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Contos Perturbadores
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E-book214 páginas3 horas

Contos Perturbadores

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Sobre este e-book

Contos Perturbadores Volume II, traz dois contos, “O Restaurante Macabro”, e o “O Porão Misterioso”. O livro retrata através dos contos, o mais puro terror psicológico. Trata-se de uma leitura cheia de mistérios com fundo sombrio.
IdiomaPortuguês
Data de lançamento22 de jun. de 2022
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    Contos Perturbadores - Flávio L. Barbosa

    O RESTAURANTE MACABRO

    Notas do autor

    O desejo de matança é real para quem o vive. Segundo a psicanálise, todos temos um desejo irracional reprimido, mas a manifestação desse desejo dependerá da nossa estrutura de personalidade.

    Flávio L. Barbosa

    Capitulo I – O crime da inauguração

    Subindo a ladeira ele se esgueirava de um lado para o outro, sempre tomando cuidado para não ser visto. A lua cheia daquela noite refletia sua sombra na rua, que ia aumentando à medida que ele caminhava. O chapéu preto cobria seu rosto e dava um tom amedrontador e para deixar o visual mais sombrio, ele também usava um manto preto que ia até os pés. Não se ouvia nada além do som dos passos. Um gato apareceu em cima de um muro e deu um miado longo. Um uivo veio da floresta, era de um lobo cinzento, um dos vários animais que frequentavam aquela região. Já estava quase chegando. Parou em frente uma viela escura, não havia ninguém na rua, somente ele e as criaturas sinistras que faziam parte da rotina noturna. Foi até um portão de madeira, ao abri-lo, ecoou um som assustador devido à falta de graxa nas dobradiças. Subiu a escada a passos lentos, sempre olhando dos lados e também para trás, tomando todo cuidado para não ser visto. Ao chegar na sacada que dava no quarto olhou pela janela, lá estava ela, havia saído do banho e se enxugava em frente ao espelho.

    Esperou pacientemente até que pudesse ter uma chance de abrir a janela para entrar. Depois de dez minutos, quando a mulher já havia trocado de roupa, com a ajuda de uma faca, enfiou a ponta na fechadura com todo cuidado, forçando-a até que destrancasse. Com o barulho ela apareceu e ao vê-lo tentou gritar, mas foi impedida por ele, que em posse de um lenço umedecido com clorofórmio, tapou o rosto da mulher a fazendo desmaiar. Pegou do bolso do casaco um estojo de pano, abriu e começou a posicionar os bisturis, um ao lado do outro, tudo como havia planejado. Com a ajuda de um deles, levantou a camisa da vítima, posicionou o instrumento na base da barriga, e com um movimento firme, fez um corte de um lado para o outro, um pouco acima do umbigo. Enfiou uma das mãos dentro e retirou as vísceras. Com a região limpa, enfiou novamente a mão e puxou o fígado. Com uma tesoura cirúrgica cortou as membranas que prendiam o órgão, pegou um saco plástico que havia trazido, abriu e colocou a peça dentro. Depois preparou uma agulha com um fio de nylon fino e começou a costurar a boca da vítima, até que ela ficasse totalmente fechada.

    Precisava ser rápido, a carne não poderia perder a viscosidade. Foi até o banheiro, e um a um lavou todos os instrumentos, depois os guardou com todo cuidado no pequeno estojo, colocou o saco plástico com o fígado no bolso lateral do casaco e saiu. No caminho, parou em frente a um muro, pegou um balde velho que estava jogado na calçada, colocou um pouco de álcool que havia levado, jogou as luvas dentro e ateou fogo. 

    Ψ

    A noite estava agradável, carros iam e vinham em uma das mais belas avenidas do centro de Estrasburgo. As luzes da vida noturna davam um tom requintado naquela calçada. Casais usando suas grifes caras, se alinhavam em frente ao mais famoso restaurante cinco estrelas da cidade. De fora se conseguia ouvir o som do Charleston tocando. Todos estavam felizes com o final da Primeira Guerra Mundial. Do lado de dentro, garçons vestidos com seus uniformes preto e branco, que mais pareciam fraques, andavam de um lado para o outro carregando suas grandes bandejas de alumínio e servindo as mesas espalhadas por todo salão. Ao canto, músicos tocavam seus instrumentos musicais dando vida para a alegria da noite. Só se conseguia ouvir o ruído dos talheres e o sussurro descompassado das vozes que ecoavam por todo ambiente. O prato principal daquela semana era o foie gras, uma iguaria francesa, um patê feito de fígado dilatado. Todos apreciavam aquele restaurante. O senhor Orwell, dono do restaurante, visitava as mesas para perguntar se tudo estava ao contento dos seus requintados clientes.

    O local havia ficado famoso pela versatilidade. A maioria dos pratos que eram servidos, continham um tempero especial, um gosto que não era identificado nos pratos convencionais. O responsável pela fama era o próprio senhor Orwell. Ele era um patrão exigente, tudo tinha que estar em perfeita ordem, recebia seus clientes como verdadeiras celebridades. Toda semana o restaurante servia um prato especial, sendo que somente tinha acesso a ele os convidados especiais que eram escolhidos a dedo pelo próprio dono. Devido a fama, a expectativa das pessoas era grande, todos esperavam ansiosos o convite para fazer parte do intitulado banquete especial da semana do restaurante d’Orwell, que chegava pelo correio. Quando ocorria o tal evento, uma área do local era reservada, e dela só participava quem havia sido convidado, sendo que os demais clientes ocupavam as outros espaços do restaurante. Já era 8:00pm, o banquete especial iria começar, os convidados começaram a chegar aos poucos. Na entrada, o porteiro com seu longo chapéu preto e seu traje de gala, recepcionava os casais.

    Altivo, o duque Murshese, com seu traje de gala e sua bengala, foi o primeiro a chegar, juntamente com sua esposa a duquesa Lourense de lavie. Logo atrás mais um casal, o conde Durant com sua esposa a condessa Deline. Somente dez convidados faziam parte do banquete semanal. O senhor Orwell, um homem muito educado e refinado, recepcionava pessoalmente os ilustres convidados nas mesas. Após a chegada de todos os que haviam sido convidados para o banquete especial, o anfitrião foi até o palco e anunciou:

    -Sejam bem vindos para mais um banquete especial do restaurante d’Orwell. Estamos muito felizes em tê-los aqui, nesta noite. Fiquem à vontade e desfrutem o nosso prato especial, o delicioso foie gras, uma iguaria da requintada culinária francesa feita por mim, espero que gostem. Uma salva de palmas para nossos convidados especiais dessa semana.

    Ψ

    Um dia anterior...

    O restaurante ainda estava fechado. Pelo requinte, o horário de funcionamento só ocorria a partir das 6:00pm. O senhor Orwell sempre chegava primeiro, principalmente quando era o dia do banquete especial. Junto com ele algumas sacolas, eram os temperos que havia comprado naquela tarde. Para manter a fama, tudo tinha que sair perfeitamente, o preparo da comida especial era feito com todo cuidado, ele não poderia esquecer de nenhum detalhe. Como era somente ele que preparava o prato da semana, não permitia que nenhum funcionário acompanhasse, ficava sozinho no restaurante, a portas fechadas, preparando a comida, ninguém tinha autorização para entrar. Ele alegava que todos os pratos preparados por ele tinham um tempero secreto, uma tradição milenar que acompanhava sua família há séculos e deveria permanecer mantida. Como o prato daquela semana era o famoso foie gras, pegou o fígado que estava no saco plástico, jogou dentro de uma bacia de alumínio, e com a torneira da pia aberta lavou toda a peça, retirando os resíduos de sangue que ainda restavam.

    Pegou uma faca afiada, abriu a peça com todo cuidado, e com as mãos foi retirando as veias para deixar a carne limpa. Feito isso, pegou um papel absorvente e foi retirando os resíduos de sangue que ainda restavam. Em uma outra vasilha foi jogando todos os temperos na seguinte ordem: sal, pimenta do reino, alho em pó, gengibre em pó, canela em pó, noz-moscada, conhaque e o toque final, uma pitada de erva de Provence para dar o gosto especial. Depois de juntar os temperos, misturou bem e com a ajuda de uma espátula, revestiu o fígado com a mistura, empanando-o por completo. Colocou tudo em uma assadeira, abriu a porta da geladeira e a enfiou dentro, para que a carne ficasse bem temperada deveria permanecer em uma temperatura fria durante 6 horas.

    Ψ

    Depois do tempo marcado, retirou a assadeira da geladeira, pegou uma garrafa de Hennessy, vindo diretamente da França, e com o auxílio de um copo, foi banhando a carne até que ficasse totalmente ensopada. Tampou a assadeira e levou ao forno 140ºC por 1 hora e meia. Depois do cozimento, retirou a assadeira com todo cuidado do forno, deixou esfriar e colocou novamente na geladeira. Teria que aguardar, somente depois de no mínimo 24 horas estaria pronta para servir. Ninguém tinha permissão para mexer no prato que o senhor Orwell preparava, somente ele estava autorizado a fazê-lo.

    Ψ

    Dois garçons saíram da cozinha e entraram no saguão principal. Cada um deles trazia uma bandeja tampada por um cloche, cujo brilho prateado reluzia ao toque da luz do salão. Dentro deles estava o prato principal que fora dividido em duas partes. Um terceiro garçom surgiu carregando uma garrafa de sassicaia, um famoso vinho italiano envelhecido por 20 anos. Com as taças de cristal, ia servindo um a um os ilustres convidados. No piano, o maestro tocava a sonata nº.12 in A-flat major, Op. 26 de Beethoven. Tudo na mais perfeita ordem, absolutamente nenhum detalhe havia sido deixado de lado. O senhor Orwell passava de mesa em mesa perguntando se tudo estava perfeito. Próximo a orquestra, o anfitrião via de longe seu prato especial sendo consumido pelos clientes, ele sabia do trabalho que tivera para conseguir aquela refinada carne. Foram semanas de observação, baseada em investigação e muita estratégia até surgir a oportunidade. Para ele, o consumo daquele alimento representava o sagrado, uma mistura de moral com imoralidade. Só o fato de afrontar os valores cristãos embutidos naquela sociedade moralista, já era o suficiente para que o senhor Orwell ficasse satisfeito. Não conseguia sentir nada, nem ao menos o pudor de ter tirado uma vida. A única coisa que importava para ele era deixar que o desejo inconsciente desenfreado viesse à tona e satisfizesse o que o deixava feliz, se é que a felicidade para Orwell poderia ser descrita de forma convencional, sentir-se no poder, no controle supremo.

    Ψ

    22 anos atrás, cidade de Estrasburgo, França, ano de 1910

    Da varanda da mansão, Emma, a governanta da família Leblanc, uma mulher ainda jovem, gritou para o menino Orwell de 10 anos, que brincava no grande jardim da ala frontal.

    -Orwell, entre, o almoço será servido em breve, você deve se limpar, ordens da sua mãe!

    Saltitando como qualquer criança feliz, Orwell largou a bola de couro, correu na direção da moça e levantou o seu vestido a tal ponto de deixá-la seminua. A mulher, acostumada com as peraltices do garoto, mais que depressa baixou o vestido e com um tom suave, porém firme, retrucou:

    -Moleque sapeca, já te falei para não fazer isso, você me deixa sem graça com suas peraltices.

    O relacionamento de Orwell com os pais era muito superficial. Sua mãe, uma mulher bonita e bem cuidada, nova para os padrões femininos da época, quase não tinha voz para nada. Seguia o marido nas reuniões sociais da alta sociedade da época e sempre assumia uma posição submissa frente aos problemas que surgiam. Com exceção de uma reunião feminina de carteado que costumava ocorrer uma vez por semana, normalmente às quintas, não tinha contato externo com ninguém. Todo e qualquer problema que surgia, principalmente aqueles relacionados com as finanças da família Leblanc, era resolvido pelo senhor Pierre. O marido, senhor Pierre de Leblanc, era dono de uma riqueza herdada dos seus ancestrais, a maior mineradora de carvão que existia na época. Homem muito rico, influente, havia quadriplicado a herança com suas transações milionárias. Dono de uma conduta pessoal severa, não permitia insultos dentro de sua casa, e nem tão pouco visitas de estranhos na sua ausência.

    Inserido em um moralismo pessoal barato e apesar das rédeas curtas com a família, mantinha um caso extraconjugal com Camille, filha de um comendador Francês muito influente. Apesar de saber da traição do marido e seguindo os padrões da época onde as mulheres deveriam ficar submissas aos homens, a senhora Lavine Leblanc não se manifestava contra, tinha que manter os bons costumes. Isso não impedia que sofresse a decepção amorosa como qualquer outra mulher. O pequeno Orwell, em meio aos conflitos subjacentes, tentava viver sua infância da melhor forma possível. Já naquela época, apresentava alguns padrões de comportamentos estranhos para sua idade. Adorava dormir na mesma cama que Emma, a governanta. Sempre alegava que se sentia só, com medo, e a governanta, não resistindo ao apelo do menino acabava cedendo e deixava com que o garoto dormisse com ela.

    Quando estava na cama com Emma, Orwell pedia para que ela o deixasse tocar em seus seios. Ela sabia das intenções do garoto, mas diante de uma sociedade tão machista, sem saber ao certo se era moralmente correto ou não, deixava o menino acariciar seu corpo. Na escola Orwell era calado, não tinha amigos, vivia isolado pelos corredores. Na sala de aula, apesar do comportamento fechado, era muito dedicado, mostrava uma inteligência acima do normal para as crianças da sua idade. Através do seu comportamento hostil, vivia sofrendo bullying. Várias foram as vezes em que chegou em casa com o rosto machucado, mostrando as marcas da violência sofrida e a intolerância com relação as diferenças. Algumas vezes sua mãe dava atenção, mas quem o amparava mesmo era ela, a governanta. Já o pai, totalmente ausente e preocupado com suas finanças, mal abraçava o filho. O senhor Leblanc procurava suprir sua ineficácia como pai, pagando uma prestação alta para manter o filho no melhor colégio de ensino fundamental da França.

    Orwell era um garoto franzino, bem magrinho, usava um cabelo comprido liso, pele muito branca. Quem olhava para ele, achava que era um garoto doente, mal cuidado. A casa da árvore era sua verdadeira morada, uma casa feita de madeira de lei, que ficava em cima de um grande carvalho no fundo do quintal. Foi naquele lugar que Orwell passou boa parte da sua infância, suas fantasias e desejos. O único momento em que ele tinha contato mais íntimo com o pai, era durante o mês de outono, quando começava o período de caça na França. Costumava sair em diligência, juntamente com o pai e alguns amigos da alta sociedade, todos armados com rifles de caça e trajando roupas esquisitas. Já naquela época, Orwell aprendeu a abater suas vítimas sem remorso, foi o pai que o ensinou a atirar. Seu maior prazer era quando avistava um cervo, o senhor Leblanc dava a arma para o filho, posicionava o rifle no corpo do menino, escorando a coronha na região entre o ombro e o tronco, pedia para que o filho deixasse a mão esquerda em forma de concha para sustentar a base inferior da arma, e orientava para que os pés ficassem um pouco abertos, isso daria mais firmeza na hora do disparo. O menino ouvia as recomendações com atenção até que o pai desse a ordem para atirar. Quando ele acertava e o animal caia morto, a festa entre todos era geral.

    A educação de Orwell foi muito rígida, seus pais, apesar do casamento de fachada, eram muito católicos, ir à missa aos domingos era uma obrigação familiar. Os valores aprendidos através do catolicismo, não condiziam com a dura realidade do dia a dia, o menino notava a ausência de carinho e afeto entre seus pais. Várias foram as vezes em que escutou as discussões, seguidas de agressões físicas que sua mãe sofria do marido. A única pessoa que costumava tratá-lo bem era a governanta, nela, Orwell incorporou o afeto materno que tanto precisava para se desenvolver. A relação que estabeleceu com Emma, ultrapassava os limites da razão. Como não tinha apoio materno e nem tão pouco parâmetros para saber como um garoto da sua idade deveria agir na vida, se espelhava na única referência que possuía, a governanta.

    O primeiro crime

    O menino sentia muito ciúme da moça, tanto, que certa noite seus pais foram a um evento, um baile de caridade promovido pela alta sociedade da época, que serviria para arrecadar fundos de apoio social. Orwell ficou em casa aos cuidados da governanta. Por volta das 22h00 a campainha tocou, Emma desceu, era seu namorado, Simon. Enquanto o casal namorava na sala principal, Orwell observava tudo da sacada da escada. Ver sua única referência feminina nos braços de outro homem, fez com que o menino desenvolvesse uma raiva interna muito grande. O sentimento de posse aliado a frustração, despertou em Orwell um desejo incontrolável de matança. Já naquela idade, colocou em sua mente que Simon deveria morrer, para que ele, Orwell, não perdesse seu espaço na relação afetiva com Emma. O menino decidiu arquitetar um plano; desceu a escada bem devagar para que ninguém notasse sua presença, foi até a cozinha, abriu a gaveta do armário sem fazer barulho, pegou uma faca afiada, abiu a porta e saiu de mansinho. 

    Ficou escondido ao lado da porta do carro de Simon, permanecendo ali por meia hora, até que o

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