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Nas Cordas do Violão: Em tom maior
Nas Cordas do Violão: Em tom maior
Nas Cordas do Violão: Em tom maior
E-book201 páginas3 horas

Nas Cordas do Violão: Em tom maior

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Sobre este e-book

Nas Cordas do Violão nos dá o tom da nossa realidade, mostra os caminhos da luta de um personagem quase real, com seus erros e acertos, com suas buscas, sempre no afã de fazer, como mortal, parte da grande disputa que é a vida.Este livro tem o cuidado de eternizar as verdades, sem jamais perder o tom, o romantismo sincero, que empresta a emoção que vai por estas páginas.Ganhador do IV Prêmio Letras Brasileiras, revelou-se uma obra que se aproxima do real, com sua resistência sempre segura, nos levando à total identificação com tudo o que nela está escrito.Nas Cordas do Violão, em Tom Maior, é o som que transcende o instrumento, que vai ao encontro dos nossos desejos, quebrando os paradigmas e as intolerâncias, pelas quais somos constantemente marcados.
IdiomaPortuguês
EditoraLitteris
Data de lançamento28 de abr. de 2022
ISBN9788537403006
Nas Cordas do Violão: Em tom maior
Autor

Joaquim Rubens Fontes

Joaquim Rubens Fontes é mineiro, com pós-doutorado em Romance Policial e mestrado em Literatura Brasileira e Filosofia Medieval. Além de vencedor do IV Prêmio Letras Brasileiras, da Litteris, de 2015, foi premiado pelo Senai, no concurso de 2005, na categoria romance, e pela UBE-Rio, em 1992 e 2003. É autor das obras Fruto amargo, Juro dizer a verdade, Razões para matar, Os sobreviventes, Maldição do nome e O universo da ficção policial (tese de pós-doutoramento), além de contos em antologias.

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    Nas Cordas do Violão - Joaquim Rubens Fontes

    Nas Cordas do Violão374.png378.png

    Copyright desta edição © 2016 by Joaquim Rubens Fontes

    Direitos em Língua Portuguesa reservados a Litteris Editora. 

    ISBN - 978-85-374-0300-6 (2016) 

    ISBN - 978-85-374-0289-4 (versão impressa) 

    Conversão: Cevolela Editions 

    Arte Final de Capa: Teresa Akil com imagem Fotolia.com - Violão Escudo © Dyego Ribeiro 

    378

    Litteris Editora Ltda. 

    Av. Presidente Vargas, 962 - Sl. 1411 - Centro | 20071-002 Rio de Janeiro - RJ 

    tel (21) 2223-0030; (21) 2263-3141 

    litteris@litteris.com.br 

    www.litteris.com.br

    À família e aos amigos.

    Sem temer as tempestades, nem se deixar abater pelas quedas, traições e injustiças, Tom construiu um mundo de paz e prosperidade. Com esforço e coragem, fez seu caminho na vida, ao lado da família, dos livros e do trabalho, tendo por única distração o conforto dos seus, um pouco de música e o chopinho domingueiro com os amigos.

    Nada, entretanto, resistiu aos primeiros insucessos, que o levaram ao vício, ao abandono da família, ao desprezo dos parentes, à discriminação dos companheiros e à perda dos bens materiais. Uma tragédia completa!

    Salvou-o o amor pela vida e a disposição de vencer as dificuldades.  

    Do fundo do poço, ainda encontrou forças para se reerguer, para recomeçar, enfrentar os percalços, escalando as cordas de um violão, com o ânimo dos valentes e a inspiração dos poetas.

    Como uma grande sinfonia, sua vida teve quatro movimentos, com um adágio inicial de muita luta, trabalhos e sacrifícios; como um andante bem lento e triste, o segundo movimento mostrou as infelicidades do herói, perdendo tudo o que lhe era mais caro; o terceiro estágio é um scherzo, que conta a derrota, o desastre total, a queda degrau a degrau, até o frio chão do fracasso, a disputar as migalhas com os mendigos, ratos e urubus, nos restos do lixão; e, no movimento final, o grande alegro – com a vitoriosa ressurreição, a paz, e o sucesso, ao som das músicas tiradas no violão.

    É a alma do homem brasileiro, um gigante que quebra mas não verga e, com os olhos no céu, busca sua estrela guia.  

    I

    Loura, mais para forte e de porte militar, de olhos castanhos, um pouco estrábicos e dominadores, aos vinte e um anos, Marlene já era uma mulher madura. Educada pela família de classe média e muito conservadora, católica praticante, olhava o futuro cheia de esperança. Não era uma deusa, uma sereia de parar o trânsito, superlativos que não lhe assentavam, mas tinha lá seus atrativos de moça alegre e elegante, e vivia de pés no chão, tocando a vida com cuidado e muita responsabilidade, para evitar sofrimentos e frustrações. Inteligente – qualidade que ninguém negava, ante ao sucesso alcançado nos concursos que fazia, trabalhava num grande banco, perto de casa, com salário razoável, que complementava com a venda de confecções e perfumes às amigas e vizinhas. Não eram rendas de um marajá, naturalmente, mas davam para o batom, o sapato novo, o cinema e para sair com as colegas, e, eventualmente, sobrava um tantinho para guardar na poupança, pensando no enxoval de casamento. Querida no grupo e respeitada no trabalho, fazia seu caminho no mundo sem grandes atropelos. O gênio feroz e o ciúme incontrolável, porém, eram seus pontos fracos, acrescidos, quase sempre, da desconfiança e pouca simpatia no trato das pessoas. Culpa do sangue espanhol, ninguém duvidava, e da criação por uma mãe de ascendência cabocla e extremamente rigorosa, dona Pureza, que, a vida toda, tivera de enfrentar o preconceito. Não aceitava que se lhe negasse alguma coisa. Sabia agradecer com educação, mas não levava contrariedades para casa. Perdia a calma, o juízo e a compostura, e saía ofendendo quem encontrasse pela frente. Se tinha razão, e quase sempre tinha mesmo, então, ninguém a segurava. Vingança a qualquer custo era seu lema. O marido e a filha que se cuidassem. Anjo ou diabo, dependia do que os outros lhe fizessem.

    Se a mãe era essa severidade toda, o pai era ainda mais. Vida fora, Marlene ia pagando pela rudez de seu Sandoval, um espanhol de hábitos extremamente rígidos, até grosseiros, mecânico de automóveis, e, mais ainda, pelo comportamento insuportável do tio Martone, que não aceitava os costumes da civilização dos brancos, um canalha e alcoólatra detestável, que provocava os maiores desgostos à família. Preso com frequência, por provocar confusões sob ao efeito da bebida, contava com poucos amigos e não parava em emprego nenhum. E, sem trabalhar, não tinha salário nem como arranjar dinheiro. Sem dinheiro, não podia beber. Sem poder beber, não deixava ninguém em paz. E a culpa era sempre da irmã, que tinha de fornecer-lhe os recursos para tudo, menos para a bebida, que não ia sustentar o vício de ninguém. Quando aparecia em casa, sempre vinha bêbedo, sujo, de barba crescida, sem banho há muitos dias, e já chegava gritando, xingando todo o mundo, ofendendo o cunhado, querendo agredir a irmã e a sobrinha, começando uma guerra, que se estendia até conseguir o dinheiro que precisava, ou até que tivesse quebrado tudo o que visse pela frente. Era mais um castigo que parente. Daí a origem dos traumas que Marlene carregava.

    O namoro com Tom, um jovem cantor do coro da igreja, foi longo, cheio de romantismos e provas de amor, que seu Sandoval, muito exigente, não aceitava comprometer a filha sem que o candidato tivesse um meio de vida que lhe garantisse o futuro. O noivado, porém, foi tão curto, que a noiva nem pôde terminar o enxoval, e o casamento uma festa, que se estendeu pela estrada florida da vida por mais de quinze anos, quando surgiram as primeiras crises, e desde então não pararam de se agravar. As contrariedades, desta vez, eram causadas pelo vício do marido, que ela, Marlene, odiava, talvez como reflexo das marcas trazidas da infância e da juventude. Não queria em casa a repetição das violências assistidas em casa da mãe. O sangue quente em suas veias não suportaria. Nem ia aceitar que os filhos passassem por desgostos semelhantes aos que conhecera de menina, nem tinha paciência para aturar cachaceiros agredindo as crianças, provocando desentendimentos e quebrando suas coisas. Nessas ocasiões, arrepiava os cabelinhos do braço, arregalava os olhos, que nem piscavam, estufando o peito para enfrentar o indesejável, disposta a não deixar que isso acontecesse, de jeito nenhum.

    Foram dezoito longos anos falando a mesma coisa, repetindo a mesma ladainha, o marido sabia de cor. Se queria continuar a beber, que fosse para a rua, se mudasse para o botequim, fosse embora cuidar de sua vida, mas bem longe dela e dos filhos, que não tinham culpa de nada, para amargarem os desgostos de um pai alcoólatra e desequilibrado. Fizera o possível e o impossível para tirá-lo dessa vida, ouvindo os conselhos dos amigos, palestras de médicos importantes, promessas e novenas a muitos santos, chegara a apelar para os préstimos de uma rezadeira, mas nada adiantou. Metido com más companhias, o irresponsável passava a noite no bar, bebendo cada vez mais, esquecido da família, da casa e da loja, que sofria os efeitos da negligência. Sua única preocupação era a cachaça, que não podia faltar. Em casa, havia garrafas escondidas por toda parte, como nos armários de roupas, na mesa do escritório, no micro-ondas e até dentro do colchão. Não podia ficar sem a maldita hora nenhuma, e bebia desde que acordava até a hora de dormir. Já saía bêbedo para o trabalho, perdendo o respeito dos funcionários. E pior ainda era querer dirigir embriagado, tendo já provocado alguns acidentes. Ia acabar causando uma tragédia, e ela não desejava ser cúmplice de um assassino. Para prevenir acidentes, fizera tudo para que deixasse o carro em casa, chegara a esconder a chave do veículo, mas não adiantava. Tom não aceitava a limitação para sua liberdade, brigou com todo o mundo, fez escândalos, até que ela teve de devolver a chave, e o viu sair vitorioso no carro.

    O ambiente doméstico tornava-se insuportável, impossível continuar vivendo dessa forma, um evitando o outro, não comiam juntos; se comiam juntos, nem se olhavam, falavam pouco ou nada. Ninguém tinha sossego, nem um minuto de paz. As brigas eram cada vez mais sérias. Por causa do carro, dos meninos, das despesas, por qualquer motivo. A situação ia se tornando insustentável.

    Além das frequentes discussões com a esposa, também ele não tinha mais convívio com os filhos. Viviam em guerra, o ambiente era o pior possível. Com a filha, Soninha, os desentendimentos eram por causa das despesas que fazia, pelas roupas que a menina usava, muito curtas, ou porque saía com o namorado e não tinha hora para voltar. O pai brigava, proibia as saídas, mas a filha parecia nem ligar, não respeitava, nem dava ouvido, e Marlene tinha de intervir, mas sempre dava força à menina, encarando o marido com autoridade e decidindo a questão.

    — Assunto de moça, homem não entende, não tem nada que se meter.

    Se estava mais alto, o pai, às vezes, chegava a agredir a garota, chamando-a de sem-vergonha, com roupas muito curtas para mostrar as pernas.

    — Uma vagabunda. É isso que ela é.

    Para Marlene, o que importava era ver a menina bonita e feliz. E Soninha era, de fato, muito bonita. Morena, de boa estatura, corpo bem modelado e sem gorduras, olhos castanhos como os seus, voz mansa e cheia de dengos, e com muitas aspirações na vida.

    O rompimento de pai e filha era total, nem se cumprimentavam, um sequer olhava para o outro. Se se esbarravam no corredor, era bêbedo para um lado e vagabunda para o outro. Isso quando Tom não estava mais alto e desferia um tapão na nuca da filha, que saía ganindo como um cachorro que levasse uma pedrada.

    Em poucos meses, a casa se transformara num inferno, só gritos, xingamentos e ameaças. Um calvário!

    Cada vez mais ligada à mãe, Soninha se tornara agressiva, desde que cortara o papo com o pai, chegara uma vez partir para cima dele de vassoura na mão, querendo acertar-lhe a cabeça. Alucinado, Tom revidou-lhe com um soco, abrindo profundo corte no supercílio. Desesperada com o sangue a correr do ferimento, Marlene, metida num roupão de linho, sem maquilagem e com os cabelos atados para dormir, arregalou os olhos num quase pânico e saiu em desabalada carreira levando a menina ao pronto-socorro, onde o médico aplicou-lhe seis pontos. Soninha ficou com a cicatriz no rosto, que transformou numa bandeira de luta contra o pai. Não falava mais com ele, sequer olhava. Uma estranha.

    Com o filho, as coisas ficaram ainda mais sérias. De repente, o Netinho não queria mais estudar, deixou inopinadamente a escola, ficando à toa o dia todo, só pensando em arte, em teatro, em caras famosos, além de perder muito tempo no quarto, se embelezando como uma moça. Nem precisava, um rapaz de dezesseis anos, bem-apessoado, de rosto comprido, olhos redondos e muito verdes, dentes claros e uma educação cuidadosa. Tom não gostava dos hábitos do menino e procurava incentivar-lhe o interesse pelo esporte, despertar o orgulho masculino, mas Marlene, sempre ela! Não permitia que o constrangesse, ele mesmo deveria fazer seu caminho no mundo, escolher seu destino. Outra tristeza para o pai.

    Aborrecido com o preconceito do pai, Netinho também procurava evitá-lo, passando a maior parte do tempo fora de casa. Também não cumprimentava, não dava satisfação, nem queria saber. Era como se não existisse. Nem para pedir dinheiro, quando precisava. Era a mãe que lhe dava a mesada.

    II

    Foi a terceira batida de Tom, outra vez causada pela embriaguez, que desencadeou a tempestade, mostrando a gravidade da crise conjugal. Ao chegar em casa muito alto, puxando de uma perna, que não sabia se havia quebrado, e com o rosto e a roupa sujos de sangue, parecia um mendigo, digno de piedade. Magro demais, que quase não se alimentava, com uma barriga redonda e muito grande, o rosto começando a enrugar e as entradas alargando a testa, quase não lembrava o rapaz bonito da juventude. Suas roupas, agora, ele mesmo punha na máquina, que Marlene nem queria saber, e quase nunca eram passadas, e vestia, às vezes, até faltando botões, que nem se importava com isso.

    Já de camisola, bastante assustada e com o ódio no rosto, Marlene barrou-lhe a entrada em casa, disparando as censuras por seu estado. Tonto, mal se equilibrando nas pernas, sem poder entrar, Tom se plantou à porta, escorado ao portal, pedindo passagem, mas a mulher não cedia. E por muito tempo ficaram a discutir, ela com insultos e ameaças, ele com desculpas, justificativas e súplicas. Ao lado da mãe, dando-lhe a maior força, os filhos também ofendiam o pai, mandando-o embora, que lugar de bêbedo era no botequim ou na cadeia. Com a voz mole da embriaguez, Tom acabou por perder a paciência, depois de tentar forçar a passagem mais uma vez, e também soltou os cachorros, ofendendo a mulher e os filhos, acusando a todos de traição, de falta de caráter, até culpando-os pelo acidente. Os vizinhos, às janelas, debruçados uns sobre os outros, com os olhos cheios daquela curiosidade que a infelicidade do próximo inspira em quem não está contente com a própria sorte, cochichavam divertidos acompanhando a cena grotesca, que se tornava cada dia mais frequente. De vez em quando, algum gaiato assobiava mais alto, ou soltava um psiu, provocando a risada geral. Não era raro, também, surgir alguém aborrecido ameaçando chamar a polícia para acabar com o conflito e prender o baderneiro que estava incomodando os moradores, num horário de silêncio.

    Ainda assim, envergonhado, Tom repetia a tentativa de furar o bloqueio da família para entrar na casa, que, afinal, ainda era sua, mas todo esforço era inútil que, sem equilíbrio, não tinha forças para empurrar a mulher e os filhos. Outra noite, apareceu ainda mais alto da bebida e, ao tentar forçar a entrada, encontrou o pessoal todo armado de rodos, prontos para atacá-lo. Custou a acreditar na intenção dos meninos, sentindo uma tristeza muito grande. A partir de então, desistiu de recuperar o lugar na família, e foi-se embora, jurando nunca mais voltar.

    Fingindo-se escandalizada, Marlene procurava o apoio dos vizinhos e parentes, perguntando com modos de uma pessoa inocente:

    — Pode um cidadão honesto trocar a família pela companhia de bêbedos e vagabundos? Que exemplo os filhos vão ter do pai? Vão ficar no desamparo?

    Vendo que não havia solução, Tom teve mesmo de cumprir a jura, e abandonar definitivamente a casa. Uma desgraça ter de tomar uma decisão tão grave, para quem não sabia viver sem o apoio da família. Juntou numa sacola suas coisas, as roupas, os desgostos, e partiu. Não levou esperanças, que não tinha, somente tristezas e desilusões. Também não tinha para onde ir, nem o que fazer, mas acabou entrando num hotelzinho de ponta de rua, do qual só conhecia a fachada, e passou a noite ali, esperando o outro dia para dar rumo à vida. Levava a grande mágoa do desprezo dos filhos, especialmente da Soninha, que nem quiseram se despedir dele, dizendo que não gostavam de bêbedos. Foi-se embora sem um beijo, sem um adeus, qualquer lembrança dos filhos.

    Só depois de dois dias no hotel, e com apoio dos amigos, Tom pôde dar rumo à vida,

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