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RPPS: entre a política social e o mercado financeiro: o processo de financeirização da previdência do servidor público
RPPS: entre a política social e o mercado financeiro: o processo de financeirização da previdência do servidor público
RPPS: entre a política social e o mercado financeiro: o processo de financeirização da previdência do servidor público
E-book435 páginas5 horas

RPPS: entre a política social e o mercado financeiro: o processo de financeirização da previdência do servidor público

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Sobre este e-book

Este livro é fruto de pesquisas em nível de mestrado e doutorado, desenvolvidas pela Universidade Federal de Mato Grosso – UFMT e a Universidade de Brasília – UnB, assim como, mobilidade internacional na Universidade de Coimbra, em Portugal. Pretende ser claro, de fácil entendimento e acessível para além dos muros acadêmicos, e que de uma forma ou outra, contribua com a luta dos trabalhadores, oferecendo-lhes elementos de discussão, mas também trazendo informações históricas, jurídicas, econômicas e técnicas. A análise se direcionou aos regimes próprios de previdência social – RPPS. Com isso, fez-se uma retomada histórica da implementação da previdência social no Brasil até culminar na Constituição Federal de 1988. Neste cenário, buscou-se a compreensão do Estado, e com isso, as origens da proteção social no Brasil, destacando-se a cidadania e a proteção social do trabalhador no constitucionalismo brasileiro. Nesta mesma linha, destacou-se o entendimento destes regimes próprios do trabalhador público, sua formação, estrutura jurídica e gestão de recursos, assim como, sua abrangência em relação aos seus segurados. Por se tratar de fundos de capitalização alocados no mercado financeiro, elementos importantes estão presentes, como o capital portador de juros e a própria financeirização do capitalismo, que possui grande interesse econômico nestas carteiras de alto valor especulativo e de grande capacidade de acumulação, a qual é potencializada pela contrarreforma da previdência.
IdiomaPortuguês
Data de lançamento7 de jan. de 2022
ISBN9786525217192
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    RPPS - Jonas Albert Schmidt

    CAPÍTULO 1 - A HISTORICIDADE, FORMAÇÃO DO ESTADO SOCIAL E CIDADANIA NA CONFIGURAÇÃO DA SEGURIDADE SOCIAL NO BRASIL

    A previdência social, enquanto política social, foi implementada no ocidente a partir do século XX, expandindo-se efetivamente após o primeiro e segundo pós-guerra, porém teve seu nascedouro nos primeiros seguros aos trabalhadores ainda no século XIX como mecanismo de amenização das mazelas causadas pela revolução industrial, muito aquém, ainda, de ser uma política social de Estado. Antes disso, na Roma e na Grécia antiga, Correia (2010, p. 16) afirma que já havia instituições de cunho mutualista, uma espécie de fundo público previdenciário muito arcaico em comparação aos sistemas de proteção dos dias de hoje, pois as primeiras aposentadorias [...] foram concedidas aos veteranos dos exércitos, nos antigos templos romanos, como forma de agradecimento pelos serviços prestados ao império romano. Com a criação de cooperativas, ainda na idade média, buscava-se amenizar as precárias condições do operariado então em formação na Europa, era ainda um período pré-revolução industrial. Essa lógica do agradecimento aos serviços prestados aos Estados, na proteção social aos trabalhadores públicos no constitucionalismo brasileiro, se manteve até sua alteração para um sistema de contrapartida contributiva que ocorreu efetivamente com a promulgação da Emenda Constitucional n. 03/1993, como veremos ao longo deste estudo.

    A previdência social, nesta roupagem de seguro que se manteve até os dias atuais, inclusive no Brasil, foi idealizada por Otto von Bismarck⁸, chanceler da Alemanha⁹, ainda durante o império prussiano¹⁰, fazendo o resgate do sistema de cooperativas, seguro privado e dos socorros mútuos. Os seguros culminaram com a consolidação da legislação previdenciária alemã pelo Regulamento de Seguro do Reich em 1911 (CORREIA, 2010, p. 18). No ano de 1919, é promulgada a Constituição de Weimar, ano seguinte da proclamação da república que levou o mesmo nome da cidade alemã onde ocorreu, em Weimar, ficou conhecida como Verfassung des Deutschen Reichs, a qual abordou de forma sistemática dispositivos referentes ao seguro social. Neste sentido, Pereira, C. (2016, p. 24) lembra que, tal fórmula se mostrou bastante eficaz para os objetivos e a que se propunha, principalmente depois da ampliação de sua cobertura pra outras categorias de trabalhadores, e para outros seguimentos sociais, no século XX. Porém, antes disso, a Constituição do México de 1917 foi a primeira a mencionar a expressão seguro social em seu artigo 123. Inovava, portanto. Os avanços de tais políticas sofreram restrições e eram vistas com desconfiança nos países de liberalismo econômico, tanto os Estados Unidos da América, como os países europeus. A intervenção do Estado somente era admitida em casos de assistência ao pauperismo extremo, em especial àqueles que não poderiam trabalhar, como lembra Castel (2009, p. 86) em que a pobreza e até mesmo a completa indigência não fornecem, absolutamente, títulos suficientes para se obterem os benefícios da assistência, e continua o autor afirmando que são atendidos principalmente aqueles que não podem, por si mesmos, suprir suas necessidades, porque são incapazes de trabalhar. Contudo, o Estado do Vaticano editou no ano de 1891 a encíclica papal nominada de Rerum Novarum¹¹ de autoria do Papa Leão XIII, que na época considerou as condições do operariado que se degradava cada vez mais com os avanços do capitalismo industrial no século XIX, já fruto da própria revolução industrial.

    Vale destacar que em 1801, Napoleão Bonaparte celebrou com o Estado do Vaticano uma espécie de concordata que permitia à igreja católica prestar serviços aos trabalhadores que já vinham sofrendo com os excessos liberais da Revolução Francesa. Era uma autorização do imperador para atuar junto aos desvalidos do capital. A encíclica estava em defesa dos trabalhadores, entretanto não defendia de forma alguma o sistema socialista, pois, segundo o próprio Vaticano, entendia que a teoria socialista da propriedade coletiva deve absolutamente repudiar-se como prejudicial àqueles membros a que se quer socorrer (Rerum Novarum), dessa forma, a Santa Sé advogava em favor da manutenção da propriedade privada, inclusive em seu próprio interesse enquanto proprietária de terras e grandes templos, sendo contrária aos direitos naturais dos indivíduos, como desnaturando as funções do Estado e perturbando a tranquilidade pública (Rerum Novarum). Criticava a laicização dos Estados, acusando ser essa a causa dos problemas sociais ao afastar os homens de Deus. Para tanto, reafirma a obrigação patronal e do Estado, equilibrando essa relação no sentido de tomar medidas para amenizar as condições degradantes do trabalhador segundo a Rerum Novarum. Contudo, como lembra Castel (2009, p. 80) era o exercício de uma tutela comunitária – ‘cada paróquia responderá por seus pobres como um pai de família por seus filhos’.

    Porém, pela falta de popularidade do seguro social nos países de tradição liberal foram, portanto, retomadas as concepções do seguro privado, na tentativa de equilibrar as relações patrão/operário nos infortúnios laborais causados pelo capitalismo que avançava cada vez mais. Entretanto não atingiu seus objetivos, pois seu alcance chegou até o ponto em que as condições financeiras, que eram poucas ou inexistentes, dos trabalhadores permitiam, já que a contrapartida estatal era mínima ou nenhuma. Com o Tratado de Paz de Versalhes, assinado em 28 de junho de 1919, em que pôs fim oficialmente à primeira guerra mundial, "verificando-se a expansão do seguro social obrigatório em todo o mundo e tendo como grande incentivo a assistência do antigo Bureau International du Travail (atual OIT¹²), ficando excluídos apenas os Estados Unidos da América, segundo Correia (2010, p. 21). Já a criação da Organização Internacional do Trabalho – OIT, juntamente com o Tratado de Versalhes, caracterizaram avanços nas políticas laborativas do início do século XX, representando influência nas legislações dos países signatários da Organização das Nações Unidas – ONU até os dias atuais, incluindo o Brasil. A OIT transforma-se na primeira agência especializada da ONU, no ano de 1946. Tal organização internacional representou, na metade daquele século, um marco para o avanço dos direitos sociais, no que se refere à regulação do trabalho e às conquistas advindas desta organização (SCHMIDT, 2013). Porém, mesmo com a criação da OIT e a regulação e avanços na regulamentação das relações trabalhistas tais como a limitação da jornada de trabalho em apenas 08 diárias e até 48 horas por semana, outros avanços, tais como, a proteção à maternidade e o desemprego involuntário eram necessários e urgentes. Definiu-se ainda em âmbito da OIT, uma idade mínima 14 anos para o trabalho nas indústrias, e em relação às mulheres e menores de 18 anos, proibindo o trabalho noturno, o que era muito comum desde a revolução industrial. Tais reinvindicações dos movimentos sindicais daquela virada de século, eram medidas tímidas diante da questão social pungente, que para Castel (2009, p. 41) é uma inquietação quanto à capacidade de manter a coesão de uma sociedade", a qual se agravava com o forte avanço capitalista, a industrialização e as mazelas deixadas pelas guerras do século XX.

    Contudo, a Carta do Atlântico assinada em 1941 na Conferência do Atlântico, apresentou uma série de declarações, [...] acenou-se para a segurança social e a garantia de os homens viverem ‘livres do medo e da necessidade’, conforme Correia (2010, p. 21) explica. O referido tratado foi assinado nos primeiros anos da segunda guerra mundial (1939-1945), e não havia avançado com medidas que fossem capazes de amenizar a questão social e garantir uma segurança mais efetiva, ainda que relativa, aos trabalhadores e trabalhadoras. O Tratado de Versalhes abriu novas perspectivas à legislação social, e o aperfeiçoamento dos sistemas europeus e a ‘exportação’ de seus princípios aos demais continentes, inclusive América Latina, finaliza Souza (2005, p. 2).

    Neste sentido, destaca-se o plano que foi elaborado em 1942, ainda durante a segunda guerra mundial, por William Henry Beveridge¹³. O Report on Social Insurance and Allied Services, conhecido como Plano Beveridge, criado para libertar os homens das necessidades pungentes, embasava-se na construção de um fundo público, conforme o qual os trabalhadores em idade ativa contribuiriam semanalmente para o Estado e que seria usado para subsidiar o desemprego, doenças, viuvez, aposentadorias e reformas. Era um avanço para a época. O sistema contributivo permitia um nível mínimo de vida, abaixo do qual ninguém deveria viver. O plano contrariava o puro assistencialismo por meio de pensões dadas pelo Estado, era, portanto, o Estado começando assumir a figura do provedor de políticas sociais e não apensa reprodutor de caridade, tal como a igreja até então fazia. Desta forma, Beveridge indicava ao governo inglês a busca de formas para combater o que considerava os cinco grandes males da sociedade: a escassez, a doença, a ignorância, a miséria e a ociosidade. Foi a partir do plano Beveridge que surgiram os atuais sistemas de seguridade social e seu modelo de financiamento, foi como dito, o início de um Estado provedor de políticas sociais. Estes modelos, a exemplo da seguridade brasileira, são aqueles que exigem a contribuição compulsória do trabalhador assegurado e há contrapartida, portanto, do empregador e do Estado por meio do financiamento fiscal.

    Assim, o que se queria naquele momento era a implantação de um sistema que fosse capaz de suprir as necessidades da população com a participação efetiva de toda a sociedade por meio de recursos tributários. Foi o momento em que o Estado assumia para si tal política enquanto provedor do bem-estar, ao menos na Europa. O modelo então vigente diferenciava-se e distanciava-se das perspectivas do Estado liberal, que até então acreditava que por meio de Fundos de Pensão e planos de saúde, o mercado vai conceder a proteção aos ditos não-pobres. Então, o Estado dá assistência; e o mercado, o resto, conforme destaca Marques (2003, p. 18). Era evidente a necessidade de reconstrução social da Inglaterra que sofreu com a guerra, assim como também era importante prover medidas que iriam ao encontro das necessidades da população frente ao medo vermelho do socialismo europeu que ameaçava (SCHMIDT, 2013). O que se buscava com o plano Beveridge era uma cobertura universal, nunca vista até então, assim, tal política social e a efetiva cobertura dos riscos foram pensadas de forma abrangente.

    O sistema, por ser nacional e unificado e conter um eixo distributivo, ao lado do contributivo, além de abolir os testes de meio no âmbito da assistência social, como pondera Pereira, P. (2009, p. 93), preocupava-se também com o pleno emprego e assegurava serviços de saúde, também de forma universal. O plano repercutiu imediatamente na Inglaterra, obtendo aceitação da população. Tais medidas influenciaram os modelos de seguridade social em outros países, inclusive, tardiamente, no Brasil na proposta sobre o tema na Constituinte nos anos de 1987 e 1988. Neste sentido, importante fazer tal destaque em que Boschetti (2006, p. 160) lembra que foi mantido o modelo de seguros em relação aos benefícios destinados a proteger um risco social, ao passo que, em relação aos cuidados e serviços de saúde, foram preservados os direitos universais baseados na cidadania. Assim, tardiamente no Brasil, o plano que serviu de modelo manteve o sistema de seguro contributivo em relação à previdência do trabalhador e trabalhadora, ainda que sem necessidade de vínculo trabalhista, mas com contrapartida contributiva obrigatória, entretanto, em relação aos direitos à saúde, os quais foram mais abrangentes, tal política ficou relacionada diretamente aos direitos de cidadania, independentemente de contrapartida direta. Contudo, a autora ainda lembra que a versão final promulgada em 05 de outubro de 1988, mesmo tendo que absorver as proposições do grupo conservador, conseguiu guardar parte das reinvindicações dos trabalhadores e da população, sobretudo no tocante à seguridade social. (BOSCHETTI, 2006, p. 176).

    A compreensão dos avanços que a seguridade social obteve nesse período determinado da história, perpassa pela realidade vivida na Europa que precisava reestruturar-se após as mazelas causadas pela guerra, portanto, obrigaram os Estados a tomarem medidas proativas em relação à população que sofria intensamente naquele momento histórico após o conflito belicoso. O plano Marshall, do secretário de Estado dos Estados Unidos da América, George Marshall, também explica o momento em que valores consideráveis em dinheiro eram injetados nas economias europeias com grande participação das indispensáveis políticas sociais, dada a situação pungente do período. Portanto, estavam frente a uma realidade inevitável, em que certamente as políticas sociais tomaram lugar de destaque nos anos dourados que se passaram, também conhecidos como anos gloriosos das políticas sociais.

    Como a segunda grande guerra colocou a Europa em uma situação fragilizada, tanto econômica quanto em relação à própria população, foram tomadas medidas no sentido de amenizar o saldo deixado pelo conflito mundial. Contudo, o Plano Marshall objetivava reverter tal situação, injetando reservas na economia de todo o continente. Neste momento que começou a integração europeia ocidental com o fim das barreiras comerciais numa condição previamente imposta pelos norte-americanos, os países europeus teriam que aceitar gerir o programa de ajuda, solidariamente entre si e em conjunto com os EUA, como destaca Rollo (1994, p. 28). O plano capitaneado pelos Estados Unidos da América não queria colocar em risco o futuro do capitalismo, sendo mais uma política do laissez-faire¹⁴, expressão símbolo do liberalismo econômico, do que propriamente uma política para melhoria das condições de vida das populações daqueles países, segundo os críticos do plano. Por certo, também havia o medo do comunismo. Os Estados Unidos, dessa forma, literalmente obrigam a criação de um bloco econômico entre os países europeus, pois lhe daria mais garantias¹⁵ de retorno financeiro, já que os empréstimos volumosos iriam para países com diferentes realidades econômicas. O que se temia era um calote por parte de alguns países menos desenvolvidos do continente, portanto, era uma espécie de fiança coletiva.

    1.1 AS ORIGENS DA PROTEÇÃO SOCIAL NO BRASIL

    No cenário da proteção social, destaca-se que a atuação estatal no Brasil, enquanto provedor de políticas públicas para enfrentamento da questão social, teve sua evolução histórica não muito diferente dos demais países, com retrocessos e atrasos históricos seculares em determinados momentos (SCHMIDT, 2013). Em sua historicidade, antes mesmo de se tornar um Estado oficialmente reconhecido pelo mundo, uma vez que era uma colônia pertencente a um país europeu, já se via manifestações neste sentido, por parte da coroa portuguesa, ao implantar por volta de 1543, Santas Casas em Santos, Salvador e Rio de Janeiro. Inclusive, alguns hospitais, asilos e orfanatos, seguindo o modelo da metrópole. Ainda sob o domínio português, em 1793 foi criado um plano aos oficiais da marinha atuante no Brasil de meio soldo de pensão às viúvas e filhas dos oficiais falecidos.

    A primeira Constituição Brasileira de 1824, após a independência em relação à Coroa portuguesa em 1822, não previa nada além de mencionar o dever do Estado em dar assistência à população carente por meio de socorros públicos. Porém, no mesmo ano foi aprovado, por Decreto Imperial, o Estatuto do Montepio da Economia dos Servidores do Estado – MONGERAL, numa clara atividade de mútuo privado para o socorro dos contribuintes do sistema fechado, entretanto não havia ainda a atuação do Estado enquanto provedor de tais medidas de proteção social aos trabalhadores que agora serviam à coroa brasileira. Em 1888, um ano antes do fim da monarquia, foi aprovado o decreto n° 9.912-A, de 26 de março de 1888, sendo o primeiro diploma legal a regulamentar o direito à aposentadoria, no caso, aos empregados dos Correios (SCHMIDT, 2013). Fixa, para tanto, um período de 30 anos de efetivo serviço e ainda, idade mínima de 60 anos como requisitos para a concessão do benefício da aposentadoria.

    No mesmo ano, em 24 de novembro, criou-se no Brasil a Caixa de Socorros em cada estrada de ferro do Império. No ano seguinte, última medida da monarquia neste sentido, tem-se o decreto n. 10.269, de 20 de julho de 1889, que criava o fundo de pensão dos trabalhadores das oficinas de imprensa nacional. Em 1890, já na República, após o golpe militar que destitui a monarquia em 1889, criou-se a aposentadoria para os empregados da Estrada de Ferro Central do Brasil, por meio do decreto n. 221, de 26 de fevereiro de 1890. O benefício foi ampliado a todos os ferroviários do Estado pelo decreto n° 565, de 12 de julho do mesmo ano. Criou-se, também em 1890, o Montepio obrigatório dos empregados do Ministério da Fazenda, pelo decreto n. 942-A, no dia 31 de outubro. O Brasil do final do século XIX, início de sua primeira República, ainda não vislumbrava um plano nacional para instituição de fundos de pensão, tampouco a garantia de aposentadorias aos trabalhadores de um modo geral, mas cabia aos Estados-membros o papel de legislar sobre a matéria em suas respectivas jurisdições. No ano de 1892, o Estado do Rio de Janeiro avança neste sentido, e por meio da lei estadual n. 217 de 20 de novembro daquele ano, institui a aposentadoria por invalidez e pensão por morte aos operários do Arsenal da Marinha, como lembra Schmidt (2013).

    Até então, legislações esparsas regulamentavam fundos de pensões para setores determinados de trabalhadores. Contudo, o grande marco da previdência social brasileira, naquele recorte histórico, ainda nas primeiras décadas do século XX, foi de fato a Lei Elói Chaves¹⁶ que criou, em 1923, a Caixa de Aposentadoria e Pensões – CAP para os empregados de cada empresa ferroviária, conforme ensina Correia (2010, p. 27). O Brasil vivia a República Velha ou Primeira República (1889-1930) como é chamada por muitos historiadores, da política oligárquica que ficou conhecida como a política do café com leite, em que a alternância do poder central se dava entre os Estado de Minas Gerais, expoente produtor leiteiro, e o Estado de São Paulo, que dominava a produção cafeeira no país. Esse era o cenário político daquele momento no Brasil. Dito isso, no dia 30 de abril do mesmo ano de criação da Lei Elói Chaves, pelo Decreto n. 16.037, instituiu-se o Conselho Nacional do Trabalho com atribuições de decidir sobre questões da previdência social, após, em 1926, com o Decreto n. 5.109, de 20 de dezembro, houve a extensão do regime para os empregados das empresas de navegação marítima e fluvial, além dos portuários (CORREIA, 2010, p. 28). No ano de 1928, a Lei n. 5.485, de 30 de junho, estendeu o regime (Lei Elói Chaves) aos trabalhadores e trabalhadoras dos serviços telegráficos e radiotelegráficos segundo a qual: Ficam creadas Caixas de Pensões e Aposentadorias para o pessoal não contractado pertencentes ás emprezas particulares que exploram os serviços telegraphicos e radiotelegráficos¹⁷. Boschetti (2006, p. 6) lembra que Desde os anos 1930, a legislação social implementada no Brasil se impôs progressiva e lentamente segundo a filosofia da cobertura do mundo do trabalho, e ainda completa afirmando que Esse paradigma de proteção social nasceu com a primeira lei da previdência social (Lei Eloy Chaves), em 1923, e era baseada no modelo alemão bismarckiano de caixas privadas de previdência social, o qual assegurava prestações de substituição de renda.

    Com a criação do Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio pelo decreto n. 19.433 em 26 de novembro de 1930, coube-lhe orientar e supervisionar a previdência social, inclusive tornou-se órgão deliberativo de recurso referente às decisões das Caixas de Aposentadorias e Pensões (SCHMIDT, 2013). Na ocasião, apareceram Institutos, amparando não mais os servidores de uma só empresa, porém o pessoal assalariado de determinada categoria profissional, em todo o território nacional, como destaca Coimbra (1996, p. 38). Na sequência, foi criada a Caixa de Aposentadorias e Pensões (CAP’s) para os empregados nos serviços de força, luz e bondes (Decreto n. 19.497, de 17 de dezembro de 1930), aos trabalhadores das empresas de mineração (1932), e o Instituto de Aposentadoria e Pensões dos Marítimos (Decreto n. 22.872, de 29 de junho de 1933), este sendo considerado o primeiro em âmbito nacional. Nesse período, o Brasil era governado por Getúlio Vargas que suspendeu as CAP’s, substituindo-as pelos Institutos de Aposentadorias e Pensões – IAP’s, já em âmbito nacional. As CAP’s eram caixas assistenciais organizadas pelas empresas e os trabalhadores, seu financiamento se dava por meio de contribuição bipartite, ou seja, financiamento era feito pela empresa e os seus empregados, sem contribuição estatal por meio do fisco. Essa forma bipartite de financiamento não se diferencia da atual forma de financiamento dos regimes próprios dos trabalhadores do Estado, já que não tem participação fiscal no financiamento, apenas contribuição patronal e do trabalhador. Essa era uma das principais características destas caixas, já que não havia participação do Estado no seu financiamento com recursos advindos da tributação. Já os IAP’s, eram institutos organizados por categoria profissional, não mais por empresas como nas caixas, e neste momento já temos a contribuição tripartite, ou seja, além da contribuição dos trabalhadores e das empresas, havia o financiamento por meio de recursos públicos. As CAP’s possuíam uma gestão privada, por meio de colegiado paritário formado pelos trabalhadores e representantes da empresa. Já nas IAP’s havia a participação pública em sua gestão, por meio de técnicos no governo federal. A representatividade dos trabalhadores e dos patrões se dava por meio dos sindicatos de ambas as categorias.

    Por certo, essas legislações que trouxeram avanços na proteção social dos trabalhadores, não se deram numa lógica natural das coisas, numa espécie de racionalidade do Estado brasileiro em fazer concessões à classe trabalhadora frente aos excessos de seus patrões. Esse breve apanhado histórico tem como objetivo situar a pesquisa e facilitar ao leitor a compreensão dos atuais fundos que financiam, sobretudo, a previdência dos trabalhadores públicos. Portanto, não houve condições, nem era o objetivo do trabalho, no aprofundamento em cada um desses momentos históricos que reverteram na criação, modificação e expansão de leis que regulamentaram a previdência social no Brasil.

    Dessa forma, nesta linha cronológica que trazemos, a Lei Orgânica da Previdência Social brasileira (LOPS), Lei n. 3.807 foi publicada no dia 26 de agosto de 1960, já no governo de Juscelino Kubitschek de Oliveira. Esta legislação avançava no sentido de institucionalizar a previdência enquanto direito de todos, e traz em seu artigo primeiro a expressão bem-estar. Entretanto, mesmo tendo sido aprovada esta legislação, que já era um avanço para a época, foi em plena ditadura militar que se deu a unificação da legislação referente aos IAP’s, por meio da Lei¹⁸ n. 3.807, de 26 de agosto de 1960, criando-se a Lei Orgânica da Previdência Social (LOPS). Contudo, foi por meio do Decreto-Lei n. 72/1966, que reuniram os IAP’s num único Instituto, ou seja, o Institutos Nacional de Previdência Social – INPS. Na oportunidade, foi criada uma comissão para reformular o sistema previdenciário brasileiro. Neste sistema unificado, a criação do INPS e do Instituto Nacional de Assistência Médica e Previdência Social – INAMPS, na saúde, ainda não caracterizava a seguridade social, no que se refere sua estrutura de financiamento e alcance destas políticas, uma vez que esta seria criada na Constituição em 1988. A saúde, a exemplo, não era universal, tento em vista necessitar de vínculo, enquanto trabalhador, para atendimento na rede pública, ou seja, o atendimento era restrito aos trabalhadores formais com contrato de

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