Sobre as Águas: A Tradição e a Pesca Artesanal em Três Comunidades da Reserva Extrativista Acaú-PB/Goiana-PE
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Sobre as Águas - Gekbede Dantas Targino
COMITÊ CIENTÍFICO DA COLEÇÃO CIÊNCIAS SOCIAIS
Dedico este trabalho aos(às) pescadores(as) e marisqueiras(as) de Acaú-PB, Carne de Vaca-PE e Povoação de São Lourenço-PE, por terem nos deixado entrar em suas casas
e conhecer suas histórias.
AGRADECIMENTOS
Está feito. Um trabalho de pesquisa que tenho orgulho em compartilhar porque por meio dele aprendi os significados da resistência e a importância da tradição e memória.
Muita gratidão aos amigos(as), colegas, professores(as), familiares, pelo apoio, consolo, força, partilha, troca de saberes, amor, confiança, motivação, entre outros afetos tão necessários para que eu pudesse alçar minha jornada acadêmica.
Dos caminhos que percorri, carrego aprendizados dos professores(as) da UFPB, UFRN, UFSCar. Não vou citar nomes por serem muitos os que gostaria de agradecer. De cada um carrego uma lição.
Fui lapidada por grandes mestres, os meus orientadores: Andrea Ciacchi (graduação), Luiz Assunção (mestrado), Simone Carneiro Maldonado (doutorado), e mais recentemente, Jacob Carlos Lima (pós-doutorado). Minhas melhores referências quando escrevo, ensino, oriento alunos e pesquiso. Especialmente, ao amigo e professor Andrea Ciacchi, pelas primeiras lições de campo com as populações tradicionais, pelo incentivo e presença em todas as etapas de qualificação que passei e pela gentileza da escrita de um prefácio que torna esta publicação ainda mais significativa.
A todos os colegas/amigos pesquisadores da pesca, que inspiram e me ajudam a adentrar o barco.
A todos os amigos(as) de perto e de longe, do trabalho e das redes/laços tecidas pelo tempo e que torcem pelo meu sucesso.
Ao meu amado, Placivaldo Henrique Targino, pela partilha, incentivo e apoio. A minha filha Isadora Dantas Targino, minha motivação diária.
Aos meus pais, Bento e Geni, que, na luta pela sobrevivência, ensinaram-me a importância e o valor do estudar
. A toda família pelo carinho.
A Deus, pelo dom da vida, da ciência e do conhecimento.
Enfim, a todos que não deixaram o barco afundar, por mais turva que fosse a água, por mais forte que fosse o vento e a pressão do tempo.
Aos pescadores e marisqueiras de Acaú-PB, Povoação de São Lourenço-PE e Carne de Vaca-PE, pela permissão em deixar-me entrar em suas casas, registrar suas histórias e contá-las.
A vocês, o meu muito obrigada.
Contar histórias pessoais, histórias familiares, fornecer testemunho de fatos marcantes na vida da comunidade ou da região, definir tradições, instituições e visões de mundo da comunidade, ou até relatos de uma inteira existência, concorrem, quando globalmente considerados, à caracterização de elementos comuns de um horizonte e de um universo social e culturalmente comuns.
(Andrea Ciacchi)
PREFÁCIO
Em primeiro lugar, o lugar. Estuários, maré, mangue, barra do rio, croas, gamboas, praias: territórios líquidos e incertos, que mais uma vez reaparecem nos horizontes da ciência social brasileira. Obrigada, como ciência que se queira firme, sólida e certa, a compreender as dimensões materiais, geográficas, até geológicas, de mundos que estão necessariamente nas margens das terras firmes. Mundos que abrigam cenários de relações sociais, mas, também, patrimônios, práticas, saberes e memórias. E, aqui, especificamente, os seus nomes: sonoros, oxítonos — Acaú, Pitimbu, Caaporã, Megaó; históricos — São Lourenço, Goiana, Tejucupapo; evocadores — Carne de Vaca, Baldo (ou Balde?) do Rio. Nem urbanos nem rurais, nem no meio: empurrados quase para fora dos limites do mundo onde se pisa com os pés: mais à frente, um passo a mais: só rebentação, maré e águas, marolas, ondas, ventos — portanto, botes, canoas, caicós, jangadas.
Em segundo lugar, isso: as memórias, os saberes, as práticas, os patrimônios. Escondidas e escondidos, por serem muito distantes, mas, também, rigidamente ligados a esses mundos que poucos exploradores se dedicaram a conhecer e, depois, a mostrar. Mariscagem, catação, puçás, peneiras, redes, tarrafas. E aratus, caranguejos, siris, sururu, mariscos, camarões; tainha, carapeba, sauna, pampo, camurim, xaréu. Quase clandestinamente, lagosta. E nas festas, mais: rodas de coco e coco de roda, quadrilha, forró, sanfona, ganzá, pés, mãos batidas e batidas de mãos e pés. No meio das danças, e depois, passando por muitas mudanças. Algumas perdas, poucos ganhos.
Em terceiro lugar, elas e eles: Nadir, Josefa, Aline, Luzia, Alice, Ritinha, Geninha, Carminha, Dona Lia, Preta, Andressa, Floro, Geraldo, Maria José, Dadá... e muitas outras e muitos outros. Dão sentido àqueles lugares, possuem e transformam aqueles patrimônios, práticas, saberes e memórias. Brincam naquelas festas. Trabalham: catam, mariscam, pescam, remam. São, para mim, fortemente, as coautoras e os coautores deste livro. O nome de Gekbede, na capa, é muito mais coletivo do que pode parecer. Encontros de saberes.
Em quarto lugar, a boa companhia. Maria da Conceição Vicente de Carvalho, Gioconda Mussolini, Alcida Rita Ramos, Luiz Fernando Dias Duarte, Roberto Kant de Lima, Marco Antônio Mello, Mariza Peirano, Fernando Mourão, Antonio Carlos Diegues, Simone Maldonado, Francisca de Souza Miller, Ronaldo Lobão, Cristiano Ramalho — só quero ficar com a velha guarda (e um pouco da menos nova, que esta também existe e a autora aqui, com muito merecimento, faz parte dela). Como é rica a galeria de quem fez questão de ver e se dedicar a estas questões, às vezes desafiando o frio e a solidão. Como é lindo vê-las e vê-los inspirando essas gerações mais jovens, que montam as suas bibliografias nessas sabedorias, mais do que firmes e comprovadas.
Em quinto e talvez último lugar, este livro. Que nos leva para aqueles lugares, para conhecermos tudo isso e tudo aquilo, antes que seja tarde. Tarde para nós, não para eles, pois cada passo que a ciência social brasileira dá em direção a esses cenários é um ganho para ela, para que não traia a sua vocação, que deveria ser isso mesmo: a busca das e nas margens, a busca do líquido e do incerto, a sua compreensão, nos encontros dos seus saberes e dos de outrem. Nós aprendemos, lá, não ensinamos. O que ensinaríamos a esses mestres dos mares?
Mas a autora deste livro — que foi minha aluna há uns vinte anos atrás — é professora, agora (há uns bons quinze anos, aliás), o que faz uma grande diferença. A professora que trocou, antes, o litoral norte da Paraíba (a Barra do Camaratuba, nos primeiros anos de formação), para o litoral sul do mesmo Estado, e zona da Mata Norte de Pernambuco, e, depois, a etnografia praieira pelo compromisso pedagógico e político, tem muito a dizer e a fazer. Eu admito: pode-se ser excelente mestre sem ter passado, necessariamente, por experiências etnográficas. Mas quem passou por elas e se elas foram nesses lugares, nessas praias, me perdoem: saberá mais. Aprendeu a temperar a sala de aula, que vai ter os aromas do mar, a firmeza da vela, o balanço do bote, a sabedoria do marinheiro, os cuidados da marisqueira. O que deveríamos fazer, afinal, quando ensinamos
? Peneirar, pois. Lançar-nos aos altos mares, aos mares-de-fora, e levar com a gente tripulações conscientes e atentas, jovens, destemidas. Sermos botes ou jangadas.
É um pouco injusto, ainda que natural
, mas nós, os professores que formamos alunos que se tornam professores, não os escutamos quando, mais tarde, dão aulas ou orientam. Mas eu, aqui, me permito ter certeza de que as aulas de Gekbede têm a qualidade destas páginas, o mesmo cuidado, a mesma argúcia delicada. Tem boas e generosas pitadas, nisso, de outras duas presenças queridas: Luiz Assunção e Simone Carneiro Maldonado — que devem sentir o mesmo: tendo contribuído decisivamente para a formação dela, reencontrá-la inteira, aqui, renovando a tradição, as tradições.
Claro: passaram-se uns dez anos desde esta etnografia para a publicação deste livro e seria importante conhecer os desfechos das mudanças, que ele, o livro, já anuncia. Mas, assim como nos interessa uma foto mais velha, porque nos permite não só lembrar mas, também, conservar no tempo a compreensão de um momento, de um espaço, de uma relação que seria necessário continuar acompanhando — cumprindo assim a serventia mais concreta da ciência —, esta ação do tempo é um elemento decisivo para a relação que este livro estabelecerá com quem vai lê-lo. Ora, ladeado por ao menos duas excelentes instituições de ensino e pesquisa, como a UFPB e a UFPE (sem prejuízo de chegarem para lá de qualquer parte do mundo), esse território ainda tem muito a mostrar e a ensinar a quem queira compreender o sentido das mudanças, a persistência de práticas e dos saberes, as memórias desse cenário que o livro retrata com tanto cuidado. Bem-vinda, portanto, a publicação de uma etnografia velha
mas nem um pouco envelhecida.
Que gere mais bons frutos, em muitas colheitas e pescarias, nesses e em outros mares.
Foz do Iguaçu, junho de 2021.
Andrea Ciacchi
Professor de Antropologia
Universidade Federal da Integração Latino-Americana
LISTA DE SIGLAS
APA Área de Proteção Ambiental
Cemar Centro de Culturas Marítimas
Cepene Centro de Pesquisa e Gestão de Recursos Pesqueiros do Litoral Nordeste
CNPq Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico
CNPT Centro Nacional de Desenvolvimento Sustentado das Populações Tradicionais
Conama Conselho Nacional do Meio Ambiente
Conape Conselho Nacional de Aquicultura e Pesca
CPPNE Comissão Pastoral dos Pescadores no Nordeste
DCC Desenvolvimento de Comunidades Costeiras
Depea Departamento de Educação Ambiental
FAO Fundo das Nações Unidas para a Alimentação
Fundaj Fundação Joaquim Nabuco
Geal Grupo de Estudos Antropológicos do Litoral
Ibama Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis
ICMBio Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade
Incra Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária
IPA Instituto Agronômico de Pernambuco
Iphan Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional
LEO Laboratório de Estudos da Oralidade
MMA Ministério do Meio Ambiente
Monape Movimento Nacional dos Pescadores
Mopeba Movimentos dos Pescadores do Estado da Bahia
MPA Ministério da Pesca e Aquicultura
Nupaub Núcleo de Apoio à Pesquisa sobre Populações Humanas em Áreas Úmidas Brasileiras
ONGs Organizações Não Governamentais
PB Paraíba
PE Pernambuco
Prodema Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento e Meio Ambiente
RDS Reserva de Desenvolvimento Sustentável
Resex Reservas Extrativistas
RPPN Reserva Particular de Patrimônio Nacional
Seap Secretaria Especial da Aquicultura e Pesca
Snuc Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza
Sudema Superintendência de Administração do Meio Ambiente
Sudepe Superintendência do Desenvolvimento da Pesca
UCs Unidades de Conservação
UFPB Universidade Federal da Paraíba
UFPE Universidade Federal de Pernambuco
Sobre as águas que levam meu barco...
Fonte: a autora (2010)
Fonte: a autora (2009)
Sumário
INTRODUÇÃO 21
1
POR UMA SOCIOANTROPOLOGIA PESQUEIRA: REFLEXÕES SOBRE MEMÓRIA E TRADIÇÃO 33
2
SOBRE AS ÁGUAS
: PESQUISA E METODOLOGIA 49
2.1 Os (des)caminhos da pesquisa etnográfica 49
2.2 O uso da história oral 60
2.3 As comunidades tradicionais: n(o) campo e os sujeitos da pesquisa e suas
histórias 63
2.3.1 O campo e seu povoamento 66
2.3.2 Atividades econômicas 78
2.3.3 A organização comunitária 86
2.3.4 A cultura, religiosidade e as manifestações culturais 90
3
A PESCA ARTESANAL E AS RESERVAS EXTRATIVISTAS 107
3.1 A criação de reservas extrativistas no Brasil 109
3.2 A Resex Acaú-PB/Goiana-PE 113
4
A TRADIÇÃO DA PESCA ARTESANAL 123
4.1 A pesca artesanal no Brasil 125
4.2 Pescar, catar e debulhar: o trabalho no estuário Goiana/Megaó 127
4.2.1 Tipos de pesca e pescado 132
4.2.2 A arte e os instrumentos de pesca 149
4.3 Os espaços da pesca, os lugares da memória: territorialidade e conflitos 163
4.3.1 Mudanças e impactos na prática pesqueira 175
4.3.2 O segredo e a mestrança: cadê o mestre? 187
4.4 Para além do trabalho: cultura, tradição e modos de vida 189
CONSIDERAÇÕES FINAIS 195
REFERÊNCIAS 203
Site consultados 214
APÊNDICES 217
Apêndice 1 – Roteiro de entrevistas 219
Apêndice 2 – Ficha de transcrição de entrevistas 222
ANEXOS 223
Anexo 1 – Mapa de localização da Resex Acaú-Goiana 225
Anexo 2 – Folder da Festa de Padroeiro Sant’Ana em Carne de Vaca-PE 226
Anexo 3 – Folder da Festa de Padroeiro da Povoação de São Lourenço-PE 228
Anexo 4 – Segundo folder de divulgação da Resex Acaú-Goiana (2009) 230
Anexo 5 – Terceiro folder de divulgação da Resex Acaú-Goiana (2010) 232
Anexo 6 – Decreto nº 6.040 de 2007, que institui a Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais 234
Anexo 7 – Reservas Extrativistas no Brasil 236
Anexo 8 – Notícia sobre Palestra em Caaporã em comemoração aos quatro anos da Resex 241
Anexo 9 – Decreto de criação da Resex Acaú-Goiana 243
Anexo 10 – Quadro de Reuniões Preliminares a criação da Resex 245
Anexo 11 – Lista de propriedades localizadas nas áreas da reserva extrativista
Acaú-Goiana 246
INTRODUÇÃO
Ao estudar comunidades pesqueiras, deparamo-nos com realidades diversas, circunstâncias incertas, as quais revelam sempre um conhecimento particular sobre um modo de viver sobre as águas
.
As práticas desses atores da pesca tradicional tanto no Brasil quanto em outros lugares, construídas pelas relações que a humanidade desenvolve com o meio ambiente, são referência básica para os estudos sobre a cultura marítima
ou maritimidade¹, pois a atividade pesqueira marítima tem uma importância profunda, não só enquanto atividade produtiva, mas também, e, sobretudo, ideológica e identitária, sendo o mar e o que nele se faz, como se o vê e representa
(MALDONADO, 2011, p. 203).
Diegues (2004b) ainda aponta que as relações entre as sociedades humanas e o mar são marcadas por diversas práticas econômicas, sociais e simbólicas, e que o conhecimento tradicional marítimo é produzido e acumulado culturalmente por meio da prática profissional, sendo continuamente recriado de acordo com a especificidade do ambiente que se apresenta como cíclico, móvel e imprevisível.
Segundo Diegues (2004b, p. 7), a exploração dos recursos pesqueiros é antiga, tendo uma importância não somente econômica, mas cultural e simbólica. Alguns grupos humanos foram produzidos material e simbolicamente por essa atividade. Em 4700 a.C., havia, nos templos sumérios, listas de embarcações, de apetrechos de pesca e de quantidades de peixes capturados. Também na Antiguidade Egípcia, conheciam-se ex-votos ou presentes ofertados aos deuses pela proteção nos perigos da navegação.
Para Diegues (2004b, p. 7), até hoje a pesca continua sendo uma atividade aleatória, incerta, frequentemente perigosa, e são essas características que estão na origem da função que as práticas simbólicas e rituais desempenham em muitas sociedades de pescadores com a finalidade de propiciar capturas abundantes. Ele detectou que sociedades inteiras, em determinados períodos históricos, dependeram quase que exclusivamente da pesca que foi responsável pela reprodução física e social de seus membros, bem como pela importância de representações sociais e culturais que marcaram a vida social, não somente na Antiguidade, mas nos tempos modernos. Nesse sentido, torna-se relevante considerarmos que
[...] o mar e os oceanos, desde os primórdios da humanidade, foram objetos de curiosidade, de conhecimento, de ricas simbologias e de práticas culturais antigas ligadas à pesca, à coleta e à navegação. Todas essas atividades foram exigindo um conhecimento crescente do mar e de seus fenômenos, a partir das práticas culturais que foram se acumulando durante vários milênios (DIEGUES, 2004b, p. 15).
Assim como o mar e os oceanos, os povos que vivem
e trabalham nos estuários dos rios Goiana e Megaó trazem à tona um arcabouço de práticas tradicionais, estratégias e um conhecimento que aguçou o olhar
de pesquisadora, ao ouvir de uma pescadora a frase: Sobre as águas que levam meu barco
², enquanto ela empurrava sua embarcação para o começo de mais um dia de trabalho. Aquela mulher sabia exatamente o percurso que seu barco faria, mas não o que traria, pois o mar
, como dito anteriormente, é incerto.
As palavras daquela mulher fizeram pensar, a princípio, nos motivos, sentidos e significados que seu trabalho (a pesca) poderia revelar. Uma atividade difícil, para alguns, sofrida e indesejada, parecia naquele instante soar como satisfação, desejo, por mais um dia pescar. A partir daí, iniciou-se a busca em compreender aquele cotidiano que apontava um saber de mulheres e homens que aprenderam a arte do saber-fazer PESCADOR
(MALDONADO, 1994, 2000; DIEGUES, 2004b; RAMALHO, 2004) nas formas de se organizar e de se representar simbolicamente no espaço costeiro e marítimo e, particularmente, viver, sobreviver e resistir no estuário dos rios Goiana e Megaó
. Esse último subdivide-se em dois rios menores: Megaó de cima e Megaó de baixo (Figura 1).
Figura 1 – Estuário dos rios Goiana e Megaó
Fonte: Google Earth (adaptado pela autora)
O interesse em conhecer seu modo de vida conduziu a este estudo em três comunidades, onde o estuário do rio Goiana demarca a fronteira dos estados da Paraíba e de Pernambuco. Os campos escolhidos (Figura 2) foram o distrito de Acaú, município de Pitimbu, localizado no litoral sul da Paraíba, a 68 km de João Pessoa; e as povoações de São Lourenço e Carne de Vaca, localizadas à margem do litoral norte de Pernambuco, pertencentes ao município de Goiana³, a aproximadamente 65 km de Recife. A partir de 2007, essas três comunidades pesqueiras passaram a fazer parte de uma unidade de conservação federal, a Reserva Extrativista Marinha Acaú-Goiana, a qual foi criada por Decreto Presidencial em 26 de setembro de 2007, abrangendo uma área de 6.678,30 hectares⁴.
Figura 2 - Mapa das comunidades pesquisadas
C:\Documents and Settings\Administrador\Meus documentos\Dropbox\TESE PPGS\Tese\mapa\MAPA GEKBEDE - FINAL_MODIFICADO.jpgFonte: Fábio Mendonça. Acervo da Pesquisa, 2012
O que essas comunidades parecem ter em comum é a atividade da pesca artesanal como uma das principais fontes de renda e subsistência da região. Nas águas do Goiana e do Megaó
, falar de pesca é tentar compreender a dinâmica de um processo de desenvolvimento desaguado
pela tradição. Esse fato, aliado à proximidade geográfica e às relações de troca, sociabilidade no trabalho e festividades, observados desde os primeiros contatos, conduziu-me à escolha dessas três comunidades como campo de pesquisa.
A pesca artesanal⁵ é um tipo de pesca caracterizado pela tecnologia simples e de baixo custo de produção, com técnicas construídas socialmente ou pelas relações de parentesco, e o destino da produção é para subsistência ou venda, como afirma Maldonado (1986, p. 15):
A pesca artesanal é um tipo de pesca pela sua caracterização simples de tecnologia e pelo baixo custo de produção [...] produzindo com grupo de trabalho formado por referenciais de parentesco, sem vínculo empregatício entre as tripulações e os mestres dos botes. Esse tipo de pescador tem na pesca a sua principal fonte de renda e a produção volta-se para o mercado, sem perder, contudo, o seu caráter alternativo, podendo destinar-se tanto ao consumo doméstico como à comercialização.
Segundo Ramalho (2004, p. 4), o termo artesanal vincula-se à ideia de artesão, diferenciando o pescador do camponês, porque este é dono da terra que cultiva, o artesão, dos instrumentos que maneja com pericia
(MARX, 1982, p. 880 apud RAMALHO, 2004), pois ser pescador artesanal não está apenas no ato de viver da pescaria, mas dominar, plenamente, os meios de produção da pesca.
Sua atividade utiliza técnicas muito simples e tem o controle humano. É realizada por homens e mulheres, sendo geralmente coletiva (com a participação dos amigos, compadres etc.) ou familiar (parentesco).
O que podemos perceber é que a atividade da pesca, principalmente a artesanal, não constitui apenas um trabalho simples, mas revela um saber-fazer
passado de geração em geração, transmitida oralmente, e que constrói, muitas vezes, o reordenamento de grupos sociais. Como afirma Diegues (2004b, p. 196):
Conhecimento tradicional na pesca é entendido como um conjunto de práticas cognitivas e culturais, habilidades práticas e saber-fazer transmitidas oralmente nas comunidades de pescadores artesanais com a função de assegurar a reprodução de seu modo de vida. No caso das comunidades costeiras, ele é constituído por um conjunto de conceitos e imagens produzidos e usados pelos pescadores artesanais em sua relação com o meio ambiente