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O pensamento turístico brasileiro:  entre a teoria e a prática
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O pensamento turístico brasileiro:  entre a teoria e a prática
E-book316 páginas3 horas

O pensamento turístico brasileiro: entre a teoria e a prática

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Sobre este e-book

Neste livro, três pontos "importam aos leitores ávidos e interessados pelo assunto. O primeiro é o resgate histórico da trajetória do ensino superior e da pesquisa científica sobre Turismo, que parecem nos manter acanhados e algemados em paradigmas ultrapassados, armadilhas políticas e grilhões discursivos retrógrados, equivocados ou colonizadores. O segundo é o levantamento, análise e discussão do pensamento de vinte e dois autores que estabeleceram e marcaram o campo do Turismo brasileiro no período de 1970 a 2022, em um debate profícuo entre a teoria e a prática, descortinando a multiplicidade de olhares e questionando o distanciamento entre o que se pesquisa e o que se pratica. E o terceiro é a apresentação de um modelo investigativo assentado nas lacunas encontradas sobre as pesquisas com a proposta de soluções, um verdadeiro presente ao leitor, além do esperado. Com argúcia e ousadia, os autores apresentam um modelo teórico a ser testado na prática, firmando um compromisso conosco para integrar a geração do conhecimento e a aplicação na realidade, um desafio para nós, estudiosos e pensadores do Turismo brasileiro."

Profa. Dra. Mirian Rejowski
IdiomaPortuguês
Data de lançamento25 de ago. de 2023
ISBN9786525294247
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    O pensamento turístico brasileiro - J. Laize S. Oliveira

    CAPÍTULO I TURISMO NO BRASIL: DO TECNICISMO À REFLEXÃO CRÍTICA - UMA JORNADA ACADÊMICA

    O estudo do turismo no ensino médio e nas universidades brasileiras tem enfrentado desafios ao longo do tempo. Embora tenha sido reconhecido como campo acadêmico em 1968, recebeu pouca atenção nacionalmente, resultando em abordagens tecnicistas nos primeiros cursos superiores da área. Somente na década de 1990, houve uma maior ênfase nas preocupações teóricas, porém com um viés excessivamente prático. A construção de uma epistemologia própria para o turismo é um desafio complexo que requer uma análise profunda e revisão dos conceitos existentes. Há um debate sobre o reconhecimento do turismo como um campo teórico independente no país, com alguns argumentando que os temas da área são tratados dentro de disciplinas estabelecidas, resultando em interpretações inadequadas de seu status científico. Além disso, a fragmentação do turismo em diferentes áreas de conhecimento contribui para a falta de uma abordagem crítica e integrada. Embora exista uma considerável produção acadêmica na área, muitos estudos são superficiais e repetitivos, refletindo uma ênfase econômica em temas comerciais imediatos. Este capítulo vai discutir a necessidade de uma reflexão sobre o turismo além do paradigma econômico, a fim de abrir novas possibilidades e perspectivas de estudo. Ademais, refletimos que existe uma lacuna entre as teorias discutidas no universo acadêmico e nas realidades práticas do turismo, o que pode ser atribuído à formação da escola de pensamento turístico brasileiro.

    PANORAMA DA EDUCAÇÃO FORMAL EM TURISMO NO BRASIL

    Em fins da década de 1960 o pedido de um currículo mínimo para cursos técnicos na área do turismo e a possibilidade de seu estudo ser implantado no ensino médio, gerou a expectativa de que as universidades abrissem suas portas para esse campo do conhecimento no país. De acordo com Celeste Filho (2012), em 1968, o Colégio Comercial São Judas Tadeu, sediado em São Paulo, solicitou ao Ministério da Educação e Cultura (MEC) o estabelecimento de um currículo técnico específico em turismo. Como resultado dessa solicitação, o MEC encaminhou o documento ao Conselho Federal de Educação (CFE) para a definição do currículo correspondente, devido à necessidade evidente dessa medida (CELESTE FILHO, 2012).

    Celeste Filho (2012) indica que o currículo mínimo para o curso técnico em turismo foi aprovado em fevereiro de 1969 pela Câmara de Ensino Primário e Médio do CFE, sendo o do Colégio Comercial São Judas Tadeu o primeiro na área no Brasil. A partir desse momento, o estudo da área passou a ser oficialmente reconhecido nas universidades do país, resultando na criação do primeiro curso superior na área, na Faculdade de Turismo do Morumbi (FTM), atual Universidade Anhembi Morumbi (UAM), em São Paulo, em 1971 (REJOWSKI, 1994; TRIGO, 2000; ANSARAH, 2002; MATIAS, 2005; LEAL; PADILHA, 2008; BENI, 2013). Essa informação é relevante para compreender como a consolidação do turismo como campo de estudo nas universidades do país ocorreu a partir de uma iniciativa no ensino técnico e não diretamente na educação superior.

    Além disso, a história mostra que no início da década de 1970, o Departamento de Relações Públicas e Propaganda (CRP) da Universidade de São Paulo (USP) oferecia a disciplina Desenvolvimento do Turismo, sob a responsabilidade do professor Mário Carlos Beni. Até onde foi possível investigar, essa foi a primeira disciplina na universidade brasileira que incluía a palavra turismo em seu título.

    No panorama das pesquisas, alguns temas se destacam. Por exemplo, a abordagem histórica (CELESTE FILHO, 2002; CATRAMBY, 2013); as relações com o mercado de trabalho e o perfil dos graduados (MATIAS, 2005; CATRAMBY, 2007); a qualidade dos projetos pedagógicos e o planejamento sustentável dos cursos superiores (MOTA, 2003); o movimento de abertura e fechamento de cursos (LEAL; PADILHA, 2008; MOTA; ALMEIDA, 2016); as fases de desenvolvimento dos estudos de nível superior (ANSARAH, 2000; PANOSSO NETTO; TRIGO; SILVEIRA, 2017); o ensino regionalizado, como no Nordeste do país (MOTA; ANJOS, 2012); e o ensino do turismo no ensino fundamental e médio (FONSECA FILHO, 2007), entre outros temas.

    Nos primeiros cursos de turismo do país, a visão predominante era a tecnicista, que buscava formar mão de obra qualificada para o mercado de trabalho. Essa afirmação é confirmada por Rejowski (2013), aluna da primeira turma do curso de graduação em turismo da Escola de Comunicação e Artes (ECA) da USP, que afirmou: Ingressei na primeira turma desse curso, num período em que eram propagados os efeitos positivos do turismo e os ‘milagres’ do seu desenvolvimento (REJOWSKI, 2013, p. 44). Essa abordagem está alinhada com a visão desenvolvimentista, que defendia o uso do turismo como uma forma de impulsionar o desenvolvimento do país e melhorar sua posição no cenário mundial.

    Nessas primeiras reflexões, as ideias iniciais abordadas neste livro se concentram na visão crítica do turismo, que surge como uma oposição à perspectiva desenvolvimentista, alertando para os possíveis impactos negativos da atividade, como a concentração de renda em poucas mãos, a destruição dos recursos naturais e o enfoque excessivamente econômico. Essa perspectiva traz um olhar mais amplo e complexo sobre o fenômeno turístico, destacando a importância da análise de seus impactos socioambientais, das dimensões sociais e culturais e de um desenvolvimento sustentável. É importante ressaltar que este estudo não tem como foco principal o ensino superior em turismo no Brasil, mas sim as abordagens teóricas defendidas por alguns autores e as escolas teóricas construídas ou divulgadas ao longo de meio século, conforme será explicado posteriormente.

    Para esta pesquisa, foram entrevistados autores considerados referências basilares do pensamento sobre o turismo no país - aqueles que se dedicaram ao tema do turismo no Brasil nas décadas de 1970 a meados da década de 1990, período de expansão dos cursos de graduação em turismo no país (TRIGO, 2000; TEIXEIRA, FLETCHER; WESTLAKE, 2001; LEAL; PADILHA, 2008), bem como aqueles que se destacaram em publicações e obtiveram alto índice de citações na plataforma Google Scholar entre meados da década de 1990 e os anos 2020.

    Estudiosos do turismo brasileiros entrevistados.

    Fonte: Autores (2023), com base em pré-levantamentos bibliográficos de caráter livre.

    A seleção desses autores e autoras se baseia na premissa de que suas contribuições acadêmicas são indispensáveis para uma compreensão crítica e reflexiva do turismo no contexto nacional. Reconhecemos que o entendimento do fenômeno turístico exige um mergulho profundo nas raízes históricas, no desenvolvimento ao longo do tempo e nas tendências contemporâneas que o moldam. Ao entrevistá-los, captamos não apenas suas ideias e teorias, mas também suas visões sobre o desenvolvimento do turismo no país e as contradições e desafios que surgem nesse processo. Ao englobar tanto as contribuições históricas quanto as mais recentes, as entrevistas nos permitiram iluminar os caminhos percorridos pelo turismo no país, revelando facetas menos exploradas e destacando tensões e paradoxos que se desdobram em seu contexto.

    IMPORTÂNCIA DA EPISTEMOLOGIA NA ABORDAGEM DO TURISMO

    A criação, em 18 de novembro de 1966, da Empresa Brasileira de Turismo, hoje conhecida como Agência Brasileira de Promoção Internacional do Turismo (EMBRATUR), despertou o interesse de grupos que almejavam estabelecer o turismo como um campo acadêmico no Brasil (MATIAS, 2002). A criação do primeiro curso superior de turismo no país na década de 1970 foi o resultado tangível desse entusiasmo. No entanto, tornou-se evidente que essa institucionalização não resultou de um planejamento consciente articulado (CELESTE FILHO, 2012, p. 20), mas sim de circunstâncias oportunas do final da década de 1960 (MATIAS, 2002). Nesses estágios iniciais, o ensino superior nessa área adquiriu características operacionais, tecnicistas e voltadas para o desenvolvimento imediato da área (MEDAGLIA; SILVEIRA; GÂNDARA, 2012).

    As preocupações teóricas em torno do turismo tiveram uma evolução tardia e despertaram o maior interesse do meio acadêmico apenas na década de 1990. Diante desse contexto, o problema central abordado neste livro se concentrou no argumento e na constatação de que à medida que as investigações foram se desenvolvendo e se concentrando quase exclusivamente nos aspectos práticos do turismo, surgiram paradigmas empíricos que relegaram as discussões teóricas a segundo plano.

    A partir da reflexão acima foram formuladas duas hipóteses para o estudo. A primeira destaca as limitações teóricas nos estudos do campo do conhecimento do turismo no contexto brasileiro. Essa reflexão sugere que existe uma lacuna na produção acadêmica e no desenvolvimento de um arcabouço teórico robusto, o que comprometeu a compreensão aprofundada do turismo no país. A segunda hipótese considera que as bases reflexivas do turismo como atividade econômica, durante sua ascensão na universidade, tiveram uma influência marcante nas perspectivas atuais na área. Essa colocação sugere que a ênfase na vertente econômica do turismo pode ter limitado a análise de outras dimensões importantes, como os aspectos socioculturais, ambientais e políticos do turismo, que são igualmente relevantes para uma compreensão mais completa e crítica do fenômeno.

    Apesar de o turismo ser reconhecido como uma importante atividade socioeconômica (GOELDNER; RITCHIE; MCINTOSH, 2002; HADDAD; PORSSE; RABAHY, 2013; RABAHY, 2020), no contexto brasileiro, as investigações na área, sob a perspectiva da educação (FONSECA FILHO, 2007; AVENA, 2009; MANHÃES; LOCATELLI, 2011; MOTA; DOS ANJOS, 2012), da epistemologia (MOESCH; BENI, 2016; CAMPODONICO; CHALAR, 2020), da filosofia (ANDRADE, 2000; PANOSSO NETTO, 2011; FRATUCCI, 2014) e da teoria do turismo (WAINBERG, 1997; MOESCH, 2000; LOHMANN; PANOSSO NETTO, 2012; BINFARÉ; CASTRO; GALVÃO; SILVA, 2016), são abordagens ainda pouco exploradas. Essa carência é observada desde os primeiros volumes das revistas científicas de turismo publicadas no país, revelando a necessidade de um avanço significativo destes temas.

    A caracterização do turismo como um produto cultural vai além da sua dimensão econômica, uma vez que as definições o conceituam como um fenômeno complexo (WAINBERG, 1997). Nesse sentido, é crucial refletir sobre a importância de estudos aprofundados nesse campo do conhecimento, visando disseminar o envolvimento das sociedades e seus aspectos culturais, incluindo esses aspectos desde os processos da educação básica (AVENA, 2009). No âmbito científico, os métodos de ensino devem incentivar a formação de um senso crítico, especialmente entre os pesquisadores da área, uma vez que o turismo desempenha um papel relevante na sensibilização sobre diversas questões sociais (FRATUCCI, 2014). No entanto, apesar dessa necessidade, ainda há uma lacuna considerável entre as produções científicas e o conhecimento já produzido (LOHMANN; PANOSSO NETTO, 2012). É fundamental, portanto, impulsionar avanços significativos para preencher essa lacuna e promover uma abordagem mais crítica e reflexiva.

    Na perspectiva de despertar o pensamento crítico, a epistemologia é o que possibilita refletir sobre o turismo como um fenômeno complexo. Falar de uma epistemologia própria da área significa estudar suas multifacetadas, além de sua essência capitalista. Nesse sentido, é pertinente destacar as palavras do professor Beni (2011) no prefácio da segunda edição da obra Filosofia do turismo: teoria e epistemologia, onde o autor faz observações relevantes no contexto de suas contribuições para o pensamento epistemológico no campo do turismo no Brasil:

    O que tenho observado nesses quarenta anos de pesquisas e estudos é que são em número muito reduzido os autores que contribuíram com manifestações de lógica epistêmica do turismo. [...] A visão arguta, sistêmica, criativa, holística, complexa e inovadora desse universo inter e transdisciplinar obriga-nos a rever, continuamente, instrumentos de investigação e análise para atingir, embora sempre defasados pela celeridade dos acontecimentos, o atual estado da arte. (BENI, 2011, em PANOSSO NETTO [2011], p. 20).

    Indubitavelmente, a negligência dos aspectos epistêmicos no campo do turismo pode ser justificada pelo pouco tempo dedicado ao seu estudo. No entanto, é crucial reconhecer, conforme apontado por Panosso Netto e Nechar (2014), que essa lacuna decorre principalmente da escassa investigação direcionada a essa área. A representação do fenômeno turístico como um fator econômico fundamental para o país destaca a flagrante carência de conhecimento produzido sobre o assunto. Diante desse cenário preocupante, é imperativo conduzir um estudo abrangente e aprofundado que explore o pensamento em turismo no Brasil (PANOSSO NETTO; CALCIOLARI, 2010). Somente por meio de uma reflexão crítica e minuciosa será possível alcançar uma compreensão mais completa e aprofundada dos fundamentos epistemológicos inerentes a essa área de conhecimento tão relevante.

    Ao examinar o turismo sob uma perspectiva epistemológica, torna-se possível questionar as bases teóricas e conceituais que sustentam as práticas e discursos predominantes na área. É importante refletir sobre como a epistemologia pode nos levar além das abordagens superficiais e instrumentalizadas do turismo, permitindo uma compreensão mais profunda de suas implicações sociais, culturais e políticas. Através dessa reflexão, é possível desconstruir as narrativas hegemônicas e abrir espaço para perspectivas mais inclusivas, sustentáveis e éticas no estudo do turismo.

    É fundamental reconhecer, no entanto, que a construção de uma epistemologia própria do turismo é um desafio complexo. Isso exige uma análise aprofundada das estruturas que moldam essa atividade, bem como uma revisão das categorias e conceitos utilizados para estudá-la. Além disso, é necessário superar a tendência de reduzir o turismo a uma mera mercadoria. Somente assim, podemos avançar em direção a uma compreensão mais abrangente e significativa dessa atividade tão presente em nossa sociedade.

    ANÁLISE DAS POSSIBILIDADES DE ESTUDO DO CONHECIMENTO EM TURISMO

    O reconhecimento do turismo como um campo teórico não é consensual, como apontam Fuster (1974, 1991), Arrillaga (1976) e Tomillo Noguero (2010). Os subtemas que compõem seus estudos são frequentemente relegados a objetos de reflexão e investigação dentro de ciências já estabelecidas (ENZENSBERG, 1958; LEIPER, 1979; JAFARI; RITCHIE, 1981). Tal como refletem Panosso Netto e Nechar (2014, p. 137), a ausência de tradição que revalorize a reflexão filosófica crítica na sociedade, tem sido causa de inadequadas interpretações do status que o turismo tem adquirido como disciplina de caráter científico. Com isso, sua fragmentação como objeto de estudo entre diferentes campos do conhecimento contribui para a falta de uma abordagem crítica e

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