À beira do crush
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Sobre este e-book
Vanessa Bosso
Olá, seus literalindos! Meu nome é Vanessa Bosso e a literatura é minha segunda paixão na vida. A primeira, sem dúvida, é a minha família. Sou formada em publicidade, propaganda e marketing, coaching emocional e terapia cognitiva e comportamental. Neste momento do tempo-espaço, estou estudando física quântica, neurociência, teoria da simulação e outras loucuras do bem. Onde isso vai me levar? Só o universo sabe... mas uma coisa é certa: muitos livros serão escritos no futuro. Conecte-se comigo
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À beira do crush - Vanessa Bosso
CINCO
PRÓLOGO
- Eu te amei muito. – ele diz, mas vejo veneno em seus olhos escuros.
- Amou? Onde? – procuro em torno, como se o amor dele fosse algum objeto sobre o aparador da sala de estar. Como não encontro nada parecido com amor, volto a atenção para o homem frio à minha frente. – Se você amou, deve ter guardado o sentimento a sete chaves, porque não me lembro do compartilhamento. Aliás, acredito que você não saiba o que é o amor.
- Você está magoada, eu entendo. – ele faz aquela cara de coitadinho que me irrita no último volume. Odeio quando as pessoas se colocam no papel de vítima, chega a dar vontade de socar até sangrar.
- O que você entende? – ergo as sobrancelhas e os braços, indignada. – Não entende porra nenhuma de coisa alguma! – explodo. Não falo aos berros, mas estou a um milímetro disso. – Amor não é controle, não é exercer poder sobre o outro. Amor não tem nada a ver com sexo, nem com dinheiro. Amor não é abaixar a cabeça quando o outro precisa discutir a relação e depois ficar planejando uma vingança dessas que machucam. Amor não é ver o sofrimento do outro e ficar em silêncio, traçando estratégias para sair do casamento em grande estilo. – paro um instante para respirar e, obviamente, ele fica mudo como se as palavras tivessem sido sugadas por um buraco negro do mal.
- Você disse que não me amava mais. – ele atira e não suporto quando usam minhas palavras contra mim, ditas em momentos de ódio ensandecido.
- Sim, eu não estava te amando! – rasgo, agressivamente. – Você estava me tratando como um lixo de mulher! Como eu poderia te amar em sã consciência? Estava impossível e eu tinha chegado ao meu limite com você, Daniel. Mas você pediu uma chance, pediu para ficar... e simplesmente não fez nada? – reviro os olhos e seguro as lágrimas raivosas. – Na verdade você fez sim, arrumou outra mulher, seu desgraçado! – rosno, destemperada.
- Eu achei que você não me amasse... – o tom de voz vitimista me tira da órbita terrestre. Cresço uns bons centímetros e é como se eu estivesse me transformando na mulher-pedra, como aquele cara do quarteto fantástico, O Coisa. Se eu não endurecer, se não ficar firme como uma rocha, é bem capaz que eu quebre em milhões de pedaços na frente desse imbecil. Não posso deixar que aconteça, não permito que ele veja o meu sofrimento. O fato é que ele nota e observo um brilho escandaloso naquele olhar... enxergo a satisfação da vingança, a maldade estampada, algo que ele sempre demonstrou e eu todas as vezes descartei, justificando a babaquice alheia. O que eu fiz da minha vida? Como pude ficar casada com essa besta humana por tanto tempo?
- Vá embora daqui.
Vejo um sorriso velado no canto daqueles lábios debochados. O olhar dele cruza com o meu novamente e posso ouvir o que se passa dentro daquele cérebro gelatinoso: Não preciso mais de você.
Ok, será que ouvi direito? Usei telepatia para ler a mente do canalha?
Sim, não tenho a menor dúvida de que a telepatia funcionou. Ele realmente acha que não precisa de mim para nada? Então eu sou apenas um objeto defeituoso que foi trocado por outro em melhores condições de uso? É isso mesmo?
- A vida dá muitas voltas, seu cretino. – solto, num grunhido.
- Quero que seja feliz, Gabi.
- Rá, tenho certeza que sim. – lanço uma piscadela e dou uma gargalhada, mas a grande verdade é que preciso chorar até os olhos se desfazerem. – Tenha uma boa vida, seu otário.
CAPÍTULO UM
Ele se foi.
A razão do meu sofrimento se foi há um ano.
E por que diabos não me sinto feliz?
- É porque você não pôde amar, não pôde se doar, perdeu um tempo precioso da sua vida tentando fazer uma relação tóxica e doentia dar certo. Você está em depressão porque foi forte por tempo demais e acabou por endurecer o seu coração nesse processo. Você se perdeu, Gabriela.
Hoje é segunda-feira, dia de terapia. Sandra, a psicóloga responsável pelo meu bem-estar emocional e neurológico me encara com compaixão. Compreendo o que ela diz e a coisa surte efeito imediato, abalando as paredes do poço escuro no qual estou jogada desde que o Daniel fez as malas e partiu para o quinto dos infernos com a baranga do escritório de contabilidade.
Eu sabia que isso aconteceria mais cedo ou mais tarde. Meu radar para putas é certeiro, infelizmente, meu radar para babacas de plantão não funciona muito bem. Menti para mim por cinco longos anos, mas eu sabia que o meu casamento acabaria de forma drástica e, provavelmente, com uma puta agindo como pivô. O Daniel é um babaca e se meter com uma biscate é bem a cara dele.
Respiro profundamente e recosto a cabeça no sofá, observando cautelosamente os detalhes da pequena sala. É aconchegante apesar de minimalista. Esse é o único lugar no mundo atual no qual me sinto bem, segura, acolhida de verdade. Ok, estou pagando para isso, mas acredito que a terapeuta realmente se preocupe com a minha melhora. Bom, é o trabalho dela, não?
- Eu bloqueei o Facebook daquele cretino, mas as informações continuam chegando até mim através de amigos em comum. Ele está feliz, radiante, dando para a outra tudo aquilo que eu sempre quis. E com isso estou querendo dizer amor de verdade, gentileza, atenção, carinho e o cacete a quatro. – denuncio, trincando os dentes de ódio.
- Facebook? – Sandra dá um sorriso lateral e me encara com amorosidade. – Quem está feliz de verdade não precisa postar no Facebook. Aliás, a felicidade é algo tão precioso que quem a sente não divide com a torcida toda simplesmente por medo de perder. – ela faz uma pausa estratégica e arremata: - Quem posta a felicidade nas redes não tem certeza de que é feliz. E quando não há certeza, não é real.
Minha ficha cai e um sorriso se desprende dos meus lábios ultimamente tão tensos. Compreendo a psicologia por trás das atitudes alheias e um alívio desfaz uma grotesca camada de sofrimento acumulado. Até meus ombros relaxam após a constatação de que nada é o que aparenta ser.
- Devo parar de olhar para a vida de outro e me concentrar na minha, não acha? – suspiro alto e cruzo os braços, inquieta.
- Você chegará lá.
CAPÍTULO DOIS
Após a terapia, sigo para o meu encontro semanal com a Fernanda, uma amiga de longa data. Num café de esquina muito bem frequentado, beberico da xícara fumegante e meu estômago grita, porque né, fui diagnosticada com gastrite nervosa. Apesar da cafeína ter sido proibida pelo médico, liguei o foda-se para o meu bem estar. Que minha terapeuta não saiba disso, por favor.
Fernanda responde a uma mensagem no celular e revela que está saindo com um cara do jornal onde trabalha. Não o conheço, portanto, ela estende o perfil do Facebook nas minhas fuças. Até que esse tal de Marcos é bem gato, mas minha intuição grita em desacordo.
- Só pegação, Fer? – arqueio as sobrancelhas e espero uma resposta diferente desta vez.
- Claro, Gabi. – ela sorri, sacana. – O Marcos não é cara pra casar, esqueça.
- E por que perder tempo? – xereto.
- E porque não?
Ela enfia uma fatia de bolo na boca e me deixa reflexiva. Não entendo esses relacionamentos que não levam a lugar algum, mas enfim, cada um com os seus problemas. De boca cheia, ela resolve meter o bedelho na minha situação amorosa:
- Faz um ano desde que o Daniel te deixou e foi para o raio que o parta. Sério mesmo que acabará num convento? Gabi, a solidão não é a melhor saída.
- E você quer que eu entre em relacionamentos sem futuro como você vem fazendo há anos? – retruco, mal humorada.
- É melhor do que nada, baby.
- Credo, prefiro ficar sozinha. E outra, quem irá me querer desse jeito? – aponto os dedos em riste na minha direção.
- Oi? – Fernanda arregala os olhos e começa a rosnar. – Meça bem as suas próximas palavras.
Mordo o lábio inferior com força. Esse gesto segura as lágrimas que embaçam a visão e também as palavras que estou doida para dizer e sei que não devo, pois, não estou a fim de despertar o lado sombra da Fer.
- Continue. – Fernanda aperta os olhos e noto que está irada. Ok, já que despertei seu lado sombrio, que se dane, abrirei o jogo.
- Certo, então me diga, quem irá querer uma mulher como eu? Estou fora do peso, as roupas não caem tão bem quanto deveriam, tenho o nariz grande, minhas celulites formam crateras grotescas quando sento, sempre que uso saia ou vestido fico assada entre as coxas, estou com estrias na barriga, meus peitos andam sofrendo o efeito da gravidade, minhas olheiras se parecem com dois socos bem colocados, fico parecendo um botijão de gás quando uso biquíni, meu rosto está cheio de sardas porque acho o filtro solar uma meleca demoníaca, odeio academia com todas as forças... preciso continuar?
Minha amiga cerra as pálpebras trêmulas. Sinto a raiva dela como uma entidade que acaba de sentar à mesa, juntando-se à conversa. Percebo quando ela captura mais oxigênio que de costume e, se eu pudesse enxergar o invisível, com certeza notaria a fumaça negra que se desprende de seu cérebro e narinas nesse exato instante.
- Não vou te socar porque você já faz isso muito bem sem a minha ajuda. – Fernanda diz, entredentes. – Onde diabos enterrou a sua autoestima? Porra, Gabi, é isso o que vê quando olha para o espelho?
- Não olho mais para o espelho. – revelo e meus olhos se derramam sobre a xícara quase vazia. – Aliás, sou invisível, homem nenhum me nota.
- Também pudera! – ela explode. – Com essa sua energia ruim, homem algum em sã consciência se aproximará de você.
- Eles nem me enxergam e isso é frustrante. – choramingo.
- Você construiu uma barreira ao seu redor, meu amor. O que espera com isso? Que um homem forte e corajoso venha com um tanque de guerra e derrube essa porcaria de imagem que criou sobre si mesma? Não viaje, isso só existe em Hollywood, baby. – ela para um instante para respirar. – Acompanhe meu raciocínio, sua louca. Se semelhante atrai semelhante, você não atrairá absolutamente nada, simplesmente porque o cara que te enxergará terá o mesmo problema de autoestima que o seu. Ou seja, duas paredes não se relacionam, entendeu?
Engulo algo amargo no lugar da saliva. Um desespero se instala no peito e não sei de onde essa emoção surgiu. Aliso os cabelos castanhos para trás e meu nervosismo não passa despercebido quando procuro por um cigarro dentro da bolsa.
- Alô, você parou de fumar. – Fernanda avisa e maldigo a minha força de vontade em ter parado de usar a muleta chamada nicotina. – Pare de fugir e me encare.
Deixo a bolsa de lado e fixo seu olhar amadeirado. Sua íris cintila algo que beira o apocalipse. Recosto o corpo e aguardo que a lição de moral continue. Ela demora a falar, mas quando o faz, prendo a respiração para ouvir tudinho.
- Todos os seus relacionamentos passados foram destrutivos porque você não se dá valor. Só atraiu filhos da puta que te tratavam da forma como você se trata. Quando a sua ficha cairá? Pelo amor de Deus! O que a sua terapeuta diz sobre isso?
- Ela quer que eu frequente um grupo de apoio, tipo AA. – revelo, um tanto envergonhada.
- Tipo AA? – a Fer arregala os olhos e entreabre os lábios, na expectativa.
- Não sei bem como funciona.
- Ela acha que isso poderá te salvar da implosão? Poderá te arrancar da concha na qual você se escondeu da vida?
- Parece que sim.
- Está esperando o que? – ela incita e eu surto.
- Alô? Grupo de Apoio? AA? Mulheres chutadas e depressivas? – explano e ela compreende meu ponto de vista.
- Certo, acha que isso é algum demérito e que você é melhor do que essas mulheres. Saquei, superentendi.
- Não é bem assim... – parto em minha defesa.
- Não? – ela bate a mão na mesa e vários olhares recaem sobre nós.
- Ah, Fer, você compreendeu. – murmuro, envergonhada.
- Me conte mais sobre esse AA para mulheres chutadas e depressivas. – ela ignora os olhares intrigados e curiosos para a nossa mesa. – O que a sua terapeuta falou?
- Cara, o lugar se chama C.R.U.S.H.
- Oi? – a Fer desata a rir e tem motivos para isso.
- Viu? – aponto. – C.R.U.S.H. é pra matar de tanto rir. Ninguém merece.
- Desmembre a sigla, fiquei curiosa. – a Fer solicita, com um sorriso divertido.
- Sei lá, deve ser algo como Confraria Reacionária Unida Sem Homens.
- Puta que pariu! – ela zomba e gargalha alto. – Ah, eu quero ir nessa confraria também!
- Ah, fala sério. – fecho a cara. – E ainda terei que pagar para participar desse troço.
- Você já gasta com psicóloga, qual o problema? Eu acho que você deveria se inscrever nessa parada e frequentar as reuniões. Será muito divertido. – A Fer pede a conta ao garçom e saco minha carteira da bolsa. – Gabi, você precisa conhecer novas pessoas e discutir a relação com você mesma. Sua baixa autoestima é preocupante. Precisa resgatar isso, juntamente com o seu amor-próprio