Ginocracia A Utopia Final
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Ginocracia A Utopia Final - Fabiano Viana Oliveira
GINOCRACIA
A UTOPIA FINAL
PARTE I - O PROFESSOR DE HISTÓRIA
Fabiano Viana Oliveira
GINOCRACIA
A UTOPIA FINAL
PARTE I - O PROFESSOR DE HISTÓRIA
Fabiano Viana Oliveira
(direitos autorais e diagramação)
OLIVEIRA, Fabiano Viana. GINOCRACIA A UTOPIA FINAL Parte I O Professor de História. Salvador: Edição do Autor, 2019.
173 p.
ISBN 978-85-914103-5-4
1. Romance brasileiro. 2. Ficção. 3. Futurologia.
Capítulo 1 - Primeiro dia: guerra e guerra
O fluxo de veículos coletivos era constante como sempre naquela manhã do mês de Hipátia, equivalente ao terceiro mês do ano solar. Era o primeiro dia do período escolar do ano de 137 dH (depois do Homem). O velho professor Hilder caminhava lentamente pelas vias de pedestres chegando até a entrada da Escola de Estudos Intermediários da cidade de Elsinor. Ainda olhava com admiração e encantamento a chegada das dezenas de estudantes nos arredores da escola no início do ano de estudos e esse já era o seu septuagésimo segundo ano como professor dos conteúdos de história da escola.
A medida que se aproximava com o passo lento de um idoso de mais de 90 anos, o leve zumbido dos veículos movidos a pulso eletromagnético se misturava com os sons de jovens meninas (e alguns poucos meninos) conversando e rindo no esplendor do suas juventudes. Isso o fazia vibrar e relembrar a vitalidade de sua rica vida bem vivida. Tão ampla de memórias vivenciadas da história recente da humanidade, quanto de momentos singelos de vida pessoal que se misturam nas sombras e luzes em movimento de uma sociedade luminosa, criativa e pacífica, mas que ao mesmo tempo lutou muito para chegar ao estado atual de coisas.
Mais próximo das rampas que dão acesso às portas da escola, várias das jovens que hoje estão nas classes mais avançadas da escola, prestes a escolherem que caminhos vão seguir na sociedade, vêm cumprimentar o velho professor.
Bom dia, professor Hilder.
Bom dia, minhas jovens. Último ano, hein? Parece que foi ontem que vocês eram aquelas pequenas prestes a começar a estudar.
Elas é que têm sorte de começarem os estudos intermediários com um professor de História como o senhor...
...tão velho que viveu a história? - Elas deram risada da piada feita pelo professor Hilder.
Que é isso, professor... Nós nunca diríamos isso do senhor. - E o professor e as jovens meninas seguem andando pela rampa sumindo por uma das portas do amplo prédio circular que é o prédio da Escola.
A expectativa de vida média no planeta Terra agora é de 110 anos para homens, que são cerca de 20% da população, e 145 anos para mulheres, que compõem os 80% restante da população mundial. Podem parecer cifras absurdas diante do tenebroso passado recente do planeta, mas não havia nada mais natural numa Ginocracia que vida longa, saudável e baseada na sustentabilidade tecnológica.
Numa das salas de aula do grandioso prédio escolar, o professor Hilder faz sua já famosa aula introdutória para as meninas que começam o ano na escola de estudos intermediários. Sua aparente fragilidade de idoso, se transformam em vitalidade na hora de falar em sala de aula.
Foi um longo caminho, minhas jovens, até chegarmos ao nosso modelo de sociedade atual. O mundo que temos hoje... em paz, limpo, sustentável, com qualidade de vida igual para todos, predominantemente harmonioso... foi uma conquista difícil fundada na crise, no sangue e na guerra, tendo bilhões de pessoas sacrificadas para que pudéssemos ter o estilo de vida que temos.
O professor Hilder olhou seu público de crianças e jovens entre 11 e 13 anos e tentava ler aquelas expressões juvenis, que iam desde a surpresa e perplexidade até a total incredulidade. O velho mestre de história esticou o pescoço e notou que tinha cometido uma pequena gafe em sua fala de abertura: havia um menino na sala. Já se iam completando cinco anos escolares sem um aluno menino em sua sala. Por isso a admiração do velho professor.
AH, meu caro, vejo que ainda existem alguns meninos por aí que conseguem entrar na escola intermediária. Já fazia um bom tempo que não tinha um rostinho masculino em minha classe além do meu... Seja bem vindo.
Obrigado, professor. Meu nome é Roberto e vou me esforçar ao máximo para tentar acompanhar as colegas.
Algumas das 37 garotas presentes na sala olharam para ele com admiração, outras com condescendência, notava-se algumas com ressentimento contido, mas a grande maioria simplesmente via com indiferença a presença de um menino na turma.
Desde o final da vitoriosa Revolução Rosa, assim denominada na época de maneira pejorativa, mas depois se tornando um símbolo de resistência e vitória, os sistemas educacionais se tornaram extremamente rigorosos quanto as competências intelectuais desenvolvidas. Mesmo antes do mundo se tornar uma Ginocracia, muitos países já vinham adotando sistemas educacionais que valorizavam os progressos na inteligência e no comportamento das mulheres. Ainda nas décadas que antecederam a guerra (a grande e última guerra) as mulheres já vinham se destacando como predominantes tanto no sistema educacional normal quanto nas posições de comando de empresas, cidades, estados e países. Elas eram mais inteligentes, mais dedicadas, determinadas e disciplinadas. No antigo sistema de competição em todos os âmbitos da sociedade, isso parecia apenas mais uma expressão do modelo. Foi nessa época que a tenebrosa expressão - se comporta como um homem - se tornou cada vez mais em uso. Mal podiam perceber, os homens que estavam no comando do mundo naquela época, que era uma expressão bem distante da realidade. Enquanto os homens competiam para ganhos no presente, as mulheres já estavam projetando num corpo coletivo inconsciente de escala mundial uma sociedade num futuro bem mais distante... séculos de distância... em que toda aquela animalidade seria superada: hoje.
Alguns de vocês já devem ter ouvido histórias das suas vovós, bisavós e trisavós contando como nosso mundo foi mergulhado num período de caos e escuridão que quase nos extinguiu da face do planeta, não é verdade?
Sim, professor Hilder. - Uma jovem de 11 anos chamada Elsa respondeu prontamente após erguer a mão e ter a autorização gestual do professor para falar.
Conte-nos o que ouviu, Elsa? - Todos os professores da Escola Intermediária têm como uma de suas tarefas dedicar uma parte de seu tempo no ano convivendo com as estudantes da Escola Básica mais próxima, assim muitas das alunas de Hilder naquele ano já lhe eram familiares. É uma forma de integrar a educação num grande complexo de formação de cidadãs livres e pensantes. Um ocasional cidadão também, como era o caso do menino na sala de Hilder neste ano. Seu nome era Roberto e ele vinha da cidade de Parsenor, transferido devido a relocação de suas mães para a cidade de Elsinor, que recentemente perdeu uma especialista em engenharia de regulação climática devido a um terrível acidente que deixou toda cidade triste (na verdade o mundo todo), pois era uma mulher jovem, ainda com 63 anos. Razão porque ela não tinha dedicado tempo para treinar sua substituta.
Eu ouvi minha segunda bisavó contar que quando ela ainda era uma menina, muitos países que rejeitavam a ascensão da Ginocracia tentaram provocar instabilidade na paz mundial através de uma coisa chamada derrame de dinheiro
. Eu nunca entendi direito o que ela queria dizer com isso, mas dava para notar que as pessoas da época ainda tinham muito medo de algo terrível acontecer, se as guerras chegassem nos territórios já formalmente integrantes da ginocracia.
O menino Roberto ergueu a mão e pediu permissão para falar. Hilder fez sinal lhe dando autorização e nenhuma menina pediu a palavra impedindo-o de falar. Durante muito tempo as tradições repressoras após a supremacia feminina começar permaneceram. Era uma forma de impor a ordem num mundo ainda com remanescentes do caos. Aos poucos os homens aprenderam a se calar perante as mulheres, mesmo depois de superadas as tendência iniciais da repressão ginocrática. Desse modo, os meninos, ainda hoje, quando vão falar num ambiente de maioria feminina, preferem dar uma pausa para ver se alguém se opõe de ele falar. Ninguém se oporia, pois não mais acontecia de fato, mas muitos hábitos adquiridos com o tempo se tornam automáticos.
Professor... o que é dinheiro
? - Pode-se ouvir algumas risadas discretas pela sala, mas nada que o olhar de desaprovação de Hilder não pudesse calar rapidamente. Deveria ser compreensivo para pessoas que conhecem mais de história a confusão que se faz quando se usa certas palavras em completo desuso na vida cotidiana. O velho professor sabia que provavelmente muitas meninas também não conheciam essa palavra, mas o orgulho as impedia de perguntar ou simplesmente eram indiferentes a um conceito tão antiquado.
Dinheiro
, Roberto, é uma palavra de origem asiática e que servia para nomear um instrumento utilizado durante boa parte da história humana para mediar trocas, especialmente no comércio entre pessoas, organizações e países.
Ainda não entendi, professor Hilder. - A pergunta veio de uma menina chamada Noelia. De expressão esperta e incisiva, era uma menina que não se poupava na hora de fazer perguntas e buscar entender cada vez mais. Era uma característica comum entre muitas estudantes que vinham do ensino básico em Elsinor.
Hilder ficou um tempo pensativo enquanto se recostava em sua ampla bancada de professor. Apesar da configuração da sala de aula ser descentralizada, com as alunas sempre posicionadas ao redor do professor e os projetores holográficos saindo direto da bancada do professor e se projetando numa cortina de luz que descia do teto, a bancada em si servia de mesa para o professor e também para local de pesquisas e estudos das alunas, com acesso imediato a todo acervo da biblioteca mundial integrada, com todas as obras já produzidas em qualquer mídia ao longo da história humana e que não foram perdidas por alguma atitude insana de épocas obscuras.
Finalmente ele falou:
Talvez o que tenha perdido você na minha explicação foi a palavra comércio, que não é muito familiar de nossa época, mas por muito tempo era a principal atividade de ocupação do tempo das pessoas.
Professor... Então o dinheiro era um objeto usado no comércio?
Sim, Roberto. Um objeto que em si não tinha muito valor, mas que simbolizava o poder naquelas sociedades.
E qual a relação disso com as guerras, professor? - Questionou uma menina muito simpática chamada Roxane. Hilder também já a conhecia das visitas a Escola Básica no ano anterior e notou que ela tinha se desenvolvido bastante. Todas as crianças em Elsinor, e na grande maioria das cidades da Ginocracia, entram na escola básica com cerca de dois anos de idade. Como as mães dedicam bastante tempo na educação de suas filhas (filhos também, mas são muito poucos, já que com a manipulação genética a preferência das mães é por filhas),