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Encontre-me No Banheiro
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E-book694 páginas5 horas

Encontre-me No Banheiro

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Sobre este e-book

Seu grande amor viaja a trabalho para Alemanha, Felipe, o marido, fica no Brasil e questiona a validade do casamento, a monótona vida de classe média, a força do amor, o poder da distância, a importância dos amigos, o caminho para a solidão e a sua verdade sobre família. Emocionante história, que numa descarga, revela a sinuosa experiência de viver entre a barreira tênue do amor e da promiscuidade, da serenidade e loucura,do preconceito e liberdade, e quando menos se espera, algo imaginável muda o rumo de quem fica. Personagens fortes, num ritmo vertiginoso.
IdiomaPortuguês
Data de lançamento2 de dez. de 2015
Encontre-me No Banheiro

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    Pré-visualização do livro

    Encontre-me No Banheiro - Fábio Piantoni

    Encontre-me no

    banheiro

    Fábio Piantoni

    Obrigado a todos que me encontraram nos beirais

    das latrinas e não derem a devida descarga: amigos,

    amigas e amores.

    Capítulo 1 ................................................................................. 6

    Título de capítulo 2 ............................................................... 27

    Capítulo 03 ............................................................................. 43

    Capítulo 04 ............................................................................. 51

    Capítulo 05 ............................................................................. 58

    Capítulo 06 ............................................................................. 71

    Capítulo 07 ............................................................................. 76

    Capítulo 08 ............................................................................. 94

    Capítulo 09 ........................................................................... 108

    Capítulo 10 ............................................................................ 116

    Capítulo 11 ........................................................................... 149

    Capítulo 12 ........................................................................... 172

    Capítulo 13 ........................................................................... 188

    Capítulo 14 ........................................................................... 203

    Capítulo 15 ........................................................................... 214

    Capítulo 16 ........................................................................... 230

    Capítulo 17 ........................................................................... 249

    Capítulo 18 ........................................................................... 270

    Capítulo 19 ........................................................................... 291

    Capítulo20 ............................................................................ 304

    Capítulo 1

    Os convidados chegariam dentre vinte minutos. A festa, ou melhor, a

    recepção, seria típica destas de classe média baixa, se não fosse pelo

    apartamento novo, que lhe dava o ar de mais nobre. Um lar

    financiado até o talo, mais de quinhentos mil, metade da renda

    mensal dos dois, trezentas e sessenta parcelas. Alguém mais

    desinformado diria que os dali tinham ascendido na escadinha

    dourada da sociedade campineira.

    As louças retiradas de baixo da pia, sobrou pouco dinheiro

    para os armários, eram pobres. Pratos imitavam porcelanas, copos

    aspiravam à taça, talheres leves encontravam espalhados sobre a mesa

    branca, imitação de um buffet qualquer.

    Felipe estava ansioso, praticamente ele empurrou goela

    abaixo à ideia de despedida do Ricardo. Ele desaprovava o evento,

    seria apenas seis meses de separação, passa rápido! Era o principal

    argumento, no entanto, Felipe é daqueles que demoram a ouvir

    argumentos de outra origem discursiva. Quando os ouvia, sempre

    desconfiava e os colocavam em escrutínio, verificando a legitimidade.

    No argumento contra a festa, acreditava que no fundo, no fundo,

    Ricardo era relutante porque os do lado dele, os membros da família,

    deixariam de vir.

    Com um frenesi simpático e gestos rápidos alternados com

    olhadas demoradas, arruma os talheres sem peso, pratos sem jogo e

    copos irregulares. Ah, a tolha pelo menos era fina, ganhou de

    presente. No centro, um arranjo de gérberas intensas, metidas num

    fundo verde de folhagens. Lipe, para os mais íntimos, gostava de

    Encontre-me no banheiro

    colher os elogios da sua maravilhosa técnica de deixar tudo mais belo:

    era a salada americana, a árvore natalina, a chapinha da irmã, o pão

    com passas, o lanche frio, a capa do caderno, o café preto.

    A mesa da despedida tinha que superar tudo que já fizera,

    para ele, passar sem alguém ter a notado, seria ultrajante, uma vez que

    adotou o lugar como oficial para as fotos dos celulares também

    financiados. Fotos ao lado da mesa de jantar, repleta de comida e

    flores, símbolo da própria mísera fartura, porém felizes.

    Era adorador da aparência, bem distante do refinamento.

    Deixar bonito era o forte de anfitrião, mas refinado? Talvez. A

    certeza que Ricardo tinha, o companheiro e motivo da festa, era que

    Felipe despreza a organização. Bagunçado, tanto no mundo físico

    quanto o psíquico, desordeiro e desorganizado eram os principais

    adjetivos que saiam da boca sorridente de Ricardo, que, em contra

    partida, hesita em convidar amigos para evitar sofrer com as cadeiras

    desalinhadas e as almofadas amontadas no canto do chão da sala.

    Devida deficiência para lógica da arrumação, contava

    apressadamente a louça necessária para os mais de trinta convidados,

    ainda sem banho, atrasado. Sempre! nos lembra Ricardo.

    Dá três passos para trás, inclina o corpo para ter um melhor

    enquadramento da obra prima. Vão adorar! Talvez. Falta algo que

    ilumine a parede da copa e as janelas da sala, uma tela abstrata e

    cortinas grossas. Ainda torto, cheirando a cebola, atrasado, cruza os

    braços e entre o balcão escuro de pedra, cadeiras alinhadas, o sofá da

    sala, Ricardo aparece contente:

    - Eita amor - a voz era e fina e ardente – falta muito para se

    aprontar? Sempre atrasadinho.

    [ 7 ]

    Encontre-me no banheiro

    - Queria o quê? Estive preparando tudo, desde a decoração a

    comida - responde Felipe tranquilo, pisca de forma carinhosa –

    lembre-se que a louça é tua.

    O desorganizado organizador de festas que são despedidas se

    orgulha do companheiro. Contempla-o. Camisa nova, azul Royal com

    detalhes brancos e calça jeans clara, eram novas, presente dele, ficou

    no tamanho ideal, e para sintonizar com a personalidade de quem a

    usava, vestimenta completamente lisa, impecável, sem nenhuma

    amassado, sem empregadas, ele mesmo passara.

    - Vamos, vamos! Os convidados já estão chegando - olha no

    relógio. Ainda sujinho, meu amor?

    - Só zomba da minha cara...

    - Mas está de banho tomado?

    - Digo sobre os convidados. Fica zombando que estou dando

    uma festa, são nossos amigos. Ok, já vou tomar meu banho. Preciso

    que cuide do forno para mim, a carne precisa de mais alguns

    minutinhos. Pode desligar para mim?

    - Daqui a quanto tempo?

    - Uns dez.

    - Pode deixar - empurra Lipe para o corredor.

    Num impulso natural, típico do amor, avançam

    masculinamente e o abraço vem terno, profunda simplicidade do

    adeus. Se dão conta por um insigne instante de que a despedida vem

    aos poucos, no entanto apenas um se dá conta de que a vida é um

    mar de adeus. Corpos quentes, pelo, ossos, pelos, sentimentos se

    unem mesmo separados por roupas, juntam-se conceitos, aliás, um

    único conceito, a mera união. Felipe segura o nó na garganta, uma

    vez que descesse ao peito, recusaria a voltar para lugar de origem. A

    delicada masculinidade se separa:

    [ 8 ]

    Encontre-me no banheiro

    - Vamos, vamos! - Os tapinhas são dados no ombro, o

    querido Rick estava preso pela cintura.

    - Tá, já vou - segura a lágrima, tem o forno para cuidar - dá de

    costas.

    Ricardo olha a roupa, amassou, passa a mão enquanto

    caminha para cozinha. O corpo magro encosta na pia. Cuida para que

    a bunda se mantenha seca. Impressiona-se com a arrumação do

    ambiente.

    - Será que está tão mudado?

    Os olhos correm os espaços, cozinha, copa, área de serviço e

    sala. Passará meses distantes daquele lugar que mais gosta do mundo

    e que pode se chamar de seu. Meros três meses no apartamento

    foram suficientes para colocá-lo naquele posto de primeiro. Também

    ficaria longe dos quatro anos ao lado do companheiro de vida. Vê as

    gérberas em meio aos pratos, as travessas de salada e algumas panelas

    fumegantes, sente a culpa por deixa-lo no Brasil. O legítimo amor dá

    partida nas memórias que nunca são ditas. O corpo vira. Abre a

    torneira, a fecha em seguida. O olhar voa pela janela, vê outros

    prédios, janelas apagadas, outras acesas, um pouco de movimento.

    - Vamos lá, é dia de alegria.

    Desagradar o temperamental Felipe era a última coisa que

    queria, uma vez que se esforçou muito para que aquele dia

    acontecesse. Outro, talvez mais importante, ficou perdido na face dos

    desejos, a festa do dia que oficializaram a união. Lipe queria uma

    enorme recepção, com direito a entrar vestido de terno branco e Rick

    de preto. Planejou as flores do corredor que receberia o tapete verde,

    a banda que tocaria, o bolo de três andares e o "vamos contar juntos,

    hen!". Sorri da cena que desenhara com aquarela, vê o bolo branco

    com detalhes azuis. O dinheiro estava em falta, a família virado as

    [ 9 ]

    Encontre-me no banheiro

    costas, a festa foi adiada para um futuro remoto. O riso se desfaz

    com as palavras fortes que cortam o desenho, tesoura de ferro "

    Você, Ricardo, não luta por mim, cansei de ser sempre o proativo

    da relação, quando irá enfrentá-los por mim?".

    Gotas pingam da torneira. Arrocha o fecho.

    - Será que ele está certo? Estou desistindo de lutar por ele ao

    deixa-lo aqui? - se indaga apoiado com as mãos na pia. Gira em torno

    de si, a bunda molha na pia - Sei que está segurando as pontas,

    apoiando minha ida, mas sei também que quer ir. O forno!

    Estava em tempo de salvar o carneiro.

    - Ai, ai! Disse para esquecer do carneiro, nem todos gostam -

    abre a tampa de uma das pelas que estão sobre o fogão, peixe.

    Quanto tempo gastou com toda esta comida?

    Vai à geladeira, um bolo coberto de frutas com creme e

    chocolate. A felicidade o toma pela mão e o leva à sala. Senta e espera

    sem pressa o seu herói. Um herói pobre, sem poderes, sem recursos,

    mas com muitos resgastes e força para a vida. Ricardo sente o couro

    do sofá, é legítimo. Magro, sente um frio agradável, junta as mãos

    entre as pernas, para se aquecer e espantar a ansiedade, talvez o

    medo. Onde está seu herói? O barulho da ducha o sintoniza.

    Leva a mão ao bolso da calça, procura o celular, se distrairá

    com o joguinho novo que instalou ontem. Todavia, vê uma lista toda

    riscada no canto do sofá, semicoberto por uma almofada:

    - Eita Amor bagunceiro!

    Era a lista de convidados.

    - Nossa, como conseguiu reunir tanta gente numa sexta à

    noite?

    [ 10 ]

    Encontre-me no banheiro

    Analisa os nomes, alguns riscados outros com um ok ao lado.

    A lista estava dividida em duas colunas. A do lado direito, o mesmo

    lado da cama, no topo, o nome Felipe, abaixo os convidados dele. A

    esquerda, lia-se Ricardo. Os do lado de Lipe viriam: mãe, pai, avó, tia

    materna Shirley e Tio Sérgio. Ainda no campo familiar, as queridas

    irmãs e os respectivos maridos: Isabel, a mais velha e casada com

    Alex, a filha Carol de quinze anos e namoradinho dela. Estava escrito

    com o diminutivo, Ricardo ficou em dúvida se a grafia correspondia

    ao desprezo ou a indiferença. Dos lugares que crianças frequentavam,

    Felipe desviava, era limitado quanto a presença de meninos e meninas

    em encontros de adultos, defende a ideia que do adulto é livre,

    precisa de momentos que se sinta individual, com crianças por perto,

    o individualismo acaba cedendo as preocupações de proteção a cria,

    por esta razão, Lorenzo, filho de dois anos de Isabel ficou com a avó,

    mãe de Alex.

    Ainda na lista, Adriana, segunda irmã, dois anos mais velha

    que Lipe. Ela traria o filho de sete, Luíde, pois o belo e arrogante

    Wellington, fazia questão do filho. Luana e Willian, irmã sete anos

    mais nova que ele e cunhado querido e negão, seguiam com um ok.

    Abaixo seguia os nomes dos amigos, Ricardo contou um total

    de treze nomes, alguns desconhecidos a ele. Viram: Judite e Capim,

    casal de meia idade, ela professora no estado de matemática e ele

    funcionário da IBM; o detestável Renan, melhor amigo do marido;

    Edna, professora de Arte, gordinha, sex e viciada em internet; Branca,

    corretora de imóveis em Campinas e o charmoso marido Médico,

    Bernardo; Silvio, ex-seminarista, professor de Português e Literatura

    na mesma escola estadual de Felipe, o marido de Silvio iria à palestra

    de defesa aos afrodescendentes, ausentando-se. Ainda na lista

    [ 11 ]

    Encontre-me no banheiro

    constavam outros nomes: Carlos, também colega de trabalho e ex-

    gerente da Bosch, Larissa a esposa também confirmou presença.

    Os últimos nomes da coluna finalizavam o lado direito,

    Ricardo os desconheciam: Flávio e a esposa Mônica; Waldir e esposa,

    certamente professores.

    Na coluna esquerda, a sua, havia poucos nomes. Os poucos

    que tinham estavam riscados: mãe, irmãs e irmão. Sobrava apenas

    Adriana e Benito, chefe da empresa que trabalha e responsável pela

    promoção e viagem do funcionário. Acontece que Adriana tinha

    confirmado a ida, no entanto naquela tarde, disse ao Ricardo que

    infelizmente teria que deixar a visita para outro dia, havia que ir a um

    evento importante. Imaginou o nome dela e do marido riscados na

    lista. Enfim, ninguém da parte dele viria para a despedida.

    A festa ultrapassava a finalidade do simples adeus e boa

    viagem, era a inserção num mundo fictício. Juntamente com sua

    filosofia mediana, era a abertura de uma nova era, a casa seria

    mostrada aos amigos. Trocando em miúdos, uma mostra de que estão

    vencendo, prosperando na vida, logo a inauguração do apartamento

    era o fato, a prova consistente.

    Era comum Felipe queixar-se sobre Ricardo no que se refere

    a entender. Lipe repetia a quem quisesse ouvir que o entendimento de

    Ricardo era débil tocante as suas próprias questões de existir, no

    entanto, o calado marido compreendia as aflições do inconstante

    professor de Filosofia. Quando o conheceu, quase há cinco anos,

    sentiu em Lipe algo especial. Com a convivência, via nesta criatura

    uma incrível força de viver. Uma energia vital que fazia com que

    fosse briguento e rompesse com boa parte da falsidade nas relações.

    Buscava a transparência e se distanciava das imagens construídas

    [ 12 ]

    Encontre-me no banheiro

    dentre as relações humanas. Vivia uma experimentação, a de ser leal

    consigo e com os outros, um vitral raro.

    Mudou. Felipe mudou, ou ainda está em transição, bambeia

    sobre a corda da integridade de si, com desejo de cair ao fosso dos

    delírios da busca pelo dinheiro. Quis um apartamento grande, bem

    localizado e caro para os padrões deles. Quis e quer bons móveis,

    talvez queria aparecer bem, o que tem de mal lutar para ser mais? No

    entanto, o lado mais engajado odeia conversas ostentastes, fugazes:

    viagens, carros, bolsas, perfumes, clubes. No íntimo, Lipe buscava

    conviver com o outro íntimo, de íntimo para íntimo. Falar da

    humanidade e da falta dela, da essência, da identidade do ser, do que

    compõe esta coisa de duas pernas que fala.

    Dividido e parcialmente dúbio, era Felipe. Fendido e sem

    coragem para romper com um dos lados, o de pensar e o do

    consumir. Ricardo por sua vez era sólido, rocha enterrada de uma

    face, apenas um lado. Sem indagações e indignações, vivia um dia

    após o outro. Para o companheiro, Rick era sólido como uma pedra,

    exceto pela força interior ou qualquer uma delas e sim pela falta de

    fragmentação, era inteiramente ele. Vivia com sabedoria simples:

    questionar o mínimo e o palpável, sem querer entender, sem precisar

    aceitar nada fora do microuniverso. Na prática, era prático. Pensava

    em si e vivia para um único outro, Lipe. Felipe era quase um

    sofredor autêntico, queria padecer por boa parte das mazelas

    existências e temporais, e, ainda, ter dinheiro para viajar e ficar

    hospedados em bons hotéis.

    Ali se encontravam, numa festa de despedida, numa fresta

    fendida. Ricardo com uma lista separada por duas colunas de

    convidados na mão, pouco se importando quantos viriam ou

    deixariam de vir, quanto o outro, fechando o boxe do chuveiro, para

    [ 13 ]

    Encontre-me no banheiro

    evitar reclamações, pensando sem parar se as pessoas tão diferentes

    em si conseguirão se interagir. Ali se encontravam, só que um

    atrasado, pois o porteiro já ligava para anunciar a chegada dos

    convidados.

    Eram os familiares de Lipe. Ricardo autorizou a subida até o

    quinto andar. Ficou contente que Luana e Willian trouxeram a sogra

    Neusa, o sogro Pedro e a vozinha Elvira. A campainha toca:

    - Oi – o rosto gordo e branco de Luana nem se enruga com o

    enorme sorriso.

    - Oi – beija Rick.

    - E ae? – vem um abraço grande e gordo do cunhado negão.

    - Oi Rick? – o abraço desta vez dá para sentir os ossos frágeis

    da vozinha.

    - Oi Ricardo – a voz da sogra também é simpática. Trouxe os

    pratos extras que Felipe pediu. Nossa, que mesa linda! Uhm, que

    cheiro bom! A coisa hoje vai ser boa.

    - Vai sim mãe – concorda Luana.

    - Claro que vai D. Neusa, conhece o Felipe, gosta de fazer

    coisas boas.

    A vozinha correu a mesa, queria ver se as flores eram de

    verdade. Rick, Luana e Willian conversaram um pouco. O casal

    elogiou o apartamento, era a primeira visita. Neusa já foi para

    cozinha, abrir as panelas e descobrir de onde viria o cheiro. Reclama

    do marido Pedro que ficou lá embaixo, na calçada, com um cigarrão

    na boca. Dois minutos depois, aparecia na porta cheirando a fumaça,

    com bom humor inabalável. A vozinha curiosa, esperta vai ao rack da

    sala. Elogia a televisão de LED fixada na parede e vê o porta-retratos

    horizontal 30x25 do casal. Felipe sorri sem se preocupar com os pés

    de galinha. Tinha traços italianos, herdou dela. Cabelos castanhos

    [ 14 ]

    Encontre-me no banheiro

    claros e bagunçados, rosto fino, nariz romano e olhos caídos. Era alto

    e bem mais forte que o magricela que abraçava pelo ombro. Ricardo

    empatava em felicidade no retrato. Tinha os cabelos pretos e lisos,

    perfeitamente alinhados para o lado direito, preenchendo uma cabeça

    quase quadrado. A alegria dos olhos era embaçada pelos aros dos

    óculos La Coste. A velha, com os setenta e nove anos, também sorri:

    - Pelo menos se assumiu! Diferente daquele... aquele fingindo

    do filho da Noemi –vizinha da frente da velha – aquela bicha! Se

    engana classificar aquela idosa como frágil, doce e sensível. A velha

    gozava dos benefícios da idade e da origem italiana, impetuosa,

    briguenta, forte, decidida.

    Luana sentada num banco alto, em frente ao balcão que separa a

    cozinha da sala de jantar, procura pelo irmão.

    - Rick, onde está meu irmão?

    - Deve conhecê-lo melhor do que eu, ainda está se

    arrumando. Willian dá sua alta gargalhada e completa:

    - Igual ao irmão.

    - Está lá no quarto. Aproveita e vá chamá-lo. É só ir reto pelo

    corredor – aponta a direção.

    - Vou lá. Fê! Fê! Fê...

    - Fê, está aí? Posso entrar? – abre um pouco a porta.

    - Oi minha linda. Entra, entra sim. Já estou quase pronto.

    Lu entra e senta na cama de casal boxe. Trocam algumas

    fofocas e falam sobre os maridos, bem rapinho:

    - Ai, Lu! Estou um pouco mal. Com medo, ansioso, sabe?

    Nunca recebi tanta gente diferente, será que vão conseguir se

    relacionar, conversar?

    [ 15 ]

    Encontre-me no banheiro

    - Relaxa Fê, claro que vai. Fica frio. Quero perguntar uma

    coisa, precisa ser verdadeiro comigo. Como está diante esta viagem?

    Estou te vendo bem, feliz, dando uma festa, mas te conheço. Aceitou

    de boa?

    - Maninha, tem doído pra cacete, vou te contar tudo, porém

    em outra ocasião, tomaremos café juntos semana que vem, te

    colocarei a par de tudo, deixe o mocinho estar lá na Alemanha, daí

    saímos, eu e você, vamos àquele café que gosta no centro e te conto

    tudo. Hoje é dia de festa, para que deixar germinar os maus

    pensamentos? Rick pegará o voo assim que amanhecer, preciso estar

    bem e passar positividade.

    - Está certo – se abraçam. Saem do quarto e vão ao encontro

    dos demais.

    Ao chegar, primeiro beija a avó que ainda segura o porta-retratos,

    depois os demais.

    - A tia vem mãe?

    - Fica difícil de falar, ela sumiu hoje, provavelmente deixará

    de vir. Seu tio trabalhou o dia todo...

    A televisão é ligada pelo Willian, todos conversam. Há um

    som ambiente no balcão da cozinha. Abre uma cerveja, uma garrafa

    de vinho. Após quinze minutos, outra ligação do porteiro, chega

    Isabel e Alex, sem Lorenzo e Carol. Um casal cheio de rivalidade

    entre si. Isabel era dona de uma agência de viagens e Alexandre

    professor de luta e proprietário de academias. Isa era a irmã que Rick

    mais gosta. Loira, alta, linda e um carisma inigualável. Os dois saiam

    quase toda a semana para beber e conversar, e também, confessar-se

    um ou outro. Ricardo acreditava que Felipe tinha ciúmes do

    relacionamento deles, na verdade ele até gostava da relação de ambos.

    A festa já estava com cara de festa.

    [ 16 ]

    Encontre-me no banheiro

    -Trouxe vinho Rick, aquele que gosta – Isabel abraça o

    cunhado e em seguida o irmão. O marido vai em sequência, tenta ser

    mais simpático que a esposa. Felipe é educado, mas ao abraçar faz

    carão para a irmã e o parceiro. Era obrigado suportar a presença dele.

    Ricardo para disfarçar pergunta ao Alex:

    - E o Lorenzo? – Rick adorava crianças, ainda mais Lorenzo.

    Era apaixonado pelo filho de dois anos da cunhada.

    - Ficou com minha mãe – responde Alex sem sentimento na

    voz.

    Só faltam os amigos e a irmã do meio. Felipe parece um

    pouco ansioso. Toma cerveja, conversa e tenta estar presente nos

    assuntos. Falam sobre a novela, sobre quem irá para o segundo turno

    nas eleições, sobre roupas, sapatos, falam sobre bastantes assuntos, a

    perna inquieta treme todo o sofá. O esposo nota a ansiedade e o puxa

    de canto:

    - Ei, tudo bem com você?

    - Ai Rick, um pouco angustiado. As pessoas que vão chegar,

    vão chegar! Pensamento positivo! Vão chegar! Porra! Que demora,

    acha que virão?

    - Calma! É assim mesmo. Ah Felipe, a Adriana não vem e

    nem o Benito, tem um compromisso importante.

    - Hã! Como assim? Quer dizer que este meu evento é tão

    desprezível? Quando soube? Por que diz só agora? Poxa!

    - Ficou chateado? – Ricardo parece triste.

    - Claro! E se os outros tiverem assuntos mais importantes?

    Se também faltarem?

    - Ué, paciência... a nossa família está aqui. Comemoremos

    com eles, com os que vierem, com os que nos consideram

    importantes.

    [ 17 ]

    Encontre-me no banheiro

    - Todos confirmaram Rick – afina a voz – vão vir!

    - Será?

    Estava na área de serviço. Nitidamente Felipe se irritou ainda

    mais com a conversa, quis levá-la até o final, e buscar o real sentido

    do será. Todavia sabia o que queria dizer, estava se referindo ao

    fato dele ser insistente com as pessoas. Pensou um pouco, apesar do

    esforço gigantesco, deixou a discussão para depois. Voltaram para os

    convidados. Para descontrair, Felipe fala alto:

    - Pessoal, já já comeremos. Fiz uma carne de carneiro que

    está uma delícia, e para os que tem paladar mais comum, fiz peixe. Só

    mais um pouco, comeremos.

    - Nossa Lipe, por que tanta comida? – pergunta Neusa

    tomando vinho.

    - Mãe, virão quase trinta pessoas, será? Fico sem saber com

    tanta gente dando os canos. Quero que saiam falando bem e

    empanturrados. Odeio está coisa de dar a festa e pessoas terem que

    levar um pratinho para contribuir. Sem essa do convidado sair para ir

    ao mercado comprar algo a fim de complementar ou repor o que

    falta, festa é festa, evento de caridade é evento de caridade.

    - Trouxe os pratos.

    - Mas é emprestado – os dois riem.

    O porteiro liga novamente, é Adriana e Wellington, Luíde

    veio junto, a única criança. Era quieto, correria pelos cômodos era

    característica de outro menino, sempre com o brinquedinho e

    discreto, era o sobrinho que Felipe mais gostava. Campainha, os dois

    na porta para receber. Junto com a família, aproveitou a corona

    Renan. Felipe nunca confessou, no entanto Ricardo tinha certeza que

    os dois já tiveram um caso no passado. Odiava o amigo Renan que

    era alto, forte, bonito, cheiroso e biscate, barba cerrada no rosto e o

    [ 18 ]

    Encontre-me no banheiro

    mais afeminado dos três. Estudante de direito, achava que sabia de

    tudo. Ricardo tinha tanta raiva, que o considerava um verdadeiro

    perdedor, incompetente. Também, com trinta e três anos, tentava a

    terceira faculdade. Ricardo com vinte e nove, formado em comércio

    exterior, fluente em três idiomas, recém promovido. Aliás, Felipe era

    mais velho, trinta e dois. Mais cumprimentos, é a vez de Rick ser

    forçado e fazer carão.

    - Oi Rick – se requebrado todo Renan

    - Oi! aff, que bicha.

    - Meu Pai!!! Que casa linda! Oi Fê, parabéns! Arrasô. Olha

    esta mesa – aperta uma pétala da gérbera – que decoração fantástica.

    Só você mesmo amigo. Olha está flor! Incrível, na real, amigo

    incrível.

    - Que bom que gostou amigo, faço com carinho.

    - Eu sei, por isto que arrasa sempre. Oi gente! Oi pessoal! Dá

    licença e fiquem a vontade, sou discretíssimo, finjam que estão só

    vocês, que sou um móvel, adora ser móvel, jogado para lá, para cá,

    ficarei bem sossegado decorando o ambiente.

    Felipe abraça o sobrinho de sete anos, cumprimenta a irmã,

    pergunta sobre o restaurante.

    - Fiquem a vontade viu – diz a irmã e ao cunhado.

    Abraça todos, conversa alto e ri chamativamente. Na

    verdade, a festa começou com a chegada dele. Felipe relaxou com a

    presença do amigo, pelo menos um veio. Renan brilha, Ricardo se

    cala um pouco. Depois das graças, Renan e Lipe conversam um

    pouco na sacada da sala. Renan fuma e sopra a fumaça em direção à

    rua. Ricardo senta ao lado de Isabel no sofá, conversam, mas mantém

    o olho nos gestos escandalosos do amigo do marido:

    - E aí Isa, esqueci de perguntar, a Carol vem?

    [ 19 ]

    Encontre-me no banheiro

    - Quis ficar com o namorado em casa.

    Ricardo sorri maliciosamente:

    - Acha que ficou por algum motivo?

    - Me recuso a dizer qualquer coisa a mais. Orientei no que

    pude. Levei ao médico, falei sobre gravidez. Agora, se faltar

    prevenção, camisinha, pílula, terão que se virar sozinhos com a

    gravidez indesejada, é provável até que vá morar na casa dele.

    - Ela só tem quinze anos!

    - Com esta idade, já sabe o que faz.

    Renan e Lipe passam pela sala sorrindo. Felipe tropeça em

    Luíde e quase cai, se apoia no amigo que o segura e o olha de jeito

    diferente. Ricardo se controla. Vão até a mesa, Renan se sobressai:

    - Gente, tô com fome! Vamos comer? O cheiro está me

    matando.

    Fizeram silêncio. Os convidados se entreolharam. Ricardo torcia por

    uma negativa de Felipe, colocando a bicha no lugar. Vai Felipe, Vai

    Felipe, Vai Felipe.

    - Amigo, vão chegar mais pessoas, espera um pouquinho - o

    anfitrião já estava com os olhos moles.

    - Hello Mrs Dalloway, tão ingênua a mona, acha mesmo que

    virão? Olha a hora! Só eu que quero ficar com você, quero dizer, tua

    amizade.

    A Isabel nota a raiva de Ricardo, que se remexe no sofá.

    Agora Felipe vai dar um chega para lá nele.

    - Você está certo! O pessoal deve estar com fome. Se eles

    virão, comem depois.

    A raiva de Ricardo deu lugar a uma triste fisgada no peito,

    notou a frustração do amigo e como a ausência dos convidados o

    [ 20 ]

    Encontre-me no banheiro

    abalava. Levanta, pede licença a cunhada e abraça o marido por trás.

    O corpo de Felipe entende o vai ficar tudo bem.

    A comida estava deliciosa. Jantaram, comeram e riram. Vó

    Elvira comentou que estava dura, Neusa que o peixe estava frio.

    Paulo comeu os dois sem reclamar. Judite e Capim chegaram minutos

    depois de começarem a jantar. Animou Felipe com o jeito sábio de

    conversar e Capim, conversou com todos. Ela até pediu a receita do

    bolo. Em determinado momento, quando o silêncio diz que precisa

    ser dito algo, o professor de Filosofia, um tanto alto pelo álcool,

    decide prestar uma homenagem ao companheiro que partirá em

    poucas horas para o outro lado do oceano.

    - Pessoal, quero dizer umas palavrinhas. Nem me tente

    impedir Ricardo, vou falar sobre você e para você. Este momento

    existe para isto, vai embora me deixar – olha para todos. Quero

    agradecer a vocês que vieram, os que faltaram, nem fizeram falta...

    sou um zé ninguém, um bosta e você também meu amor – aponta o

    copo sujo de vinho para o amor. Mas para que fazer falta, ou para

    quem fazer falta, né? Pois é isto que fará ao partir naquele avião daqui

    a pouco em Viracopos, meu querido. Fará falta a estas paredes –

    Ricardo agradece ao destino o copo de Felipe estar vazio, as paredes

    se preservarão intactas de respingos – a este sofá, a estas pessoas – a

    mão movida em círculos. A este coração. Quando se faz falta,

    telefone, internet, são paliativos medíocres. Meros veículos. É preciso

    sentir o amor, e estes veículos só existem para mostrar a importância

    de estarmos juntos, que nada substitui a alma, o corpo, o toque.

    Você, meu lindo, tocou a todos daqui, minha família, meus amigos e

    a mim. Que sejam a porra de seis meses, desculpa Luíde, mas que

    sejam os mais rápidos da minha

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