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Iara
Iara
Iara
E-book409 páginas5 horas

Iara

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Sobre este e-book

O ciclo da borracha foi um período econômico que aconteceu na região Norte do Brasil e ficou marcado pela extração do látex e a produção da borracha para as grandes indústrias estrangeiras. Atraindo milhares de pessoas, principalmente vindas do Ceará e de todos os cantos da Europa. Era um inchaço populacional, trazendo progresso e também muitas diferenças, social e cultural. Nos seus navios cheios de esperanças e sonhos, pessoas fugiam da segunda guerra, trazendo consigo as suas riquezas e o desejo de uma vida plena e de muita paz. Eram exploradores com visões e dinâmicas de investimentos, enquanto as riquezas eram exploradas, a cidade crescia cada vez mais e a modernidade chegava nas casas, nas ruas e nos conceitos das pessoas. Vindo da Europa até Belém em grandes navios, pegando outras embarcações até Manaus pelos rios caudalosos, em viagens desconfortáveis, os europeus enchiam as embarcações pequenas, com apenas redes para descansar o corpo e, pouca estrutura nas longas horas de viagem, que duravam de quatro a cinco dias. Imigrantes faziam suas aventuras por sonhos de uma terra próspera e liberdade. Contribuindo para o crescimento e o enriquecimento de cidades como Manaus e Belém. O Ciclo da Borracha foi uma época importante para a história econômica e social do Brasil. Atraindo riquezas, além de reformas arquitetônicas, culturais e sociais, trouxe também amores e dissabores, com lindas histórias que ainda encantam aos ouvintes.
IdiomaPortuguês
Data de lançamento1 de jan. de 2024
Iara

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    Pré-visualização do livro

    Iara - Garcia Santos

    Iara

    O Encontro Das Águas

    Garcia Santos

    VIAGEM NO TEMPO

    O ciclo da borracha, foi um período econômico que

    aconteceu na região Norte do Brasil e ficou marcado pela

    extração do látex e a produção da borracha para as grandes

    indústrias estrangeiras.

    Atraindo milhares de pessoas, principalmente vindas

    do Ceará e de todos os cantos da Europa. Era um inchaço

    populacional, trazendo progresso e também muitas

    diferenças, sociais e culturais.

    Nos seus navios cheios de esperanças e sonhos, pessoas

    fugiam da segunda guerra, trazendo consigo as suas riquezas

    e o desejo de uma vida plena e de muita paz. Eram

    exploradores com visões e dinâmicas de investimentos,

    enquanto as riquezas eram exploradas, a cidade crescia cada

    vez mais e a modernidade chegava nas casas, nas ruas e nos

    conceitos das pessoas.

    Vindo da Europa até Belém em grandes navios,

    pegando outras embarcações até Manaus pelos rios

    caudalosos, em viagens desconfortáveis, os europeus enchiam

    as embarcações pequenas, com apenas redes para descansar o

    corpo e, pouca estrutura nas longas horas de viagem, que

    duravam de quatro a cinco dias. Imigrantes faziam suas

    aventuras por sonhos de uma terra próspera e liberdade.

    Contribuindo para o crescimento e o enriquecimento de

    cidades como Manaus e Belém. O Ciclo da Borracha foi uma

    época importante para a história econômica e social do Brasil.

    Atraindo riquezas, além de reformas arquitetônicas, culturais

    e sociais, trouxe também amores e dissabores, com lindas

    histórias que ainda encantam aos ouvintes.

    MANAUS A PRIMEIRA VISTA

    [ 2 ]

    Manhã de março de 1943, no porto de

    Manaus, uma embarcação com a sua superlotação,

    atraca no cais, após uma longa viagem de sessenta

    dias a mar aberto e quatro dias nos rios caudalosos

    da Amazônia.

    Com todos os riscos e perigos que se poderia

    imaginar: doenças, partos, comida precária e alguns

    contratempos da natureza, a embarcação traz junto

    aos seus passageiros um homem, cuja história é

    cercada de mistérios e traumas.

    Gilbert, trinta e cinco anos, olhos verdes e

    cabelos dourados como ouro, sua mãe, uma inglesa

    dos Estados Unidos, família de grande influência

    política e cultural no seu país de origem, e o seu pai,

    um francês em ascensão nos investimentos da

    fabricação de pneus, e viu no Brasil uma grande

    oportunidade de triplicar a sua fortuna.

    É um homem calado e de pouca ambição. Os

    traumas e tristezas fizeram do seu coração uma

    pedra e o seu olhar frio, de alguém que perdeu a

    alma. Isso deu-se, quando soube da morte do seu

    irmão, numa guerra sanguinária e sem precedentes.

    Tudo com o que sonhou para a sua vida,

    tornou-se sem esperança, ao perceber que diante da

    morte nada tem valor e nem todo dinheiro do

    mundo poderá mudar o destino.

    Os interesses do seu pai no látex, fizeram com

    que uma equipe da sua confiança, desembarcassem

    no Amazonas, na busca por mais recursos naturais e

    [ 3 ]

    a entrega de uma grande carga do produto para

    uma indústria parceira nos Estados Unidos.

    Se aventurando com o seu tio e primo para as

    terras misteriosas e afortunadas da traiçoeira e

    densa florestas. Ele fez uma trajetória de conquista

    para os próximos meses, antes de voltar para a

    Europa. Já com data marcada para o seu retorno,

    Gilbert espera resolver os acordos políticos que o seu

    tio deixou para serem resolvidos com a sua chegada.

    Mael já acostumado com as viagens para as

    terras tupiniquins, deixa tudo pronto para que o

    único herdeiro de seu irmão, feche os contratos de

    posse de terras para exploração e faça grandes

    investimentos lucrativos de interesse público.

    Não fazendo ideia da proporção de extensão

    desse território, a maior floresta do mundo e o

    maior rio do planeta em volume de águas. Gilbert se

    encanta ao atravessar o encontro das águas e ver a

    sua frente tamanha extensão de matas verdes e

    densas.

    Se aventurando no segundo ciclo dourado, com

    apenas algumas informações e fotos que seu tio e pai

    lhe mostraram, ele percebe as muitas riquezas e

    prosperidades, num lugar inóspito e cheio de

    obstáculos.

    Tudo os encantam e os fazem admirar o local.

    As pessoas, as construções e o desenvolvimento, que

    já é visto ao longe na imensidão de terra, cercada

    pelas águas, enche-lhe os olhos e também lhe traz

    [ 4 ]

    uma tristeza sem sentido, como se pressentisse algo

    que lhe causará muita dor.

    __ Gilbert! Olha! __ Gabriel chama a atenção

    do primo que está pegando as bagagens.

    __ O que foi, Gabriel? Preciso que me ajude

    com as malas. O seu pai não está aguentando o

    próprio corpo, anda! Depois olhamos isso. __

    Gilbert fala com seriedade, ao primo que se

    encantou com um restaurante no cais. Pois, está

    morrendo de fome e a sua prioridade no momento

    seria se alimentar e manter-se de pé até o local que

    será a morada deles por um tempo.

    Gabriel tem vinte cinco anos, é o único filho de

    Mael, o único irmão do pai de Gilbert.

    Diferente de todos, Gabriel é um sonhador e

    sarcástico jovem de família rica. Vindo pela

    primeira vez a uma expedição, ele se encanta e

    admira as novidades, com um sorriso no rosto e a

    alma leve.

    O seu pai, já por muitas vezes fez essa viagem

    e até mesmo comprou uma casa, para eles morarem

    durante as estadias nas terras brasileiras. Essa que

    pertence a família dos dois patriarcas, é uma das

    mais belas construções local e mostra o poder

    aquisitivo dos investidores.

    Alguém os, espera com o carro, para os

    levarem para casa. Privilégio de poucos que chegam

    na aventura de dias melhores, pois a maioria não

    tem para onde ir e nem lugar para descansar.

    [ 5 ]

    Eles veem as pessoas perdidas, procurando

    orientação e um destino para ficarem com idosos e

    crianças. Tudo fica mais difícil, quando não se

    conhece a língua nativa ou entende o idioma do

    aventureiro. Mas as pessoas locais, já estão

    acostumadas e são hospitaleiras, orientando e

    informando como devem proceder.

    Uma moça, de pele morena, cabelos negros

    como a noite, se aproxima e o seu falar difere de

    tudo que já se viu, chama a atenção de Gilbert. As

    suas roupas são trapos pequenos, cobrindo poucas

    partes do seu corpo, e os seus olhos como folhas

    secas.

    Ela se aproxima do grupo perto do carro e os

    encarando começa um discurso pouco audível.

    Gabriel com a sua impaciência da juventude a

    aborda e diz:

    __ O que quer, mulher? Não entendemos o

    que fala.

    Ela encara Gilbert, com os seus olhos fitados

    no verde encantador do homem misterioso e com o

    seu jeito selvagem apenas diz:

    __ Atimôna (Dar volta)

    __ O que ela está a dizer?__Gilbert pergunta

    para o seu tio, ele está assustado e com o seu coração

    acelerado de forma diferente.

    A mulher lhe chama a atenção pela beleza

    mas lhe causa um arrepio estranho.

    __ Apigaua, atimôna(Dar volta, homem!)

    _ Ela o manda voltar no mesmo barco que chegou,

    [ 6 ]

    como se pressentisse algo ou soubesse o que ele veio

    fazer.

    __ Não se preocupe! Ela é uma nativa, sua

    língua é difícil de entender, venha! José está nos

    esperando…

    José, vendo a jovem nativa enfrentando os homens

    brancos, logo se põe a frente da jovem e diz no seu

    dialeto:

    __ Iara! Vá logo para casa. Não incomode

    mais os patrões, Arací precisa de você na cozinha.

    Eles não entendem o que os dois dizem, mas

    ela o obedece e sai correndo com os seus cabelos

    negros esvoaçantes.

    Desconfiado de um envolvimento entre eles,

    Gilbert olha para o seu tio e pergunta:

    __ Como assim! Ela trabalha para o senhor,

    tio Mael?

    __ Não sei! Verei com José essa história ao

    chegarmos em casa. Apenas pedi a ele que

    contratasse alguém para ajudar nos serviços da casa.

    Mael fala caminhando até o carro e colocando

    as malas no porta-malas do luxuoso veículo, que

    diferencia os aspectos dos ambientes locais.

    [ 7 ]

    De um lado da cidade, os trabalhadores,

    nordestinos, indígenas e migrantes que misturaram

    as suas culturas.

    Do outro lado a burguesia francesa, com as

    suas construções arquitetônicas, cheias de luxos e

    status. Carros, luz elétrica e roupas luxuosas que

    vinham da Europa.

    Tendo infraestrutura de energia elétrica, bonde

    elétrico, sistema de esgoto, água encanada, serviço de

    telefonia, entre outros, o centro da cidade é um

    cartão-postal de encher os olhos com tanto progresso.

    A impressão que Gilbert tem do local é de um estado

    rico e abastado.

    Enquanto os trabalhadores braçais, se

    aglomeram nos pequenos quartos e alojamentos

    espalhados pela cidade numa situação precária de

    vida. Doenças, falta de estrutura e muita

    [ 8 ]

    prostituição. O que é claramente escondido a

    primeira vista de quem chega a cidade.

    Sem contar nos muitos que moram nas densas

    matas e povoados ribeirinhos, sem contato com a

    civilização e o progresso.

    Tentando entender o universo brasileiro com

    as suas misturas e etnias. Gilbert fica calado até

    chegarem em casa. Gabriel no que lhe concerne, fala

    como uma maritaca, está encantado com tudo o que

    vê e o seu pai mostra-lhe os pontos importantes da

    bela cidade.

    Gilbert fica pensativo e olhando pela janela,

    percebendo a cidade inóspita, por onde o carro anda

    lentamente, em ruas com poucos recursos para

    veículos. Ele sente-se incomodado com as palavras

    que a bela jovem lhe proferiu e fica pensado do que

    se tratava a sua expressão.

    __ Algum problema, Gilbert? Está tão calado.

    __Seu tio lhe pergunta, sabendo das suas

    características de um homem sério, e que não aprova

    algo com apenas um olhar. Uma das suas

    características herdadas da mãe, que em silêncio

    observa tudo e não se deixa enganar.

    __ Estou bem! Apenas muito cansado.

    Uma explicação típica de pessoas que não

    querem estender o assunto e preferem aguardar os

    próximos acontecimentos.

    __ Pois então, está na hora de descansarmos.

    __Mael fala no momento certo em que o carro passa

    por um imenso portão de ferro, entrando num

    [ 9 ]

    calçamento bem-feito, com pedras escuras e um

    gramado de encher os olhos.

    __ Nossa! É linda!

    Gabriel fala com os olhos vidrados olhando a

    imensa faixada de uma belíssima casa com jardins.

    Dois porteiros estão apostos para a abertura do

    mesmo e tudo parece uma imensa fortaleza.

    Gilbert, olhando para o seu tio, abre a porta

    do carro e saindo, pergunta:

    __ É mesmo necessário uma casa desse

    tamanho? Onde ficou a minha observação de que

    éramos para mantermos descrição nos nossos atos e

    não chamarmos a atenção com o supérfluo?

    Tentando dar uma explicação plausível, Mael

    se justifica, falando embargado e trêmulo:

    __ Desculpa, meu sobrinho! Mas aqui às

    coisas não funcionam como em Paris. O status e o

    dinheiro lhe abrem portas. As suas roupas e as suas

    posses, são cartões de visita para os negócios e

    amores. Apenas aproveite a sua estadia, verá que

    estou coberto de razão e poderá me agradecer no

    final.

    Gilbert não muda o semblante e muito menos

    o olhar questionador. Sente-se enojado com tais

    palavras, pois não gosta de pessoas interesseiras e

    muito menos de mulheres vulgares.

    Entrando pela sala, os móveis são de bom

    gosto e muito confortáveis.

    Os funcionários da casa lhe são apresentados e

    o seu olhar procura entre eles a jovem nativa.

    [ 10 ]

    __ José, você já o conheceu! Ele cuida da casa e

    dos negócios na nossa ausência, ele está pronto para

    lhe servir no que precisar e poderá levar-te nos

    lugares e mostrar-lhe a cidade. É um amigo e da

    minha total confiança.

    Mael fala e Gilbert apenas acena a cabeça,

    tirando ele próprio, as suas conclusões.

    __ Arací, cuida da cozinha e coordena os

    funcionários, trabalha comigo a quase vinte anos,

    Luiz cuida dos jardins e Chica, cuida da arrumação

    da casa.

    Acho que foram todos apresentados, podem

    voltar aos seus afazeres.

    __ Não! Onde está a moça do Rio?

    Todos se olham com a pergunta de Gabriel e

    José responde:

    __ Iara, ela deve estar chegando!

    __ E o que ela faz nessa casa?__Gilbert

    pergunta com uma voz grossa e um tom rude, todos

    ficam em silêncio e sem coragem para lhe responder.

    José olha para Mael que acena a cabeça, pedindo

    para que fale, e o mesmo diz:

    __ Ela ajuda nos serviços gerais, faz de tudo

    um pouco. Ela é uma boa moça, ainda acostumando

    com a vida fora da tribo. Mas eu garanto que irá se

    comportar, ela é dócil e muito esperta. Aprende

    rápido os afazeres.

    __ Pois então, se responsabilize por ela e a

    mantenha longe de confusão. Caso contrário, eu

    terei que dispensar os dois.__Gilbert fala com

    [ 11 ]

    arrogância e sem o menor sentimento de gratidão

    pelos serviços prestados por José que é tão solícito.

    Um banho, uma cama macia e um chá, foram

    os desejos de todos depois dessa longa viagem.

    Gilbert acorda com a tarde quente e abafada e

    prestes a chover. Se situando de onde se encontra,

    ouve alguém correndo no jardim e indo para os

    fundos da mansão dizendo:

    __ Chica! Ajuda, começa a chover!

    Iara corre no gramado, pegando as roupas do

    varal. Olhando a cena da janela alta do quarto, ele

    percebe que a moça fala o português com

    dificuldades. Ela está descalço e as suas roupas

    torna-se difíceis de não serem notadas, já que está

    completamente exposto o seu corpo. "__ Porquê

    falou comigo no seu dialeto?" __ Ele auto se

    pergunta intrigado com a índia.

    SEUS ENCANTOS

    A Amazônia tem seus encantos e mistérios,

    um deles é o encontro das águas do rio Negro e

    Solimões.

    A cor de chá-preto e a cor barrenta não se

    misturam, correndo lado a lado por mais de seis

    [ 12 ]

    quilômetros. Assim como deveria ser os nativos e os

    homens branco. Respeitando os seus espaços e

    vivendo em harmonia. Mas o homem ainda tem

    muito o que aprender com a natureza.

    Bem diferente da realidade, pois, desde o início

    da exploração da borracha, as lutas por espaço e

    direitos foram crescentes entre os verdes das matas e

    o vermelho do sangue derramado nas constantes

    lutas e escravidão dos povos indígenas e exploração

    do trabalho dos migrantes.

    Há vinte anos, nas margens do rio Negro, no

    coração da floresta, nascia uma linda menina, filha

    nativa do rio, fruto do amor proibido entre o homem

    branco e uma índia, a qual nunca aceitou ser tocada

    por ele e escondeu os seus sentimentos por convicção

    de uma tradição nativa.

    Era um momento de esperança para alguns e

    grandes conflitos para outros. Onde o seu povo

    sofria e se espalhavam pela densa floresta, fugindo

    dos massacres e escravidão, feitas pela ganância e

    poder.

    Tainá, era uma jovem indígena, que fora

    brutalmente violentada por um homem branco, esse

    que chegou com promessas de paz e prosperidades

    para os povos indígenas e se apaixonou pela filha

    do cacique e numa noite de festas, num ato de

    loucura, cometeu o maior dos seus erros.

    Ela sentiu na pele o sofrimento de ser

    abandonada pelos seus, por ser possuída por um

    homem branco e de caráter escuso. Não vendo

    [ 13 ]

    alternativa, deu à luz ao fruto da borracha, como

    eram chamadas as crianças nascidas do

    relacionamento das índias com os homens brancos.

    Assim ela também chamava a pequena criança

    que estava no seu ventre. Mas ao dar à luz, junto ao

    rio caudaloso, ela viu nos seus braços o amor

    verdadeiro pela primeira vez. Olhando nos olhos da

    pequena índia o seu coração bateu mais forte e em

    auto som disse:

    __ O seu nome será Iara- Rainha das águas e

    com a mesma força desse rio, irás desbravar a vida e

    não terás medo de nada. Enfrentará com sabedoria

    os preconceitos e as diferenças desse mundo desigual.

    Terá a força desse rio e a coragem de todos os

    homens. Ajudará a muitos e será respeitada por

    todos.

    Na tribo ninguém aceitou a criança, tendo que

    se esconder na mata por muitos dias e protegê-la da

    ignorância dos que queriam lhe tirar a vida.

    Muito jovem e com pouca experiência de vida,

    Tainá, encontrou no amor de um jovem índio a

    coragem para formarem uma nova família, ele

    valente e guerreiro, enfrentou os preconceitos da

    aldeia e dos seus superiores e assumindo a mulher e

    a criança que amava, partiram para formarem um

    novo grupo, com valores e respeito a todos que

    precisam.

    Com bravura e coragem, dominaram espaços

    ainda não marcados, receberam de braços abertos

    [ 14 ]

    irmãos étnicos que fugiam da escravidão e das

    injustiças, formando um povo unido e isolado.

    Kauê, faz jus ao seu nome, que significa:

    homem bondoso. Cuidou da mulher e da filha e

    nunca deixou nada lhes faltar. Ensinou a tribo

    todas as tradições dos seus antepassados e viu a sua

    linda filha crescer em meio ao seu povo. Mas a

    criança era diferente, não agia como os costumes e

    sonhava com o mundo distante. O tempo e as

    origens não negam o sangue.

    Ele percebia na menina, que a mesma tinha

    ambições e comportamentos diferentes das demais

    meninas da sua idade. Tentou fazê-la agir e ser

    como eles, guardando o segredo da sua origem.

    Porém, o sangue falou mais alto e a jovem que

    nunca se envolveu emocionalmente com um nativo,

    pediu para o pai deixá-la conhecer o mundo fora da

    mata.

    Um dia de choro e dor, sentido por todos da

    aldeia, seu pai e irmãos, sofreram o

    desapontamento, ela estava pronta para partir e o

    que lhe restou, foi somente providenciar a sua

    segurança.

    A sua mãe, sempre soube que, como o rio corre

    para o mar, Iara não ficaria presa por árvores e

    cercas. Ela sairia ao encontro do seu destino e veria

    fronteiras além do rio.

    Durante a sua infância, curiosa, ela sondava

    entre os mais velhos e alguns caçadores, como era o

    jeito mais fácil de sair da aldeia. Não deixando

    [ 15 ]

    ninguém perceber, ela logo conseguiu traçar uma

    rota na sua mente, onde memorizou os pontos

    principais e calculadas luas para chegar na

    civilização mais perto.

    Colocando a sua vida em risco, desceu o rio

    Negro por uma longa distância. Seguiu os seus

    afluentes e mesmo com medo, buscou os seus

    objetivos, encontrando uma população ribeirinhas,

    em casa flutuantes.

    Nessa sua aventura, conheceu José. Um

    jovem nordestino que negociava borracha com os

    seringueiros e que logo se encantou pela linda

    jovem, com os seus cabelos negros caídos pelos

    ombros e, com sua minúscula tanga, cobrindo-lhe

    a intimidade, o fez perceber que era a pessoa que

    esperava.

    José logo se aproximou e com uma difícil

    comunicação entre eles, começaram uma linda

    amizade e a ajudou a chegar na cidade, onde com os

    seus cuidados, não a deixou passar tantas

    necessidades, apesar das dificuldades e

    precariedades que todos vivem no local, ele deu-lhe

    trabalho e um teto.

    Com as promessas de dias melhores, Iara

    aceitou o desafio e está se acostumado com a nova

    vida na cidade, mas não perdeu os hábitos de

    liberdade, trazendo-lhe as vezes alguns

    constrangimentos.

    Por dias ela ouviu a respeito do homem branco

    que chegaria no navio. O seu coração sempre lhe

    [ 16 ]

    dando sinais de um mau presságio. Até que começou

    a sonhar com fatos horríveis e um tempo de

    escuridão para o seu povo. Associando os sonhos ao

    homem, ela desespera-se ao vê-lo no porto. Onde

    buscava uma encomenda para Araci, a cozinheira

    da mansão.

    Os seus olhos verdes marcantes e os cabelos

    dourados, a fez lembrar dos sonhos e como defesa,

    sem pensar direito, o expulsou da sua frente, num

    momento de alucinação.

    Dando-lhe conta do que fez, sai correndo pelas

    ruas até a grande casa e pede aos céus que ele vá

    embora antes do mal.

    ADMIRAÇÃO

    ‘Gilbert’ fica do alto da sua janela,

    observando a linda jovem que recolhe as roupas e,

    José correndo para ajudá-la, segurando todas as

    peças, enquanto ela retire as outras do imenso varal.

    Ele a olha admirado e os dois conversam enquanto

    correm para não molharem as roupas, são íntimo e

    brincam como crianças,

    na chuva que começa a engrossar. Iara fica alegre e

    entregando as roupas para ele, br gira na chuva,

    com as mãos erguidas, fechando os seus olhos e

    recebendo a água como uma dádiva, fazendo suas

    preces de gratidão.

    O seu corpo é escultural e as roupas velhas e

    finas, grudam no seu corpo, mostrando a sua beleza

    [ 17 ]

    e sensualidade, expondo um pouco do que seria a

    sua intimidade. Os olhos do francês soltam da

    órbita e acende a luz de alarme, pois está vendo

    uma miragem a sua frente e o encantamento é

    notório.

    Os seus cabelos negros chamam a atenção de

    Gilbert e José, os dois homens que estão encantados

    com a sua aparência meiga e inocente, pois os seus

    cabelos escorrem por suas costas e com a chuva,

    ficam pesados e grudam no seu corpo, como um véu

    negro e aveludado.

    José a deixa sozinha na chuva e corre para

    dentro da casa, passando pelos fundos e indo até a

    lavanderia, deixando as roupas e voltando para

    buscar a Índia que teima em ficar no temporal.

    Iara continua no gramado, fazendo um ritual

    de agradecimento pela chuva e ‘Gilbert’ não

    consegui tirar os olhos a admirando feito bobo.

    José está a chamando com carinho e a mesma

    não lhe dá atenção. E a cena encanta o francês que

    parece nunca ter visto uma mulher tão linda.

    __ Gilbert! Está acordado? __ pergunta o seu

    tio num sussurrar do outro lado da porta o fazendo

    voltar para a realidade. Ele vira-se lentamente e

    olhando para a porta, pensa em que péssimo

    momento ele veio para lhe tirar da melhor visão até

    o momento. Voltando a olhar pela janela, a jovem e

    o seu funcionário não estão mais no gramado. A

    única alternativa é deixar que o seu tio entre e o

    ouvir, o que tem a dizer.

    [ 18 ]

    __ Pode entrar! __ Ele responde ao seu tio, que

    entra feito um furacão, falando em seguida a

    respeito dos problemas encontrados por conta da sua

    ausência e da enorme agenda de compromissos.

    __ Estamos com problemas com os

    seringueiros, muitos adoeceram e até morreram, por

    conta da malária. Como se não bastasse, as terras

    que compramos ainda são poucas diante das

    demandas de exportação que temos. Será preciso

    contratarmos mais seringueiras e comprarmos mais

    terras, pois a quantidade de borracha extraída não

    cobre a demanda dos pedidos americanos. E o

    governador quer uma fortuna para a liberação das

    terras indígenas.

    ‘Gilbert’ ouve atentamente, mas os seus

    pensamentos estão na cena que a pouco via por

    sua janela.

    __ O que tanto olha nessa janela? __ o seu tio,

    ralha com ele percebendo a sua distração.

    __ Nada de mais, apenas a chuva.

    __ Então vamos descer, precisamos conversar

    com José para sair em busca de mais homens e

    enquanto isso, amanhã sairemos em busca de mais

    terras. Muitos estão vendendo as suas fazendas por

    conta das difíceis condições e da mão-de-obra

    escassa.

    Descendo até a parte inferior da casa, eles

    caminham até a cozinha, dando de cara com Iara

    saindo dos aposentos de Araci, já seca e com os

    cabelos penteados.

    [ 19 ]

    Gilbert gela ao ver a jovem que o olha com

    desprezo e indiferença. Logo atrás aparece José,

    também já recomposto, dando a entender que os

    dois são mais que amigos.

    __ José! Estamos te procurando, precisamos

    que encontre homens para o trabalho. __ Mael, sem

    perceber a situação fala sem dar tempo para José

    raciocinar e logo tem a ideia de convocar homens da

    sua terra para o serviço.

    Iara saindo na porta da cozinha, olha para

    trás e percebe que o seu patrão a olha.

    O seu corpo arrepia e o medo lhe sobre vem.

    Chica chama a sua atenção e diz:

    __ Anda menina! Ajude-me com a mesa! O

    patrão não comeu nada até agora e estamos

    atrasadas para servirmos o café. __ Chica é poço de

    mau humor, tem raiva da vida e não gosta de

    ninguém.

    ‘Gilbert’ e o seu tio volta para a conversar e

    sentando-se a mesa, Mael fala sem parar nos seus

    planos de ampliação dos negócios e o encontro

    com o prefeito e o governador.

    Gabriel chega com cara de cansado e o sono da

    tarde não repôs a sua energia. Logo ele percebe que

    índia está ajudando no serviço de copa e fica

    admirando o seu corpo coberto por poucos pedaços

    de pano, já que a mesma não tem roupas direito.

    Tudo seu é ganho, por quem, quase nada tem a

    oferecer.

    [ 20 ]

    ‘Gilbert’ fica incomodado e pergunta com o

    seu sotaque forte e dificuldades no idioma:

    __ Não tem outra pessoa para servir a mesa?

    Iara sente-se excluída e abaixando a cabeça,

    pega alguns vasilhames e sai da copa.

    __ Sim senhor, tem Araci, ela me ajudará da

    próxima vez. __ Chica responde, percebendo que ele

    não gostou de ver a nativa no ambiente.

    Não sabendo eles que o mesmo está

    incomodado com os olhares de Gabriel sobre a moça

    e as suas roupas que não ajudam.

    Araci volta a copa com Chica e explica que a

    jovem não tem roupas e que se esforça muito para

    ajudar nas tarefas de casa e que logo conseguirá

    outras vestimentas para a jovem.

    PRIMEIRO CONTATO

    O ciclo da borracha trouxe duas situações

    distintas para Manaus.

    A Manaus do Luxo exuberante com suas

    características francesas, seus costumes e modas. O

    teatro Amazonas, as praças e palacetes em estilo

    francês, seja rococó ou arte nouveau situação de

    festas e alegrias, porém, não para todos.

    [ 21 ]

    Na aldeia uma demasiada quantidade de

    pessoas, culturas, e etnias tentam sobreviver.

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