A Revolta Das Mulheres Robóticas
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A Revolta Das Mulheres Robóticas - Rafael C. Nemer
Robert Baroque
1.1 Robert Baroque é um homem comum
Homem comum que é, Robert Baroque acorda todas as
manhãs, dolorosamente se livra dos cobertores e travesseiros,
levanta-se e mira-se no espelho do banheiro. Pode se considerar
que tenha, mesmo com suas feições plácidas que rimam com seu
espírito bondoso, suas pitadas de indignação, como toda boa
pessoa deve ter, mas as guarda para si na maior parte das vezes.
É dotado de uma sensibilidade ímpar que o faz pender para a
criação (ou para as misturas, a julgar-se que praticamente toda
criação parte da mescla de elementos já inventados).
A Revolta das Mulheres Robóticas – Rafael C. Nemer
Robert prefere chá e computador à cerveja e algazarra.
De conhecidos, restam-lhe os parceiros e parceiras do trabalho e
os pais residentes noutra cidade, como é tão comum atualmente.
De um modo geral, a vida que leva é satisfatória, mantendo-se
estavelmente trabalhando em sua área.
Em nenhum aspecto Robert Baroque se difere dos
demais homens no que diz respeito aos padrões da espécie, mas
provavelmente seja diferente em questão de costumes.
1.2 Robert Baroque não é um homem comum
Robert Baroque, exteriormente um bípede masculino
casual,
carrega
traços
ligeiramente
avessos
em
sua
personalidade. Avessos de acordo com os padrões errôneos da
sociedade tão já caducos, mas completamente normais quando
vislumbrados por um olhar são.
[ 2 ]
A Revolta das Mulheres Robóticas – Rafael C. Nemer
Robert não gosta de esportes, e isso pode soar
absurdamente estranho para certos ouvidos.
2
Um dia qualquer
Robert Baroque, crente de que este é só mais um dia
comum, sai de sua casa e parte em direção ao trabalho. No
caminho, os objetos e as pessoas fazem seus barulhos normais e
o céu parece indiferente. Ele repara nas roupas das pessoas e, ao
percorrer o vestido de uma mulher, seus olhos se voltam para o
chão, incertos.
Ele veste uma camisa xadrez azul-bebê, com riscos
lilases. Usa óculos com aros pretos e espessos, cujas lentes não
são muito grandes. Seu cabelo, ligeiramente calvo e liso, está
[ 3 ]
A Revolta das Mulheres Robóticas – Rafael C. Nemer
penteado formando uma espécie de onda para o lado. Em seus
fones de ouvido brancos ressoa qualquer canção desconhecida,
distanciando-o, de certo modo, das outras pessoas (porque nem
todos ouvem as mesmas canções que ele e porque ele não escuta
as outras pessoas, por conta dos fones).
Ao dobrar uma esquina, o celular começa a tocar e
Robert cessa o passo para encontra-lo. Ele abre sua bolsa
marrom de alça que pende do ombro à cintura e começa a fuçar.
Vê, de relance, em meio a seus objetos, um olho castanho. Um
globo ocular com a íris castanha. Porém ele não se apavora,
finalmente atende o telefone, cuida de seus negócios e
prossegue.
Ao chegar a seu trabalho – um prédio não com muitos
andares, mas com andares compridos, bordado com vidros
reflexivos –, ele atravessa a porta e chega no salão de entrada.
Um bonito e extenso aposento com uma decoração onerosa. Os
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A Revolta das Mulheres Robóticas – Rafael C. Nemer
pilares que sustentam o edifício não são arredondados, mas
triangulares; e neles há, como que lutando para sair do cimento,
corpos de mulheres esculpidos por algum artista plástico
famoso. Elas não têm cabeça; é como se ela ainda não tivesse
saído dos pilares. Elas também não têm pernas; suas canelas
ainda estão dentro
do pilar.
Este primeiro andar é o comércio onde é vendido o
produto para seu usuário final; produto que é fabricado no
mesmo prédio, porém, principalmente, no subsolo. Não que seja
alguma atividade ilícita, mas, devido a toda maquinaria pesada,
foi calculado ser mais seguro do que nos andares superiores.
No centro do saguão de entrada, há um balcão circular de
aproximadamente dez metros de diâmetro, onde atendentes
atendem telefone, ajudam e direcionam clientes. O incomum é
que, nesse dia, não há ninguém ali. As únicas pessoas que
caminham no espaço são alguns poucos clientes que ainda não
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A Revolta das Mulheres Robóticas – Rafael C. Nemer
desistiram de serem atendidos. Eles (são todos homens)
conversam e riem alto, abusando das máquinas de café.
Robert acha muito esquisito, mas segue seu caminho
pela porta no canto direito do saguão. "Entrada restrita para
funcionários".
Ele entra.
Robert Baroque olha para os dois elevadores que levam
para o andar inferior e para os superiores, e eles estão
estranhamente quietos. Ele adentra o elevador para os andares
superiores e aperta o botão com o número 2, o departamento no
qual trabalha.
Durante a boa subida até seu destino, não vê ninguém
através das paredes de vidro que surgem periodicamente,
entrelaçadas por feixes largos de cimento. "Será que hoje é
feriado?, pensa consigo.
Será que é domingo?", questiona sua
sanidade. É que, num ambiente de trabalho, é mais provável que
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A Revolta das Mulheres Robóticas – Rafael C. Nemer
estejamos loucos, do que as pessoas, de fato, terem decidido
descansar.
Inquieto, Robert vira-se para a porta de aço, pois sua
rotina diária lhe fez decorar mais ou menos o tempo que se leva
para chegar ao segundo andar.
Assim que dá as costas para o vidro do elevador, outro
feixe de cimento passa e, no instante também breve em que
outro andar aberto é revelado, uma mulher passa correndo de
modo aturdido. Com um correr hesitante, como se tivesse
acabado de aprender a fazê-lo, ela cruza o pavimento, e outra
faixa de cimento esconde a cena.
Robert guarda os fones de ouvido sem fio no bolso da
calça segundos antes da porta se abrir. Assim que as abas de aço
se distanciam, revelando seu departamento, outra cena inusitada:
há um tamanco vermelho caído de lado bem na frente do
elevador.
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A Revolta das Mulheres Robóticas – Rafael C. Nemer
O rapaz o observa por um instante e a iminência de ser
trancado o faz sair. Ele pula o calçado e segue para sua sala,
espiando o calçado mais duas vezes, por cima do ombro.
Agora, sem música nos ouvidos, Robert escutou o que
pareceram ser gritos ao longe e levemente abafados. Por ter
ouvido um ou dois desses sons, ficou em dúvida.
Ele vai até a sala de reuniões, a fim de ver se todos os
funcionários estão lá ou se acontece um evento importante. A
grande porta de madeira está entreaberta. No centro dela, o
desenho de um triângulo de cabeça para baixo pintado de preto
– a marca da empresa. Ele a empurra cautelosamente e entra
parcialmente o aposento.
É aí que ele se apercebe do ocorrido e a cena que
presencia contribui ainda mais com sua perplexidade: o dono da
empresa Triângulo, o senhor Penha, está ajoelhado no chão,
próximo a sua grande cadeira negra de couro, vestindo sua calça
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A Revolta das Mulheres Robóticas – Rafael C. Nemer
social e, no lugar da camisa, um sutiã vermelho deixando à
mostra sua barriga; um pano branco amarra sua boca, ele arfa e
suas sobrancelhas estão franzidas como se tudo isso o
machucasse muito (de fato, o machucou, porque