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Paris Vermelha
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E-book405 páginas5 horas

Paris Vermelha

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Sobre este e-book

Hosana tornou-se uma mulher gelada e vingativa. Sua meta era destruir o homem que amara loucamente. Ela faria tudo pela vingança. Aquela humilhação precisava ser lavada de sua vida. Suportou uma vida cercada de trabalho, sem afeição e solidão. A Imperatriz de Pedra sobreviveu. Não era mais ela, mas aquele alter ego criado para continuar viva. Pagou o preço necessário. Marcas ficaram e nem o tempo jamais apagou. Deixou para trás toda a inocência daquela moça de vinte e três anos. Agora a inocência dera lugar a um ser frio e calculista. A Imperatriz de Pedra estava disposta a execução de seu plano contra aquele que a destruiu como mulher. Não tinha uma vida pessoal. Era uma das mais proeminentes anfitriãs da cidade. Pessoas importantes disputavam um convite para seus jantares. Mas as pessoas especulavam sobre o que ela fazia depois que todos os convidados se retiravam e ficava a sós. Havia rumores de que era uma insone, passava as noites acordada planejando novos projetos para o império Stein. No entanto, seu único projeto era destruir a carreira política que Gerald Champoudry traçava. A humilhação pública seria dele, não mais dela. Para conseguir os seus objetivos, não tinha limites: mentia, usava seu poder, enganava e seduzia. Sem remorsos ou pena de ninguém. Você vai conhecer a história de Hosana Stein. Irá entrar na sinuosa estrada entre a paixão e a obsessão de uma mulher traída. Verá como um belo homem tem o seu lado sombrio. Esta não é uma história de amor. É sim uma história de caminhos paralelos e de vingança.
IdiomaPortuguês
Data de lançamento27 de set. de 2015
Paris Vermelha

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    Paris Vermelha - Silvia R. Pellegrino

    1. GERALD CHAMPOUDRY

    A chuva fina e gelada batia no rosto de Hosana Stein. A cabeça fervilhava com os planos de última hora. Apertou a capa de gabardine contra o corpo e puxou o capuz, que mal lhe cobria a testa. Caminhava apressada. Aquela era uma oportunidade única.

    Há alguns dias, Hosana voltara a encontrar Gerald Champoudry, que além de advogado, com escritório na Avenida Paulista, era proprietário de excelente marca de perfume, já despontando no mercado mundial. Foi uma conversa rápida, enquanto tomavam champanhe no lançamento da coleção de joias da amiga comum Carla Zattel. Ela não sabia do negócio dele e quando se percebeu falando sobre sua facilidade em misturar essências e reconhecê-las imediatamente, ele a convidou para conhecer a fábrica.

    — Os franceses chamam isto de art de vivre, a arte de viver bem. Difícil encontrar alguém que não se identifique com essa filosofia de vida, não? — Ele falava.

    Ela já estava encantada com o convite. Quando recebeu outro, para trabalharem juntos, as pernas lhe tremeram. A voz saiu levemente do tom. Conseguiu controlar a emoção. Aceitou conhecer a fábrica e falarem sobre a proposta de trabalho.

    — Acabei de saber que posso tirar alguns dias de folga. Acha que seria possível vir comigo conhecer a empresa? Tenho certeza de que irá se encantar com a magia dos perfumistas.

    — Oh, Gerald, não tenho intenção de afastá-lo de seus negócios… Afinal você está aqui em São Paulo para abrir frentes de negociação com compradores e se dispor a me ciceronear vai fazê-lo perder seu tempo.

    — Bem, então só durante o fim de semana. Iremos na sexta-feira depois que você sair do trabalho e da última reunião com os prováveis compradores, e voltaremos a São Paulo no domingo à tardinha.

    Ao saírem do prédio, cada um seguiu seu caminho. Despediram-se formalmente, confirmando a viagem. Era um sábado à tarde. Cintilações de luz dourada pintavam o céu e as sombras das nuvens corriam por detrás dos altos edifícios da cidade, perseguindo-se entre si, afastando-se da linha do horizonte, agora com tons vermelhos indo para um tênue violeta.

    Hosana, dirigindo-se para casa após aquela conversa com perspectivas únicas, coração opresso numa possível mudança de vida, sentia-se agradavelmente eufórica. Foi uma longa caminhada até seu edifício, porém o bastante para pensar e sonhar.

    Tinha, na verdade, vinte e três anos, formada em literatura e artes, uma moça alta, magra e esguia, cabelos longos e castanhos, que mais pareciam uma cascata de veludo caindo sobre a capa de gabardine, enquanto ela tentava ajeitá-los dentro do capuz. Caminhava rápido enquanto a cabeça girava em milhares de pensamentos.

    Sentou-se em sua poltrona preferida, onde podia se harmonizar e pensar concentrada. Pegou o livro ao lado e leu: "A arte de elaboração do perfume nasceu no Egito. Por volta de 2000 A.C., os primeiros clientes foram os faraós e os membros importantes da corte, logo, o uso do perfume se difundiu. O químico árabe Al-Kindi (Alkindus) escreveu no século IX um livro sobre perfumes chamado Livro da Química de Perfumes e Destilados. O médico e o químico persas Muslim e Avicenna (também conhecido como Ibn Sina) introduziram o processo de extração de óleos de flores através da destilação. A partir da Espanha, o perfume foi introduzido em toda a Europa durante o Renascimento. Foi na França, a partir do século XIV, onde se cultivavam flores, que ocorreu o grande desenvolvimento da perfumaria, permanecendo desde então como o centro europeu de pesquisas e comércio de perfumes."

    Depositou o livro sobre a mesa e aspirou o perfume da terra molhada pela chuva recente. A primavera chegou e com ela aquele desejo de comungar com a natureza, colocar flores nos vasos e sentir o perfume espalhado no ar.

    Aproveitando a sincronicidade do momento resolveu que teria uma vida mais verde e perfumada, dentro de seu lar.

    A melhor saída para tornar esse sonho uma realidade era apostar em soluções simples. Compraria telas metálicas usadas nas lajes de concreto. Várias telas sobrepostas, cada uma pintada de uma cor diferente, e fixadas por arames metálicos serviriam de suporte para vasos de fibra de coco com espécies de fácil manutenção. Sua varanda tomaria um ar de jardim tropical com plantas como samambaias e renda portuguesa, que não a deixariam na mão. Bastaria regá-las com regularidade e estariam sempre ali para agradar o olhar e refrescar o ambiente.

    Um jardim vertical não ocuparia seu espaço e ao mesmo tempo deixaria aquela área de sua casa mais bonita, aconchegante e fresca. As plantas conseguem condicionar a temperatura de um ambiente. Ela sabia que jardins em varandas ou mesmo em frente às janelas, como vasos pendurados, criam um microclima mais ameno ao seu redor e, com a ventilação natural, é trazido para dentro de casa.

    Voltou a pensar na proposta de Gerald Champoudry. Inicialmente precisava definir qual estilo de vida gostaria de levar. Se a escolha fosse sair do país e morar em Paris, teria que se desfazer do seu pequeno mundo. Nada de suas fantasias poderia ser realizada. Mas teria o trabalho que sempre almejara. Era uma mudança de vida de cento e oitenta graus.

    Hosana sabia existirem perfumes para todos os gostos e bolsos e é aí que muitas vezes fica a dúvida na hora da escolha. Saberia misturar as essências comerciais? Seu hobby se transformaria em trabalho?

    Havia lido muito sobre o assunto e sabia que perfumes é o resultado de uma mistura de essências e substâncias aromáticas que, no caso dos importados, conta com uma combinação de mais de sete mil existentes. No caso dos contratipos o processo ocorre de forma inversa, ou seja, a partir de um perfume original, os perfumistas identificam quais foram as substâncias utilizadas para a criação deste e então trabalham em uma composição o mais próxima possível.

    Por isso, alguns contratipos já conhecidos, que trazem as fragrâncias em embalagens mais modestas e com o nome em formato de número, em que cada um é equivalente à fragrância original, possuem produtos muito similares aos originais importados. A grande diferença entre eles está na concentração da essência, que é o que determina o tempo de permanência do odor na pele. Perfumes importados são compostos em média por 15 a 20% de essência, enquanto que os similares apresentam de 5 a 7%. E assim como roupas e acessórios, os perfumes também seguem tendências internacionais. Tudo aquilo passava como um filme em sua cabeça.

    O dia da viagem chegou. Fora tudo tão rápido que Hosana não tivera tempo para deglutir toda aquela sensação de mudar a vida.

    Chegaram a Paris na época em que Christian Louboutin chocou a cidade. O estilista francês não escolheu modelos maravilhosas para apresentar sua nova coleção de sapatos de sola vermelha. O mago dos sapatos mais desejáveis do mundo escolheu nada mais que a Cidade Luz para apresentar sua nova coleção outono/inverno 2012. Pontes, fachadas, ruas e fontes de Paris estavam decoradas com os Louboutins. Paris pintou-se de vermelho.

    A cidade ficou mágica com a decoração.

    Saíram pela cidade a pé, enquanto se contagiavam com o vermelho que tomou conta de Paris.

    Dormiram apenas aquela noite na cidade e seguiram para o sul do país.

    Grasse é uma pequena cidade no sul da França, na Riviera Francesa. As ruas são estreitas, e o clima é bem provinciano. Tudo ali até poderia passar desapercebido se Grasse não fosse conhecida como a capital mundial do perfume.

    Ouviu Gerald dizer:

    — O clima ameno da região é ideal para o cultivo de diversas flores. Toneladas de jasmim são colhidas por ano nos campos da cidade. Por isso, aqui se instalaram várias fábricas de perfume. Atualmente, além das flores locais, são importadas outras do mundo inteiro, possibilitando a criação das mais exóticas fragrâncias.

    — Por isso resolveu se instalar aqui?

    — Sim, claro. Aliás, na cidade também se encontram os melhores noses, narizes, em português — explicou — do mundo. Eles são os responsáveis pela criação dos perfumes. Depois de muito estudo, de no mínimo seis anos em faculdades especiais e aperfeiçoamento prático, são capazes de identificar milhares de aromas e fazer a combinação de essências até chegar ao produto final. Para os turistas, as atrações, além do Musée International de La Parfumerie, são as fábricas de perfume.

    — Mas nós escolhemos a Champoudry, sua fábrica de perfume em Grasse...

    — Exatamente. Ela foi criada em 1946. Chegando lá, faremos uma curta visita guiada, para você conhecer um pouco mais da história do perfume e entender a forma de produção.

    Viram a produção de sabonetes, e Hosana entendeu melhor as diferenças entre eau de Parfum, eau de toillete e eau de cologne. A diferença básica entre eles era a concentração de essências, sim, mas com pequenos segredos da Champoudry. Ao final do tour, chegaram à melhor parte: lojinha para as compras!

    Ela comprou apenas uma fragrância que Gerald fez questão de dar-lhe de presente. Hosana adorou os perfumes Gentille Dame, com toques florais e cítricos, Nuit de lune, fragrância marcante para a noite, e L’amour parfumée, contendo jasmim com leve toque amadeirado. Viu diversos tipos de embalagens e diversos tamanhos. Optou pelo pequenino, de apenas 15 ml. Os sabonetes de lavanda também eram maravilhosos. As embalagens lindas serviriam como ótima lembrança para presente.

    Depois de visitarem a Champoudry, voltaram para Paris, onde estavam hospedados. Hosana apenas se arrependeu de não ter visitado a cidade na mais interessante época, que é durante a Festa do Jasmim Fête du Jasmim, que ocorre todos os anos no mês de agosto, quando carros alegóricos desfilam pela cidade e flores são distribuídas, deixando tudo perfumado. Os produtos podem ser encontrados nas cidades de Grasse, Eze, St Paulo de Vence e em Paris. Mas a primavera na França exalta os sentidos com uma mistura forte e apetitosa de cores e sabores.

    — Durante um fim de semana, autoriza-se uma pausa romântica! — falou Gerald. — Mas precisa ser um passeio de mãos dadas ao longo do lago cor turquesa que leva à ponte dos amantes — dizendo isso, pegou a mão dela. Hosana se imaginava naquele espetáculo de montanhas a perder de vista ao lado do homem amado… Arrepiou-se ao pensar que podia estar se apaixonando por Gerald. Ele despertava nela uma sensualidade forte. Depois, Gerald a levou ao cruzeiro no lago mais puro da Europa.

    Fizeram uma visita nas Gargantas do Fier.

    — Aqui permanece a lenda de um amor impossível num lugar esplêndido escavado pelas águas! — Gerald falou com sua voz cariciosa e rouca.

    Ao cair da noite, tiveram um jantar esplêndido. Comeram um prato de spaghetti acompanhado de um especial vinho nacional, à maneira de A Dama e o Vagabundo, e tudo num ambiente veneziano.

    Ao voltarem para o hotel, Gerald lhe perguntou:

    — Descobriu nossa temática sobre a art de vivre francesa?

    Ela ainda estava deslumbrada com tudo e sob o efeito do vinho. Sorriu para ele de forma terna.

    — Adorei o passeio, Gerald. Adorei tudo!

    Gerald esqueceu o porquê de tê-la levado à França e beijou-a apaixonadamente.

    Hosana não soube explicar como aquilo aconteceu, mas ela foi parar na cama dele, sem maiores explicações. O sexo foi enlouquecedor. Não voltaram para o Brasil. Ficaram mais uma semana naquele idílio.

    Ao acordar, Hosana lembrou que na manhã do lançamento da coleção de joias da amiga comum Carla Zattel ela teve o pressentimento de que conheceria o homem com quem iria se casar. Era uma declaração simples e otimista, sem o menor presságio dramático de acontecimentos prestes a ocorrer Era um desses dias raros e felizes em que nada podia sair errado, em que nada ousaria sair errado. Hosana Stein tinha uma mania da qual não se livrava. Um hábito descabido. Antes de sair de casa, entrava na internet e jogava o joguinho de runas, sempre fazendo uma pergunta. A do dia era sobre seu casamento. Recebeu a mensagem de que aquele seria um dia especial e mudaria sua vida. Esteja preparada para desfrutar o que vem pela frente.

    Esteja preparada para desfrutar o quê?, pensou Hosana, irônica. As runas estão na internet, é um programa formatado. Era um absurdo, uma distração para os tolos. Não podia se deixar levar por aquele pressentimento.

    Hosana Stein era executiva de relações públicas e propaganda na Gênios Publicidade, em São Paulo. Tinha três reuniões marcadas para aquela tarde, a primeira com a empresa Tobias Fertilizante, cujos executivos se mostravam bastante animados com a nova campanha que ela preparava. Gostavam em particular da frase de abertura:

    Se você gosta do aroma de flores, deixe-as longe das adversidades. A segunda reunião seria com a Brisas Studio Fármaco e a terceira com a São Paulo Coamo Companhia. Estava entusiasmada. O dia estava iniciando de forma considerável.

    Aos vinte e três anos, com um corpo esguio e provocante, Hosana Stein tinha uma aparência sedutora e exótica: olhos verdes-esmeralda, malares salientes, cabelos castanho-claros lustrosos, que usava compridos, com uma elegante simplicidade. A amiga Carla lhe dissera uma ocasião:

    — Se você é bonita, tem um cérebro e uma vagina, pode dominar o mundo.

    Hosana Stein era linda, tinha um QI altíssimo e a natureza cuidara do resto. Mas considerava sua aparência uma desvantagem. Os homens lhe passavam cantadas ou até a pediam em casamento, mas poucos se davam ao trabalho de tentar conhecê-la de fato. Além das duas secretárias que trabalhavam na Gênios Publicidade, Hosana era a única mulher ali. Os outros quinze funcionários eram homens. Hosana levara menos de uma semana para constatar que era mais inteligente do que todos eles. Fora uma descoberta que decidira guardar só para si.

    Depois daquela viagem, muitas foram feitas. Hosana se transformou numa espécie de assessora pessoal e companheira de cama de Gerald Champoudry. Os dois mantinham um relacionamento e costumavam dormir juntos a cada viagem deles, para entabular algum negócio.

    Novamente estavam em Paris. Desceram do avião, e ele estava animado em falar da França, na ocasião.

    — Os taxistas franceses são conhecidos por não gostarem de falar outros idiomas dentro do país, mas em Marselha, pelo menos para eles, tudo mudou. Os motoristas aprenderam inglês. A cidade foi escolhida como Capital Europeia da Cultura em 2013 e eles tiveram de se preparar para os turistas.

    — Ah! Lembro-me disso. Depois, no início de 2014, milhares de taxistas fizeram uma grande manifestação em Paris, exigindo que o governo regulamentasse serviços de veículos de turismo com chofer, os denominados VTC, como Uber, Allocab e SnapCar. Em lenta carreata, eles bloquearam os acessos para os aeroportos Charles de Gaulle e Orly, complicando o trânsito na cidade. Os acessos para Marselha também foram fechados — complementou Carla. Ela os havia acompanhado para conhecer as novas tendências no mercado joalheiro francês.

    — Não me preocupo com isso. Os novos serviços não pegam passageiros na rua, como os táxis, mas permitem que as pessoas reservem carros com motoristas pelo smartphone. Segundo os taxistas, a concorrência é desleal, já que profissionais que oferecem o VTC não seguem as mesmas normas impostas aos táxis e não precisam pagar as altas licenças — asseverou Gerald.

    Hosana sentiu-se coagida a entrar no assunto.

    — Li que no Charles de Gaulle os manifestantes fizeram um buzinaço, exibindo cartazes com o lema 55 mil taxistas aborrecidos. Em Orly, foram bloqueados os acessos dos passageiros que queriam pegar um táxi.

    Gerald não prestou atenção ao comentário.

    — O lobby dos taxistas tem peso político, com cinco diferentes sindicatos. No começo do ano, a categoria conquistou regulação que obrigaria os serviços de VTC a oferecer carros com período mínimo de espera de quinze minutos, um tempo alto para a Uber, por exemplo, que se orgulha por disponibilizar veículos em até cinco minutos. No início do mês, a operadora de VTC Allocab conseguiu uma objeção ao regulamento, suspendendo a aplicação dele por um ano até que a justiça decida se ele deve ser anulado. Ciente do problema, o governo anunciou iniciativa para balancear a competição entre táxis e VTCs, com a convocação de uma comissão com representantes dos taxistas, VTCs, passageiros e governos para propor uma solução em dois meses.

    Sem chance de rebater, Hosana se manteve calada.

    Finalmente pegaram um carro com motorista para levá-los até o hotel. A conversa morreu.

    Para preservar a sanidade mental, havia aprendido a se concentrar na tela do celular em vez de ficar vendo os carros passarem ao lado a milímetros de distância. Sempre que cometia o erro de prestar atenção ao tráfego, ela se via o tempo todo apertando o pé contra o chão. Seu instinto lhe dizia para acionar um pedal de freio imaginário.

    A cabeça ainda estava a mil em razão do homem por quem se apaixonara.

    Gerald Champoudry. Só de pensar no nome dele já sentia uma onda de calor pelo corpo. Desde a primeira vez em que o viu — quando notou o lado perigoso e fascinante que havia por trás daquele homem inacreditavelmente másculo e belo —, sentiu uma atração irresistível, que só poderia ter acontecido porque havia encontrado o homem de sua vida. Ela precisava dele assim como precisava do ar que respirava. Ele, por sua vez, nem sequer imaginava os sentimentos dela.

    O corpo dele roçava no dela. Podia aspirar o perfume dele e lembrou-se do primeiro beijo. Os lábios comprimindo os seus num movimento sensual. Da época dos passeios românticos por Paris. Ele falando da Cidade Luz com o entusiasmo de uma primeira vez. Tudo o que contam sobre Paris é verdade. Poucos lugares do planeta marcam o antes e o depois tão profundamente na vida de quem a visita. Com 2,3 milhões de pessoas — sem contar a zona metropolitana —, a capital da França não foi presenteada com uma geografia que a diferenciasse especialmente por sua beleza natural, como o Rio de Janeiro ou Veneza, por exemplo. Mas seu conjunto arquitetônico é deslumbrante, o charme de suas ruas e avenidas e seus imponentes monumentos nos lembram a todo o momento que estamos diante de parte do melhor que o ser humano foi capaz de construir e preservar. Restringindo-se ou não ao clássico circuito Louvre, Torre Eiffel, Arco do Triunfo, Champs-Elysées, a pé, de metrô ou de bicicleta, o que não falta é local bonito para se conhecer.

    — Ah, a noite parisiense! — Rodopiou como criança. — Tanto notívagos quanto quem acorda cedo — ressaltava Gerald —, Paris tem muita informação em cada esquina, cada pequeno café, cada impecável bulevar. Uma quantidade de atrativos que se equipara à sua riqueza humana, fazendo do encontro entre o multiculturalismo dos milhões de imigrantes e o orgulho e a elegância dos parisienses um programa imperdível por si só.

    Ele fez uma breve pausa antes de continuar:

    — Gosta de artes plásticas? Pois vou levá-la. Vai apreciar artes plásticas e se deparar com obras-primas em museus imperdíveis como o Rodin, o Quai-Branly, o Instituto Georges Pompidou e o magnífico d'Orsay e sua vasta coleção de impressionistas. Depois conhecerá salas como a Bastille e a Opera Garnier. Você encontrará magníficas produções de dança e música. Do profano ao sagrado, visitaremos tudo. As joias da arquitetura sacra na pequena, mas estonteante, Saint-Chapelle, ou na icônica Sacre Coeur, no bairro boêmio de Montmartre. Quando nossas pernas clamarem por um descanso, sentaremos num banquinho em lugares charmosos como o Jardim das Tulherias, entre o Louvre e a Champs-Elysées, a aristocrática Place des Vosges ou os concorridos Jardins de Luxemburgo. Locais um pouco menos lotados, mas que merecem uma visita são o Instituto do Mundo Árabe, o parque La Villette e os museus Carnavalet e Cluny, todos eles mostrando uma faceta diferente da cidade. Por fim, caso você realmente queira descobrir um lado oculto de Paris, reservaremos um tempo para atrações como os curiosos esgotos, as sinistras catacumbas e o popular cemitério Père-Lachaise.

    2. ANNA ZANATA

    O barulho de uma buzina a trouxe de volta ao presente. Pelo vidro do carro, viu um anúncio publicitário estampado num cartaz imenso.

    As curvas sensuais de Cara Delavigne, escolhida por Tom Ford para a publicidade de seu perfume Black Orchid, estavam bloqueando o cruzamento. O taxista buzinava sem parar, como se isso pudesse liberar o caminho.

    Estava deitada de lado, nua, imersa numa piscina e cercada de pétalas, segurando o perfume nas mãos. Seus olhos azuis estavam sugestivamente chamando com malícia, à procura do produto.

    Só naquele momento, de repente, ela se deu conta de que Gerald também olhava a modelo com olhos de desejo. Teve certeza de ser obrigada a esconder dele seu segredo. O desejo latejava em seu corpo colado ao dele. Ela odiava a ideia de não poder contar a Gerald o que se passava em seu corpo, com suas emoções desde aquela primeira vez em Paris.

    Ela precisava conversar sobre aquilo, procurar ajuda para tentar assimilar melhor o fato, mas nunca poderia abrir a boca para ninguém. Nem mesmo Carla poderia saber a respeito, pois se tratava de amiga de ambos. A regra era o sigilo.

    Um guarda de trânsito com cara de poucos amigos, com um bigode recheado, apareceu e mandou que todos seguissem em frente. Fazia isso com o gesto autoritário da mão coberta pela luva branca e um grito que não deixou dúvidas de estar falando sério. Ele fez um sinal para que cruzassem antes de o semáforo fechar. O motorista não teve dúvidas em obedecer, não queria levar multa por desobediência.

    O trajeto entre a cobertura de Gerald, na Av. República do Líbano, em Vila Nova Conceição, e o apartamento dela, perto do Museu de Arte de São Paulo Assis Chateaubriand não ficava tão longe, mas o trânsito fazia parecer durar uma eternidade. A informação que o inspetor do Departamento Estadual de Prevenção e Repressão ao Narcotráfico de São Paulo, Nicolas Frazão, compartilhara com ela poucas horas antes tinha transformado sua vida completamente.

    Hosana convenceu o homem que Gerald havia viajado para a França. Talvez estivesse em Grasse.

    Ela precisava se convencer a abandonar o único homem com quem desejava viver o resto de seus dias. Enquanto dirigia, seus pensamentos fervilhavam. Tinha que deixar Gerald sozinho, apesar de não acreditar nas palavras de Frazão. Não podia arriscar levar o inspetor diretamente ao homem amado. Achava que as revelações eram apenas suspeitas, mas correr para Gerald faria aquele homem segui-la até ele.

    — Meu Deus!

    Era um turbilhão de sentimentos no qual estava envolta. O coração parecia explodir no peito. Gerald estava precisando dela naquele instante — assim como ela necessitava dele. Parecia que o ar lhe faltava.

    Seus olhos estavam enevoados pelas lágrimas que desciam em torrente. Fez a volta com o carro e sentiu que seu coração batia como tambor descompassado. Parou o carro num local pouco iluminado e enviou uma mensagem pelo celular. Saia de onde estiver. A polícia está a sua procura. Ligou o motor e resolveu voltar para casa.

    O carro virou a esquina e entrou na garagem do prédio. O porteiro da noite falou pelo interfone que havia correspondência para ela. Antes que cedesse à vontade de pedir ao porteiro para deixar a entrega para o dia seguinte, resolveu descer até o térreo e pegar tudo com ele.

    — Boa noite, Srta. Stein.

    Além da saudação, o porteiro estendeu a mão direita com um maço de envelopes. Ela se aproximou para pegar toda a correspondência e percebeu que ele olhava discretamente o seu rosto marcado pelas lágrimas.

    Sorrindo como se estivesse tudo bem, atravessou o saguão e foi direto para o elevador, fazendo apenas um breve aceno de cabeça na direção da recepção.

    — Hosana!

    Virou a cabeça e viu uma morena elegante, vestida com um conjunto estiloso de saia e casaco, se levantando de uma das poltronas do saguão. Seus cabelos escuros e ondulados iam até os ombros, e seus lábios estavam cobertos de batom cor-de-rosa. Não a reconheceu e franziu a testa.

    — Pois não? — respondeu, na defensiva. Havia um brilho ansioso naqueles enormes olhos castanhos. Aquilo atiçou seus instintos. Apesar do abatimento sentido, ela endireitou os ombros e a encarou com firmeza.

    — Anna Zanata—a outra disse, estendendo a mão direita numa postura profissional. — Investigadora do Denarc. Departamento Estadual de Prevenção e Repressão ao Narcotráfico. Conhece, não?

    Todas as guardas levantadas.

    — Claro!

    Ela sorriu, e Hosana percebeu o leve sarcasmo no curvar da boca.

    —Não precisa ficar tão amedrontada. Eu só quero conversar com você um instante. Estou trabalhando num caso e seria interessante se você pudesse me ajudar.

    — Não quero ofendê-la, mas não consigo imaginar nada que possa lhe dizer, investigadora.

    — Não? — Ela arqueou a sobrancelha. — Nem sobre Gerald Champoudry?

    Todo o corpo de Hosana se retesou.

    — Em especial sobre ele.

    — Como? Não pretende auxiliar a polícia?

    — Não se trata disso, mas de sigilo profissional. Sou a assistente direta dele e nada do que ocorre na empresa eu posso discutir com outra pessoa.

    — Não se trata da empresa, mas da pessoa física dele.

    Hosana disparou:

    — Muito menos sobre a pessoa física dele. Desconheço a intimidade de meu patrão.

    — Engraçado, um dos perfumistas mais badalados do mundo, com uma lista enorme de notícias sobre a vida privada dele nos jornais e você, sua assistente direta, não sabe nada sobre os hábitos pessoais dele?

    Anna cruzou os braços na altura dos seios e mediu Hosana da cabeça aos pés.

    — Vamos lá — ela insistiu. — Não envolverei seu nome nisso. Não vou mencionar absolutamente nada que possa identificá-la. É a sua chance de auxiliar uma investigação policial e ainda de graça se vingar de alguma humilhação sofrida no emprego.

    Sentiu um soco na boca do estômago. Ela jamais faria aquele jogo baixo, nem se não sentisse amor por Gerald. Olhou aquela mulher e era ela a medir a outra de cima a baixo. Alta, esguia, cabelos escuros, ondulados e brilhantes, pele morena. Pela cabeça de Hosana passou, como um raio, o pensamento de que aquela mulher estava querendo vingança. Possivelmente ela transou com ele, pensou. Imaginou-a balançando os cabelos castanhos e se jogando em cima de Gerald. O rosto ficou rubro de raiva.

    — Tem certeza do que está tentando fazer? — perguntou num sopro. — Eu prefiro não tê-lo como inimigo.

    A outra sorriu, como no início e lançou:

    —Você tem medo dele? Pois eu não tenho. O dinheiro dele não compra tudo

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