A Morte Digna e Autonomia do Paciente Terminal por Meio da Declaração Prévia de Vontade: Uma Análise à Luz dos Direitos Humanos e do Direito Civil Prospectivo
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Sobre este e-book
Face à ausência de uma norma legal, o exame tem como condão de apurar sua fundamentação a partir dos direitos humanos, da Constituição Federal de 1988 e do Código Civil de 2002, com ênfase no que toca aos direitos de personalidade, de forma prospectiva sob o enfoque da dignidade como fim.
Demonstra-se a necessidade de abordar a autonomia da vontade e a dignidade da pessoa humana, extrapolando o sentido ontológico para alcançar o existencial, perpassando pela filosofia moral kantiana e pela filosofia existencial de Martin Heidegger.
Nesse afã, defende-se sua concretização na terminalidade da vida para resguardar tanto a dignidade como a autonomia nesta derradeira fase do ser humano permeada por as vicissitudes e vulnerabilidades características.
O livro aborda a lei federal Patient Self-Determination Act (PDSA) e a legislação produzida em outros países que disciplinam o tema, com o fito de esquadrinhar como o tema é discutido no direito comparado e extrair seus pontos fulcrais.
Na abordagem introspectiva são apresentados o posicionamento judicativo pátrio a partir de casos com diferentes abordagens sobre tema, e ao final é esmiuçado o teor do Projeto de Lei n. 149/2018 em tramitação no Congresso Nacional investigando-lhes possíveis semelhanças e ou diferenças com as práticas adotadas em outros países.
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A Morte Digna e Autonomia do Paciente Terminal por Meio da Declaração Prévia de Vontade - Liziane Raquel Moreira
INTRODUÇÃO
A morte é o grande nivelador social. Essa frase, apresentada no documentário Quanto tempo o tempo tem¹, significa que todos os seres vivos morrerão, independentemente da sua classe social e de quaisquer diferenças sociais e intrínsecas a cada ser. Porém, debater esse tema suscita inúmeros entraves, sejam religiosos, jurídicos e até mesmo no âmbito das ciências médicas, como se verá nesta obra.
Para contornar esse inevitável fim, discute-se a erradicação da morte na visão transumanista, que consiste em separar a consciência de uma pessoa e transferi-la para outro, processo conhecido por mind upload², fato que será enfrentado sob a perspectiva do neurodireito³.
No entanto, até que esse objetivo de aprimorar a atual humanidade a ponto de mitigar ou até mesmo evitar a morte seja alcançado, urge a necessidade de debater a autonomia da vontade na terminalidade da vida, ou seja, quando não há mais vida qualitativa e a morte é iminente.
Nessa óptica, o tema perpassa pelo direito de morrer com dignidade, ou em outras palavras, o direito de viver com dignidade até o fim como advoga a doutrina analisada na obra.
A temática em riste, em que pese ser enfrentada pela bioética e ciências médicas, necessita ser analisada sob a óptica do Direito, por ser o conjunto das condições segundo as quais o arbítrio de cada um pode coexistir com o arbítrio dos outros, de acordo com uma lei geral de liberdade⁴.
O livro se desenvolve em três capítulos, organizados de forma a conduzir a compreensão da fundamentação filosófica moral e existencial, assim como dos aspectos jurídicos das normas existentes que possam justificar a declaração prévia de vontade do paciente terminal no ordenamento brasileiro.
Inicia-se o primeiro capítulo com a salutar delimitação conceitual e considerações iniciais da declaração prévia de vontade do paciente terminal. Como se verá, o termo testamento vital, embora seja amplamente aplicado no Brasil, tanto pela doutrina como pelos tribunais, não demonstra ser o mais adequado. Após essa parte inicial, o trabalho apresentará um panorama da gênese nos Estados Unidos e, em seguida, avança no estudo da ausência de legislação brasileira e das normas infraconstitucionais para a escorreita compreensão do atual estágio normativo do tema no cenário brasileiro.
No segundo capítulo, é investigada a declaração de vontade prévia do paciente terminal, tendo por escopo a perspectiva dos direitos humanos e do direito civil prospectivo⁵, diga-se alicerçado na função integrativa da hermenêutica e sob o valor operativo da Constituição, ampliando espaços de reconstrução dos significados do sistema jurídico, considerado aberto, poroso e plural⁶.
Aborda-se ainda no segundo capítulo a importância da Declaração Universal de Direitos Humanos (DUDH) no reconhecimento da dignidade humana, inerente a todos os membros da família humana. A dignidade, a seu turno, não será assimilada apenas em sua dimensão ontológica, mas como tutela de uma existência autêntica.
Em seguida, chega-se à autonomia da vontade kantiana, na constatação de que desde Kant se sabe que respeitar o outro significa reconhecer sua dignidade, isto é, reconhecê-lo como sujeito autônomo.
O capítulo terceiro comporta a análise comparativa sobre a percepção jurídica de países americanos (Argentina, México, Porto Rico, Colômbia e Uruguai) e europeus (Portugal, Espanha, França, Itália, Alemanha e Bélgica). Com isso, almeja-se ampliar o conhecimento sobre a temática e compreender como o sistema normativo-legal estrangeiro pode subsidiar as discussões no cenário brasileiro.
A última seção do capítulo mencionado abrange o estudo do posicionamento judicativo pátrio a partir de casos que retratam diferentes abordagens sobre o tema, com ênfase para o caso emblemático de Anita Louise Regina Harley. Ao final é esmiuçado o teor do Projeto de Lei n.º 149/2018, em tramitação no Congresso Nacional, investigando-lhe possíveis semelhanças e/ou diferenças com as práticas adotadas em outros países.
Com amparo em pesquisas bibliográficas, doutrina brasileira, artigos científicos e documentos jurídicos, a obra desenrola-se pelo método dedutivo para dirimir as questões norteadoras da pesquisa: a dignidade da pessoa humana, enquanto princípio fundamental da República Federativa do Brasil, deverá ser ampliada e aplicada na morte digna? A instrumentalização da decisão de morrer com dignidade pode ser legitimada por meio da declaração prévia de vontade, apontando que esse é o instrumento adequado para a legitimação da autonomia da vontade? E se a autonomia de vontade pode ser legitimada por meio da declaração prévia de vontade, portanto, estará evidenciada a ausência de legislação, logo, há necessidade de legislar sobre o tema?
¹ Quanto tempo o tempo tem. Direção de Adriana Dutra, Walter Carvalho. Roteiro: Adriana Dutra, Flávia Guimarães. Música: Pedro Silveira, Lucas Ariel. Rio de Janeiro, 2015 (76 min.), son., color. Legendado. Disponível na Netflix.
² ANTONIO, Keoma Ferreira. Transhumanismo e jardim [on-line]. Kínesis, v. XII, n. 31, jul. 2020, p. 339-356. Disponível em: https://revistas.marilia.unesp.br/index.php/kinesis/article/view/10631. Acesso em: 15 dez. 2021.
³ Os neurodireitos são um direito fundamental cujo conteúdo é a proteção da privacidade e da integridade da mente contra a utilização abusiva de dispositivos, métodos ou instrumentos não farmacológicos que conectam diretamente o sistema nervoso humano a sistemas eletrônicos. LAGE, Fernanda de Carvalho; BRANCO, Pedro Gonet. Neurodireito: o direito fundamental do futuro: liberdade de autodeterminação mental abrange a livre e consentida utilização das neurotecnologias emergentes [on-line]. Disponível em: https://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/neurodireito-o-direito-fundamental-do-futuro-08042022. Acesso em: 12 abr. 2022.
⁴ KANT, Immanuel apud NADER, Paulo. Introdução ao Estudo do Direito. Rio de Janeiro: Forense, 2020. Disponível em: https://integrada.minhabiblioteca.com.br/books/9788530992118. Livro eletrônico. Acesso em: 4 nov. 2021.
⁵ O ministro Luiz Edson Fachin leciona sobre tríplice o modo de atuação constitutiva do Direito Civil contemporâneo: formal, substancial e prospectiva. Com relação à atuação formal, refere-se à expressão de regras positivadas (Constituição e legislação infraconstitucional), é produto de olhar que se recolhe do pretérito ou se esgota no presente; em si não tem, pois, transcendência em direção ao vindouro. Substancial é a manifestação da força normativa da principiologia constitucional, distante do conceito de princípios gerais do Direito em sentido tradicional, e inserida no conceito de norma. Prospectiva é a dimensão propositiva e transformadora desse modo de constitucionalizar, como um atuar de construção de significados e que pode, dentro do sistema jurídico, ocorrer como realização hermenêutica ou, em alguns cenários de lacunas, como integração diante da situação que se apresente sem texto (constitucional ou infraconstitucional) em sentido formal, pois aqui se trata (i) da força constitutiva dos fatos e (ii) da constituição haurida da realidade humana e social. FACHIN, Luiz Edson. Direito civil: sentidos, transformações e fim. Rio de Janeiro: Renovar,