Encontre milhões de e-books, audiobooks e muito mais com um período de teste gratuito

Apenas $11.99/mês após o término do seu período de teste gratuito. Cancele a qualquer momento.

Escritos de Direito Fundamentais: Volume 5
Escritos de Direito Fundamentais: Volume 5
Escritos de Direito Fundamentais: Volume 5
E-book323 páginas4 horas

Escritos de Direito Fundamentais: Volume 5

Nota: 0 de 5 estrelas

()

Ler a amostra

Sobre este e-book

Organizada pelo Professor José Emílio Medauar Ommati, mestre e doutor em Direito Constitucional, essa coletânea de artigos de mestrandos, que por meio de uma leitura constitucional dos Direitos Fundamentais, traz reflexões fundamentais para a teoria e a prática do Direito. Os artigos que compõem esse quinto volume abordam temas como: Fake news e liberdade de expressão; Associações e ações coletivas; participação feminina na política; modulação dos efeitos da decisão no controle concentrado de constitucionalidade; direito à herança do companheiro homoafetivo; Direitos Fundamentais Processuais; Discurso de ódio a partir da psicanálise; Precedentes judiciais na Justiça Eleitoral; Solipsismo judicial; Censura à produção artística por razões religiosas; e recuperação econômica do Brasil pós pandemia do Coronavírus.
IdiomaPortuguês
Data de lançamento2 de jun. de 2021
ISBN9786589602262
Escritos de Direito Fundamentais: Volume 5

Relacionado a Escritos de Direito Fundamentais

Títulos nesta série (6)

Visualizar mais

Ebooks relacionados

Direito para você

Visualizar mais

Artigos relacionados

Avaliações de Escritos de Direito Fundamentais

Nota: 0 de 5 estrelas
0 notas

0 avaliação0 avaliação

O que você achou?

Toque para dar uma nota

A avaliação deve ter pelo menos 10 palavras

    Pré-visualização do livro

    Escritos de Direito Fundamentais - Emílio Medauar Ommati

    ORGANIZADOR.

    REFLEXÕES SOBRE A POSSIBILIDADE DE CONCILIAÇÃO ENTRE COMBATE ÀS FAKE NEWS E LIBERDADE DE EXPRESSÃO

    Alice Quadros Miranda[1]

    Cleiton Luiz Ferreira de Jesus[2]

    Núbia Franco de Oliveira[3]

    1 INTRODUÇÃO

    O mundo pós-moderno é marcado pelo avanço tecnológico que proporciona imensurável celeridade quando da transmissão de notícias e informações. A sociedade sai das mãos da mídia tradicional e do controle restrito de informação e se reestrutura na capilaridade dos meios de transmissão de conhecimento proporcionados pela era digital. Se por um lado vislumbramos a ascensão da democratização das informações e da liberdade de expressão, por outro, ascende também a veiculação desenfreada de fatos inverídicos.

    Como veremos adiante, as fake news, como subproduto da pós-verdade, têm sido alvo constante de preocupação. Neste ínterim, o presente trabalho propõe uma breve análise sobre os conceitos e fatores que englobam o nicho em que habitam as fake news. Busca-se, de mesma forma, o estudo da atuação do Estado, levando-se em consideração a análise dos dispostos legais pátrios. Além disso, é levantada uma análise sobre os princípios constitucionais da liberdade de expressão e do direito à informação verídica.

    As denominadas fake news já provaram seu potencial lesivo, assim como a censura. Diante disso, o presente trabalho traz o seguinte questionamento: como encontrar um ponto de equilíbrio entre os princípios constitucionais de liberdade de expressão e de direito à informação verídica no contexto em que efervescem as notícias falsas? Para tanto, inicialmente foi realizada investigação da literatura referente ao direito à liberdade de expressão, ao direito à informação verídica e à natureza e origem do fenômeno das fake news. A pesquisa bibliográfica foi feita a partir do levantamento de referências teóricas publicadas por meios escritos e eletrônicos, como livros, artigos científicos e páginas de sítios eletrônicos.

    Para tanto, durante a pesquisa, foi realizado estudo transdisciplinar, posto que foram utilizados conhecimentos provenientes das ciências sociais e tecnológicas. O trabalho teve como objetivo final promover a reflexão a respeito do tema, sem, contudo, apresentar uma solução definitiva, dada a multiplicidade de fatores que rodeiam e tornam cada vez mais complexa a questão.

    2 CARACTERIZAÇÃO DE FAKE NEWS

    Primeiramente será apresentada a definição de fake news para que conceitos correlatos sejam diferenciados e não confundidos. Em sequência, será descrito os aspectos que envolvem as fake news nas mídias tradicionais e também nas novas mídias sociais.

    2.1 Definição de fake news

    Hunt Allcott e Matthew Gentzknow (2017) conceituam fake news como notícias que são intencionalmente e comprovadamente falsas, podendo enganar os leitores. Os autores destacam que as fake news são, via de regra, de simples e fácil consumo porque os consumidores podem desfrutar de notícias partidárias e acrescem: nós conceitualizamos notícias falsas como sinais distorcidos não correlacionados com a verdade (ALLCOTT;GENTZKNOW, 2017, p.213). Já Guess, Nyhan e Reifler (2018) falam de um novo tipo de desinformação política marcada por uma dubiedade factual com finalidade lucrativa.

    Para Gelfert (2018), fake news é a apresentação intencional de declarações falsas ou enganosas que se apresentem como notícias verdadeiras. O conceito trazido pelo autor deve ser visto com atenção, posto ser, praticamente, de acordo geral que fake news são afirmações falsas que se revelam como notícias verdadeiras. Além disso, importa destacar que estas são criadas proposital e deliberadamente para ludibriar aquele que as recebe. Deve-se atentar, também, para a existência de afirmações falsas sobre notícias verdadeiras. Neste caso, geralmente, estas não são apresentadas como notícias e nem tampouco tornam inválidas formalmente as notícias verídicas, mas são, da mesma forma, instrumento da desinformação. Apesar disso, as afirmações falsas sobre notícias verdadeiras não podem ser conceituadas como fake news.

    Na área jurídica, Diogo Rais (2018) explica que, provavelmente, o conceito mais acertado para fake news não seja notícia falsa, mas notícia fraudulenta. Segundo Rais (2018), a mentira parece ser mais objeto da Ética do que do Direito, sendo a fraude o adjetivo mais próximo da face jurídica da desinformação. Assim, conforme explicita o autor, para a caracterização das fake news seriam imprescindíveis três elementos fundamentais para que estas sejam tratadas pelo Direito: falsidade, dolo e dano (RAIS, 2018). Desta feita, para o autor, a informação inverídica criada de modo culposo, não pode ser caracterizada como fake news. Portanto, eventuais enganos e imprecisões em informações veiculadas não se afiguram como fake news. Conforme ainda o mesmo autor, estes erros eventuais acabarão sempre ocorrendo, sendo necessária não mais que sua mais ágil constatação e correção (RAIS, 2018).

    2.2 Fake News nas mídias tradicionais

    Notícias falsas em si não são um problema novo. A forma como as notícias falsas têm se apresentado ao longo do tempo passaram por grandes transformações: de jornal de papel para rádio, televisão e, recentemente, para notícias on-line e mídias sociais. Denotamos notícias falsas tradicionais como o problema de notícias falsas prévio ao das divulgadas em mídias sociais on-line.

    As notícias falsas tradicionais, geralmente, buscam explorar a vulnerabilidade individual de quem as consome e utilizam como arma a incapacidade natural humana de realizar a diferenciação entre notícias falsas e notícias verdadeiras. Segundo Ward et al.(1997), existe um fator denominado realismo ingênuo que torna o consumidor especialmente vulnerável a fake news: esse fator postula que os consumidores tendem a acreditar que suas percepções da realidade são as únicas visualizações precisas, enquanto outros que discordam são considerados desinformados, irracionais ou tendenciosos. Além disso, uma vez que a percepção equivocada é formada, é muito difícil corrigi-la. Por vezes, a apresentação de informações verdadeiras e factuais não é apenas inútil, como pode até aumentar as percepções errôneas, especialmente entre grupos ideológicos.

    Todavia, a situação é aparentemente menos caótica nas mídias tradicionais. Gross (2018) afirma que já existem mecanismos próprios de enfrentamento dos casos de erros de apuração ou mesmo de má-fé existentes na mídia tradicional. Para a autora, são ainda mais problemáticas as novas formas de produção e consumo de informações dentro das redes sociais. Nas mídias não-tradicionais de informação, a divulgação de fake news assume aspectos cada vez mais problemáticos, visto que possibilitam o alastramento incontrolável de notícias falsas, como veremos a seguir.

    2.3 Fake News nas redes sociais

    Segundo Sérgio Branco (2017), em nenhuma plataforma a liberdade expressão teve tão grande impacto quanto nas redes sociais. A diferença visceral das notícias em redes sociais das encontradas em plataformas tradicionais e/ou oficiais é que não há qualquer compromisso com a verificação daquilo que será publicado. Se por um lado as mídias sociais abriram portas para um mundo possivelmente mais participativo e democrático, por outro trouxe o perigo da propagação desenfreada de informações falsas.

    As redes sociais transverteram-se em imensos campos frutuosos de fake news. Autores como Bounegru et al. (2017) apontam que as redes sociais acabaram se tornando até parte constitutiva do conceito de fake news, porque as notícias falsas não poderiam mais ser assimiladas fora do contexto de circulação online.

    Segundo Braga (2018), a propagação de fake news tem sido utilizada com fins monetários. De modo mais óbvio, porque, de modo geral, são comumente anexas às notícias falsas anúncios publicitários. Posteriormente, porque as fake news costumam ser criadas para gerar reações que podem influenciar determinados grupos a consumir determinados produtos.

    No entanto, apesar de as fakes news serem tão danosas e contagiantes, é preciso tomar cuidado quando promovida a sua supressão: todo ato de controle informativo pode significar também em um ato de censura. Corroborando sobre a importância de se preservar a liberdade de expressão, expõe Sérgio Branco (2017):

    A democratização dos meios de comunicação não pode ser condenada. Ao contrário, é na possibilidade de ouvir a todos que a internet encontra uma de suas maiores virtudes. Além disso, a atribuição às mídias tradicionais do papel de decidir o que pode ser publicado acabaria por acarretar mais malefícios do que benefícios. Estaríamos instituindo a censura prévia sob a qual vivemos ao longo do século, repetindo o modelo arcaico de dar voz somente a quem detém o poder. (BRANCO, 2017, p. 56)

    2.3.1 Redes sociais e o contexto de pós-verdade

    No ano de 1992, Steve Tesich cunhou o termo pós-verdade, quando relacionou o incidente de Watergate com os desdobramentos ocorridos após o fim da Guerra do Vietnã. O fato é que Tesich afirmou que eventos como o Escândalo de Watergate fizeram com que os cidadãos americanos passassem a repelir más notícias e a acreditar naquilo que melhor lhes conviesse. Segundo Kreitner (2016), não mais era relevante a veracidade dos fatos: importava mesmo a pós-verdade conveniente e satisfatória criada de acordo com o que a população almejava consumir.

    Em síntese, a pós-verdade ocorre no momento que se opta por uma verdade confortável em detrimento da observação de fatos reais e objetivos. Não há mais compromisso com a razão, segundo Keyes (2004), há, inclusive, uma tentativa de racionalização da mentira. Sakamoto (2016) apregoa que, diante de duas versões de uma mesma realidade, os indivíduos sempre terão predileção à versão que estiver mais consonante com sua visão de mundo, não importando o embasamento daquilo que se afirma.

    A internet inaugurou a chamada sociedade da informação ao proporcionar a possibilidade de acesso universal a diversos tipos de dados. No entanto, esta tem se tornado, ao mesmo tempo, a sociedade da pós-verdade, da desinformação. As redes sociais, como outrora destacado, são terreno fértil para disseminação de fake news, que nada mais são que consequente desdobramento do fenômeno de pós-verdade.

    Os internautas, envoltos no contexto de pós-verdade, são não só receptáculos do sistema de fake news, como também replicadores. O problema das fake news já não é mais latente: em minutos uma falsa notícia se espalha por todo o mundo. De outro lado, temos ainda, a dificuldade de frear a criação e expansão de notícias falsas, posto o perigo de aplicação de medidas repressivas indevidas sobre a expressão individual ou coletiva.

    Diante de tudo, não resta dúvidas: o modo mais adequado para o enfrentamento do problema apresentado é a promoção da conscientização popular. Deve-se fomentar a busca pela verificação dos fatos, combatendo, portanto, o fenômeno da pós-verdade e seus prejuízos.

    3 A TUTELA JURÍDICA DE CONTROLE ÀS FAKE NEWS NO BRASIL

    Tendo em vista a preocupação com a disseminação de notícias falsas, os legisladores brasileiros, em 1967, elaboraram a Lei nº 5.250/67 (mais conhecida como Lei de Imprensa), que não foi, todavia, recepcionada pela Constituição Federal de 1988 (CARVALHO, 2020).

    A referida norma previa, em seu artigo 16, a possibilidade de responsabilização penal daquele que praticasse tal conduta. Nessa toada, cumpre salientar que a divulgação culposa, ou seja, aquela em que o agente não estava munido de dolo, também era passível de punição.

    Art. 16. Publicar ou divulgar notícias falsas ou fatos verdadeiros truncados ou deturpados, que provoquem: I - perturbação da ordem pública ou alarma social; II - desconfiança no sistema bancário ou abalo de crédito de instituição financeira ou de qualquer empresa, pessoa física ou jurídica; III - prejuízo ao crédito da União, do Estado, do Distrito Federal ou do Município; IV - sensível perturbação na cotação das mercadorias e dos títulos imobiliários no mercado financeiro.

    Pena: De 1 (um) a 6 (seis) meses de detenção, quando se tratar do autor do escrito ou transmissão incriminada, e multa de 5 (cinco) a 10 (dez) salários-mínimos da região.

    Parágrafo único. Nos casos dos incisos I e II, se o crime é culposo:

    Pena: Detenção, de 1 (um) a (três) meses, ou multa de 1 (um) a 10 (dez) salários-mínimos da região. (BRASIL, 2020c)

    Em face do afastamento da aplicação do texto legislativo supramencionado, desde então, a disseminação de fake news passou a acarretar consequências penais somente se, através dela, algum outro delito fosse praticado, tais como calúnia, injúria e difamação. Outro exemplo é a possibilidade de punição quando praticada contra bancos, o que pode ser considerado crime contra o sistema financeiro. (ROSA, 2020)

    Com o avanço da tecnologia, as redes sociais passaram a ter grande relevância na divulgação de fatos e notícias, as quais são difundidas mundialmente quase que de forma instantânea. Tal fato, por si só, demonstra a necessidade de elaboração de uma tutela própria, capaz de penalizar aquele que dolosamente propaga conteúdos falsos na internet.

    Nesse caminho, em 11 de novembro de 2019, foi promulgada a Lei nº 13.834/2019 que altera o Código Eleitoral com o fito de nele incluir o delito de denunciação caluniosa eleitoral (artigo 326-A, §3º). O novo dispositivo institui que aquele que comprovadamente ciente da inocência do denunciado e com finalidade eleitoral, divulga ou propala, por qualquer meio ou forma, o ato ou fato que lhe foi falsamente atribuído com finalidade eleitoral (BRASIL, 2020b), poderá ser punido com pena privativa de liberdade de dois a oito anos e multa. Portanto, verifica-se que no âmbito eleitoral já foi criada uma norma específica criminalizando o ato de propagar conteúdos fraudulentos com vistas a prejudicar terceiros, o que demonstra a necessidade de fazer o mesmo na esfera criminal.

    Para tanto, foi elaborado o Projeto de Lei n° 2.630, de 2020, de autoria do Senador Alessandro Vieira, através do qual se visa instituir a Lei Brasileira de Liberdade, Responsabilidade e Transparência na Internet (BRASIL, 2020e). O esboço legislativo tem como alvo as redes sociais que possuem mais de dois milhões de usuários brasileiros registrados, ainda que o provedor esteja sediado em outro país (artigo 1º).

    Os objetivos apresentados para justificar a necessidade de promulgação do projeto são: o combate à desinformação, o fomento à diversidade de informações, a busca por transparência sobre os conteúdos lançados nas redes sociais e o desencorajamento na utilização de contas apócrifas para divulgar notícias fraudulentas (artigo 3º). O projeto também apresenta vedação a utilização de contas inautênticas, disseminadores artificiais e conteúdos patrocinados não rotulados e redes de disseminação artificial que visam disseminar desinformação (artigo 5º).

    Cabe ressaltar que o Poder Público impõe aos provedores de redes sociais a obrigatoriedade de lançar relatórios demonstrando as práticas de desinformação aplicadas no âmbito digital (artigo 6º).

    Além disso, limita a atuação dos provedores no tocante a aplicativos de mensagens privadas, de modo a coibir o encaminhamento de uma mesma mensagem a mais de cinco usuários ou grupos, bem como para limitar o número de integrantes dos grupos para duzentos e cinquenta e seis (artigo 13). Todavia, de forma ainda mais restritiva, durante o período de propaganda eleitoral ou durante situações de calamidade pública ou emergência, o projeto limita o encaminhamento de mensagens a apenas um usuário ou grupo por vez (artigo 13, parágrafo 1º).

    Por fim, o PL nº 2.630/2020 tipifica o delito de divulgação de desinformações pelos provedores de aplicação, impondo as penalidades de advertência, multa, suspensão temporária das atividades e proibição de exercício das atividades no país, sem prejuízo das demais sanções civis, criminais e administrativas (artigo 23).

    Insta salientar que em outra oportunidade, o Poder Legislativo já havia colocado em pauta a criminalização do delito, através do projeto de lei nº 473/2017 (BRASIL, 2020e), de autoria do senador Ciro Nogueira, que buscava a inclusão do artigo 287-A no Código Penal. Todavia, a presente alteração visava penalizar o agente que divulgou as desinformações, e não o provedor, conforme redação abaixo:

    Divulgação de notícia falsa

    Art. 287-A - Divulgar notícia que sabe ser falsa e que possa distorcer, alterar ou corromper a verdade sobre informações relacionadas à saúde, à segurança pública, à economia nacional, ao processo eleitoral ou que afetem interesse público relevante. Pena – detenção, de seis meses a dois anos, e multa, se o fato não constitui crime mais grave. § 1º Se o agente pratica a conduta prevista no caput valendo-se da internet ou de outro meio que facilite a divulgação da notícia falsa: Pena – reclusão, de um a três anos, e multa, se o fato não constitui crime mais grave. § 2º A pena aumenta-se de um a dois terços, se o agente divulga a notícia falsa visando a obtenção de vantagem para si ou para outrem. (BRASIL, 2020e)

    Segundo Carvalho e Kanffer (2020), o político alegou que a ausência de uma norma específica, acarretava na impunidade de casos de fake news que não configuravam outro delito, e que havia a necessidade de criminalização, haja vista que o sujeito passivo do crime é a sociedade como um todo.

    Durante a tramitação do projeto na Casa da Federação, uma grande parcela da população demonstrou incentivo a criação de uma legislação de própria, tipificando a conduta de divulgação de fake news. Segundo dados do Instituto DataSenado , 78% dos brasileiros já possuíram ou possuem perfis em redes sociais e, destes, 87% está preocupado com a quantidade e a divulgação de notícias falsas que são disponibilizadas nas plataformas digitais e 84% acredita que a criação de uma norma que reprima a conduta irá contribuir para a redução de sua prática. (DATASENADO, 2020)

    Todavia, há de se destacar que, quando realizada consulta pública na página virtual do projeto de lei, 353.205 indivíduos se manifestaram favoravelmente ao projeto e 424.819 se opuseram. (BRASIL, 2020d)

    Gonçalves (2020), conselheira federal da Ordem dos Advogados do Brasil, emitiu parecer desfavorável ao texto legislativo. Segundo ela, a legislação é redundante, eis que existem no ordenamento pátrio mecanismos, princípios e regras capazes de coibir a prática da desinformação, como a Constituição Federal de 1988, o Código Civil e o Marco Civil da Internet, os quais estabelecem liberdade de acesso e manifestação, responsabilidade em caso de cometimento de ilícito e transparência nas relações jurídicas no âmbito virtual.

    A conselheira afirma que o foco do novo esboço legislativo é desenvolver mecanismos de vigilância mais rígidos, facilitando a censura e o vazamento de dados pessoais, em face do acesso excessivo às informações privadas dos usuários. Além disso, destaca que o projeto é falho, eis que se preocupa demasiadamente com a desinformação textual, esquecendo-se de que ela pode estar contida em mídias, como vídeos e áudios. (GONÇALVES, 2020)

    Martins e Longhi (2020), em sentido oposto, entendem que caso seja sancionada, a Lei de Fake News significará um avanço, haja vista que impõe ao provedor o poder de polícia e a possibilidade de sua penalização, eis que lucram com a publicidade proveniente dos dados dos conteúdos fraudulentos sem qualquer responsabilização. Ainda, diferentemente do que é previsto no Marco Civil da Internet , afasta a imunidade do provedor da rede, de modo que o mesmo será responsabilizado pelos conteúdos fraudulentos divulgados e a vítima dos ataques virtuais não permanecerá em situação de vulnerabilidade.

    Apesar das críticas apresentadas e da discordância de vários parlamentares, resultando na edição de 152 emendas ao projeto, o texto recebeu aprovação da Casa da Federação e foi remetido à Câmara dos Deputados para apreciação, no dia 11 de junho do corrente ano.

    4 CONTROLE DE FAKE NEWS: AMEAÇA À LIBERDADE DE EXPRESSÃO?

    4.1 Definição de Liberdade de expressão

    Não há que se falar em uma sociedade livre e fraterna sem se falar na garantia do direito de liberdade de expressão por parte de seus membros (OMMATI, 2014, pág. 82) e na Constituição Federal de 1988 está expresso no Título II – Dos Direitos e Garantias Fundamentais, Capítulo I – Dos Direitos e Deveres individuais e Coletivos, é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato; (art. 5º, IV, CF/88), este direito também está esculpido no artigo 19 do Pacto Internacional Sobre Direitos Civis e Políticos, promulgado pelo Decreto nº 592, de 6 de julho de 1992, que versa:

    1. ninguém poderá ser molestado por suas opiniões.

    2. Toda pessoa terá direito à liberdade de expressão; esse direito incluirá a liberdade de procurar, receber e difundir informações e ideias de qualquer natureza, independentemente de considerações de fronteiras, verbalmente ou por escrito, em forma impressa ou artística, ou por qualquer outro meio de sua escolha.

    3. O exercício do direito previsto no parágrafo 2 do presente artigo implicará deveres e responsabilidades especiais. Consequentemente, poderá estar sujeito a certas restrições, que devem, entretanto, ser expressamente previstas em lei e que se façam necessárias para:

    a) assegurar o respeito dos direitos e da reputação das demais pessoas;

    b) proteger a segurança nacional, a ordem, a saúde ou a moral públicas (BRASIL, 2020h).

    Ao garantir que ninguém será molestado por sua opinião, alinha-se perfeitamente com aquilo que expressamente está na Constituição Federal de 1988, além de extrapolar quando diz que inclui neste direito à liberdade de procurar, receber e difundir informações e ideias, sendo constitucionalmente previsto é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença (art.5º, IX, CF/88) e neste ponto fulcral que versa este trabalho, quando a forma de difusão dessas ideias tem a natureza mentirosa e falsa, dissonante com o direito de acesso à informação, que garante que é assegurado a todos o acesso à informação e resguardado o sigilo da fonte, quando necessário ao exercício profissional (art. 5º, X, CF/88).

    Em contraponto, tanto a Constituição quanto o Pacto Internacional Sobre Direitos Civis e Políticos trazem a possibilidade de responsabilização quando do abuso no uso do direito de liberdade de expressão, deixando claro que não se trata de um direito absoluto, pois não permite que o indivíduo que usa dessa liberdade possa fazê-lo para promover o ódio, o racismo, a discriminação em relação a outro indivíduo ou a uma categoria de pessoas (OMMATI, 2014, pág.83). O artigo 5º da Constituição Federal diz ainda que é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem; e são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação (BRASIL, 1988).

    Anualmente, a Organização dos Estados Americanos (OEA), especificamente, o Escritório do Relator Especial para a Liberdade de Expressão, desde 1999, acompanhado de representantes de outros organismos internacionais, produz Declarações Conjuntas com a temática específica da liberdade de expressão e pensamento, atentando-se para como o exercício deste direito é garantido, proibido e censurado por seus Estados-membros, inclusive no ambiente virtual, como a de 2011: Declaração Conjunta sobre Liberdade de Expressão e Internet. Diretamente tratando

    Está gostando da amostra?
    Página 1 de 1