Iara
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Iara - Garcia Santos
Iara
O Encontro Das Águas
Garcia Santos
VIAGEM NO TEMPO
O ciclo da borracha, foi um período econômico que
aconteceu na região Norte do Brasil e ficou marcado pela
extração do látex e a produção da borracha para as grandes
indústrias estrangeiras.
Atraindo milhares de pessoas, principalmente vindas
do Ceará e de todos os cantos da Europa. Era um inchaço
populacional, trazendo progresso e também muitas
diferenças, sociais e culturais.
Nos seus navios cheios de esperanças e sonhos, pessoas
fugiam da segunda guerra, trazendo consigo as suas riquezas
e o desejo de uma vida plena e de muita paz. Eram
exploradores com visões e dinâmicas de investimentos,
enquanto as riquezas eram exploradas, a cidade crescia cada
vez mais e a modernidade chegava nas casas, nas ruas e nos
conceitos das pessoas.
Vindo da Europa até Belém em grandes navios,
pegando outras embarcações até Manaus pelos rios
caudalosos, em viagens desconfortáveis, os europeus enchiam
as embarcações pequenas, com apenas redes para descansar o
corpo e, pouca estrutura nas longas horas de viagem, que
duravam de quatro a cinco dias. Imigrantes faziam suas
aventuras por sonhos de uma terra próspera e liberdade.
Contribuindo para o crescimento e o enriquecimento de
cidades como Manaus e Belém. O Ciclo da Borracha foi uma
época importante para a história econômica e social do Brasil.
Atraindo riquezas, além de reformas arquitetônicas, culturais
e sociais, trouxe também amores e dissabores, com lindas
histórias que ainda encantam aos ouvintes.
MANAUS A PRIMEIRA VISTA
[ 2 ]
Manhã de março de 1943, no porto de
Manaus, uma embarcação com a sua superlotação,
atraca no cais, após uma longa viagem de sessenta
dias a mar aberto e quatro dias nos rios caudalosos
da Amazônia.
Com todos os riscos e perigos que se poderia
imaginar: doenças, partos, comida precária e alguns
contratempos da natureza, a embarcação traz junto
aos seus passageiros um homem, cuja história é
cercada de mistérios e traumas.
Gilbert, trinta e cinco anos, olhos verdes e
cabelos dourados como ouro, sua mãe, uma inglesa
dos Estados Unidos, família de grande influência
política e cultural no seu país de origem, e o seu pai,
um francês em ascensão nos investimentos da
fabricação de pneus, e viu no Brasil uma grande
oportunidade de triplicar a sua fortuna.
É um homem calado e de pouca ambição. Os
traumas e tristezas fizeram do seu coração uma
pedra e o seu olhar frio, de alguém que perdeu a
alma. Isso deu-se, quando soube da morte do seu
irmão, numa guerra sanguinária e sem precedentes.
Tudo com o que sonhou para a sua vida,
tornou-se sem esperança, ao perceber que diante da
morte nada tem valor e nem todo dinheiro do
mundo poderá mudar o destino.
Os interesses do seu pai no látex, fizeram com
que uma equipe da sua confiança, desembarcassem
no Amazonas, na busca por mais recursos naturais e
[ 3 ]
a entrega de uma grande carga do produto para
uma indústria parceira nos Estados Unidos.
Se aventurando com o seu tio e primo para as
terras misteriosas e afortunadas da traiçoeira e
densa florestas. Ele fez uma trajetória de conquista
para os próximos meses, antes de voltar para a
Europa. Já com data marcada para o seu retorno,
Gilbert espera resolver os acordos políticos que o seu
tio deixou para serem resolvidos com a sua chegada.
Mael já acostumado com as viagens para as
terras tupiniquins, deixa tudo pronto para que o
único herdeiro de seu irmão, feche os contratos de
posse de terras para exploração e faça grandes
investimentos lucrativos de interesse público.
Não fazendo ideia da proporção de extensão
desse território, a maior floresta do mundo e o
maior rio do planeta em volume de águas. Gilbert se
encanta ao atravessar o encontro das águas e ver a
sua frente tamanha extensão de matas verdes e
densas.
Se aventurando no segundo ciclo dourado, com
apenas algumas informações e fotos que seu tio e pai
lhe mostraram, ele percebe as muitas riquezas e
prosperidades, num lugar inóspito e cheio de
obstáculos.
Tudo os encantam e os fazem admirar o local.
As pessoas, as construções e o desenvolvimento, que
já é visto ao longe na imensidão de terra, cercada
pelas águas, enche-lhe os olhos e também lhe traz
[ 4 ]
uma tristeza sem sentido, como se pressentisse algo
que lhe causará muita dor.
__ Gilbert! Olha! __ Gabriel chama a atenção
do primo que está pegando as bagagens.
__ O que foi, Gabriel? Preciso que me ajude
com as malas. O seu pai não está aguentando o
próprio corpo, anda! Depois olhamos isso. __
Gilbert fala com seriedade, ao primo que se
encantou com um restaurante no cais. Pois, está
morrendo de fome e a sua prioridade no momento
seria se alimentar e manter-se de pé até o local que
será a morada deles por um tempo.
Gabriel tem vinte cinco anos, é o único filho de
Mael, o único irmão do pai de Gilbert.
Diferente de todos, Gabriel é um sonhador e
sarcástico jovem de família rica. Vindo pela
primeira vez a uma expedição, ele se encanta e
admira as novidades, com um sorriso no rosto e a
alma leve.
O seu pai, já por muitas vezes fez essa viagem
e até mesmo comprou uma casa, para eles morarem
durante as estadias nas terras brasileiras. Essa que
pertence a família dos dois patriarcas, é uma das
mais belas construções local e mostra o poder
aquisitivo dos investidores.
Alguém os, espera com o carro, para os
levarem para casa. Privilégio de poucos que chegam
na aventura de dias melhores, pois a maioria não
tem para onde ir e nem lugar para descansar.
[ 5 ]
Eles veem as pessoas perdidas, procurando
orientação e um destino para ficarem com idosos e
crianças. Tudo fica mais difícil, quando não se
conhece a língua nativa ou entende o idioma do
aventureiro. Mas as pessoas locais, já estão
acostumadas e são hospitaleiras, orientando e
informando como devem proceder.
Uma moça, de pele morena, cabelos negros
como a noite, se aproxima e o seu falar difere de
tudo que já se viu, chama a atenção de Gilbert. As
suas roupas são trapos pequenos, cobrindo poucas
partes do seu corpo, e os seus olhos como folhas
secas.
Ela se aproxima do grupo perto do carro e os
encarando começa um discurso pouco audível.
Gabriel com a sua impaciência da juventude a
aborda e diz:
__ O que quer, mulher? Não entendemos o
que fala.
Ela encara Gilbert, com os seus olhos fitados
no verde encantador do homem misterioso e com o
seu jeito selvagem apenas diz:
__ Atimôna
(Dar volta)
__ O que ela está a dizer?__Gilbert pergunta
para o seu tio, ele está assustado e com o seu coração
acelerado de forma diferente.
A mulher lhe chama a atenção pela beleza
mas lhe causa um arrepio estranho.
__ Apigaua, atimôna
(Dar volta, homem!)
_ Ela o manda voltar no mesmo barco que chegou,
[ 6 ]
como se pressentisse algo ou soubesse o que ele veio
fazer.
__ Não se preocupe! Ela é uma nativa, sua
língua é difícil de entender, venha! José está nos
esperando…
José, vendo a jovem nativa enfrentando os homens
brancos, logo se põe a frente da jovem e diz no seu
dialeto:
__ Iara! Vá logo para casa. Não incomode
mais os patrões, Arací precisa de você na cozinha.
Eles não entendem o que os dois dizem, mas
ela o obedece e sai correndo com os seus cabelos
negros esvoaçantes.
Desconfiado de um envolvimento entre eles,
Gilbert olha para o seu tio e pergunta:
__ Como assim! Ela trabalha para o senhor,
tio Mael?
__ Não sei! Verei com José essa história ao
chegarmos em casa. Apenas pedi a ele que
contratasse alguém para ajudar nos serviços da casa.
Mael fala caminhando até o carro e colocando
as malas no porta-malas do luxuoso veículo, que
diferencia os aspectos dos ambientes locais.
[ 7 ]
De um lado da cidade, os trabalhadores,
nordestinos, indígenas e migrantes que misturaram
as suas culturas.
Do outro lado a burguesia francesa, com as
suas construções arquitetônicas, cheias de luxos e
status. Carros, luz elétrica e roupas luxuosas que
vinham da Europa.
Tendo infraestrutura de energia elétrica, bonde
elétrico, sistema de esgoto, água encanada, serviço de
telefonia, entre outros, o centro da cidade é um
cartão-postal de encher os olhos com tanto progresso.
A impressão que Gilbert tem do local é de um estado
rico e abastado.
Enquanto os trabalhadores braçais, se
aglomeram nos pequenos quartos e alojamentos
espalhados pela cidade numa situação precária de
vida. Doenças, falta de estrutura e muita
[ 8 ]
prostituição. O que é claramente escondido a
primeira vista de quem chega a cidade.
Sem contar nos muitos que moram nas densas
matas e povoados ribeirinhos, sem contato com a
civilização e o progresso.
Tentando entender o universo brasileiro com
as suas misturas e etnias. Gilbert fica calado até
chegarem em casa. Gabriel no que lhe concerne, fala
como uma maritaca, está encantado com tudo o que
vê e o seu pai mostra-lhe os pontos importantes da
bela cidade.
Gilbert fica pensativo e olhando pela janela,
percebendo a cidade inóspita, por onde o carro anda
lentamente, em ruas com poucos recursos para
veículos. Ele sente-se incomodado com as palavras
que a bela jovem lhe proferiu e fica pensado do que
se tratava a sua expressão.
__ Algum problema, Gilbert? Está tão calado.
__Seu tio lhe pergunta, sabendo das suas
características de um homem sério, e que não aprova
algo com apenas um olhar. Uma das suas
características herdadas da mãe, que em silêncio
observa tudo e não se deixa enganar.
__ Estou bem! Apenas muito cansado.
Uma explicação típica de pessoas que não
querem estender o assunto e preferem aguardar os
próximos acontecimentos.
__ Pois então, está na hora de descansarmos.
__Mael fala no momento certo em que o carro passa
por um imenso portão de ferro, entrando num
[ 9 ]
calçamento bem-feito, com pedras escuras e um
gramado de encher os olhos.
__ Nossa! É linda!
Gabriel fala com os olhos vidrados olhando a
imensa faixada de uma belíssima casa com jardins.
Dois porteiros estão apostos para a abertura do
mesmo e tudo parece uma imensa fortaleza.
Gilbert, olhando para o seu tio, abre a porta
do carro e saindo, pergunta:
__ É mesmo necessário uma casa desse
tamanho? Onde ficou a minha observação de que
éramos para mantermos descrição nos nossos atos e
não chamarmos a atenção com o supérfluo?
Tentando dar uma explicação plausível, Mael
se justifica, falando embargado e trêmulo:
__ Desculpa, meu sobrinho! Mas aqui às
coisas não funcionam como em Paris. O status e o
dinheiro lhe abrem portas. As suas roupas e as suas
posses, são cartões de visita para os negócios e
amores. Apenas aproveite a sua estadia, verá que
estou coberto de razão e poderá me agradecer no
final.
Gilbert não muda o semblante e muito menos
o olhar questionador. Sente-se enojado com tais
palavras, pois não gosta de pessoas interesseiras e
muito menos de mulheres vulgares.
Entrando pela sala, os móveis são de bom
gosto e muito confortáveis.
Os funcionários da casa lhe são apresentados e
o seu olhar procura entre eles a jovem nativa.
[ 10 ]
__ José, você já o conheceu! Ele cuida da casa e
dos negócios na nossa ausência, ele está pronto para
lhe servir no que precisar e poderá levar-te nos
lugares e mostrar-lhe a cidade. É um amigo e da
minha total confiança.
Mael fala e Gilbert apenas acena a cabeça,
tirando ele próprio, as suas conclusões.
__ Arací, cuida da cozinha e coordena os
funcionários, trabalha comigo a quase vinte anos,
Luiz cuida dos jardins e Chica, cuida da arrumação
da casa.
Acho que foram todos apresentados, podem
voltar aos seus afazeres.
__ Não! Onde está a moça do Rio?
Todos se olham com a pergunta de Gabriel e
José responde:
__ Iara, ela deve estar chegando!
__ E o que ela faz nessa casa?__Gilbert
pergunta com uma voz grossa e um tom rude, todos
ficam em silêncio e sem coragem para lhe responder.
José olha para Mael que acena a cabeça, pedindo
para que fale, e o mesmo diz:
__ Ela ajuda nos serviços gerais, faz de tudo
um pouco. Ela é uma boa moça, ainda acostumando
com a vida fora da tribo. Mas eu garanto que irá se
comportar, ela é dócil e muito esperta. Aprende
rápido os afazeres.
__ Pois então, se responsabilize por ela e a
mantenha longe de confusão. Caso contrário, eu
terei que dispensar os dois.__Gilbert fala com
[ 11 ]
arrogância e sem o menor sentimento de gratidão
pelos serviços prestados por José que é tão solícito.
Um banho, uma cama macia e um chá, foram
os desejos de todos depois dessa longa viagem.
Gilbert acorda com a tarde quente e abafada e
prestes a chover. Se situando de onde se encontra,
ouve alguém correndo no jardim e indo para os
fundos da mansão dizendo:
__ Chica! Ajuda, começa a chover!
Iara corre no gramado, pegando as roupas do
varal. Olhando a cena da janela alta do quarto, ele
percebe que a moça fala o português com
dificuldades. Ela está descalço e as suas roupas
torna-se difíceis de não serem notadas, já que está
completamente exposto o seu corpo. "__ Porquê
falou comigo no seu dialeto?" __ Ele auto se
pergunta intrigado com a índia.
SEUS ENCANTOS
A Amazônia tem seus encantos e mistérios,
um deles é o encontro das águas do rio Negro e
Solimões.
A cor de chá-preto e a cor barrenta não se
misturam, correndo lado a lado por mais de seis
[ 12 ]
quilômetros. Assim como deveria ser os nativos e os
homens branco. Respeitando os seus espaços e
vivendo em harmonia. Mas o homem ainda tem
muito o que aprender com a natureza.
Bem diferente da realidade, pois, desde o início
da exploração da borracha, as lutas por espaço e
direitos foram crescentes entre os verdes das matas e
o vermelho do sangue derramado nas constantes
lutas e escravidão dos povos indígenas e exploração
do trabalho dos migrantes.
Há vinte anos, nas margens do rio Negro, no
coração da floresta, nascia uma linda menina, filha
nativa do rio, fruto do amor proibido entre o homem
branco e uma índia, a qual nunca aceitou ser tocada
por ele e escondeu os seus sentimentos por convicção
de uma tradição nativa.
Era um momento de esperança para alguns e
grandes conflitos para outros. Onde o seu povo
sofria e se espalhavam pela densa floresta, fugindo
dos massacres e escravidão, feitas pela ganância e
poder.
Tainá, era uma jovem indígena, que fora
brutalmente violentada por um homem branco, esse
que chegou com promessas de paz e prosperidades
para os povos indígenas e se apaixonou pela filha
do cacique e numa noite de festas, num ato de
loucura, cometeu o maior dos seus erros.
Ela sentiu na pele o sofrimento de ser
abandonada pelos seus, por ser possuída por um
homem branco e de caráter escuso. Não vendo
[ 13 ]
alternativa, deu à luz ao fruto da borracha, como
eram chamadas as crianças nascidas do
relacionamento das índias com os homens brancos.
Assim ela também chamava a pequena criança
que estava no seu ventre. Mas ao dar à luz, junto ao
rio caudaloso, ela viu nos seus braços o amor
verdadeiro pela primeira vez. Olhando nos olhos da
pequena índia o seu coração bateu mais forte e em
auto som disse:
__ O seu nome será Iara- Rainha das águas e
com a mesma força desse rio, irás desbravar a vida e
não terás medo de nada. Enfrentará com sabedoria
os preconceitos e as diferenças desse mundo desigual.
Terá a força desse rio e a coragem de todos os
homens. Ajudará a muitos e será respeitada por
todos.
Na tribo ninguém aceitou a criança, tendo que
se esconder na mata por muitos dias e protegê-la da
ignorância dos que queriam lhe tirar a vida.
Muito jovem e com pouca experiência de vida,
Tainá, encontrou no amor de um jovem índio a
coragem para formarem uma nova família, ele
valente e guerreiro, enfrentou os preconceitos da
aldeia e dos seus superiores e assumindo a mulher e
a criança que amava, partiram para formarem um
novo grupo, com valores e respeito a todos que
precisam.
Com bravura e coragem, dominaram espaços
ainda não marcados, receberam de braços abertos
[ 14 ]
irmãos étnicos que fugiam da escravidão e das
injustiças, formando um povo unido e isolado.
Kauê, faz jus ao seu nome, que significa:
homem bondoso. Cuidou da mulher e da filha e
nunca deixou nada lhes faltar. Ensinou a tribo
todas as tradições dos seus antepassados e viu a sua
linda filha crescer em meio ao seu povo. Mas a
criança era diferente, não agia como os costumes e
sonhava com o mundo distante. O tempo e as
origens não negam o sangue.
Ele percebia na menina, que a mesma tinha
ambições e comportamentos diferentes das demais
meninas da sua idade. Tentou fazê-la agir e ser
como eles, guardando o segredo da sua origem.
Porém, o sangue falou mais alto e a jovem que
nunca se envolveu emocionalmente com um nativo,
pediu para o pai deixá-la conhecer o mundo fora da
mata.
Um dia de choro e dor, sentido por todos da
aldeia, seu pai e irmãos, sofreram o
desapontamento, ela estava pronta para partir e o
que lhe restou, foi somente providenciar a sua
segurança.
A sua mãe, sempre soube que, como o rio corre
para o mar, Iara não ficaria presa por árvores e
cercas. Ela sairia ao encontro do seu destino e veria
fronteiras além do rio.
Durante a sua infância, curiosa, ela sondava
entre os mais velhos e alguns caçadores, como era o
jeito mais fácil de sair da aldeia. Não deixando
[ 15 ]
ninguém perceber, ela logo conseguiu traçar uma
rota na sua mente, onde memorizou os pontos
principais e calculadas luas para chegar na
civilização mais perto.
Colocando a sua vida em risco, desceu o rio
Negro por uma longa distância. Seguiu os seus
afluentes e mesmo com medo, buscou os seus
objetivos, encontrando uma população ribeirinhas,
em casa flutuantes.
Nessa sua aventura, conheceu José. Um
jovem nordestino que negociava borracha com os
seringueiros e que logo se encantou pela linda
jovem, com os seus cabelos negros caídos pelos
ombros e, com sua minúscula tanga, cobrindo-lhe
a intimidade, o fez perceber que era a pessoa que
esperava.
José logo se aproximou e com uma difícil
comunicação entre eles, começaram uma linda
amizade e a ajudou a chegar na cidade, onde com os
seus cuidados, não a deixou passar tantas
necessidades, apesar das dificuldades e
precariedades que todos vivem no local, ele deu-lhe
trabalho e um teto.
Com as promessas de dias melhores, Iara
aceitou o desafio e está se acostumado com a nova
vida na cidade, mas não perdeu os hábitos de
liberdade, trazendo-lhe as vezes alguns
constrangimentos.
Por dias ela ouviu a respeito do homem branco
que chegaria no navio. O seu coração sempre lhe
[ 16 ]
dando sinais de um mau presságio. Até que começou
a sonhar com fatos horríveis e um tempo de
escuridão para o seu povo. Associando os sonhos ao
homem, ela desespera-se ao vê-lo no porto. Onde
buscava uma encomenda para Araci, a cozinheira
da mansão.
Os seus olhos verdes marcantes e os cabelos
dourados, a fez lembrar dos sonhos e como defesa,
sem pensar direito, o expulsou da sua frente, num
momento de alucinação.
Dando-lhe conta do que fez, sai correndo pelas
ruas até a grande casa e pede aos céus que ele vá
embora antes do mal.
ADMIRAÇÃO
‘Gilbert’ fica do alto da sua janela,
observando a linda jovem que recolhe as roupas e,
José correndo para ajudá-la, segurando todas as
peças, enquanto ela retire as outras do imenso varal.
Ele a olha admirado e os dois conversam enquanto
correm para não molharem as roupas, são íntimo e
brincam como crianças,
na chuva que começa a engrossar. Iara fica alegre e
entregando as roupas para ele, br gira na chuva,
com as mãos erguidas, fechando os seus olhos e
recebendo a água como uma dádiva, fazendo suas
preces de gratidão.
O seu corpo é escultural e as roupas velhas e
finas, grudam no seu corpo, mostrando a sua beleza
[ 17 ]
e sensualidade, expondo um pouco do que seria a
sua intimidade. Os olhos do francês soltam da
órbita e acende a luz de alarme, pois está vendo
uma miragem a sua frente e o encantamento é
notório.
Os seus cabelos negros chamam a atenção de
Gilbert e José, os dois homens que estão encantados
com a sua aparência meiga e inocente, pois os seus
cabelos escorrem por suas costas e com a chuva,
ficam pesados e grudam no seu corpo, como um véu
negro e aveludado.
José a deixa sozinha na chuva e corre para
dentro da casa, passando pelos fundos e indo até a
lavanderia, deixando as roupas e voltando para
buscar a Índia que teima em ficar no temporal.
Iara continua no gramado, fazendo um ritual
de agradecimento pela chuva e ‘Gilbert’ não
consegui tirar os olhos a admirando feito bobo.
José está a chamando com carinho e a mesma
não lhe dá atenção. E a cena encanta o francês que
parece nunca ter visto uma mulher tão linda.
__ Gilbert! Está acordado? __ pergunta o seu
tio num sussurrar do outro lado da porta o fazendo
voltar para a realidade. Ele vira-se lentamente e
olhando para a porta, pensa em que péssimo
momento ele veio para lhe tirar da melhor visão até
o momento. Voltando a olhar pela janela, a jovem e
o seu funcionário não estão mais no gramado. A
única alternativa é deixar que o seu tio entre e o
ouvir, o que tem a dizer.
[ 18 ]
__ Pode entrar! __ Ele responde ao seu tio, que
entra feito um furacão, falando em seguida a
respeito dos problemas encontrados por conta da sua
ausência e da enorme agenda de compromissos.
__ Estamos com problemas com os
seringueiros, muitos adoeceram e até morreram, por
conta da malária. Como se não bastasse, as terras
que compramos ainda são poucas diante das
demandas de exportação que temos. Será preciso
contratarmos mais seringueiras e comprarmos mais
terras, pois a quantidade de borracha extraída não
cobre a demanda dos pedidos americanos. E o
governador quer uma fortuna para a liberação das
terras indígenas.
‘Gilbert’ ouve atentamente, mas os seus
pensamentos estão na cena que a pouco via por
sua janela.
__ O que tanto olha nessa janela? __ o seu tio,
ralha com ele percebendo a sua distração.
__ Nada de mais, apenas a chuva.
__ Então vamos descer, precisamos conversar
com José para sair em busca de mais homens e
enquanto isso, amanhã sairemos em busca de mais
terras. Muitos estão vendendo as suas fazendas por
conta das difíceis condições e da mão-de-obra
escassa.
Descendo até a parte inferior da casa, eles
caminham até a cozinha, dando de cara com Iara
saindo dos aposentos de Araci, já seca e com os
cabelos penteados.
[ 19 ]
Gilbert gela ao ver a jovem que o olha com
desprezo e indiferença. Logo atrás aparece José,
também já recomposto, dando a entender que os
dois são mais que amigos.
__ José! Estamos te procurando, precisamos
que encontre homens para o trabalho. __ Mael, sem
perceber a situação fala sem dar tempo para José
raciocinar e logo tem a ideia de convocar homens da
sua terra para o serviço.
Iara saindo na porta da cozinha, olha para
trás e percebe que o seu patrão a olha.
O seu corpo arrepia e o medo lhe sobre vem.
Chica chama a sua atenção e diz:
__ Anda menina! Ajude-me com a mesa! O
patrão não comeu nada até agora e estamos
atrasadas para servirmos o café. __ Chica é poço de
mau humor, tem raiva da vida e não gosta de
ninguém.
‘Gilbert’ e o seu tio volta para a conversar e
sentando-se a mesa, Mael fala sem parar nos seus
planos de ampliação dos negócios e o encontro
com o prefeito e o governador.
Gabriel chega com cara de cansado e o sono da
tarde não repôs a sua energia. Logo ele percebe que
índia está ajudando no serviço de copa e fica
admirando o seu corpo coberto por poucos pedaços
de pano, já que a mesma não tem roupas direito.
Tudo seu é ganho, por quem, quase nada tem a
oferecer.
[ 20 ]
‘Gilbert’ fica incomodado e pergunta com o
seu sotaque forte e dificuldades no idioma:
__ Não tem outra pessoa para servir a mesa?
Iara sente-se excluída e abaixando a cabeça,
pega alguns vasilhames e sai da copa.
__ Sim senhor, tem Araci, ela me ajudará da
próxima vez. __ Chica responde, percebendo que ele
não gostou de ver a nativa no ambiente.
Não sabendo eles que o mesmo está
incomodado com os olhares de Gabriel sobre a moça
e as suas roupas que não ajudam.
Araci volta a copa com Chica e explica que a
jovem não tem roupas e que se esforça muito para
ajudar nas tarefas de casa e que logo conseguirá
outras vestimentas para a jovem.
PRIMEIRO CONTATO
O ciclo da borracha trouxe duas situações
distintas para Manaus.
A Manaus do Luxo exuberante com suas
características francesas, seus costumes e modas. O
teatro Amazonas, as praças e palacetes em estilo
francês, seja rococó ou arte nouveau
situação de
festas e alegrias, porém, não para todos.
[ 21 ]
Na aldeia uma demasiada quantidade de
pessoas, culturas, e etnias tentam sobreviver.