Encontre milhões de e-books, audiobooks e muito mais com um período de teste gratuito

Apenas $11.99/mês após o término do seu período de teste gratuito. Cancele a qualquer momento.

Pescadores Artesanais E O Mito Da Participação Social
Pescadores Artesanais E O Mito Da Participação Social
Pescadores Artesanais E O Mito Da Participação Social
E-book452 páginas6 horas

Pescadores Artesanais E O Mito Da Participação Social

Nota: 0 de 5 estrelas

()

Ler a amostra

Sobre este e-book

Na luta pelo reconhecimento dos povos tradicionais a obra denuncia o discurso ilusionista da participação social conduzido pelo Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) na elaboração do plano de manejo do Parque Nacional do Superagui, no Paraná. Sitiados pelo Parque Nacional por mais de duas décadas, acossados pela repressão, multas e proibições de uso dos recursos naturais em seus territórios de pertencimento, os pescadores artesanais buscam o acesso aos seus direitos como povos tradicionais, dentre eles o direito à consulta livre, prévia e informada.
IdiomaPortuguês
Data de lançamento5 de out. de 2018
Pescadores Artesanais E O Mito Da Participação Social

Relacionado a Pescadores Artesanais E O Mito Da Participação Social

Ebooks relacionados

Ciências Sociais para você

Visualizar mais

Artigos relacionados

Avaliações de Pescadores Artesanais E O Mito Da Participação Social

Nota: 0 de 5 estrelas
0 notas

0 avaliação0 avaliação

O que você achou?

Toque para dar uma nota

A avaliação deve ter pelo menos 10 palavras

    Pré-visualização do livro

    Pescadores Artesanais E O Mito Da Participação Social - Roberto Martins De Souza (org)

    Pescadores Artesanais e o Mito da Participação Social

    A u t o r i a

    Movimento dos Pescadores e Pescadoras Artesanais

    do Litoral do Paraná (MOPEAR)

    Carlos Frederico Marés de Souza Filho

    Letícia Ayumi Duarte Roberto Martins de Souza

    Alfeu Eleandro Fabiane

    Claudio Nunes Araújo Luciana Maria de Moura Ramos

    Roberto Martins de Souza

    Carlos Frederico Marés de Souza Filho

    João N. Morais Junior Marcelo Cunha Varella

    Roberto Martins de Souza

    R o b e r t o Ma r t i n s d e S o u z a ( Or g )

    Pescadores Artesanais e o Mito da Participação Social:

    A luta do MOPEAR para efetivar o Direito à Consulta prevista na OIT 169

    Identidades coletivas, conflitos territoriais e educação emancipatório no Sul do Brasil

    Núcleo de Defesa dos Direitos de Povos e Comunidades Tradicionais

    EDIÇÃO: Alysson Ramos Artuso

    REVISÃO: Leticia Ayumi Duarte e Marcelo Cunha Varella CAPA: Leticia Ayumi Duarte DIAGRAMAÇÃO: Gian Felipe Design IMPRESSÃO E ACABAMENTO: Clube de Autores

    Pescadores Artesanais e o Mito da Participação Social

    Souza de, Roberto Martins (Organização) Outubro de 2018

    Dedico esse livro aos Povos Tradicionais e sua persistência na histórica e cotidiana luta pela existência social e coletiva em meio a uma sociedade que há séculos decidiu por ignorá-los ou explorá-los ou mesmo os dois em um tempo só. Via de regra ten - taram classificá-los, descaracterizá-los, desqualificá-los... Vocês sempre encontraram um jeito de guardar segredos, seus nomes, tradições e reinventar seus modos de vida sem perder a identida - de coletiva. Ainda que a usurpação de seus territórios, recursos naturais e força de trabalho fosse lugar comum, vocês resistiram e reorganizaram-se em outras formas e lugares, fiéis a sua identi - dade. Não havendo como extingui-los, tentaram dividi-los ou do - miná-los pela assimilação cultural e cooptação aos seus planos e projetos. No entanto, vocês não sucumbiram, pois a dignidade de pertencer a uma identidade não lhes pertence individualmente, ela é um patrimônio de seu povo.

    Aos pescadores/as artesanais do Movimento dos Pescadores e Pescadoras Artesanais do Litoral do Paraná - MOPEAR minha gratidão pela oportunidade de trocar conhecimentos e saberes como meio de colaborar com as esperanças de ver a justiça pre - valecer. Não hesito em dizer que sempre precisaremos estudar e lutar contra as forças que nos querem roubar nossa existência social. Abraços!!!

    Para minhas queridas filhas Luiza e Isabela, que acreditam na capacidade das pessoas em transformar a realidade opressora em justiça social, aviso que seguiremos sempre nessa luta.

    Para Luciana e Ana Carolina, que decidiram que toda for - ma de amor vale a pena!!!

    Roberto Martins de Souza

    SUMÁRIO

    PARTE 1 – DEBATE SOBRE AS INTERPRETAÇÕES DA REALIDADE SOCIAL

    Palavras Iniciais – MOPEAR...............................................13

    Claudio Nunes Araújo (Movimento dos Pescadores e Pescadoras Artesanais do Litoral do Paraná)

    Apresentação........................................................................15

    Roberto Martins de Souza

    Das ilusões participativas ao direito à consulta da Convenção

    169 da OIT...........................................................................19

    Roberto Martins de Souza

    CARTA ABERTA A SOCIEDADE BRASILEIRA.............43

    Movimento dos Pescadores e Pescadoras Artesanais do Litoral do Paraná (MOPEAR)

    Recontextualizando o parecer técnico sobre os estudos preliminares encomendados para a elaboração do plano de manejo do Parque Nacional do Superagui - Guaraqueçaba – PR. ..............................................................................................47

    Marcelo Cunha Varella, Letícia Ayumi Duarte e Roberto Martins de Souza

    PARTE 2 – A PARTICIPAÇÃO SOCIAL E A

    CONVENÇÃO 169 DA OIT

    A Tutela Coletiva do Direito à consulta...................................89

    Alfeu Eleandro Fabiane, Cinthia Azevedo Santos e Wisley Rodrigo dos Santos

    Parecer técnico sobre as contradições e limites da gestão participativa no plano de manejo do Parque Nacional do

    Superagui..................................................................................99

    Letícia Ayumi Duarte, Marcelo Cunha Varella, Roberto Martins de Souza e Vinicius Wassmansdorf

    Parecer sobre a Convenção 169 da OIT e os pescadores

    artesanais..................................................................................165

    Carlos Frederico Marés de Souza Filho

    Nota técnica antropologia nº 04..............................................191

    Luciana Maria de Moura Ramos

    Ação civil pública do plano de manejo do Parque Nacional do

    Superagui.................................................................................219

    Diego Antônio Cardoso de Almeida, Wisley Rodrigues dos Santos e Juliano Marold

    PARTE 3 – PRODUÇÕES A PARTIR

    DOS PESCADORES

    Parecer técnico sobre o levantamento de demandas para o planejamento do plano de manejo do PNS e levantamento de práticas tradicionais de pescadores(as) artesanais e caiçaras.....................................................................................269

    Roberto Martins de Souza, Marcelo Cunha Varella e Letícia Ayumi Duarte

    Manifestação judicial................................................................327

    Alfeu Eleandro Fabiane, João N. Morais Junior e Wisley Rodrigo dos Santos

    Protocolo de consulta dos(as) pescadores(as) artesanais e caiçaras

    de Guaraqueçaba......................................................................371

    Movimento dos Pescadores e Pescadoras Artesanais do Litoral do Paraná (MOPEAR)

    Educação não transforma o mundo. Educação muda as pessoas. Pessoas transformam o mundo. (Paulo Freire)

    PALAVRAS INICIAIS – MOPEAR

    Este livro era aquilo que a gente pensava para divulgar todo o trabalho do MOPEAR com a luta pela defesa do território dos pescadores artesanais. Desde a década de 1980, nós viemos tra - vando batalhas pelo nosso território e pela defesa da natureza. Pri - meiro contra as empresas de mineração e agropecuária e, a partir de 1989, com a criação do Parque Nacional do Superagui, contra IBAMA e ICMBio. É importante que se saiba a dor e sofrimen - to de muitas comunidades que se esvaziaram ou foram extintas de maneira forçada, como Laranjeiras, Saco do Morro, Canudal, Vila Fátima e Rio dos Patos, por meio de repressão e proibições de nossas práticas tradicionais por esses dois órgãos ambientais: IBA - MAe o ICMBio. Por isso, ao publicar o livro que fala sobre o mito da participação no plano de manejo e o direito a consulta, temos a oportunidade de dizer que o tempo passou, mas a maneira des - ses órgãos trabalharem mudou apenas na aparência, pois conti - nuamos sofrendo a perda de nossas práticas e de nosso território. É isso que temos o dever de desmascarar, a farsa da participação social que o ICMBio vem fazendo na elaboração do plano de ma - nejo do Parque. Essa batalha começou em 2013, quando o MO - PEAR e seus apoiadores organizaram o Seminário de Violação dos Direitos dos Pescadores Artesanais em Superagui. Desse ano em diante, o livro vai relatar os acontecimentos que envolveram muitas reuniões, ações e cursos das lideranças que se prepararam

    P ES CA DOR ES A RTES A NA I S E MI TO DA PA RTI CI PA ÇÃ O S OCI A L

    para audiências e assembleias nas comunidades. Não podemos esquecer dos professores/as do IFPR e UFPR Litoral vinculados ao Núcleo de Defesa dos Direitos dos Povos Tradicionais que se somaram na luta, nos ensinando e aprendendo, organizando os pareceres técnicos e nos apoiando nas ações do movimento. Tam - bém lembramos da Defensoria Pública da União e do Paraná que tiveram a sensibilidade de caminhar conosco nessa luta que ainda tem muito chão para enfrentarmos.

    Claudio Nunes Araújo Liderança do MOPEAR

    I Encontro de pescadoras artesanais das ilhas de Guaraqueçaba. Fonte: Duarte, 2017.

    Aula de campo durante curso de Cartografia Social.

    Fonte: Acervo MOPEAR, 2016.

    14

    APRESENTAÇÃO

    De acordo com a história narrada na obra Odisseia de Homero, o Cavalo de Troia foi a estratégia grega de construir um gigantesco cavalo de madeira, oco por dentro, para presentear os troianos e, somente assim, invadir a resistente cidade de Troia, sitiada por longos 10 anos. O que a princípio aos olhos dos troia - nos representava um gesto simbólico de rendição da guerra, de - mostrou ser uma perspicaz artimanha ilusionista para os troianos que já se encontravam fatigados por uma década de aprisiona - mento em sua cidade.

    Assim como os gregos que mudaram o método da guerra, criando a ilusão desinteressada ema contenda comum presente, trouxemos esse mito em correspondência para denunciarmos o significado ilusionista da participação social conduzida pelo Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) na elaboração do plano de manejo do Parque Nacional do Superagui, iniciado em 2011. A comparação é simples: os pescadores artesanais foram sitiados pelo Parque Nacional por mais de duas décadas, acossados pela repressão, multas e proibições de uso dos recursos naturais em seus territórios de pertencimento, produzindo levas de refugiados para as cidades do litoral. Na intenção de atualizar seu discurso face a legislação do SNUC e o reconhecimento dos povos tradicionais, o ICMBio incorpora o léxico da participação social, sem, no entanto, rever

    P ES CA DOR ES A RTES A NA I S E MI TO DA PA RTI CI PA ÇÃ O S OCI A L

    suas práticas na relação comas comunidades locais. Esse é o novo presente, engodo que anuncia a pretensa abertura ao diálogo, ao acolhimento das expectativas dos pescadores artesanais. A alusão ao mito do Cavalo de Troia surge nesse momento para denunciar a estratagema ilusionista gestada no oco da proposta de participação, ao criar novos espaços ou adentrar as comunidades de pescadores artesanais com métodos e técnicas de participação social que procuram imobilizar as demandas tradicionais e ignoram os direitos dos povos tradicionais, dentre eles o direito a consulta livre, prévia e informada.

    Nos moldes da participação proposta pelo ICMBio não cabe reconhecer e resolver a desigualdade de poder nas relações sociais e os históricos conflitos territoriais derivados da criação do Parque. Ao contrário, visa-se manter a dominação social ao impor ardilosa forma de alcançar uma suposta legitimidade institucional para manter o controle social e a tomada de decisões sobre o ordenamento territorial, encerrando qualquer possibilidade dos pescadores exercerem a autodeterminação. Trata-se de uma moderna forma de colonizar e aniquilar culturas específicas mediante o uso da dominação racional-legal (WEBER, 1981).

    Este livro representa também o esforço de construção dialó - gica das relações sociais de pesquisa empreendida pelo Grupo de Pesquisa Identidades Coletivas, Conflitos Territoriais e Educação Emancipatória no Sul do Brasil e pelo Núcleo de Defesa dos Di - reitos de Povos e Comunidades Tradicionais do Instituto Federal do Paraná – IFPR com os movimentos sociais que representam os pescadores artesanais. A bem da verdade, os pareceres técnicos emitidos pelo Núcleo resultam da reflexividade dos pesquisadores face a situações de conflito vivenciados in loco e da escuta atenta das narrativas dos agentes sociais, no exercício de alteridade.

    16

    P ES CA DOR ES A RTES A NA I S E O MI TO DA PA RTI CI PA ÇÃ O S OCI A L

    Tal construção só foi possível pela disposição do movimento social dos pescadores artesanais. Foram os pescadores que criaram as condições para os pesquisadores atuarem no diálogo crítico entre o capital intelectual e o capital militante das lideranças e vice-versa. Pode-se afirmar, inclusive, que os pareceres técnicos perfazem tex - tos escritos em circunstâncias determinadas, explicitando relações sociais de pesquisa já consolidadas, entre pesquisadores e agentes so - ciais das comunidades de pescadores artesanais e a seus movimentos.

    I Encontro sobre Violação de Direitos Humanos Provocados pelos Parques Nacion - ais em Territórios de Comunidades Caiçaras e Pescadores(as) Artesanais do Paraná. Fonte: Acervo MOPEAR, 2013.

    Os pareceres técnicos foram escritos para compor alocuções em audiências na Justiça Federal e elaborações de petições das Defensorias Públicas, mas também para produzir conhecimento sobre as relações sociais, a organização social e forma de uso dos recursos, bem como para qualificar o capital militante das lide - ranças em uma dinâmica de interação aberta. Essas ações de pes - quisa correspondem a quase cinco anos de práticas continuadas de diálogo intercultural e intensos debates, perpassando cursos de formação, trabalhos de campo e inúmeras reuniões entre pesqui - sadores, militantes do MOPEAR, associações locais e defensorias.

    17

    P ES CA DOR ES A RTES A NA I S E MI TO DA PA RTI CI PA ÇÃ O S OCI A L

    Por fim, ainda que a Ação Civil Pública (ACP) transcorra na Justiça Federal sem uma decisão definitiva até agosto de 2018, publicar o livro também é um compromisso mútuo dos autores com os demais povos tradicionais que certamente enfrentaram ou vão encontrar-se com Cavalos de Troia nas portas de suas co - munidades. É preciso saber distinguir a ilusão da realidade, como diria outro mito: decifra-me ou te devoro!

    Boa Leitura!

    18

    DAS ILUSÕES PARTICIPATIVAS AO DIREITO À CONSULTA DA CONVENÇÃO 169 DA OIT

    Roberto Martins de Souza 1

    Desde o período que antecede o golpe parlamentar-midiá - tico-jurídico de 2016, vive-se um grave momento de inflexão em relação à democracia. Há consequências imediatas aos direitos de povos e comunidades tradicionais vindas da forte ofensiva contra as políticas de reconhecimento, de consulta e de direitos territo - riais. Setores do agronegócio e corporações industriais e finan - cistas, apoiados pela mídia tradicional, fazem repercutir dentro dos poderes federais medidas administrativas e jurídicas marcadas pela inércia e retrocesso nas políticas de identidades. Políticas conquistadas pela força dos movimentos sociais de povos e comu - nidades tradicionais desde a Constituição Federal de 1988. Nessa conjuntura, acionar a Constituição Federal e a Con - venção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) é lembrar da importância desses instrumentos como divisores de águas no que se refere aos direitos desses povos. A Convenção garantiu um conjunto de direitos aos povos tradicionais e indíge - nas, rompendo com toda a tradição jurídica desde os tempos colo -

    1 Doutor em Sociologia, professor do IFPR – Campus Paranaguá.

    P ES CA DOR ES A RTES A NA I S E MI TO DA PA RTI CI PA ÇÃ O S OCI A L

    niais. Com ela, construiu-se um novo paradigma de como operar os direitos dos grupos culturalmente diferenciados no interior da sociedade brasileira. Sua aplicação potencializou o entendimento da Constituição Federal em seus artigos 215, 216, 231 e no artigo 68 (Ato das Disposições Constitucionais Transitórias – ADCT) ao abandonar o pensamento de integração dos povos tradicionais, entendidos como transitórios até então. A Constituição Federal e a OIT 169 afastaram essa concepção de inspiração evolucionista ao afirmarem que o Estado brasileiro é um estado pluriétnico, formado por vários povos e comunidades diferenciadas cultural - mente. Ao apostar na perenidade desses povos e comunidades, garantiu-lhes o direito de preservarem suas línguas, seus costu - mes, suas tradições e seus territórios tradicionalmente ocupados. Portanto, apostou-se tanto no direito à autodeterminação desses povos como no direito à consulta face a implementação de políti - cas públicas que lhes afetem o modo de vida.

    Embora seja recepcionada como tratado de direitos hu - manos no ordenamento jurídico brasileiro e ocupado posição supralegal desde 2004, a Convenção 169 da OIT tem sido sis - tematicamente desconsiderada em diversos casos2 pelo governo brasileiro, notadamente, no cenário em destaque deste livro, pelo ICMBio3 e sua interpretação sobre essa norma. Apesar de o Sis - tema Nacional de Unidades de Conservação (BRASIL, 2000) orientar o reconhecimento dos povos tradicionais, suas formas de organização social e seu papel essencial na proteção dos recursos naturais, os planejadores oficiais do órgão ambiental federal per -

    2 Para exemplificar essa postura ignota, temos os casos mais conhecidos de Raposa Serra do Sol em Roraima, da Usina de Belo Monte no Pará e das Usinas de Jirau e Santo Antônio em Ron - dônia.

    3 No dia 06 de dezembro de 2013, o coordenador da CR9 do ICMBio Sr. Daniel Gui - marães Bolsonaro Penteado relatou a posição da direção do órgão em Brasília: Eu tenho que ser bastante transparente com vocês. Nós não recebemos orientações de cumprir à risca a OIT 169. Muitas vezes ela não é considerada como uma lei nacional, mas como um espaço onde diversas nações dialogaram e o Brasil assinou positivamente. (COELHO, 2014, p. 140).

    20

    P ES CA DOR ES A RTES A NA I S E O MI TO DA PA RTI CI PA ÇÃ O S OCI A L

    sistem em sustentar umdiscurso diversionista sobre a participação social de povos e comunidades tradicionais.

    Para rebater essas manobras, analisamos os fundamentos teóricos-metodológicos do plano de manejo do Parque Nacional do Superagui (PNS), seus produtos e conclusões. Tomamos por base numerosas fontes, como manuais (Roteiros Metodológi - cos de Planejamento – RMPs), atas de reuniões do CONPARNA, relatórios de oficinas participativas e cursos sobre o plano de manejo, todos documentos oficiais produzidos pelo ICMBio, por gestores do PNS e por consultores contratados. De igual modo, recorremos a artigos, livros, peças judiciais, relatórios de reuniões, dissertações e teses acadêmicas que examinam criteriosamente a realidade local a partir da antropologia, da geografia, do direito, do turismo e da sociologia. Além, é óbvio, da leitura detida do texto da própria Convenção 169 e dispositivos correlatos. Con - sideramos, ainda, os estudos sobre a recepção e a aplicação da OIT 169 a outros povos tradicionais no Brasil para fins de análise comparativa. Muitas vezes fisicamente e no calor dos aconteci - mentos, também participamos de seminários, encontros, cursos nas comunidades, grupos de trabalho, entrevistas com lideranças de pescadores/as artesanais, reuniões com a coordenação do MO - PEAR e de defensores públicos e, por fim, audiências na justiça. Dessas ações, foram elaborados Pareceres Técnicos, No -

    tas Técnicas, Petições Jurídicas e Protocolos de Consultas que compõe este livro, manifestando posições críticas, sugestões, pe - didos e propostas ao processo de elaboração do plano de manejo do PNS conduzido pelo ICMBio. Os autores dessas peças são pesquisadores de universidades, membros das defensorias e do ministério público federal e ocupam o espaço social formado por setores especializados que representam as instituições envolvidas no debate, na investigação e na operacionalização da participa - ção social dos povos tradicionais — pescadores artesanais. Um

    21

    P ES CA DOR ES A RTES A NA I S E MI TO DA PA RTI CI PA ÇÃ O S OCI A L

    dos objetivos das peças é evidenciar a ausência de participação na elaboração do plano de manejo, demarcando a distinção notória entre o preconizado pela Convenção 169 da OIT e a metodologia acionada pelo ICMBio.

    Como recurso analítico, os Pareceres partiram de explica - ções científicas que servem de apoio às proposições jurídicas des - de seu domínio de ação — disciplinas científicas — tendo por objeto as ações que perfazem a execução do plano de manejo do PNS. Os objetivos —dependendo do Parecer —visam com - preender e explicar as contradições e limites dos estudos técnicos, abrindo o debate a partir de proposições que pretendem a desmi - tificação do fenômeno da participação social entre os pescadores artesanais. Por fim, demostrar metodologicamente, por meio do levantamento de práticas tradicionais in loco, os graves limites do método de investigação acionado pelo ICMBio para identificar as demandas e os conflitos de uso dos recursos naturais entre PNS e pescadores artesanais, que resultam no ocultamento do modo de vida tradicional em áreas de sobreposição entre o PNS e territó - rios tradicionalmente ocupados.

    Neste prisma, o livro apresenta pareceres que são confluen - tes, projetando nos movimentos sociais as novas identidades cole - tivas e ressaltando a especificidade dos territórios e dos processos sociais de autodefinição. O conjunto reunido nessa obra se arti - cula enquanto textos produzidos num mesmo tempo e referidos à mesma temática evidenciando um projeto de pesquisa traçado com discernimento, no âmbito do Grupo de Pesquisa Identida - des Coletivas, Conflitos Territoriais e Educação Emancipatória no Sul do Brasil. As práticas acadêmicas resultantes têm sido mar - cadas por acontecimentos ou uma ordem de fatos plenos de inte - resses, seja do prisma teórico, militante, literário ou acadêmico. Neste sentido é possível afirmar que os textos ora apresentados sucederam não apenas de trabalhos de pesquisa, mas de uma in -

    22

    P ES CA DOR ES A RTES A NA I S E O MI TO DA PA RTI CI PA ÇÃ O S OCI A L

    teração permanente com a mobilização política dos pescadores artesanais via suas representações políticas.

    Nessa fíbria, a produção desses documentos científicos res - ponderam a demandas formalizadas pelo MOPEAR e pelas De - fensorias Públicas em diferentes fases do que inicialmente buscou politizar o debate sobre o plano de manejo do PNS, em vista do menosprezo do ICMBio com os direitos dos pescadores tradicio - nais. Ante a recusa em dialogar judicializa-se a Ação Civil Pública (ACP) questionando-se o formato metodológico na qual se con - duzia o plano de manejo.

    Em resposta às indagações, os pareceres se desdobram em quatro temas específicos elaborados para atender as determina - ções judiciais e as necessidades de esclarecimento do próprio movimento social sobre as implicações do plano de manejo, antes somente apresentadas pela ótica da proteção da UC. Sua elaboração denota inquietações dos pesquisadores em face dos acontecimentos intensos e explicações distorcidas ou insuficien - tes da realidade social local, momento em que se confrontam de maneira explícita as divergências entre os estudos dos consultores e os pareceres técnicos dos pesquisadores acadêmicos. A singula - ridade do momento sobressai porque se está diante de uma situa - ção de nítidas discordâncias operacionais, legais e conceituais no que se refere, em especial, a participação social dos pescadores artesanais no plano de manejo, o que permite os autores dos pare - ceres simultaneamente produzirem suas interpretações sobre os fatos evidenciados em tempo real. Sob este aspecto, os pareceres consistem em reflexões sempre recentes de realidades empirica - mente observadas e análises minudentes das narrativas oficiais, apontando suas fragilidades e inconsistências. O rigor da polê - mica não pretende se situar no campo acadêmico, mas iluminar os debates sobre a forma e objetivo dos processos de participação social travados no campo político e jurídico quando envolvem-

    23

    P ES CA DOR ES A RTES A NA I S E MI TO DA PA RTI CI PA ÇÃ O S OCI A L

    se consultas às comunidades tradicionais, pois a função distorci - da desse conceito implica em fazer do trabalho de pesquisa um instrumento de investigação capaz de propiciar condições para o entendimento da relação conflitiva entre as mobilizações dos pescadores artesanais e a elaboração dos planos de manejo. Acrescente-se ademais que estes pareceres técnicos se esta - belecem desde o campo da produção científica apoiando-se no diálogo com as disciplinas militantemente construídas pelos pes - cadores artesanais, nas formas de resistência e ressignificação das lutas que denunciam a violação do direito a participação social e a autodeterminação dos povos tradicionais. Outrossim, contém descrições que transpiram as mobilizações políticas do MOPEAR desde 2013, intensificadas sucessivamente ano a ano, com a am - pliação do entendimento pelos pescadores artesanais sobre os efeitos do plano de manejo e das novas formas de tutela impostas sobre o modo de vida tradicional. Essa compreensão coletiva que reafirma a identidade étnica amparada nas formas organizativas intrínsecas que convergem para autodefinição de povos pescado - res artesanais e/ou caiçaras, e suas pautas, que não podem mais ser ignoradas. Nesse tempo, conseguimos perceber diversas iniciati - vas de negociação advindas do MOPEAR, que em nenhum tem - po se recusou a dialogar com os planejadores oficiais do ICMBio, ao propor grupos de trabalho, convidar os gestores para suas ativi - dades de formação, promover reuniões com a direção do ICMBio em Brasília, participar das reuniões do Conselho do PNS, propor a criação da Câmara Técnica de Povos Tradicionais no âmbito das UCs de Guaraqueçaba, construir seu Protocolo de Consultas para que não restasse dúvidas sobre o procedimento adequado à participação social, dentre outros esforços. Conquanto, na direção contrária, os planejadores do PNS, de forma recorrente tentaram deslegitimar as lideranças locais, menosprezando a organização e os pleitos do movimento dos pescadores artesanais e das associa -

    24

    P ES CA DOR ES A RTES A NA I S E O MI TO DA PA RTI CI PA ÇÃ O S OCI A L

    ções locais, demostrando dessa maneira sua indiferença pela par - ticipação social e ao diálogo. A crescente e periódica intensidade das mobilizações dos pescadores nos últimos anos aponta para uma maior visibilidade pública do desinteresse do ICMBio em resolver esse conflito.

    Nesse cenário, somente a judicialização de uma ACP, com pedido de deferimento de Liminar foi capaz de fazer o ICMBio debater as inconsistências do plano de manejo e abrir negocia - ções acerca da participação social.

    Em síntese, pode-se dizer que os pareceres técnicos atuam como linhas auxiliares aos movimentos sociais, ao questionar os padrões dominantes que pretendem explicar a realidade social e seus interesses, assim como, evidenciar suas contradições e con - flitos sociais. Desse modo, em específico, os pareceres técnicos foram escritos para compor alocuções em audiências na Justiça Federal, elaborações de petições das Defensorias Públicas, pro - duzir conhecimento sobre as relações sociais, organização social dos pescadores artesanais e as diversas formas de uso sustentável dos recursos naturais. Essas ações de pesquisa correspondem a quase 5 anos de práticas continuadas de diálogo intercultural e intensos debates, perpassando cursos de formação, trabalhos de campo e inúmeras reuniões entre pesquisadores, militantes do MOPEAR, associações locais e defensorias. As referidas ações explicitam contraponto ao acomodamento e certo desinteresse dos órgãos ambientais em exercitar a recognição sobre a organi - zação social e cultural dos povos tradicionais, tratando-os como umproblema para gestão das unidades. Sua recorrência explicita as dificuldades dos gestores em pensar de modo compartilhado a gestão dos recursos naturais e a diversidade cultural, incluin - do-os como sujeitos de direitos, desde sua visão de mundo, nas tomadas de decisões sobre o planejamento territorial onde vivem esses povos.

    25

    P ES CA DOR ES A RTES A NA I S E MI TO DA PA RTI CI PA ÇÃ O S OCI A L

    Ao que parece vive-se o medo de compartilhar o poder, e o que melhor expressa esse comportamento é a negação da par - ticipação das comunidades a partir do direito à consulta na cons - trução do plano de manejo. É desse modo que o ICMBio desvela a distância entre as práticas participativas que propõe (RMP) e o que efetivamente é garantido em termos de consulta aos povos tradicionais pela legislação supralegal vigente. Por esta razão, os autores dos pareceres indicam que o plano de manejo se mostra inócuo e sem capacidade de resolver conflitos sociais que deverão se suceder no tempo com maior intensidade caso não se reconhe - ça o direito à consulta desses povos. À vista do interesse declara - do dos pescadores em reclamar sua participação, não há porque negar a qualificação do processo democrático num ambiente em que as assimetrias entre os agentes já foram explicitadas, e que os próprios agentes afetados já dispõe de um Protocolo de Consultas elaborado desde 2017.

    Para fins de esclarecimento aos leitores, no percurso traça - do para apresentar os documentos deste livro, nos detivemos em organizar os textos na sequência de temas que foram gradativa - mente ocupando o centro das discussões ao longo desse trajeto (2013 a 2018). Sem selecionar as discussões conforme ordem cronológica dos acontecimentos.

    O primeiro tema trata de indagar sobre as distorções e au - sências da complexa realidade social dos pescadores artesanais nos estudos e relatórios preliminares do plano de manejo e, os limites explicativos da relação conflituosa entre o PNS e as co - munidades tradicionais. Na sequência, o debate sobre a parti - cipação social dos pescadores artesanais ganha centralidade na ACP, abrindo confronto entre a metodologia da Roteiro Meto - dológico de Planejamento (RMP) acionado pelo ICMBio e a Convenção 169 da OIT. No terceiro tema, finalizamos com as produções em que os pescadores artesanais tiveram destacada

    26

    P ES CA DOR ES A RTES A NA I S E O MI TO DA PA RTI CI PA ÇÃ O S OCI A L

    proeminência, como o levantamento de práticas tradicionais e o Protocolo de Consultas. Em dois desses temas, as defensorias públicas produziram petições que foram apensas no livro: no primeiro caso, o pedido de liminar na Ação Civil Pública, e no terceiro tema, a manifestação que apresenta o levantamento de práticas tradicionais determinado pelo Juízo de Paranaguá.

    O fato gerador da indagação e crítica pública a falta de participação social no plano de manejo teve no MOPEAR sua origem, ao questionar o processo de alheação das comunidades no procedimento de sua implementação, motivo pelo qual soli - cita formalmente ao IFPR a preparação de parecer técnico para ser apresentado no dia 06 de dezembro de 2013, por ocasião da realização na Vila de Superagui do Encontro sobre Violação dos Direitos Humanos provocados pelos Parques Nacionais em Territórios de Comunidades Caiçaras e Pescadores Artesanais no Paraná .

    Participaram do evento cerca de 400 pessoas4 entre pesca - dores artesanais, Ilhéus do Rio Paraná e Caiçaras, além de diver - sas autoridades vinculadas a área de direitos humanos e represen - tantes do ICMBio. Odebate focalizou e expôs incompreensão do significado do plano de manejo pelas comunidades; a histórica de criminalização das práticas tradicionais pelos sucessivos gestores da UC, os procedimentos unilaterais e antidialógicos de condu - ção do plano de manejo e a violação dos direitos territoriais das comunidades tradicionais afetadas pelo PNS. Oevento foi organi - zado pelo Movimento dos Pescadores e Pescadoras Artesanais do Litoral Paraná —MOPEAR e o Movimento Nacional dos Pesca - dores e Pescadoras Artesanais — MPP. Incluímos nesse tema a carta final do encontro contendo denúncia aberta a sociedade e o encaminhamento de compromissos com as instituições presen -

    4 Os organizadores produziram vídeo sobre o evento que pode ser acessado na página https://www.youtube.com/watch?v=XHHN0e6SHCI.

    27

    P ES CA DOR ES A RTES A NA I S E MI TO DA PA RTI CI PA ÇÃ O S OCI A L

    tes, inclusive o ICMBio. Para esse evento os pesquisadores apoia - dores, elaboraram o Parecer Técnico sobre os Estudos Prelimi - nares Encomendados para a Elaboração do Plano de Manejo do Parque Nacional do Superagui — Guaraqueçaba — PR . Este parecer principia os documentos que compõe esse livro, sua importância se deve a constituição de uma nova modalidade de relação de pesquisa entre o movimento social e os pesquisadores das universidades , tendo como demanda do MOPEAR a tradu - ção dos estudos técnicos elaborados pelos consultores contrata - dos pelo ICMBio.

    O propósito deste primeiro parecer foi evidenciar as insufi - ciências teórico-metodológicas dos estudos elaborados pela con - sultoria contratada pelo ICMBio, ao demostrar que as caracte - rísticas do referido documento são o ocultamento da identidade cultural dos sujeitos pescadores artesanais, os usos do território e a omissão dos conflitos provocados pela sobreposição do PNS sobre os modos tradicionais de vida, que se realizam na região há mais de 300 anos. Desvela-se nesse Parecer a estratégia do discur - so que orientou a produção do Diagnóstico Rural/Rápido Parti - cipativo (DRP), uma das fontes principais para elaboração do relatório/estudo das consultorias ao ICMBio. Conhecido como Volume de Diagnóstico, nele são descritas a seleção de fontes bibliográficas responsáveis por orientar a interpretação e direcio - namento de suas conclusões ulteriores. Tendo os objetivos de preservação do PNS como diretriz exclusiva, não poderíamos esperar conclusões diferentes: o resultado dos estudos do PNS foi a construção de um cenário superficial da realidade históri - ca e social e suas interações com o ambiente, posto que, optou por erguer obstáculos ao conhecimento específico de processos sociais reais, ocultando o ponto de vista dos sujeitos afetados e os conflitos sobre as realidades localizadas provocadas desde o ordenamento

    Está gostando da amostra?
    Página 1 de 1