Resílio: poemas de saudade e esperança
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Poesia para você
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Resílio - Gilberto Lucio
PRECE
A rubra cor que sempre traz o alerta
De amanhecer tingiu a hora chuvosa
Fez esquecer a angústia dolorosa
Que a morte ou a doença em nós desperta
Criou pequeno alento em cor-de-rosa
Fez emergir uma esperança incerta
De acreditar que a cura vem depressa
Que o tempo de sofrer não se demora,
Singrem naves brancas em flor e casco
Aeroplanos migrem sem quebrantos
Estradas e mercados sejam palco
Que o sangue feito sol afaste os prantos
Retire toda a dor e o tempo infausto
No alvorecer de afetos e de abraços.
HOSPITALIDADE
O Corona chegou de carona
Amanheceu como qualquer cruzeiro
Desembarcou sem dar aviso prévio
Em mais um porto de sua jornada.
Saiu depressa rumo ao Marco Zero
Não encontrou alerta, nem barreira,
Nem obstáculos na fotografia
Como um turista que deseja tudo.
Agora preso, sem outra saída,
Propaga o medo neste escoadouro
Faz seu domínio na nova Veneza.
O visitante, ou talvez corsário,
Refaz o tempo e traz a incerteza
Se na origem jaz nosso naufrágio.
DESPEDIDA
Dedicado à Jandira Saraiva (Janda)
Com muito afeto, Giba-giba
Minha amiga valente não mais brincará
Perdeu já sem forças a última batalha
Sem ter meu abraço e talvez uma fala
Para reconhecer seu tempo e lugar.
Partiu de repente, a louca sensata,
Silenciosamente, sem nem avisar,
Nada revelou, nem quis alarmar,
Estava doente e não disse nada.
Não mais os encontros por realizar
Não mais o humor que me desarmava
Não mais a firmeza de sua palavra
Perdão eu te peço por lá não estar
E não ter vivido tua despedida
Ficou a lembrança. Serás sempre amada.
POEMA APOCALÍPTICO
Amanhã, com o sol de verão e sem shopping,
O Corona há de ver a coroa solar
Alegria na areia não há de faltar
A cerveja gelada ou algum outro dopping.
Servirá de conforto na quentura da praia
No calor do encontro de algum networking
Vão rolar muitos chistes e até algum bullying
Que assedie o amigo que tentar recusar
A seguir a manada dos felizes devotos
Que se crêem providos de algum privilégio
Permissão de viver sem sofrer quaisquer danos,
Longe da precaução por algum sortilégio
Alijados na busca dos prazeres profanos
Peregrinos do sol no calor do contágio.
CONCATENADOS
A cada dia vivido, recolhimento total,
Mais percebo o quão singelos somos
Atados no amor em pequenos pedaços
Por afetos que unem o tempo ao final.
Memórias viventes de nossos encontros
Amparos recíprocos que afastam o mal
De viver desamparo tão triste e cruel
Solidão é tamanha. Nunca estamos prontos.
Talvez por perceber desde o início
Em nossa união ligeira ou perene
Fonte de tudo e nosso maior vício
A espera de algo que a tudo complete
E nos garanta um contato vitalício
A coesão dos pedaços que promete.
MASCARADA
No tempo das máscaras profiláticas
Não há lugar para emoções expostas
Somente o medo vive às escâncaras
Em cada olhar e nas medidas drásticas
De grande isolamento na vida das pessoas
Ninguém mais se avista nas vias tão vazias
Apenas conhecidos avisos de desgraças
A praga de além-mar não traz notícias boas
As máscaras nos nivelam e todos se parecem
Não restam mais sorrisos, só rostos deformados,
Se cada toque é morte, sozinhos enlouquecem.
Enfeites só de luvas e lenços descartados
Distância é protocolo e os laços embrutecem
A peste desmascara e expõe todos os medos.
ÂNSIA
A esverdeada opacidade do Capibaribe
Escura nunca esteve como agora
Mal espelha o deserto a sua volta
O forte desamparo em que se vive.
O mar azul acinzentado prenuncia
Mais dor e solidão neste Recife
Cidade feita lar ou feita esquife
Promessa estilhaçada em agonia.
Nenhum alento ou tola esperança
Guarnece alguma paz em novos dias
O medo tudo rói e tudo alcança
Reduz nosso caminho às garantias
De obter na fuga a segurança
Momentos de amor e de alegrias.
A VIDA EXUBERANTE
O mormaço domingueiro prenuncia a chuva
Põe em alerta os habitantes desta fauna
Intenso movimento então se exalta
Mal acabada a noite, a vida já madruga.
A mata ora esconde, ora expande e exulta
Livre, não há quem possa deter a sua busca
Feliz nutriz multípara prossegue em sua luta
Ao tempo faz desdém e nada lhe faz falta
Volteiam os alados, rastejam os lagartos,
Abelhas, mariposas, zumbidos e chiados,
Cigarras, cururus, chocalhos e gemidos.
Jaqueiras e pitombas maturam pelas pontas
E tantas as espécies de que nem sei os nomes
Morrendo e renascendo na roda de seus ciclos.
MORTUÁRIO
Os tempos pestilentos dos contágios
De perdas repetidas nos jornais
Permitem que outros males tão mortais
Figurem como sendo menos graves
Nenhum alarde em redes sociais
Motivos nas mensagens ou presságios
Validam alegar ser mais suaves
Decessos antes tão convencionais
Disseminado o medo ante a morte
Não resta esperança que conforte
Espalha-se o que sempre foi negado.
A dor que nos habita rompe forte
Retira do porvir o senso e o norte
Propaga que constante é ser finito.
OS QUADROS DE MINHA CASA
Os quadros de minha casa
Falam de amizade e viagem
Laços de vida e coragem
Instantes de vera alegria
Afetos em forma de imagem
Retratos de luz cativada
Colhida na tela gravada
Formada de espaço e de margem
Expõem os amores contidos
Desvelam a alegria incontável
As trilhas de encantos vividos
Condensam um amor inefável
Resgatam lugares e tempos
Um mundo mais belo e estável.
O COLECIONADOR
Empresário de pretensas fidalguias
Erigidas em cimento e porcelana
Fez negócios ampliados sem reserva
Da fortuna caudalosa das usinas
Não tardou a burilar sua fachada
Castelão de eventos e de armas
Miscelânea de tapetes e de espadas
Reunidos em atmosfera gótica
Todo mérito aos pintores holandeses
Das paisagens retratadas desta terra
Fauna e flora sempre tão exuberantes
Ao herdeiro da estranheza de tal obra,
Na medida de seus feitos diletantes
Não há arte nesta construção ególatra.
ESTANQUE
O tempo se recusa a exercer o seu efeito
As horas se repetem em nula utilidade.
Tudo que se tem é o inchaço do presente
Olhar para o futuro sofre o dano de um bloqueio.
Notícias vêm em bloco repetitivo e triste,
Que tiram do horizonte toda fé e todo esteio
Trazem em seu