Árvores dos Encantados
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Sobre este e-book
Laurêncio, dono de uma grande fortuna, usou e abusou de tudo o que o dinheiro poderia comprar. Chegou ao ponto de fazer mau uso das pessoas. Como só se perde aquilo que é, ou melhor, aquilo que se julga ser seu, Laurêncio foi perdendo, passo a passo, tudo e todos até que ficou sozinho, sem nada e sem ter como poder colocar a culpa da sua tragédia nas mãos de Deus ou do destino, pois tudo que lhe ocorreu foi o resultado das suas ações, ignorando que "toda causa tem seu efeito, que todo efeito tem sua causa".
É assim que sua história tem algo de essencial e comum com todas as peças que foram, são ou serão encenadas sobre o palco da vida. Quem nunca viveu uma paz que foi interrompida pelas consequências de um ato irrefletido? Depois do paraíso perdido, a única coisa que se quer é regressar. Para isso, faz-se necessário o mérito. A história em Árvores dos encantados é sobre o infinito desejo de redenção.
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Árvores dos Encantados - Willians Vargas
Agradecimentos
Primeiro agradeço aos meus professores e mestres (em especial ao professor Rafael Cordeiro Silva), sem os quais eu não teria as ferramentas necessárias para me lançar sobre este desafio. Agradeço também aos meus três primeiros leitores, Marcelo Galvão Silva, que muito me ajudou com suas impressões; Ana C. Moura que, além de suas críticas pertinentes, realizou o trabalho de revisão geral; e, em terceiro, mas, não menos importante, Georgia Cristina Amitrano, que leu o meu manuscrito e ainda incorporou o prefácio à obra. Não posso deixar de agradecer à minha esposa Jéssica Alves Duarte, a responsável direta por essa minha realização. É ela quem me inspira pelo simples fato de existir.
Prefácio
Escrever já é algo por si só complexo. Prefaciar a escrita de outro talvez seja a mais difícil das escritas.
O desafio de prefaciar um livro de poesias para mim é inimaginável, ou melhor, era. Falar deste livro é falar de letras ardentes, de palavras fortes, de rimas de cordéis que se alinham e se entrelaçam. Árvores dos encantados, de Willians Vargas, narra, com voz flamejante, os encantos que brotam das chamas, acesas pelos versos da sua poesia.
Versos que vertem um olhar sobre a terra, o barro, o interior desse país, as vielas, as curvas das matas, sobre os rios e os sertões. Versos que nos guiam em uma viagem feita sobre tapetes de rimas que contam uma história por trás de causos e estórias num país maior que aquele que se vê por aí. Versos sobre o chão, sobre pé no chão, sobre ervas e maricotas que fazem pães e compotas, através de um dizer próprio de um lugar próprio. Uma brasilidade que se traduz nas rimas de cordéis, nos ritmos dos sertões. É um rito Que percorre as alamedas/Evocando os vigores/Que atravessam as veredas/Procurando a ignição/Pro lume da tradição/Na Festa das Labaredas
.
Neste jogo de causos cantados/contados que se afastam e se aproximam, um circo de fogo nos faz pensar: Poesia ou romance? Ficção ou fato evidente? Ao fim, pouco importa, pois o que mais marca nesta escritura rimada é que Willians Vargas mostra-se poeta, quando arfa poesia boa que por vezes parece nos faltar, e romancista, quando ao mesmo tempo narra uma comovente história.
Neste estilo de narrar versando, entoa uma realidade inspirada, que rima verdades vividas lançando mão de sublime beleza poética. Talvez essa seja uma das mais empolgantes obras dessas últimas décadas, no que tange à poesia que sacia e dá vontade de um querer mais. Um escritor que, recorrendo às raízes do país, fala daquilo que nos faz queimar encantadamente. Sua escrita espelha o que os seus versos cantam, pois, como o mendigo de sua cantada, cada verso de Willians Acabou por contar/Tudo o que aconteceu/Com riqueza de detalhes/Do jeitinho que ocorreu/Enquanto dizia tudo/Eu ia escutando mudo/A verdade que doeu.
Este livro é para ser lido como quem degusta um bom pão, uma cachaça da roça com aquele queijo fresco de tira-gosto. Nada impede um vinho, um charuto. O importante é degustar, sentir nas papilas da alma as melodias. É para debruçar-se sobre ele, esquecendo-se do tempo que se esquece quando se ouve um bom ‘causo’.
Esse esquecer-se do tempo não é alienar-se do tempo, não é perda de tempo, é tempo que se ganha, pois se amarra nas entranhas a vontade estranha de ler tudo novamente, enrolando a palha do cigarro, fatiando o queijo, sorvendo o café, bebendo a cachaça ou o vinho, sem se esquecer de saborear, palavra por palavra, a poesia que fala mais do que se possa pensar.
Quando a gente acaba, tem a sensação esquisita de que demorou pouco e que precisa recomeçar, não necessariamente porque perdeu alguma coisa, mas porque é preciso apreciar tudo novamente. Um livro que não exaure, mas que alimenta a alma dos amantes da poesia. Esse é o escrito que se encontra em Árvores dos encantados.
Por Georgia Amitrano
Árvore da vida
Minha arte depende de proeza,
Movimento, diversão e até de sorte.
Lido com objetos que causam morte.
Meu trabalho requer muita destreza.
Lanço mão de encantos com ligeireza,
Manipulo elementos da oratória
Quando pratico minha arte explanatória.
Um ofício que remonta ao Antigo Egito,
Não pretendo enganar com nenhum mito,
Pois me atenho à verdadeira história.
Comecemos, então, pelo início.
O instante que anteviu o primo instante,
O momento de silêncio impactante
No qual Deus expressou todo artifício.
Foi o tempo que encobriu o precipício
Com a luz que nasceu da escuridão.
E foi vista toda a extensão
Que tapou o que antes era o nada,
Começando, assim, toda a jornada
Encenada nesta nova imensidão.
O pranto do mundo despertou a vida,
Suas lágrimas inundaram todo o abismo.
Cada ser que surgiu com seu lirismo,
Mostrou a astúcia divina envolvida.
A natureza, testemunha como vida,
Da expansão de toda criação,
Um processo de substanciação
Em que o abstrato deu origem ao substrato
E o descendente foi apenas um extrato
Do ancestral, na transubstanciação.
Depois de um intervalo bem grande
De um salto sobre a linha do tempo,
Num gesto gracioso, livre e lento,
A vida, perdulária e exuberante,
Sacou de uma ideia brilhante,
Pulou corda com a duração,
Pôs os elementos em interação,
Divertiu-se com a dádiva e com o destino.
Esfalfada da estripulia de menino,
Suspirou de plena inspiração.
Sobre a terra germinou a erva,
Sobre a erva desabrochou a planta,
Sobre a planta abrolhou a fruta santa
Com o sabor que hoje se observa.
Sem modos e nenhuma reserva,
A vida, faceira, deu seus passos,
Sem temor algum pelos fracassos,
Afastou-se do árido e nadou,
Rastejou, voou, multiplicou,
Sem pistas desses seus processos.
Do nada, brotou o tudo.
No tudo, brotou o mundo.
No mundo, brotou um mundo,
Mas cadê o bicho desnudo?
O grande motivo de tudo,
O ápice da divina criação,
O elemento da mediação
Entre Deus e a natureza.
Sem ele, é inútil a beleza.
Do barro, foi feito Adão.
Dos degredados filhos de Adão,
Nasceram os cativos de Ló,
Os coxos de Jacó,
E os amaldiçoados de Cão.
Os patriarcas de Abraão.
Os bastardos de Ismael.
Os sacerdotes de Israel.
Os justos de Melquisedeque.
Os peregrinos de Elimeleque
E os ungidos de Samuel.
Sidarta, Confúcio, Lao Tsé.
Colombo, Einstein, Cromwell.
Galileu, Aristóteles, Graham Bell.
Tesla, Marx, Maomé.
Constantino, Jesus de Nazaré.
Copérnico, Dumont, Napoleão.
Newton, Lenin, Agamenão.
Voltaire, Dalton, Ariano.
Beethoven e Tertuliano.
Homero, Darwin e Platão.
Perto estou do início da história,
Ouço uma flauta doce e pequenina.
Quem a toca nunca desafina,
Pois gravou a melodia na memória.
Que a deusa Mnemosine, em sua glória,
Colha intacto o que guardo na cabeça.
Que a exatidão dos fatos prevaleça
E sobre o Lete eu erga uma ponte.
Que eu viaje firme ao horizonte,
Que ela impeça que de algo eu me esqueça.
Foi num tempo em que o céu chorava,
Era um aguaceiro que caía,
Sempre a enxurrada escorria,
A grama rameira deitava.
O grande açude formava
Cada corisco violento,
Cada trovão barulhento.
Línguas de fogo desciam,
Todos os bichos corriam,
Não dormiam no relento.
Às vezes, uma garoa maneira
Aguava a terra quente.
Sem peso, mas muito eloquente,
Uma exímia jardineira,
Comedida regadeira,
Dedicada faxineira.
Espantava o véu de poeira,
Esfriava o chão fervente,
Transformava o globo em vertente,
Uma lida rotineira.
E havia uma entidade
Com o embornal sempre cheio,
Ministra de todo rateio,
O seu nome era Fartura.
Alteza da agricultura,
Levitava sobre as flores,
Vestida com muitas cores,
Apressada pra chegar,
A tempo de poder velar
O sono dos trabalhadores.
Uma feliz feita que acabou,
E o paraíso perdido.
Foi após esse ocorrido
Que esta história começou.
O mar se retirou,
Tornou-se um circo ardente,
Um terreiro incandescente,
Purgatório de impostores,
Palco de pecadores
De calor muito estridente.
Aqui o artista mostra que é forte,
Tensiona a corda bamba da vida.
Com uma coragem atrevida,
Equilibra-se na sorte.
Desafiando a morte,
Suspenso sobre grande altura,
Marcha com desenvoltura
Sobre o imenso abismo.
Arrisca malabarismo
Sobre a sua sepultura.
De braços abertos, sem saber
O que lhe espera ao cair,
Talvez um eterno dormir.
Sofrer ele sabe fazer
E sofre mesmo sem querer.
Seu maior sofrimento é a fome,
Uma dor que quase o consome,
Escassez que o enlouquece,
Arbítrio que o enfurece:
Retirante é o seu nome.
Bastardo da misericórdia,
Nutre alguma esperança,
Sonhando no colo da justiça
Com o tempo da concórdia
Que encerre sua tragédia.
Por suas duas transgressões,
Recebeu três punições.
Sua plena remição,
O absoluto perdão
Virá de três expiações.
Para a fome, é Finados o ano inteiro,
Pois rasura o livro da existência,
Surda aos gemidos de clemência.
Esgueirando de um jeito sorrateiro,
Saqueando feito um forasteiro.
Testemunha da última oração,
Do moleque nos braços do irmão,
Que, erguendo os olhos, fez pedido
Tendo fé de que fosse atendido
E chegando no céu tivesse pão.
Um vale de espécimes anônimos,
Onde se destacam os tons de ocre
Numa variedade bem medíocre,
Que complica quaisquer tipos de rimas,
Pois saem da forja como lágrimas.
Quem olha a vegetação niilista
De aspereza alarmista,
Com folhas facultativas,
Suas farpas vingativas,
Torna-se logo pessimista.
E os animais inflamados?
Os