Cenas dos Próximos Capítulos: Radionovelas no Século XXI
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Cenas dos Próximos Capítulos - Iara de Carvalho Villaça
COMITÊ CIENTÍFICO DA COLEÇÃO CIÊNCIAS DA COMUNICAÇÃO
Aos meus pais, Teresa Vilaça e Jones Carvalho, por me ensinarem que conhecimento é prazer. Por despertarem em mim a curiosidade constante, o hábito de refletir e de relacionar ideias e o gosto de ouvir suas histórias e causos, que renderiam incríveis radionovelas.
À Josélia Fraga (in memoriam), pela orientação direta na escrita dos roteiros e por me conceder entrevista.
AGRADECIMENTOS
A toda a minha família, pelo apoio irrestrito e amor incondicional.
À equipe do projeto Nova Rádio Caleidoscópio – Deco Simões, Ilma Nascimento, Karina de Faria, Pedro Morais, Sandra Simões, Caji, Janaína Carvalho, Iami Rebouças, Ivan Alexandre, Marquinho Carvalho, Daniel Marques da Silva, Daniel Caliban, Fabio Ferreira, Rui Manthur, José Jorge Randan, Socorro de Maria, Ramona Gayão, Ana Paula Teixeira, Humberto Faria, Flávia Motta e Alessandra Nohvais –, profissionais admiráveis, por participarem comigo desta deliciosa experiência e pelas sugestões aos roteiros.
À Antônia Pereira, pela orientação competente e leve, e pelo texto da orelha deste livro.
À Mirna Spritzer, pelas reflexões e conversas iluminadoras, e pelo prefácio desta obra.
Ao Instituto de Radiodifusão Educativa da Bahia – Irdeb – e Secretaria de Cultura do Governo do Estado da Bahia, pelo apoio financeiro e orientações na execução do projeto.
A Ilma Nascimento, Paulo Trocoli, Ismael Marques e Ramon Reverendo, por, tão gentilmente, concederem-me entrevistas.
A Washington Barbosa, Odete Barbosa, Caio Lírio, Pola Ribeiro, Mario Sartorello, Tati Rabello, Gorete Randam, Sérgio Diniz, José Armando Diniz, Luis Eduardo Diniz e Fernando Diniz, pela colaboração nesta publicação.
A todos e todas que, indiretamente, contribuíram para a realização deste trabalho, marco fundamental na minha carreira de atriz, dramaturga/roteirista e pesquisadora.
Entretanto, na hora em que devíamos morrer, aproximou-se de mim mais vivo do que nunca e esteve a noite inteira vigiando minha agonia, pensando com tanta força que ainda não consegui saber se o que silvava entre os escombros era o vento ou seu pensamento...
(Gabriel García Márquez)
PREFÁCIO
Qualquer criação artística é filha de seu tempo e, na maioria das vezes, mãe de nossos próprios sentimentos.
(Wassily Kandinsky, 1996)
Provocar o debate sobre a Arte Radiofônica por si só já seria uma meta de suma importância. Mais ainda neste momento em que a escuta se tornou uma ação efetiva alcançando diferentes mídias e os mais diversos tipos de programação. São podcasts originais ou gerados de programas de TV ou da literatura ou mesmo do cinema. Rádios na web e rádios convencionais. E, também, áudios nas conversas por WhatsApp. É sempre bom lembrar que ouvir é o que constitui a linguagem radiofônica. Na ação da radiofonia está implícita a escuta. É no espaço do entre que a arte radiofônica acontece. Em sua mágica e inebriante qualidade de falar a muitos simultaneamente e a cada um numa expressão única. Singular porque o entre da escuta da arte sonora é mobilizado pelos corpos em sintonia, pela memória e repertório de cada ouvinte.
É desse lugar que nos fala Iara de Carvalho Villaça em seu Cenas dos próximos capítulos: radionovelas no século XXI.
Na percepção da linguagem radiofônica como linguagem artística. Na reflexão sobre essa arte/meio que parte de ser ouvida, de ser como falha. Rudolf Arnheim, em seu célebre artigo O elogio da cegueira
, refere-se à falta do olhar, falha essencial do meio rádio, como sua virtude uma vez que o som e o silêncio, ou sons e silêncios têm a capacidade de sensibilizar o ouvinte de forma a provocar suas fantasias e imaginação. Essa arte estaria assim menos pronta
para o ouvinte.
Aqui, a autora se detém sobre o que antecede a obra sonora. Debruça-se sobre a criação da dramaturgia, sobre as formas como linguagem, trama, narrativa e discurso vão tecendo-se para compor o som e os silêncios. O estudo aponta o profícuo diálogo entre a escrita do texto, das palavras e a presunção das vozes e a tessitura da radiofonia. Como a carpintaria se faz na relação entre as múltiplas facetas da criação.
Para tanto, recupera uma breve história do gênero radionovela no Brasil, como base para analisar sua própria experiência na dramaturgia radiofônica marcada por seu tempo e seu lugar. Analisando sua criação a partir das noções de serialidade, oralidade e narrativa, vai avançando sobre a radionovela como uma obra artística pertinente ao tempo do aqui e agora.
Numa escrita cuidadosa e detalhada, nos é mostrado um álbum dos personagens e suas qualidades, como se narram e como se relacionam com os outros e com as circunstâncias. A intrincada rede de discursos e circuitos entre os diferentes grupos de personagens pelo viés da semiologia do teatro é mais um trunfo do livro agora disponível.
Ao pensar nessa narrativa fracionada, Iara nos conduz aos caminhos das estratégias da criação, nos quais cada capítulo, ou episódio, é pensado como um todo e como fragmento da obra maior. Sem dúvida, a mágica da ação de cada novo avanço sobre a trama maior é um desafio dramatúrgico singular que a artista e pesquisadora ultrapassa a cada palavra, pausa, rubrica e entrada sonora.
E reserva a emocionante aventura de compartilhar a radionovela estudada, A deusa do cangaço, em seu roteiro original, e em capítulos. Acompanhando as peripécias de suas personagens, em que o rádio é também personagem fundamental, pensamos sobre o tempo e suas reverberações. Pois, se é verdade que a ação acontece no passado, é evidente que sua concepção é contemporânea, atual. Tem as qualidades do hoje.
Cenas dos próximos capítulos: radionovelas no século XXI transpõe os limites acadêmicos para iluminar os caminhos da escuta e da arte. Redescobrir a radionovela e fazê-la do nosso tempo é a tarefa que Iara se propõe e nos propõe, e que realiza com generosidade e competência. E com apaixonamento.
Sigamos, pois, com ela, lendo com os ouvidos.
Mirna Spritzer
Atriz, professora e pesquisadora
Programa de Pós-Graduação em Artes Cênicas
UFRGS
Sumário
INTRODUÇÃO 15
1
RADIONOVELAS DO SÉCULO XX AO XXI: NOVOS ESPAÇOS PARA UM ANTIGO GÊNERO 25
1.1 NO CAPÍTULO ANTERIOR...: PEQUENO HISTÓRICO DO RÁDIO
NO BRASIL 25
1.2 FICÇÃO RADIOATIVA, SERIADO E RADIONOVELA – CONCEITOS 27
1.2.1 Peças Radiofônicas Inteiriças 29
1.2.2 Narrativas Fracionadas 31
1.2.3. Seriados e Radionovelas 35
1.3 NO BRASIL 38
1.4 WEBNOVELAS 42
1.5 RADIONOVELAS E ATUALIDADE 44
2
NO CAPÍTULO DE HOJE... NOVELAS E SERIALIDADE 53
2.1 NOVA RÁDIO CALEIDOSCÓPIO E OUTRAS HISTÓRIAS DAQUI 53
2.1.1 Radionovelas Narrativas 54
2.1.2 Radionovelas Temáticas 56
2.1.3 O Rádio – Liame do Projeto 57
2.2 A DEUSA DO CANGAÇO E A SERIALIDADE 68
2.2.1 O Tema 68
2.2.2 O Roteiro 69
2.2.3 Serialidade 71
2.2.3.1 Saga, Arco Narrativo e Continuidade 72
2.2.4 Gestão de Similaridade 75
2.2.4.1 Elementos Temáticos 75
2.2.4.2 Elementos Narrativos 76
2.2.4.3 Elementos Novos 83
3
A DEUSA DO CANGAÇO: FÁBULA, AÇÃO, PERSONAGENS
E LINGUAGEM 85
3.1 PERSONAGENS 85
3.1.1 Téssia 86
3.1.2 Judite 88
3.1.3 Djanira 88
3.1.4 Rosário 90
3.1.5 Juventino 90
3.1.6 Lampião 91
3.1.7 Maria Bonita 92
3.1.8 Cangaceiros 93
3.1.9 Polícia 93
3.1.10 Rádio 94
3.1.11 Observações 94
3.2 FÁBULA, AÇÃO E IDEOLOGIA: UMA HISTÓRIA CONTADA ATRAVÉS DA ANÁLISE ACTANCIAL 95
3.2.1 Triângulo Ativo 98
3.2.2 Triângulo Psicológico 99
3.2.3 Triângulo Ideológico 100
3.3 A LINGUAGEM E A ORALIDADE 103
3.4 A LINGUAGEM NOS DISCURSOS 108
3.4.1 Discursos 108
3.4.2 Discurso do Scriptor 108
3.4.3 Discursos dos Personagens 113
3.4.3.1 Funções da linguagem 113
3.4.3.2 Relações entre as personagens 115
3.4.3.3 Linguagem falada 116
3.4.3.4 Formas de diálogo 119
3.4.3.5 Observações 120
CONCLUSÃO 123
ROTEIRO DA RADIONOVELA A DEUSA DO CANGAÇO 127
REFERÊNCIAS 165
INTRODUÇÃO
No programa A Arte do Artista, de 11 de agosto de 2014, realizado pela TV Brasil, que integra a Empresa Brasil de Comunicação S/A – EBC, o apresentador Aderbal Freire Filho brinca de citar um fictício tratado de radionovelas para televisão, escrito pelo também fictício Bóris Estrabão:
[...] o que prova que alguma coisa é uma radionovela, não importa o meio em que seja apresentada – em rádio propriamente dita, televisão, cinema, no Teatro Municipal, no Scala de Milão, na feira de Caruaru [...] é a chuva de papel celofane. (Arte do Artista, 2014, EBC)¹.
Utilizando-se do papel celofane como instrumento de criação de ruídos, é possível produzir os sons opostos de chuva e de fogo crepitando. O poético conceito anterior, se levado ao pé da letra, não abarcaria algumas experiências atuais de feitura do gênero, que aposentou esse material, uma vez que, hoje, para compor uma sonoplastia, contamos com sons pré-fabricados no computador, baixados da internet.
Foi o caso de uma recente experiência de criação e veiculação de radionovelas, o Projeto Nova Rádio Caleidoscópio. Tratou-se de um projeto vencedor do edital de Apoio à Produção de Programas Radiofônicos de 2010, na categoria Série de Programas Radiofônicos de Radionovelas do Instituto de Radiodifusão Educativa da Bahia – Irdeb – e Secretaria de Cultura do Governo do Estado da Bahia. Boa parte da equipe da Cia Brasil de Teatro e da É Companhia de Invenções Artísticas, grupos realizadores do Projeto Nova Rádio Caleidoscópio, não viveu o hábito de acompanhar novelas pelo rádio, muito menos possuía experiência de produção delas. O que não se configurou como impedimento para sua realização.
Cabe ressaltar que em ambos [os grupos], há membros com experiências nas especializações necessárias a execução deste projeto, desde a escrita dos roteiros até a finalização técnica, passando pela criação, produção musical e sonora e pela interpretação dos atores (todos com especialização no uso profissional da voz). A realização do projeto por duas companhias com trabalhos continuados, com um número reduzido e constante de atores, que poderão fazer mais de um personagem, aprimorando suas potencialidades vocais, pretende também garantir a coesão e unidade de trabalho em todas as edições. (FARIA, 2010, p. 2).
A equipe do projeto era composta, portanto, dos membros das duas companhias realizadoras Deco Simões, Iara Villaça e Karina de Faria (É Companhia de Invenções Artísticas), Ilma Nascimento, Pedro Morais e Sandra Simões (Cia Brasil de Teatro), além dos artistas e técnicos convidados: Caji (Carlos Santos), Janaína Carvalho, Iami Rebouças, Ivan Alexandre, Marquinho Carvalho, Daniel Marques da Silva, Daniel Caliban, Fabio Ferreira, Rui Manthur, Socorro de Maria, Ramona Gayão, Ana Paula Teixeira, Humberto Faria, Flávia Motta e Alessandra Nohvais. Todos são oriundos do teatro, da música ou de ambos, seja atuando como artistas, técnicos ou produtores. Deles, somente Pedro citou ter ouvido algumas novelas na infância, mas nenhum desses profissionais tinha experiência na feitura de radionovelas. O projeto convidou, entretanto, para uma participação especial, o publicitário, jornalista, radioator e primeiro apresentador de telejornal do estado, José Jorge Randam, que interpretou o speaker – como era chamado o locutor de rádio na década de 30 – em A Deusa do Cangaço.
Figura 1 – Caji, técnico de som e o ator convidado José Jorge Randam na gravação de A Deusa do Cangaço, Nova Rádio Caleidoscópio, 2011
Fonte: acervo do projeto
A equipe contava, ainda, com o arsenal teórico trazido pela proponente Karina de Faria. Doutoranda em Artes Cênica na época, sua pesquisa teve como objeto a carreira de sua tia-avó, a atriz Celina Ferreira, que integrou na década de 50 o cast da Rádio Excelsior e posteriormente o da Rádio Sociedade. Embora sem os arquivos sonoros, destruídos em um incêndio, Karina dispunha de algum material acerca da atriz, como roteiros de programas nos quais atuou, fotografias e notícias de jornal, além de um referencial bibliográfico levantado para sua pesquisa.
Os realizadores também receberam orientações de Josélia Fraga e Washington Barbosa, profissionais do próprio Irdeb, com experiência em realização de radionovelas, para confecção das novas histórias propostas pelo projeto aprovado, num diálogo constante, feito por meio de idas e vindas de textos e áudios. Tal processo possui semelhanças com o período de surgimento de radionovelas no Brasil, cujos profissionais vieram do teatro e foram compreendendo, e mesmo inventando, aquele novo produto. Exemplo disso é a própria Celina Ferreira, objeto de pesquisa de Faria, que iniciou sua carreira como atriz de circo-teatro; em seguida, de teatro de revista e, finalmente, como radioatriz.
Apesar de nunca terem experimentado criar radionovelas (ou talvez por isso mesmo), a identificação foi instantânea e o processo extremamente prazeroso, tanto que despertou em sua equipe o desejo de continuar produzindo novelas para rádios na atualidade, para o público de hoje. É redundante, mas é aí que reside a motivação deste livro: no desejo de realizar em pleno século XXI, um produto que teve seu período áureo nas décadas de 40 e 50. Ressaltar o hoje é muito importante porque, em não muito tempo, o mundo mudou bastante, sobretudo no que diz respeito aos meios de comunicação. Como criar, produzir e veicular radionovelas depois da chegada da televisão? Do surgimento da internet? Da facilidade das Novas Tecnologias de Informação e Comunicação (celulares, tablets, smartfones etc)?
Em primeiro lugar, é preciso refletir sobre a relação entre mudança de plataforma (o meio em que o produto é veiculado) e mudança de gênero. O poético conceito de Estrabão acerca das radionovelas aborda essa reflexão, uma vez que torna a plataforma prescindível para caracterização do gênero. Corrobora com essa ideia, o gerente de rádios da Empresa Brasil de Comunicação