Yby katu, Yby poranga: Terra boa, Terra bonita -
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Sobre este e-book
Numa viagem aventuresca de mais de cinco séculos o protagonista da narrativa com humor ironia e uso constante de paródia vai revisitando trechos da trajetória evolutiva de um país incrível imenso de contrastes tantos e confrontos idem.
Lobo Carneiro
Aos quatro de abril de mil novecentos e quarenta e quatro d.C. no bairro de Pinheiros na cidade de São Paulo no estado de São Paulo num país chamado Brasil do reino animal gênero homo espécie dita sapiens segundo consta de relatos familiares foi parido em parto normal porém com bastante dificuldade e dor. Na Escola Politécnica da Universidade de São Paulo lhe concederam um doutorado em engenharia metalúrgica para que com alguma proficiência fosse ganhar e repartir o pão dele de cada dia. Na Faculdade de Filosofia Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo lhe concederam um bacharelado em letras para que fosse tentar convencer palavras a se juntar em frases e versos na talvez vã tarefa de dar algum sentido a sua existência tão mal cumprida tão mais comprida do que a restinga de Marambaia!... Sobre a máscara de Eduardo Barchiesi com a qual lhe concederam um RG e um CPF colocou outras máscaras para brincar no carnaval da vida. De Omar Ben Iamin como fabulista. De Alan Pow contista. Sheik Spir dramaturgo. Lobo Carneiro romancista. Edobardo Lyra protopoeta.
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Yby katu, Yby poranga - Lobo Carneiro
Lobo Carneiro
Yby katu, Yby poranga
— Terra boa, Terra bonita —
São Paulo
Eduardo Barchiesi
2014
Copyright © 2014 Eduardo Barchiesi
O conteúdo desta obra é de responsabilidade do Autor proprietário do Direito Autoral.
Capa e revisão: Cíntia Marzagão Cassaguerra
FINGO ERGO SUM
1
— Eita pergunta complicada essa que o senhor me faz! Valeu a pena? O que posso lhe responder? Eu acho que sim. Pelo menos pra mim. Pra mim valeu sim. Apesar de conhecer um monte de gente que vai dizer que não, que não valeu. Mas isso porque é tudo gente pessimista, gente que só tem olho pra olhar o lado ruim das coisas. O senhor pode crer nisso. Eu não. Eu procuro enxergar o que a vida tem de bom. E é por isso que eu digo que valeu a pena. Agora, se o senhor me perguntar se foi difícil, eu falo sem pestanejar que aí são outros quinhentos. Não, não foi nada fácil, não. Mas todo mundo está cansado de saber que o difícil não é fácil. É por isso que tem valor. Senão não teria graça, não é mesmo? Porque de uma coisa a gente pode ter certeza, quem quer passar além do Bojador, tem que passar além da dor...
2
Já tínhamos passado há algum tempo o Bojador. Naquele ponto da viagem, a costa era formada ora de praias magníficas onde o mar se desfazia em ondas suaves, ora de escarpas pedregosas onde o mar se debatia em fúria. Nosso capitão escolheu uma pequena baía que lhe pareceu apropriada para fundear as três caravelas. Dois batéis foram lançados da nau capitânia para explorar a terra. O capitão designou-me como chefe da expedição.
A exploração consumiu quase o dia todo. Quando retornávamos ao ponto onde tínhamos aportado, avistamos, mais para o interior da terra, numa elevação do terreno, o que provavelmente deveria ser uma caverna com uma grande pedra à frente, servindo, talvez, de porta. Decidimos caminhar até aquele local. Um silêncio aterrador pairava no ar.
Estávamos já quase atingindo a provável caverna, percorrendo um estreito caminho que serpenteava a encosta, quando sentimos o solo tremer. Mal tivemos tempo de nos esconder no meio dos arbustos. Uma figura de grandíssima estatura, membros enormes, rosto pálido, disforme, apenas um olho encovado no meio da testa, cabelos crespos cheios de terra, a boca negra, os dentes amarelos, semblante carregado e postura medonha surgida do nada parou diante da grande pedra da possível entrada da provável caverna e vociferou:
— Abre-te, pedra.
Ditas essas palavras, como que por encanto, a grande e, pelo seu tamanho pudemos inferir, pesada pedra começou a deslocar-se, descortinando o interior do que realmente era, conforme tínhamos conjecturado, uma enorme e, se assim for possível qualificar, bela caverna imersa em tênue penumbra. Aberta a passagem, o gigante monstruoso adentrou na caverna; uma vez lá dentro, gritou:
— Fecha-te, pedra.
Com o que, como por encanto, a grande e provável pesada pedra passou a executar o movimento inverso ao que há pouco acabara de realizar, fechando a passagem da caverna.
Eu e meus companheiros, do lado de fora, entre os arbustos, a princípio, excitados pelo insólito ocorrido, olhávamos boquiabertos uns para os outros como a duvidar daquilo que tínhamos acabado de ver e ouvir. Mas, transcorridos alguns instantes de nervosismo, recuperamos a tranquilidade e concluímos não estar sonhando nem delirando e que aquilo tudo que tínhamos acabado de presenciar era muito mais do que verossímil, era a mais verdadeira realidade.
Eu argumentei com meus companheiros de aventura que se aguardássemos ali escondidos o amanhecer do próximo dia, quando o gigante muito provavelmente sairia para os campos, poderíamos tentar entrar na caverna.
Isso pensado, isso realizado. Na manhã seguinte as coisas aconteceram conforme eu tinha imaginado. Tão logo a Aurora, de róseos dedos, surgiu matutina, o monstro gigantesco saiu da caverna, proferindo as mesmas palavras mágicas na mesma ordem sintática, porém em posição geográfica oposta à da tarde anterior: quando lá dentro, mandou abrir, aqui fora, mandou fechar e foi embora para os campos cuidar de suas ovelhas e de suas cabras, visto que esse gigante monstruoso era um grande criador de ovelhas e de cabras, de acordo com o que viemos a saber mais tarde.
Aproveitei a ausência da ciclópica criatura, postei-me diante da grande e pesada pedra e proferi as mesmas palavras que o gigante tinha pronunciado para entrar — abre-te pedra. Como por encanto, a grande e pesada pedra se moveu e escancarou a entrada da caverna. Entramos. Proferi as palavras mágicas — fecha-te pedra — e a grande e pesada pedra voltou a fechar a entrada.
Lá dentro fomos tomados de enorme espanto. O gigante tinha, ali, uma fábrica de queijo de leite de cabra, o que era perfeitamente lógico (não a existência da fábrica obviamente, mas o tipo de queijo), visto ser o ciclope um grande criador não só de ovelhas, mas também de cabras, conforme já mencionado.
Das muitas vasilhas o soro escorria; os secadouros de queijo se achavam repletos. Distraídos com a boa surpresa, tudo admirando e sem resistir à tentação de provar tão saborosa iguaria não nos apercebemos do passar das horas, além do que, nesse dia, por coincidência, o monstro voltou mais cedo e na caverna já penetrava.
Apavorados, recuamos para um ângulo extremo no fundo da caverna, tentando passar despercebidos. Porém a caverna tinha uma abóboda imensa com uma razoável abertura lateral no alto que permitia a entrada de luz natural que se espalhava por todo o ambiente.
O gigante, ao notar com auxílio da luz natural, porque o sol ainda estava alto, que tinham comido alguns pedaços de seus saborosos queijos, sem demora nos localizou no fundo da caverna.
Com tom de voz grosso e horrendo que parecia sair do mar profundo, capaz de fazer arrepiar as carnes e os pelos do mais destemido dos mortais, assim falou numa língua que pudemos entender perfeitamente:
— Ó gente abusada, quem são? Estão vindo por terra ou por úmidas vias? É por algum interesse ou é à toa que vagam sem rumo, como piratas, o vasto mar, conduzindo desgraças às pessoas?
O ribombo da voz, mais ainda a figura do monstro fizeram com que todos nós tremêssemos nas bases. Eu, imbuído da responsabilidade de chefia daquela expedição, fiz um esforço sobre-humano, contudo, quase a borrar os fraldões, procurei recobrar o quanto pude o controle e disse ao gigante, em resposta, o seguinte:
— Eu é que pergunto quem é você, com esse estupendo corpo, que tanto me tem maravilhado?
O gigante, revirando o único olho encovado no centro