qualidades nos contos apreciados, sobretudo no que constitui a tessitura poética de construção, mas não recomenda a produção do Aviator, negando-lhe, portanto, a premiação. Admite, mais tarde, no texto de 1946, a propósito do lançamento exitoso de Sagarana, que a arte de Rosa é terrivelmente difícil⁵. Ramos, aliás, a essa altura, antes mesmo de publicado o livro de contos, já sabedor de a quem pertencia o pseudônimo, Aviator. Guimarães Rosa tinha sido a ele apresentado, em uma reunião social, em fins de 1944, enquanto secretário da embaixada e recém-chegado da Europa. Um diálogo travado entre os dois, por ocasião desse encontro, todavia, merece atenção:

    – O senhor figurou num júri que julgou um livro meu em 1938.

    – Como era o seu pseudônimo?

    – Viator.

    – Ah! O senhor é o médico mineiro que andei procurando.

    Ildefonso Falcão [que os apresentara] ignorava que Rosa fosse médico, mineiro e literato. Fiz camaradagem rápida com o secretário de embaixada.

    – Sabe que votei contra o seu livro?

    – Sei, respondeu-me sem nenhum ressentimento.

    Achando-me diante de uma inteligência livre de mesquinhez, estendi-me sobre os defeitos que guardara na memória. Rosa concordou comigo. Havia suprimido os contos mais fracos. E emendara os restantes, vagaroso, alheio aos futuros leitores e à crítica. Falei na intenção de José Olympio, mas julgo que o meu novo companheiro já tinha compromisso.

    A despeito das notícias de interesse da José Olympio sobre a segunda obra colocada no concurso, a primeira edição de Sagarana saiu pela Universal, editora carioca de pequeníssimo porte e que contava, até aquela publicação, com um único título no catálogo. Com tiragem em torno de três mil livros, e sem nenhum lançamento de pompa, a obra simplesmente foi disponibilizada à venda e, de forma surpreendente, esgotada a primeira edição em menos de um mês.

    Fosse porque o sucesso do livro não pudesse ser ignorado, ou fosse porque precisasse se recompor do engano significativo da avaliação que fez sobre a produção de Rosa, bem como das consequências, que não só implicavam em questões de ordem financeira, como intelectual, haja vista a boa fama, mantida pela Editora José Olympio, por descobrir novos talentos para a literatura, Graciliano Ramos se vira na necessidade premente de escrever a respeito daquela novidade.

    Vejo agora, relendo Sagarana (Editora Universal – Rio – 1946), que o volume de quinhentas páginas emagreceu bastante e muita consistência ganhou em longa e paciente depuração. Eliminaram-se três histórias, capinaram-se diversas coisas nocivas. As partes boas se aperfeiçoaram: O Burrinho Pedrês, A Volta do Marido Pródigo, Duelo, Corpo Fechado, sobretudo A Hora e Vez de Augusto Matraga, que me faz desejar ver Rosa dedicar-se ao romance.

    Como se a confirmar que não estivera de todo errado, Graciliano Ramos identifica nos contos, recém-publicados, agora com título que não se basta na indicação do gênero, alguns ajustes de composição à luz das observações feitas por ele. Porém, o (a) leitor (a) de Rosa tem ciência de que não há no estilo do escritor mineiro observação de Ramos que corrigisse o que para este era defeito. Sobretudo porque muito distintos são os processos de concepção de arte e de linguagem, manifestos pelos dois. Talvez por isso, Graciliano Ramos, a título de conclusão do texto crítico, apresentado em maio de 1946, sem dar conta da poética de Rosa, ainda dispare, por fim: Certamente ele fará um romance, romance que não lerei, pois, se for começado agora, estará pronto em 1956, quando os meus ossos começarem a esfarelar-se.

    A despeito da tentativa de justificar-se, que não se deixe escapar, entretanto, a ironia destilada. Os dez anos necessários àquela escrita, imaginada por Ramos, diz respeito ao tempo que julgaria levar a produção caracteristicamente volumosa em Rosa. Há certa maldade, nesse dizer, mas o fato é que a historiografia literária vai terminar por lhe dar razão. Em 1956 Guimarães Rosa publica o romance Grande Sertão: Veredas, um marco da literatura brasileira, que veio a lume exatamente três anos após a morte de Graciliano Ramos, ocorrida em 1953. E, talvez, mais surpreso ainda ficasse o escritor Ramos se, vivendo o bastante para disso participar, em arte, tivesse sabido que o romance, uma publicação de mais de seiscentas páginas, fora originalmente pensado para integrar as novelas de Corpo de baile. Seria mais uma entre as sete já conhecidas pelo público. Só que delas ganhou autonomia e corpo suficientes para autorizar o texto a ser apresentado em outro gênero, outro formato. Mas quem mais ganhou, mesmo, com essa escrita generosa, foi o leitor de Rosa, em formação, que recebe no mesmo ano de 1956, em vez de uma, duas publicações de obras.

    De qualquer modo, poderosa é a profecia. Poderoso é o crítico Graciliano Ramos. Publicado o romance e já alcançado o sucesso dos contos de Sagarana, os dez anos de silêncio, demarcadores do intervalo entre eles, teimam ainda resultar em continuada desconfiança crítica sobre o escritor de Minas. E sob os mesmos moldes da fórmula já conhecida. Não há nos textos de Rosa os pilares comuns à ficção realista, nem tampouco uma perspectiva documentária que dê sustentação de parecer aos demais críticos em atuação na época. O que termina em confusão de análise. Apreciadores, em fase preliminar, não se dando conta do descompasso existente, naquele momento, entre literatura e crítica literária, ficam atordoados com o poder de invenção e capacidade de reelaboração criativa em Guimarães Rosa. Escapam, por fim, entre outras, à compreensão da estilística rosiana e reagem a isso sob a forma de duros ataques à obra, perdidos eles próprios entre as veredas simbólicas do

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