Novos e velhos desafios no cotidiano do trabalho na atenção primária à saúde no Brasil
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Sobre este e-book
Para além disso, o texto traz um conjunto de debates sobre: as mudanças no mundo do trabalho na contemporaneidade; a reconfiguração da Política Nacional da Atenção Básica no Brasil; os dilemas do trabalho na Atenção Primária à Saúde no contexto da pandemia da covid-19.
Dessa forma, esta obra dialoga com a vertente de estudos do trabalho, da Saúde Coletiva e da temática sobre a reestruturação produtiva na saúde, trazendo referenciais teóricos da Sociologia do trabalho, da psicodinâmica do trabalho e da psicossociologia do trabalho.
A base empírica das análises se dá a partir do estudo de caso ampliado, na perspectiva de Michael Burawoy, das percepções dos profissionais de saúde de uma equipe da Estratégia Saúde da Família a respeito do trabalho na Reforma da Atenção Primária à Saúde (2009-2016) do município do Rio de Janeiro. Ademais, em diálogo com o paradigma indiciário de Carlo Ginzburg, também, traz atualizações das Políticas Nacionais da Atenção Básica e as repercussões da pandemia de COVID-19 sobre as condições de trabalho
na APS no Brasil.
Sendo assim, esta é uma obra que almeja auxiliar na reflexão crítica sobre os rumos que estão sendo tomados para a APS e para o Sistema Único de Saúde (SUS), no período histórico recente do país, bem como reforçar a centralidade do trabalho na saúde em diálogo com os princípios democráticos que fundaram o SUS, em 1988.
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Novos e velhos desafios no cotidiano do trabalho na atenção primária à saúde no Brasil - Renato Penha de Oliveira Santos
Novos e velhos desafios no
cotidiano do trabalho na Atenção
Primária à Saúde no Brasil
Editora Appris Ltda.
1.ª Edição - Copyright© 2022 do autor
Direitos de Edição Reservados à Editora Appris Ltda.
Nenhuma parte desta obra poderá ser utilizada indevidamente, sem estar de acordo com a Lei nº 9.610/98. Se incorreções forem encontradas, serão de exclusiva responsabilidade de seus organizadores. Foi realizado o Depósito Legal na Fundação Biblioteca Nacional, de acordo com as Leis nos 10.994, de 14/12/2004, e 12.192, de 14/01/2010.Catalogação na Fonte
Elaborado por: Josefina A. S. Guedes
Bibliotecária CRB 9/870
Livro de acordo com a normalização técnica da ABNT
Editora e Livraria Appris Ltda.
Av. Manoel Ribas, 2265 – Mercês
Curitiba/PR – CEP: 80810-002
Tel. (41) 3156 - 4731
www.editoraappris.com.br
Printed in Brazil
Impresso no Brasil
Renato Penha de Oliveira Santos
Novos e velhos desafios no
cotidiano do trabalho na Atenção
Primária à Saúde no Brasil
Dedico este livro aos trabalhadores de saúde da Atenção Primária à Saúde do Brasil e do município do Rio de Janeiro, aos lutadores e às lutadoras que constroem e defendem o Sistema Único de Saúde.
AGRADECIMENTOS
Aos meus pais, à minha irmã e à minha companheira, pelos apoios, incentivos e pela compreensão das minhas ausências devido aos dias de dedicação aos meus estudos, às pesquisas e ao trabalho.
Aos meus amigos e às amigas de Norte a Sul deste país e de Portugal, que sempre me acolheram e me ajudaram em algumas discussões deste livro.
Aos professores e trabalhadores da Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV), pelo cuidado e pela acolhida ao longo da jornada de escrita desse livro, além dos ensinamentos para a vida acadêmica e profissional.
À Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB), à Fundação Oswaldo Cruz – Rio de Janeiro (FIOCRUZ-RJ) e ao Centro de Estudos Sociais (CES) da Universidade de Coimbra – Portugal (UC-PT), pelos incentivos às pesquisas científicas que auxiliaram em reflexões presentes neste livro.
À Secretaria Municipal de Saúde e Defesa Civil do Rio de Janeiro e aos trabalhadores da saúde da Atenção Primária do Rio de Janeiro, por me ajudarem na realização da pesquisa que baseia o livro.
Aos movimentos sociais Rede Nacional de Médicos e Médicas Populares (RNMMP) e Movimentos dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), além do Centro Brasileiro de Estudos de Saúde (CEBES), pela formação política e pelo incentivo às lutas diante do desmonte do Sistema Único de Saúde (SUS).
Ella está en el horizonte
— dice Fernando Birri —. Me acerco dos pasos, ella se aleja dos pasos. Camino diez pasos y el horizonte se corre diez pasos más allá. Por mucho que yo camine, nunca la alcanzaré. ¿Para qué sirve la utopía? Para eso sirve: para caminar".
(GALEANO, Eduardo. Ventana sobre la utopía. Las palabras andantes – con grabados de J. Borges. 5. ed. Buenos Aires: Catálogos S.R.L., 2001, p. 230)
PREFÁCIO
O processo de precarização do trabalho é um fenômeno que atinge os trabalhadores em escala planetária e assume grandes proporções em países periféricos. Este livro trata esse processo no contexto dos serviços públicos de saúde, em particular da Atenção Primária. Ao definir esse objeto para o desenvolvimento da dissertação de mestrado que dá origem a este livro, Renato Penha de Oliveira Santos se apoia na sociologia do trabalho francesa e brasileira, de perspectiva histórico-crítica.
Esse movimento implica romper com uma leitura do mundo do trabalho que compreende como inevitáveis as dinâmicas do capitalismo contemporâneo e suas consequências, supostamente inexoráveis. Na verdade, essa dinâmica vulnerabiliza as sociedades como um todo, sobremaneira aqueles que vivem do trabalho, multiplicando a pobreza em todo o mundo. Isso significa que, com maior ou menor intensidade e em diferentes configurações, a precarização está por toda a parte (BORDIEU, 1998). O estudo efetiva o compromisso de revelar expressões particulares dessa precarização no contexto do trabalho em saúde.
O mundo do trabalho que o livro traz à tona é um desdobramento da crise do fordismo dos anos de 1970 e da difusão de uma normatividade que sustenta as políticas e os novos processos culturais de recorte neoliberal. Para recompor as taxas de lucro, o capitalismo se reestrutura, instaurando um novo paradigma técnico e econômico, baseado na flexibilidade, na terceirização e na reorganização da produção em moldes toyotistas. Ainda que esse processo tenha se iniciado na indústria, rapidamente expandiu-se para os serviços privados e públicos, inclusive para os serviços de saúde, sob a perspectiva gerencialista.
No caso dos serviços públicos de saúde no Brasil, a lógica gerencialista, fortemente privatista, impulsionou a ampliação da terceirização, com forte participação de organizações sociais da saúde, mediante políticas de contratualização entre entes públicos e privados. Isso implicou um formato de gestão fundado na adoção de indicadores, predominantemente quantitativos, na pressão por produtividade por meio do estabelecimento de metas, na intensificação do trabalho, na polivalência e na contínua redução dos espaços cotidianos para trocas de experiências e aprendizados coletivos, sobretudo entre os trabalhadores técnicos.
Todo esse processo atingiu os trabalhadores da ponta, aí incluídos os gerentes das unidades de saúde, e provocou dinâmicas subjetivas profundamente deletérias que, não poucas vezes, ocasionaram afastamentos ou abandono do trabalho, principalmente durante a pandemia. Esse é o foco empírico do estudo, tratado a partir do conceito de penosidade formulado pela socióloga Danièle Linhart.
Um dos pontos de destaque do livro é o olhar denso para as situações concretas vividas pelos trabalhadores, articulando-as com as políticas da área da saúde coletiva em conexão com os macroprocessos multideterminados, o que permite apreender a realidade do trabalho em saúde no capitalismo flexível. Para tanto, Renato recorre ao Burawoy e à sua etnografia estendida que permite olhar para as bases macro da microssociologia
. Trata-se de uma opção metodológica qualitativa que resultou em uma análise que articula a materialidade do trabalho na atenção primária em saúde, em uma metrópole, o Rio de Janeiro, com o ponto de vista dos entrevistados e do pesquisador, alcançando reflexões que ultrapassam o contexto local do estudo.
Aproximando-se da antropologia, o autor lança mão de técnicas como a observação participante, possibilitada por sua atividade como médico de saúde da família e pelo fato de ter atuado na unidade de saúde lócus da pesquisa. Realizou ainda entrevistas em profundidade. O diálogo entre esse conjunto de técnicas e a perspectiva teórica o levou a destacar os processos intersubjetivos nas relações de trabalho, relações no trabalho e com o pesquisador.
O texto leva o leitor a refletir a respeito dos efeitos da gestão gerencialista e dos processos de avaliação e monitoramento do trabalho sobre o trabalhador. Lança luz nas tensões e nos danos que produzem o esgarçamento do sentido coletivo do trabalho; na posição de ambiguidade entre individualização e solidariedade no trabalho e no impacto do ambiente externo, marcado pela violência urbana, entre outros importantes atravessamentos que marcam o trabalho na contemporaneidade. Desse modo, nos faz pensar como novas e velhas penosidades provocam mal-estar e sofrimento para os trabalhadores. O percurso da investigação produz uma integração analítica entre políticas de saúde e saúde do trabalhador.
O estudo alcança tais resultados porque o autor optou por uma trajetória profissional que o desviou dos espaços em que os privilégios da categoria médica são reforçados. Este livro confirma sua posição como profissional da saúde que desde muito cedo adota posição ético-política na militância a favor do Sistema Único de Saúde. Como intelectual, Renato reconhece a medicina como prática social complexa e assume o desafio de pensá-la demostrando uma perspicácia sociológica indispensável aos bons pesquisadores.
Filippina Chinelli
Angelica Ferreira Fonseca
Referências
BOURDIEU, P. A precariedade está hoje por toda parte. In: BORDIEU, Pierre. Contrafogos: táticas para enfrentar a invasão neoliberal. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1998.
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
Sumário
INTRODUÇÃO
CAPÍTULO 1
AS MÚLTIPLAS DETERMINAÇÕES DO TRABALHO NA ESTRATÉGIA SAÚDE DA FAMÍLIA NO MUNICÍPIO DO RIO DE JANEIRO: DA REESTRUTURAÇÃO PRODUTIVA NA SAÚDE AO ESTADO GERENCIAL
1.1 A Reforma gerencial do estado brasileiro e os efeitos sobre a implantação do SUS: o caso da Reforma da Atenção Primária à Saúde do Rio de Janeiro
1.2 A terceirização nos serviços públicos de saúde e a precarização do trabalho
1.3 As especificidades do trabalho em saúde no SUS e na ESF
CAPÍTULO 2
ASPECTOS DA PRECARIZAÇÃO DO TRABALHO: AS PENOSIDADES NO COTIDIANO DO TRABALHO EM TEMPOS DE ACUMULAÇÃO FLEXÍVEL
2.1 As penosidades do cotidiano do trabalho moderno
2.2 A precarização da subjetividade no trabalho contemporâneo
CAPÍTULO 3
O PERCURSO METODOLÓGICO
CAPÍTULO 4
O COTIDIANO DO TRABALHO NUMA UNIDADE DE SAÚDE NO MUNICÍPIO DO RIO DE JANEIRO
4.1 A Clínica Fidel Castro e a equipe Cuba
4.2 Decifra-me ou devoro-te: percepções dos trabalhadores de uma equipe de Saúde da Família e os novos modelos de gestão e gerenciamento do trabalho
4.2.1 Excesso de demanda de trabalho
4.2.2 Sobre a orientação para o exercício do trabalho
4.2.3 Sobre o uso do prontuário eletrônico
4.2.4 Sobre a avaliação por desempenho e o accountability
4.2.5 As penosidades no cotidiano do trabalho da equipe Cuba
CONSIDERAÇÕES FINAIS
NOTAS CONCLUSIVAS
REFERÊNCIAS
Introdução
O presente livro é fruto de várias reflexões realizadas na minha dissertação de mestrado Metas, pra quê te quero? Algumas reflexões sobre os novos modelos de gestão e gerenciamento do trabalho e seus efeitos nos trabalhadores de uma equipe da Estratégia Saúde da Família no município do Rio de Janeiro, a qual foi orientada pelas professoras Filippina Chinelli e Angélica Ferreira Fonseca e defendida em 2017 na Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio da Fundação Oswaldo Cruz do Rio de Janeiro. E, passados cinco anos, resolvi apresentá-la após ajustes e alterações nesse formato por entender que muitos elementos abordados nessa dissertação continuam pertinentes no