Encontre-me No Banheiro
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Encontre-me No Banheiro - Fábio Piantoni
Encontre-me no
banheiro
Fábio Piantoni
Obrigado a todos que me encontraram nos beirais
das latrinas e não derem a devida descarga: amigos,
amigas e amores.
Capítulo 1 ................................................................................. 6
Título de capítulo 2 ............................................................... 27
Capítulo 03 ............................................................................. 43
Capítulo 04 ............................................................................. 51
Capítulo 05 ............................................................................. 58
Capítulo 06 ............................................................................. 71
Capítulo 07 ............................................................................. 76
Capítulo 08 ............................................................................. 94
Capítulo 09 ........................................................................... 108
Capítulo 10 ............................................................................ 116
Capítulo 11 ........................................................................... 149
Capítulo 12 ........................................................................... 172
Capítulo 13 ........................................................................... 188
Capítulo 14 ........................................................................... 203
Capítulo 15 ........................................................................... 214
Capítulo 16 ........................................................................... 230
Capítulo 17 ........................................................................... 249
Capítulo 18 ........................................................................... 270
Capítulo 19 ........................................................................... 291
Capítulo20 ............................................................................ 304
Capítulo 1
Os convidados chegariam dentre vinte minutos. A festa, ou melhor, a
recepção, seria típica destas de classe média baixa, se não fosse pelo
apartamento novo, que lhe dava o ar de mais nobre. Um lar
financiado até o talo, mais de quinhentos mil, metade da renda
mensal dos dois, trezentas e sessenta parcelas. Alguém mais
desinformado diria que os dali tinham ascendido na escadinha
dourada da sociedade campineira.
As louças retiradas de baixo da pia, sobrou pouco dinheiro
para os armários, eram pobres. Pratos imitavam porcelanas, copos
aspiravam à taça, talheres leves encontravam espalhados sobre a mesa
branca, imitação de um buffet qualquer.
Felipe estava ansioso, praticamente ele empurrou goela
abaixo à ideia de despedida do Ricardo. Ele desaprovava o evento,
seria apenas seis meses de separação, passa rápido! Era o principal
argumento, no entanto, Felipe é daqueles que demoram a ouvir
argumentos de outra origem discursiva. Quando os ouvia, sempre
desconfiava e os colocavam em escrutínio, verificando a legitimidade.
No argumento contra a festa, acreditava que no fundo, no fundo,
Ricardo era relutante porque os do lado dele, os membros da família,
deixariam de vir.
Com um frenesi simpático e gestos rápidos alternados com
olhadas demoradas, arruma os talheres sem peso, pratos sem jogo e
copos irregulares. Ah, a tolha pelo menos era fina, ganhou de
presente. No centro, um arranjo de gérberas intensas, metidas num
fundo verde de folhagens. Lipe, para os mais íntimos, gostava de
Encontre-me no banheiro
colher os elogios da sua maravilhosa técnica de deixar tudo mais belo:
era a salada americana, a árvore natalina, a chapinha da irmã, o pão
com passas, o lanche frio, a capa do caderno, o café preto.
A mesa da despedida tinha que superar tudo que já fizera,
para ele, passar sem alguém ter a notado, seria ultrajante, uma vez que
adotou o lugar como oficial para as fotos dos celulares também
financiados. Fotos ao lado da mesa de jantar, repleta de comida e
flores, símbolo da própria mísera fartura, porém felizes.
Era adorador da aparência, bem distante do refinamento.
Deixar bonito era o forte de anfitrião, mas refinado? Talvez. A
certeza que Ricardo tinha, o companheiro e motivo da festa, era que
Felipe despreza a organização. Bagunçado, tanto no mundo físico
quanto o psíquico, desordeiro e desorganizado eram os principais
adjetivos que saiam da boca sorridente de Ricardo, que, em contra
partida, hesita em convidar amigos para evitar sofrer com as cadeiras
desalinhadas e as almofadas amontadas no canto do chão da sala.
Devida deficiência para lógica da arrumação, contava
apressadamente a louça necessária para os mais de trinta convidados,
ainda sem banho, atrasado. Sempre! nos lembra Ricardo.
Dá três passos para trás, inclina o corpo para ter um melhor
enquadramento da obra prima. Vão adorar! Talvez. Falta algo que
ilumine a parede da copa e as janelas da sala, uma tela abstrata e
cortinas grossas. Ainda torto, cheirando a cebola, atrasado, cruza os
braços e entre o balcão escuro de pedra, cadeiras alinhadas, o sofá da
sala, Ricardo aparece contente:
- Eita amor - a voz era e fina e ardente – falta muito para se
aprontar? Sempre atrasadinho.
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Encontre-me no banheiro
- Queria o quê? Estive preparando tudo, desde a decoração a
comida - responde Felipe tranquilo, pisca de forma carinhosa –
lembre-se que a louça é tua.
O desorganizado organizador de festas que são despedidas se
orgulha do companheiro. Contempla-o. Camisa nova, azul Royal com
detalhes brancos e calça jeans clara, eram novas, presente dele, ficou
no tamanho ideal, e para sintonizar com a personalidade de quem a
usava, vestimenta completamente lisa, impecável, sem nenhuma
amassado, sem empregadas, ele mesmo passara.
- Vamos, vamos! Os convidados já estão chegando - olha no
relógio. Ainda sujinho, meu amor?
- Só zomba da minha cara...
- Mas está de banho tomado?
- Digo sobre os convidados. Fica zombando que estou dando
uma festa, são nossos amigos. Ok, já vou tomar meu banho. Preciso
que cuide do forno para mim, a carne precisa de mais alguns
minutinhos. Pode desligar para mim?
- Daqui a quanto tempo?
- Uns dez.
- Pode deixar - empurra Lipe para o corredor.
Num impulso natural, típico do amor, avançam
masculinamente e o abraço vem terno, profunda simplicidade do
adeus. Se dão conta por um insigne instante de que a despedida vem
aos poucos, no entanto apenas um se dá conta de que a vida é um
mar de adeus. Corpos quentes, pelo, ossos, pelos, sentimentos se
unem mesmo separados por roupas, juntam-se conceitos, aliás, um
único conceito, a mera união. Felipe segura o nó na garganta, uma
vez que descesse ao peito, recusaria a voltar para lugar de origem. A
delicada masculinidade se separa:
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Encontre-me no banheiro
- Vamos, vamos! - Os tapinhas são dados no ombro, o
querido Rick estava preso pela cintura.
- Tá, já vou - segura a lágrima, tem o forno para cuidar - dá de
costas.
Ricardo olha a roupa, amassou, passa a mão enquanto
caminha para cozinha. O corpo magro encosta na pia. Cuida para que
a bunda se mantenha seca. Impressiona-se com a arrumação do
ambiente.
- Será que está tão mudado?
Os olhos correm os espaços, cozinha, copa, área de serviço e
sala. Passará meses distantes daquele lugar que mais gosta do mundo
e que pode se chamar de seu. Meros três meses no apartamento
foram suficientes para colocá-lo naquele posto de primeiro. Também
ficaria longe dos quatro anos ao lado do companheiro de vida. Vê as
gérberas em meio aos pratos, as travessas de salada e algumas panelas
fumegantes, sente a culpa por deixa-lo no Brasil. O legítimo amor dá
partida nas memórias que nunca são ditas. O corpo vira. Abre a
torneira, a fecha em seguida. O olhar voa pela janela, vê outros
prédios, janelas apagadas, outras acesas, um pouco de movimento.
- Vamos lá, é dia de alegria.
Desagradar o temperamental Felipe era a última coisa que
queria, uma vez que se esforçou muito para que aquele dia
acontecesse. Outro, talvez mais importante, ficou perdido na face dos
desejos, a festa do dia que oficializaram a união. Lipe queria uma
enorme recepção, com direito a entrar vestido de terno branco e Rick
de preto. Planejou as flores do corredor que receberia o tapete verde,
a banda que tocaria, o bolo de três andares e o "vamos contar juntos,
hen!". Sorri da cena que desenhara com aquarela, vê o bolo branco
com detalhes azuis. O dinheiro estava em falta, a família virado as
[ 9 ]
Encontre-me no banheiro
costas, a festa foi adiada para um futuro remoto. O riso se desfaz
com as palavras fortes que cortam o desenho, tesoura de ferro "
Você, Ricardo, não luta por mim,
cansei de ser sempre o proativo
da relação,
quando irá enfrentá-los por mim?".
Gotas pingam da torneira. Arrocha o fecho.
- Será que ele está certo? Estou desistindo de lutar por ele ao
deixa-lo aqui? - se indaga apoiado com as mãos na pia. Gira em torno
de si, a bunda molha na pia - Sei que está segurando as pontas,
apoiando minha ida, mas sei também que quer ir. O forno!
Estava em tempo de salvar o carneiro.
- Ai, ai! Disse para esquecer do carneiro, nem todos gostam -
abre a tampa de uma das pelas que estão sobre o fogão, peixe.
Quanto tempo gastou com toda esta comida?
Vai à geladeira, um bolo coberto de frutas com creme e
chocolate. A felicidade o toma pela mão e o leva à sala. Senta e espera
sem pressa o seu herói. Um herói pobre, sem poderes, sem recursos,
mas com muitos resgastes e força para a vida. Ricardo sente o couro
do sofá, é legítimo. Magro, sente um frio agradável, junta as mãos
entre as pernas, para se aquecer e espantar a ansiedade, talvez o
medo. Onde está seu herói? O barulho da ducha o sintoniza.
Leva a mão ao bolso da calça, procura o celular, se distrairá
com o joguinho novo que instalou ontem. Todavia, vê uma lista toda
riscada no canto do sofá, semicoberto por uma almofada:
- Eita Amor bagunceiro!
Era a lista de convidados.
- Nossa, como conseguiu reunir tanta gente numa sexta à
noite?
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Encontre-me no banheiro
Analisa os nomes, alguns riscados outros com um ok ao lado.
A lista estava dividida em duas colunas. A do lado direito, o mesmo
lado da cama, no topo, o nome Felipe, abaixo os convidados dele. A
esquerda, lia-se Ricardo. Os do lado de Lipe viriam: mãe, pai, avó, tia
materna Shirley e Tio Sérgio. Ainda no campo familiar, as queridas
irmãs e os respectivos maridos: Isabel, a mais velha e casada com
Alex, a filha Carol de quinze anos e namoradinho dela. Estava escrito
com o diminutivo, Ricardo ficou em dúvida se a grafia correspondia
ao desprezo ou a indiferença. Dos lugares que crianças frequentavam,
Felipe desviava, era limitado quanto a presença de meninos e meninas
em encontros de adultos, defende a ideia que do adulto é livre,
precisa de momentos que se sinta individual, com crianças por perto,
o individualismo acaba cedendo as preocupações de proteção a cria,
por esta razão, Lorenzo, filho de dois anos de Isabel ficou com a avó,
mãe de Alex.
Ainda na lista, Adriana, segunda irmã, dois anos mais velha
que Lipe. Ela traria o filho de sete, Luíde, pois o belo e arrogante
Wellington, fazia questão do filho. Luana e Willian, irmã sete anos
mais nova que ele e cunhado querido e negão, seguiam com um ok.
Abaixo seguia os nomes dos amigos, Ricardo contou um total
de treze nomes, alguns desconhecidos a ele. Viram: Judite e Capim,
casal de meia idade, ela professora no estado de matemática e ele
funcionário da IBM; o detestável Renan, melhor amigo do marido;
Edna, professora de Arte, gordinha, sex e viciada em internet; Branca,
corretora de imóveis em Campinas e o charmoso marido Médico,
Bernardo; Silvio, ex-seminarista, professor de Português e Literatura
na mesma escola estadual de Felipe, o marido de Silvio iria à palestra
de defesa aos afrodescendentes, ausentando-se. Ainda na lista
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Encontre-me no banheiro
constavam outros nomes: Carlos, também colega de trabalho e ex-
gerente da Bosch, Larissa a esposa também confirmou presença.
Os últimos nomes da coluna finalizavam o lado direito,
Ricardo os desconheciam: Flávio e a esposa Mônica; Waldir e esposa,
certamente professores.
Na coluna esquerda, a sua, havia poucos nomes. Os poucos
que tinham estavam riscados: mãe, irmãs e irmão. Sobrava apenas
Adriana e Benito, chefe da empresa que trabalha e responsável pela
promoção e viagem do funcionário. Acontece que Adriana tinha
confirmado a ida, no entanto naquela tarde, disse ao Ricardo que
infelizmente teria que deixar a visita para outro dia, havia que ir a um
evento importante. Imaginou o nome dela e do marido riscados na
lista. Enfim, ninguém da parte dele viria para a despedida.
A festa ultrapassava a finalidade do simples adeus e boa
viagem, era a inserção num mundo fictício. Juntamente com sua
filosofia mediana, era a abertura de uma nova era, a casa seria
mostrada aos amigos. Trocando em miúdos, uma mostra de que estão
vencendo, prosperando na vida, logo a inauguração do apartamento
era o fato, a prova consistente.
Era comum Felipe queixar-se sobre Ricardo no que se refere
a entender. Lipe repetia a quem quisesse ouvir que o entendimento de
Ricardo era débil tocante as suas próprias questões de existir, no
entanto, o calado marido compreendia as aflições do inconstante
professor de Filosofia. Quando o conheceu, quase há cinco anos,
sentiu em Lipe algo especial. Com a convivência, via nesta criatura
uma incrível força de viver. Uma energia vital que fazia com que
fosse briguento e rompesse com boa parte da falsidade nas relações.
Buscava a transparência e se distanciava das imagens construídas
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dentre as relações humanas. Vivia uma experimentação, a de ser leal
consigo e com os outros, um vitral raro.
Mudou. Felipe mudou, ou ainda está em transição, bambeia
sobre a corda da integridade de si, com desejo de cair ao fosso dos
delírios da busca pelo dinheiro. Quis um apartamento grande, bem
localizado e caro para os padrões deles. Quis e quer bons móveis,
talvez queria aparecer bem, o que tem de mal lutar para ser mais? No
entanto, o lado mais engajado odeia conversas ostentastes
, fugazes:
viagens, carros, bolsas, perfumes, clubes. No íntimo, Lipe buscava
conviver com o outro íntimo, de íntimo para íntimo. Falar da
humanidade e da falta dela, da essência, da identidade do ser, do que
compõe esta coisa de duas pernas que fala.
Dividido e parcialmente dúbio, era Felipe. Fendido e sem
coragem para romper com um dos lados, o de pensar e o do
consumir. Ricardo por sua vez era sólido, rocha enterrada de uma
face, apenas um lado. Sem indagações e indignações, vivia um dia
após o outro. Para o companheiro, Rick era sólido como uma pedra,
exceto pela força interior ou qualquer uma delas e sim pela falta de
fragmentação, era inteiramente ele. Vivia com sabedoria simples:
questionar o mínimo e o palpável, sem querer entender, sem precisar
aceitar nada fora do microuniverso. Na prática, era prático. Pensava
em si e vivia para um único outro, Lipe. Felipe era quase um
sofredor autêntico, queria padecer por boa parte das mazelas
existências e temporais, e, ainda, ter dinheiro para viajar e ficar
hospedados em bons hotéis.
Ali se encontravam, numa festa de despedida, numa fresta
fendida. Ricardo com uma lista separada por duas colunas de
convidados na mão, pouco se importando quantos viriam ou
deixariam de vir, quanto o outro, fechando o boxe do chuveiro, para
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evitar reclamações, pensando sem parar se as pessoas tão diferentes
em si conseguirão se interagir. Ali se encontravam, só que um
atrasado, pois o porteiro já ligava para anunciar a chegada dos
convidados.
Eram os familiares de Lipe. Ricardo autorizou a subida até o
quinto andar. Ficou contente que Luana e Willian trouxeram a sogra
Neusa, o sogro Pedro e a vozinha Elvira. A campainha toca:
- Oi – o rosto gordo e branco de Luana nem se enruga com o
enorme sorriso.
- Oi – beija Rick.
- E ae? – vem um abraço grande e gordo do cunhado negão.
- Oi Rick? – o abraço desta vez dá para sentir os ossos frágeis
da vozinha.
- Oi Ricardo – a voz da sogra também é simpática. Trouxe os
pratos extras que Felipe pediu. Nossa, que mesa linda! Uhm, que
cheiro bom! A coisa hoje vai ser boa.
- Vai sim mãe – concorda Luana.
- Claro que vai D. Neusa, conhece o Felipe, gosta de fazer
coisas boas.
A vozinha correu a mesa, queria ver se as flores eram de
verdade. Rick, Luana e Willian conversaram um pouco. O casal
elogiou o apartamento, era a primeira visita. Neusa já foi para
cozinha, abrir as panelas e descobrir de onde viria o cheiro. Reclama
do marido Pedro que ficou lá embaixo, na calçada, com um cigarrão
na boca. Dois minutos depois, aparecia na porta cheirando a fumaça,
com bom humor inabalável. A vozinha curiosa, esperta vai ao rack da
sala. Elogia a televisão de LED fixada na parede e vê o porta-retratos
horizontal 30x25 do casal. Felipe sorri sem se preocupar com os pés
de galinha. Tinha traços italianos, herdou dela. Cabelos castanhos
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claros e bagunçados, rosto fino, nariz romano e olhos caídos. Era alto
e bem mais forte que o magricela que abraçava pelo ombro. Ricardo
empatava em felicidade no retrato. Tinha os cabelos pretos e lisos,
perfeitamente alinhados para o lado direito, preenchendo uma cabeça
quase quadrado. A alegria dos olhos era embaçada pelos aros dos
óculos La Coste. A velha, com os setenta e nove anos, também sorri:
- Pelo menos se assumiu! Diferente daquele... aquele fingindo
do filho da Noemi –vizinha da frente da velha – aquela bicha! Se
engana classificar aquela idosa como frágil, doce e sensível. A velha
gozava dos benefícios da idade e da origem italiana, impetuosa,
briguenta, forte, decidida.
Luana sentada num banco alto, em frente ao balcão que separa a
cozinha da sala de jantar, procura pelo irmão.
- Rick, onde está meu irmão?
- Deve conhecê-lo melhor do que eu, ainda está se
arrumando. Willian dá sua alta gargalhada e completa:
- Igual ao irmão.
- Está lá no quarto. Aproveita e vá chamá-lo. É só ir reto pelo
corredor – aponta a direção.
- Vou lá. Fê! Fê! Fê...
- Fê, está aí? Posso entrar? – abre um pouco a porta.
- Oi minha linda. Entra, entra sim. Já estou quase pronto.
Lu entra e senta na cama de casal boxe. Trocam algumas
fofocas e falam sobre os maridos, bem rapinho:
- Ai, Lu! Estou um pouco mal. Com medo, ansioso, sabe?
Nunca recebi tanta gente diferente, será que vão conseguir se
relacionar, conversar?
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- Relaxa Fê, claro que vai. Fica frio. Quero perguntar uma
coisa, precisa ser verdadeiro comigo. Como está diante esta viagem?
Estou te vendo bem, feliz, dando uma festa, mas te conheço. Aceitou
de boa?
- Maninha, tem doído pra cacete, vou te contar tudo, porém
em outra ocasião, tomaremos café juntos semana que vem, te
colocarei a par de tudo, deixe o mocinho estar lá na Alemanha, daí
saímos, eu e você, vamos àquele café que gosta no centro e te conto
tudo. Hoje é dia de festa, para que deixar germinar os maus
pensamentos? Rick pegará o voo assim que amanhecer, preciso estar
bem e passar positividade.
- Está certo – se abraçam. Saem do quarto e vão ao encontro
dos demais.
Ao chegar, primeiro beija a avó que ainda segura o porta-retratos,
depois os demais.
- A tia vem mãe?
- Fica difícil de falar, ela sumiu hoje, provavelmente deixará
de vir. Seu tio trabalhou o dia todo...
A televisão é ligada pelo Willian, todos conversam. Há um
som ambiente no balcão da cozinha. Abre uma cerveja, uma garrafa
de vinho. Após quinze minutos, outra ligação do porteiro, chega
Isabel e Alex, sem Lorenzo e Carol. Um casal cheio de rivalidade
entre si. Isabel era dona de uma agência de viagens e Alexandre
professor de luta e proprietário de academias. Isa era a irmã que Rick
mais gosta. Loira, alta, linda e um carisma inigualável. Os dois saiam
quase toda a semana para beber e conversar, e também, confessar-se
um ou outro. Ricardo acreditava que Felipe tinha ciúmes do
relacionamento deles, na verdade ele até gostava da relação de ambos.
A festa já estava com cara de festa.
[ 16 ]
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-Trouxe vinho Rick, aquele que gosta – Isabel abraça o
cunhado e em seguida o irmão. O marido vai em sequência, tenta ser
mais simpático que a esposa. Felipe é educado, mas ao abraçar faz
carão para a irmã e o parceiro. Era obrigado suportar a presença dele.
Ricardo para disfarçar pergunta ao Alex:
- E o Lorenzo? – Rick adorava crianças, ainda mais Lorenzo.
Era apaixonado pelo filho de dois anos da cunhada.
- Ficou com minha mãe – responde Alex sem sentimento na
voz.
Só faltam os amigos e a irmã do meio. Felipe parece um
pouco ansioso. Toma cerveja, conversa e tenta estar presente nos
assuntos. Falam sobre a novela, sobre quem irá para o segundo turno
nas eleições, sobre roupas, sapatos, falam sobre bastantes assuntos, a
perna inquieta treme todo o sofá. O esposo nota a ansiedade e o puxa
de canto:
- Ei, tudo bem com você?
- Ai Rick, um pouco angustiado. As pessoas que vão chegar,
vão chegar! Pensamento positivo! Vão chegar! Porra! Que demora,
acha que virão?
- Calma! É assim mesmo. Ah Felipe, a Adriana não vem e
nem o Benito, tem um compromisso importante.
- Hã! Como assim? Quer dizer que este meu evento é tão
desprezível? Quando soube? Por que diz só agora? Poxa!
- Ficou chateado? – Ricardo parece triste.
- Claro! E se os outros tiverem assuntos mais importantes
?
Se também faltarem?
- Ué, paciência... a nossa família está aqui. Comemoremos
com eles, com os que vierem, com os que nos consideram
importantes.
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- Todos confirmaram Rick – afina a voz – vão vir!
- Será?
Estava na área de serviço. Nitidamente Felipe se irritou ainda
mais com a conversa, quis levá-la até o final, e buscar o real sentido
do será
. Todavia sabia o que queria dizer, estava se referindo ao
fato dele ser insistente com as pessoas. Pensou um pouco, apesar do
esforço gigantesco, deixou a discussão para depois. Voltaram para os
convidados. Para descontrair, Felipe fala alto:
- Pessoal, já já comeremos. Fiz uma carne de carneiro que
está uma delícia, e para os que tem paladar mais comum, fiz peixe. Só
mais um pouco, comeremos.
- Nossa Lipe, por que tanta comida? – pergunta Neusa
tomando vinho.
- Mãe, virão quase trinta pessoas, será? Fico sem saber com
tanta gente dando os canos. Quero que saiam falando bem e
empanturrados. Odeio está coisa de dar a festa e pessoas terem que
levar um pratinho para contribuir. Sem essa do convidado sair para ir
ao mercado comprar algo a fim de complementar ou repor o que
falta, festa é festa, evento de caridade é evento de caridade.
- Trouxe os pratos.
- Mas é emprestado – os dois riem.
O porteiro liga novamente, é Adriana e Wellington, Luíde
veio junto, a única criança. Era quieto, correria pelos cômodos era
característica de outro menino, sempre com o brinquedinho e
discreto, era o sobrinho que Felipe mais gostava. Campainha, os dois
na porta para receber. Junto com a família, aproveitou a corona
Renan. Felipe nunca confessou, no entanto Ricardo tinha certeza que
os dois já tiveram um caso no passado. Odiava o amigo Renan que
era alto, forte, bonito, cheiroso e biscate, barba cerrada no rosto e o
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Encontre-me no banheiro
mais afeminado dos três. Estudante de direito, achava que sabia de
tudo. Ricardo tinha tanta raiva, que o considerava um verdadeiro
perdedor, incompetente. Também, com trinta e três anos, tentava a
terceira faculdade. Ricardo com vinte e nove, formado em comércio
exterior, fluente em três idiomas, recém promovido. Aliás, Felipe era
mais velho, trinta e dois. Mais cumprimentos, é a vez de Rick ser
forçado e fazer carão.
- Oi Rick – se requebrado todo Renan
- Oi! aff, que bicha
.
- Meu Pai!!! Que casa linda! Oi Fê, parabéns! Arrasô. Olha
esta mesa – aperta uma pétala da gérbera – que decoração fantástica.
Só você mesmo amigo. Olha está flor! Incrível, na real, amigo
incrível.
- Que bom que gostou amigo, faço com carinho.
- Eu sei, por isto que arrasa sempre. Oi gente! Oi pessoal! Dá
licença e fiquem a vontade, sou discretíssimo, finjam que estão só
vocês, que sou um móvel, adora ser móvel, jogado para lá, para cá,
ficarei bem sossegado decorando o ambiente.
Felipe abraça o sobrinho de sete anos, cumprimenta a irmã,
pergunta sobre o restaurante.
- Fiquem a vontade viu – diz a irmã e ao cunhado.
Abraça todos, conversa alto e ri chamativamente. Na
verdade, a festa começou com a chegada dele. Felipe relaxou com a
presença do amigo, pelo menos um veio. Renan brilha, Ricardo se
cala um pouco. Depois das graças, Renan e Lipe conversam um
pouco na sacada da sala. Renan fuma e sopra a fumaça em direção à
rua. Ricardo senta ao lado de Isabel no sofá, conversam, mas mantém
o olho nos gestos escandalosos do amigo do marido:
- E aí Isa, esqueci de perguntar, a Carol vem?
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Encontre-me no banheiro
- Quis ficar com o namorado em casa.
Ricardo sorri maliciosamente:
- Acha que ficou por algum motivo?
- Me recuso a dizer qualquer coisa a mais. Orientei no que
pude. Levei ao médico, falei sobre gravidez. Agora, se faltar
prevenção, camisinha, pílula, terão que se virar sozinhos com a
gravidez indesejada, é provável até que vá morar na casa dele.
- Ela só tem quinze anos!
- Com esta idade, já sabe o que faz.
Renan e Lipe passam pela sala sorrindo. Felipe tropeça em
Luíde e quase cai, se apoia no amigo que o segura e o olha de jeito
diferente. Ricardo se controla. Vão até a mesa, Renan se sobressai:
- Gente, tô com fome! Vamos comer? O cheiro está me
matando.
Fizeram silêncio. Os convidados se entreolharam. Ricardo torcia por
uma negativa de Felipe, colocando a bicha no lugar. Vai Felipe, Vai
Felipe, Vai Felipe.
- Amigo, vão chegar mais pessoas, espera um pouquinho - o
anfitrião já estava com os olhos moles.
- Hello Mrs Dalloway, tão ingênua a mona, acha mesmo que
virão? Olha a hora! Só eu que quero ficar com você, quero dizer, tua
amizade.
A Isabel nota a raiva de Ricardo, que se remexe no sofá.
Agora Felipe vai dar um chega para lá nele.
- Você está certo! O pessoal deve estar com fome. Se eles
virão, comem depois.
A raiva de Ricardo deu lugar a uma triste fisgada no peito,
notou a frustração do amigo e como a ausência dos convidados o
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Encontre-me no banheiro
abalava. Levanta, pede licença a cunhada e abraça o marido por trás.
O corpo de Felipe entende o vai ficar tudo bem
.
A comida estava deliciosa. Jantaram, comeram e riram. Vó
Elvira comentou que estava dura, Neusa que o peixe estava frio.
Paulo comeu os dois sem reclamar. Judite e Capim chegaram minutos
depois de começarem a jantar. Animou Felipe com o jeito sábio de
conversar e Capim, conversou com todos. Ela até pediu a receita do
bolo. Em determinado momento, quando o silêncio diz que precisa
ser dito algo, o professor de Filosofia, um tanto alto pelo álcool,
decide prestar uma homenagem ao companheiro que partirá em
poucas horas para o outro lado do oceano.
- Pessoal, quero dizer umas palavrinhas. Nem me tente
impedir Ricardo, vou falar sobre você e para você. Este momento
existe para isto, vai embora me deixar – olha para todos. Quero
agradecer a vocês que vieram, os que faltaram, nem fizeram falta...
sou um zé ninguém, um bosta e você também meu amor – aponta o
copo sujo de vinho para o amor. Mas para que fazer falta, ou para
quem fazer falta, né? Pois é isto que fará ao partir naquele avião daqui
a pouco em Viracopos, meu querido. Fará falta a estas paredes –
Ricardo agradece ao destino o copo de Felipe estar vazio, as paredes
se preservarão intactas de respingos – a este sofá, a estas pessoas – a
mão movida em círculos. A este coração. Quando se faz falta,
telefone, internet, são paliativos medíocres. Meros veículos. É preciso
sentir o amor, e estes veículos só existem para mostrar a importância
de estarmos juntos, que nada substitui a alma, o corpo, o toque.
Você, meu lindo, tocou a todos daqui, minha família, meus amigos e
a mim. Que sejam a porra de seis meses, desculpa Luíde, mas que
sejam os mais rápidos da minha