Conservação da Biodiversidade e Pobreza no Parque Estadual da Serra do Conduru, Bahia, Brasil
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Sobre este e-book
Neste livro, a complexidade das temáticas conservação da biodiversidade e pobreza deu lugar a uma linguagem simples, uma abordagem didática e uma discussão facilmente compreensível para todos os leitores, sejam das áreas acadêmica e técnica, ou pessoas interessadas na discussão.
O livro propõe auxiliar leitores a compreender conceitos e a importância da conservação da biodiversidade em um Parque Estadual, fundamentado em políticas públicas nacionais, como o Sistema Nacional de Unidade de Conservação, e internacionais, como a Convenção da Diversidade Biológica, que visam apoiar Objetivos de Desenvolvimento Sustentável ao tempo que se busca avaliar o impacto socioeconômico da criação de uma área protegida sobre as populações humanas locais.
Diante de uma discussão tão abrangente quanto polêmica, buscou-se responder a questionamentos como: quais os benefícios da criação de unidades de conservação para a conservação benefícios para as populações humanas com a criação das Unidades de Conservação da biodiversidade? De fato, a criação de áreas protegidas garante a proteção à biodiversidade? Quais os? As populações humanas têm benefícios? Essas e outras questões são apresentadas e discutidas a partir de um referencial de experiências em várias áreas protegidas do mundo.
A expectativa é que esta leitura provoque reflexões e instigue pesquisadores a realizarem estudos semelhantes a fim de nortear políticas que contribuam para a efetiva conservação da biodiversidade em áreas protegidas e que a criação de novas unidades de conservação não aumente a pobreza local.
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Conservação da Biodiversidade e Pobreza no Parque Estadual da Serra do Conduru, Bahia, Brasil - Patricia Carla Barbosa
INTRODUÇÃO
Conservação da biodiversidade e pobreza são temas frequentemente discutidos nos principais círculos políticos, sociais, econômicos e ambientais da atualidade, entre eles a Rio 1992, as Conferências das Partes da Convenção da Diversidade Biológica, a Cúpula do Milênio e a Rio+20, em 2012.
Refletem compromissos assumidos para o cumprimento de metas internacionais relativas à Convenção sobre Diversidade Biológica (CDB), que, no seu preâmbulo, reconhece o desenvolvimento econômico e social e a erradicação da pobreza como prioridades primordiais e absolutas dos países em desenvolvimento.
Nos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM), foram estabelecidos, entre as suas metas, a redução da pobreza e a garantia de sustentabilidade ambiental. Recentemente, os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) ampliaram ainda mais as metas de acabar com a pobreza em todas as suas formas e em todos os lugares (ODS 1), proteger, recuperar e promover o uso sustentável dos ecossistemas terrestres, gerir de forma sustentável as florestas, combater a desertificação, como também deter e reverter a degradação do solo e a perda de biodiversidade (ODS 15).
Em nível nacional, foram traçadas metas presentes no Plano Estratégico Nacional de Áreas Protegidas (Pnap) e Plano Estratégico de Biodiversidade para o período de 2011 a 2020 (Metas de Aichi), cujas políticas e estratégias para a implementação integram a conservação da biodiversidade e a redução da pobreza.
A pobreza é um tema complexo e controverso que está presente na história da humanidade. Há inúmeras formas de mapeá-la, mensurá-la e monitorá-la, sendo a perspectiva monetária a mais comumente utilizada. Discussões mais recentes têm focado em formas de registrar as diversas nuances com as quais a pobreza se apresenta, salientando a importância de avaliá-la sob uma perspectiva que inclui múltiplas dimensões — multidimensional —, como nos Indicadores de Desenvolvimento Humano (IDH).
Segundo o Censo 2010 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), 8,5% da população brasileira (cerca de 16,27 milhões de pessoas) vivem em condições de extrema pobreza, de modo que 46,7% residem em zonas rurais e 53,3%, em áreas urbanas. Convém ressaltar que a condição de pobreza extrema
está muito além de um patamar de renda pré-determinada pelo Banco Mundial. Perpassa por necessidades básicas não atendidas, como acessos a água tratada, sistema de esgotamento sanitário, habitações dignas, serviços de saúde e educação de qualidade, oportunidades de emprego e exercício da cidadania (WORLD BANK, 2001).
O Brasil apresenta-se entre os 17 países megadiversos do mundo em termos de biodiversidade. Isso significa que 70% da diversidade biológica do mundo encontra-se nesses países, e o Brasil ocupa posição de destaque pela diversidade de recursos genéticos, étnicos, culturais e, principalmente, enorme potencial em conhecimentos e tecnologias desenvolvidas para uso racional e sustentável (MYERS et al., 2000; MARQUES et al., 2014). Reforça-se
a ideia de que a biodiversidade é extremamente importante para a sobrevivência da nação e deve ser um componente fundamental de qualquer estratégia de desenvolvimento nacional e regional (MYERS et al., 2000;
MARQUES et al., 2014). Nesse contexto, as ameaças em países megadiversos são reconhecidamente um problema a ser gerenciado, sobretudo em virtude da alta incidência de endemismos. Biomas brasileiros seriamente ameaçados, como a Mata Atlântica e o Cerrado, são hotspots de biodiversidade (TABARELLI et al., 2005; PINTO et al., 2006; CONSERVATION, 2016), ou seja, áreas consideradas prioritárias para conservação e com sérias ameaças à sua manutenção. Contudo, mesmo com esse contexto, o ordenamento e o posicionamento jurídico brasileiro, no que tange a questões ambientais, ainda não permite técnicos e pesquisadores afirmarem que entre as metas prioritárias do país estão a proteção da sua rica biodiversidade, a distribuição justa e equitativa dos benefícios dessa diversidade biológica e o uso sustentável desses recursos, pois muito embora existam metas nacionais (Pnap) e internacionais (CDB e ODS) a serem cumpridas, pouco tem sido feito para colocá-las em prática.
Embora presentes em metas internacionais, da CDB, ODM, ODS¹ e Metas de Aichi, e nacionais, por meio do Pnap, cujo cumprimento deverá ocorrer nos próximos anos, a abordagem dos temas conservação da biodiversidade e pobreza, de forma integrada, ainda é incipiente e há gaps
de como essas políticas ambientais podem ser implementadas, contemplando ambos os objetivos. Apesar dos argumentos mencionados, reconhece-se que a criação de áreas protegidas (AP) não garante os objetivos primordiais propostos para conservação da biodiversidade, como também não existem certezas de que as políticas para a redução da pobreza são efetivas, dada a sua complexidade (LEISHER et al., 2010).
Imbricadas a essas questões estão famílias que vivem em comunidades situadas no entorno e/ou no interior de AP e que compõem este cenário. Importante salientar que elas têm suas condições de vida influenciadas a partir da criação de AP (ADAMS et al., 2004; AGRAWAL; REDFORD, 2006; WEST; IGOE; BROCKINGTON, 2006) e são as principais afetadas com os benefícios ou prejuízos. É também relevante ressaltar que benefícios ou prejuízos, vantagens ou desvantagens para a conservação da biodiversidade e para pobreza — aumentar ou aliviar — dependem das concepções políticas de cada nação.
Pesquisas sobre pobreza e conservação da biodiversidade, notadamente a partir da criação de AP, são recentes e não há consenso sobre correlação entre os temas (SCBD, 2010) nem estudos com variáveis adequadas para o estabelecimento de relações causais (AGRAWAL; REDFORD, 2006; ANDAM et al., 2010). É fato que o conhecimento ainda é incipiente para argumentações mais concretas, sobretudo no Brasil, onde há uma enorme carência de estudos locais e lacunas ainda não exploradas pela ciência sobre possíveis relações entre conservação da biodiversidade a partir da criação de AP, serviços ecossistêmicos e a redução da pobreza e, principalmente, sobre o impacto da criação de AP nas economias locais (SCBD, 2010; TEEB, 2011). Convém ressaltar que indagações sobre as AP e a relação com as comunidades locais compreendendo questões sociais e econômicas se deram no contexto dos Parques, no campo da Antropologia (ADAMS et al., 2004;
BENSUSAN, 2006), porém a discussão tem se expandido para outros campos do conhecimento, dada a sua relevância.
Este livro propõe-se a abordar a possível relação entre a pobreza das famílias que vivem em comunidades situadas no interior e/ou entorno de uma Unidade de Conservação (UC) de proteção integral e a criação desta como estratégia de conservação da biodiversidade, utilizando-se como parâmetro a cobertura vegetal. O Parque Estadual da Serra do Conduru foi a primeira UC de Proteção Integral do Estado da Bahia e, segundo o Sistema Nacional de Unidades de Conservação (BRASIL, 2000), sua criação deve atender aos objetivos de preservação de ecossistemas naturais de grande relevância ecológica e beleza cênica, possibilitando a realização
de pesquisas científicas, desenvolvimento de atividades de educação e interpretação ambiental, recreação em contato com a natureza e turismo ecológico.
A relevância desse estudo materializa-se em virtude ao foco stricto adotado para relacionar os temas conservação da biodiversidade e pobreza, desvelando não apenas o status socioeconômico das famílias que vivem na área de influência do parque, mas também aprofundando a análise da pobreza por meio de variáveis multidimensionais que permitem caracterizá-la em termos de incidência (proporção de famílias pobres) e intensidade (dimensões em que essas famílias são pobres). Dentre os aspectos que merecem destaque está o fato de que pesquisas dessa natureza, já realizadas, utilizaram apenas dados secundários (OLMOS-MARTINEZ et al., 2008; ANDAM et al., 2010), contextos abrangentes — em nível de países ou grandes regiões, como as pesquisas realizadas na Costa Rica e Tailândia (ANDAM et al., 2010) e em sistemas de UCs.
A obra propõe-se a atender a recomendações da Secretaria da CDB (2010),
que ressalta lacunas sobre os mecanismos de conservação da biodiversidade e a redução da pobreza com indicadores mensuráveis, a importância de evidências empíricas (pesquisa in loco), notadamente as relações possíveis entre esses temas, mais especificamente, entre a criação de AP e pobreza das comunidades locais. Compreendendo as lacunas identificadas no conhecimento científico, estabeleceu-se como problema pesquisa o seguinte questionamento: a criação de uma UC, categoria Parque, como uma ação de conservação da biodiversidade, afeta os níveis de pobreza das famílias que vivem na área de influência?
Diante da problemática apresentada e das inúmeras abordagens e lacunas relacionadas aos temas conservação da biodiversidade e pobreza, a hipótese estabelecida foi que a criação do Pesc como ação de conservação da biodiversidade contribuiu para o aumento da cobertura vegetal e para o aumento de pobreza no que se refere ao rendimento nominal médio per capita das famílias situadas na área de influência desse parque. O objetivo geral do estudo foi avaliar a relação entre a conservação da biodiversidade e a pobreza no Parque Estadual da Serra do Conduru e os resultados encontrados em diferentes perspectivas serão apresentados neste livro.
¹ Os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável são constituídos por 17 objetivos e 169 metas de ação global para alcance até 2030 que, em sua maioria, abrange as dimensões ambiental, econômica e social do desenvolvimento sustentável, de forma integrada e inter-relacionada. Guiados pelas metas globais, espera-se que os países definam as suas metas nacionais de acordo com as suas circunstâncias e as incorporem em suas políticas, programas e planos de governo. A meta global 1 para 2030 é erradicar a pobreza extrema para todas as pessoas e em todos os lugares
(ODS, 2015).
CAPÍTULO 1
CONCEITOS ESSENCIAIS
1.1 BIODIVERSIDADE
Biodiversidade ou diversidade biológica consiste na variedade de formas de vida do planeta e nas interações entre elas. Por ser um conceito amplo e com inúmeras possibilidades de recortes, pode se referir aos numerosos aspectos da diversidade da vida, compreendido a partir dos usos que são feitos pelas sociedades humanas
(LÈVÊQUE, 1999, p. 13). Para Primack e Rodrigues (2001),
[…] a diversidade biológica deve ser considerada em três níveis: espécies, que inclui toda gama de organismos na Terra, desde as bactérias e protistas até reinos multicelulares de plantas, animais e fungos; genética, dentre as espécies, tanto entre as populações geograficamente separadas como entre indivíduos de uma mesma população; ecossistemas, nos quais as comunidades se encontram e as interações nesses níveis (PRIMACK; RODRIGUES, 2001 p. 10).
A expressão foi introduzida na década de 1980 e se popularizou com a assinatura da CDB, no