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Cidadania e internet
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Cidadania e internet

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Sobre este e-book

Em meados de 2015, a rede social mais popular do mundo anuncia um número impressionante: naquele dia, uma em cada sete pessoas no mundo conectou-se ao Facebook. O número de usuários chegaria a 1,5 bilhão ao final do ano.

Outros aplicativos passariam a divulgar, ano após ano, a partir da década de 2000, vultuosos balanços sobre o número de pessoas que conseguiam agregar a partir dos distintos serviços oferecidos, como troca de mensagens em tempo real e espaço "infinito" para fotos e vídeos produzidos a cada segundo.

Os dados escondiam uma nova dinâmica, que desde os anos 1990 parece não encontrar barreiras: existe uma nova forma de comunicação em ascensão. Mas como foi possível formulá-la? Como se desenvolveu a partir das ideias de seus primeiros formuladores? Quais rumos está tomando? E, sobretudo, de que forma essa nova comunicação pode ampliar a cidadania e melhorar a qualidade de vida das pessoas? Essas são algumas das perguntas que o autor faz neste livro.

O objetivo principal é analisar práticas na rede e em rede que buscam a ampliação da cidadania e dos direitos humanos, contextualizando essa relação por meio da breve história dos conceitos que envolvem a reivindicação coletiva por cidadania, a partir da utilização de aparatos tecnológicos e comunicacionais. Utilizando o surgimento do conceito de cibercultura como um marco, o autor traça um perfil dos usos cidadãos da cultura digital. Desde a simbologia da rede na Antiguidade e na Modernidade, por meio de uma breve história das Tecnologias da Informação e da Comunicação (TICs), até os recentes movimentos da sociedade civil que atuam em rede, o objetivo do trabalho é produzir uma cartografia conceitual da comunicação digital contemporânea, sobretudo no Brasil, e identificar os princípios que fundamentam o uso atual da internet.
IdiomaPortuguês
Data de lançamento1 de jan. de 2017
ISBN9788547303754
Cidadania e internet

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    Cidadania e internet - Gustavo Barreto

    COMITÊ CIENTÍFICO DA COLEÇÃO CIÊNCIAS DA COMUNICAÇÃO

    Aos que se dedicam, às vezes ao custo

    de sua própria vida, à mídia cidadã em rede.

    Especialmente ao meu avô Juarez,

    uma fonte inesgotável de inspiração.

    E, por fim, a Raquel Marina, Claudia Giannotti

    e Maria Belaniza, três grandes mulheres

    sem as quais eu nada seria.

    PREFÁCIO

    Diz o adágio: Os problemas políticos são problemas de todos. E os problemas de todos são problemas políticos. O coletivo é assim posto como ponto de partida e destino de toda ação humana que visa a negociação dos termos do contrato social, a resistência à opressão e a conquista da dignidade, justiça, igualdade e liberdade. O pleito pode se expressar por meio da voz individual do cidadão, mas a agência histórica é sempre da ordem do coletivo.

    De fato, a cidadania não é dada de antemão, nem se oferece graciosamente. Conquista-se, cultiva-se e preserva-se. E, se seus contornos formais parecem ser garantidos pela lei, sua essência democrática e a sua operacionalidade factual e diária são tributárias da contínua vigilância e ininterrupto esforço reivindicativo de toda a comunidade. Talvez a maior ameaça aos direitos do cidadão seja, hoje, a sua sublimação protocolar e performática sem filiação efetiva com seu espírito original.

    É preciso sempre readaptar o sentido dos direitos e deveres às mudanças que ocorrem no percurso histórico de toda a sociedade e readequá-los às novas demandas que surgem dessas transformações. Caso contrário, corre-se o risco de reduzir o ideal humanista a um mero jargão técnico sem relação com a realidade histórica. Assim como também nunca se pode deixar de zelar para que as conquistas dos cidadãos não sejam alienadas pelos grupos que dominam o espaço político e controlam os meios e mecanismos de sua ordenação pública.

    Ora, um dos traços centrais da época contemporânea é a apropriação do político pelos profissionais da política e a substituição de sua substância cidadã por seu simulacro mercadológico projetado na figura cenográfica do consumidor. No lugar da representatividade política orgânica e combativa, instalou-se a representação circense e suas narrativas midiáticas.

    É verdade que a negociação política sempre foi de natureza discursiva. Do mesmo modo que a ação política, entendida em sua acepção democrática moderna, sempre foi um ato de representação, no sentido de fazer presente, na arena de luta pelo poder, os direitos e aspirações das categorias representadas. Mas hoje, mais de que nunca, pode-se observar um deslocamento abrupto do curso da História e seus embates do espaço real para o mundo da tela e da interação tecnologicamente mediada.

    É o próprio sentido da representação que parece ter mudado. Não se trata mais de representar politicamente o povo, mas de representar dramaticamente para o povo, no afã de subjugá-lo aos interesses da elite – redundantemente autorrepresentante e autorrepresentada. O povo e a sociedade, anteriormente referência direta e constante no ato representativo, tornaram-se uma espécie de reminiscência esporádica ou rumor distante.

    Daí o desejo e vontade de autonomização por parte de segmentos cada vez maiores da sociedade. Coletivos, principalmente de jovens insatisfeitos com as regras do jogo político tradicional, que se usam dos recursos tecnológicos a eles oferecidos e impostos pela atualidade para interferir na pauta social e política. Criativos, insubordinados e irreverentes, os coletivos em questão não obedecem à lei, mas a questionam e a desconstroem.

    Não há certeza de que esses novos experimentos sociais e políticos terão ímpeto suficiente para mudar o mundo, nem que as respostas e propostas ensaiadas por esses coletivos sejam viáveis e benéficas para toda a sociedade. Mas, com certeza, o atual modelo já comprovou a sua caducidade, obsolescência e, principalmente, a sua perversidade.

    A pesquisa de Gustavo Barreto traz uma contribuição valiosa para a apreensão da problemática em sua globalidade. Não promete respostas fáceis ou explicações generalizantes, mas proporciona a clave de leitura certa do momento de transição no qual vivemos.

    Parte de uma perspectiva macro, histórica e genealógica, passeia pelos meandros dos conceitos que configuram nossa compreensão do fenômeno social e político, antes de adentrar experiências concretas que ilustram de modo tangível as transformações em curso. O resultado é uma análise eficiente e elegante que, sem abrir mão do rigor que se exige do cientista social, destaca-se pela sensibilidade do jornalista experiente e o ativista social convicto que habitam o autor do presente livro.

    Mohammed ElHajji

    Professor do Programa de Pós-Graduação da Escola de Comunicação da UFRJ

    lattes.cnpq.br/1461763145344845

    SUMÁRIO

    INTRODUÇÃO

    1.1 Cidadania global, Estado-nação e globalização

    1.2 Apontamentos teóricos e metodológicos

    1.3 Questões em aberto

    1

    REPRESENTAÇÃO MIDIÁTICA E REPRESENTATIVIDADE POLÍTICA: BREVE HISTÓRICO DA CIDADANIA

    1.1 Cidadania: História de um conceito histórico

    1.2 Um conceito autônomo em permanente ressignificação

    1.3 Cidadania e imaginário social no contexto histórico brasileiro

    1.4 Direitos imaginados: verdades autoevidentes

    1.5 Representatividade política e vulgarização da democracia

    1.6 Participação popular e a questão da maioria

    1.7 Os primeiros passos da cidadania global no Brasil

    1.8 A Era dos Direitos ou os direitos de uma Era em elaboração?

    1.9 A questão epistemológica e a filosofia da internet

    1.10 Cidadania, internet e sujeitos sociais

    1.11 O indivíduo moderno: entre a abstração e a participação na esfera pública

    1.12 Individualismo liberal e o modelo Wikinomics

    1.13 Cibercultura e o liberalismo contemporâneo

    1.14 Revisionismo teórico e desconstrutivismo

    1.15 ‘Inflexão individualista na cultura’ e autenticidade em tempos de internet

    2

    MEIOS DE COMUNICAÇÃO E TRANSFORMAÇÕES SOCIAIS

    2.1. Novas tecnologias e antigas crenças

    2.2 Da filosofia à visão instrumentalista

    2.3 Sistemas, redes e a Era Industrial

    2.4 Governança, cultura de massa e opinião pública

    2.5 Retórica, cidadania e História das tecnologias

    2.6 A sociedade conversacional de Bertolt Brecht

    2.7 Wiener e a luta contra a entropia

    2.8 Internet: usos sociais entre determinismos ideológicos e linhas de fuga

    2.9 O nascente movimento de software livre

    2.10 Os princípios libertários da arquitetura da internet

    2.11 A utopia tecnológica e suas configurações políticas

    2.12 Tecnologia: entre o técnico, o cultural e o social

    3

    ESFERA PÚBLICA E REDE: EQUAÇÕES POLÍTICAS, VETORES ECONÔMICOS E CONFIGURAÇÕES SOCIAIS

    3.1 Indícios da contribuição do virtual na elaboração do real

    3.2 A força da comunicação eletrônica: mundos e eus imaginados

    3.3 Produção de localidade segundo novas formas globalizadas

    3.4 Cartografias do imaginário: as cidades e as redes de comunicação

    3.5 Entre as comunidades e as redes: recortes tecnológicos

    3.6 A teia: sistemas nervosos contemporâneos

    3.7 Espaços de fluxos e espaços dos lugares

    3.8 Redes globais e os movimentos sociais

    3.9 Produção biopolítica e o movimento do comum

    3.10 A neutralidade da rede

    3.11 O caso WikiLeaks

    3.12 O caso The Pirate Bay

    3.13 Blogs, wikis e a organização em rede

    3.14 A questão das redes sociais

    3.15 O ‘tempo atemporal’ dos hiperconectados

    4

    REAÇÃO E AÇÃO: A REVISTA VIRAÇÃO EM PERSPECTIVA

    4.1 Mídia hegemônica versus novos discursos emancipatórios

    4.2 Revista Viração: uma práxis editorial e pedagógica

    4.3 Os conselhos editoriais jovens

    4.4 Dilemas e construções coletivas

    4.5 Desafios e perspectivas

    4.6 Conclusões: um campo em disputa

    IN-CONCLUSÕES

    ENTRE OS DETERMINISMOS TECNOLÓGICOS E AS TECNOFOBIAS

    História e atualidade de conceitos em construção

    A rede e a agenda pública

    REFERÊNCIAS

    INTRODUÇÃO

    A simbologia da rede está permeada de ideais libertadores, principalmente no que concerne a campos de conhecimento como o da comunicação, da cultura e da sociologia. As redes, creem distintos estudiosos, são por vezes descritas como abertas, livres e um ponto de fuga para o modelo concentrador de organização da cultura moderna. A cultura digital seria, nessa perspectiva, a cultura do século XXI, a nova compreensão de praticamente tudo. Ainda nos anos 1970, o professor Timothy Leary anteciparia em tom de profecia: o computador é o LSD do século XXI (PRADO, 2009).

    Estamos experimentando uma revolução, uma nova era, a sociedade da informação, a fase cognitiva do capitalismo, entre outras conceituações que abordaremos neste trabalho. Parece pouco provável que alguma cátedra universitária reprove a importância do tema, tampouco que o mercado – ou essa noção metafísica que se convencionou assim chamar – não dê a devida atenção para a novidade.

    Nem sempre foi assim – ou não o é efetivamente para distintos grupos que adotam crenças seculares e profundamente enraizadas, por mais que essas raízes não sejam de fato imutáveis e fixadas no tempo e no espaço. E tampouco há razões para crer – numa perspectiva dogmática – que as redes possam gozar de um status naturalmente vinculado aos ideais mais próximos do que entendemos por liberdade.

    Um longo caminho discursivo se fez até que esses enunciados fossem possíveis. Na Roma imperial, a rede era a arma usada por uma certa categoria de gladiadores (os reciários) e servia para imobilizar o adversário, prendendo-o entre as malhas, onde ficava à mercê do vencedor (CHEVALIER; GHEERBRANT, 2007, p. 772). Surge daí o símbolo, na psicologia, dos "complexos que entravam [n]a vida interior e exterior, cujas malhas são igualmente difíceis de serem desatadas e desenredadas" (p. 772).

    Também na Bíblia, as redes exprimem a angústia:

    Cercavam-me laços de morte,

    eram redes do xeol:

    Caí em angústia e aflição.

    Então invoquei o nome de Jeová.

    (Salmos, 116, 3)

    No Evangelho, simbolizam a ação divina: O Reino dos Céus é ainda semelhante a uma rede lançada ao mar, que apanha de tudo. Quando está cheia, puxam-na para a praia e, sentados, juntam o que é bom em vasilhas, mas o que não presta deitam fora. Assim será no fim do mundo (Mateus, 13, 47-48-49).

    Nas tradições orientais, igualmente, os deuses são dotados de redes para prender os homens em seus laços ou para atraí-los a eles. Os analistas veem nessas imagens símbolos da busca, no inconsciente, da anamnese, cuja função é a de trazer ao umbral da consciência, como peixes das profundezas do mar, as mais longínquas e mais recalcadas recordações (CHEVALIER; GHEERBRANT, 2007).

    Na tradição iraniana, é o homem (e particularmente o místico) que se arma com uma rede para tentar captar Deus: uma vez que a Divindade é simbolizada, em muitas culturas, por uma Águia real, a rede é a arma destinada a capturar essa Águia. Em outras palavras, trata-se da possibilidade de reivindicar a execução da promessa divina de que Deus se encarnaria (p. 772). O esforço para essa caça é o próprio esforço da humanidade pela busca da Divindade, não disponível para caçadores não ardorosos. "E aquele que segura firmemente a rede (i.e., aquele que, apesar de tudo, se empenha na busca apaixonada e aventurosa) é como Binyamin [manifestação do Anjo Gabriel e de Jesus Cristo]: sempre à espreita, para melhor lançar sua rede no momento propício" (p. 772). É o caso da aranha, que mantém uma rede (a teia) e, vigilante, aguarda sua presa.

    Em todas essas representações, simbólicas, a rede, considerada como objeto sagrado, serve como veículo de captação de uma força espiritual (p. 773-774).

    Não é nosso objetivo investigar todas as simbologias pertinentes ao vocabulário contemporâneo que permeia o uso das novas tecnologias. No entanto, nota-se que grande parte da população mundial ainda possui referências culturais mais próximas à ideia da rede – para citar um exemplo – como símbolo de angústia e como objeto sagrado do que a partir das referências pós-modernas. Mesmo o conceito de tecnologia é quase que totalmente ignorado por praticamente todos os filósofos até o século passado. São apenas duas exceções significativas: Francis Bacon (por volta de 1600) e Karl Marx (meados do século XIX).

    Em geral, os grandes filósofos postulavam que a tecnologia era (i) a simples aplicação da ciência ou (ii) sempre benéfica. A tradição romântica de fins do século XVIII era pessimista quanto à ciência e, por tabela, quanto à tecnologia. Particularmente na Alemanha havia uma tradição filosófica muito grande na leitura pessimista sobre os males da sociedade moderna (em geral) e da sociedade tecnológica (em particular). Dusek (2009) lembra que a Sociedade para a Filosofia da Tecnologia fora fundada apenas em 1976 e é um campo que ainda não foi consolidado, ainda hoje (p. 10).

    1.1 Cidadania global, Estado-nação e globalização

    Somamos a essa perspectiva uma outra questão, que é o foco deste trabalho: a cidadania global forjada a partir desta sociedade em rede. Esta investigação buscou dar conta da problemática da constituição e construção de direitos dos cidadãos (direitos humanos, direitos do Homem, direitos naturais, direitos fundamentais e outros termos que colocaremos em debate) a partir das redes compartilhadas e abertas que caracterizam o cenário político contemporâneo.

    Para tanto, investigaremos a própria noção de sociedade civil organizada, seus múltiplos questionamentos, bem como seus conceitos correlatos: coletivos sociais, agrupamentos sociais, movimentos sociais etc. A interface dessa problemática com a História – ou o questionamento das concepções de História – e, evidentemente, com as distintas concepções de mídia (cultura da, de massa, em rede, hegemônica e contra-hegemônica etc.) é também parte integrante da investigação.

    Um dos marcos teóricos dessa questão é datado do início dos anos 1980, a partir das comunidades imaginadas, conceito cunhado por Benedict Anderson. A Organização das Nações Unidas, apontou Anderson (2008), admite novos membros praticamente todos os anos. E muitas nações antigas, tidas como plenamente consolidadas, veem-se desafiadas por sub-nacionalismos em seu próprio território. "A realidade é muito simples: não se enxerga, nem remotamente, o fim da era do nacionalismo que por tanto tempo foi profetizado. Na verdade, a condição nacional [nationness] é o valor de maior legitimidade universal na vida política dos nossos tempos." (p. 28).

    No entanto, ele argumenta:

    [...] se os fatos são claros, a explicação deles continua sendo objeto de uma longa discussão. Nação, nacionalidade, nacionalismo – todos provaram ser de dificílima definição, que dirá de análise. Em contraste com a enorme influência do nacionalismo sobre o mundo moderno, é notável a escassez de teorias plausíveis sobre ele [...] Seria mais correto dizer que o nacionalismo demonstrou ser uma anomalia incômoda para a teoria marxista e, justamente por isso, preferiu-se evitá-lo, em vez de enfrentá-lo. (p. 28).

    A primeira questão colocada, portanto, é de origem conceitual: se estamos trabalhando com a ideia de cidadania, é essencial abordar os conceitos que se seguem na literatura sociológica: o cidadão, os direitos humanos etc. Mas até que ponto podemos identificar sem grandes controvérsias esse cidadão, se a ideia de Estado-nação encontra-se em profunda revisão conceitual?

    Nesse sentido, a contribuição mais importante de Anderson é a percepção de que tanto nacionalidade quanto nacionalismo são produtos culturais específicos. Para entendê-los, afirma, é preciso considerar suas origens históricas, de que maneira seus significados se transformaram ao longo do tempo e por que dispõem atualmente de uma legitimidade emocional tão profunda. Após criados, esses produtos se tornaram modulares, passíveis de se incorporarem e serem incorporados a uma variedade igualmente grande de constelações políticas e ideológicas (p. 30).

    Anderson propõe a nação em um contexto antropológico:

    [...] uma comunidade política imaginada – e imaginada como sendo intrinsecamente limitada e, ao mesmo tempo, soberana. Ela é imaginada porque mesmo os membros das mais minúsculas das nações jamais conhecerão, encontrarão ou sequer ouvirão falar da maioria de seus companheiros, embora todos tenham em mente a imagem viva da comunhão entre eles. (ANDERSON, 2008, p. 32).

    "O nacionalismo não é o despertar das nações para a autoconsciência: ele inventa nações onde elas não existem"¹. Ele acrescenta: A única coisa que posso dizer é que uma nação existe quando pessoas em número significativo de uma comunidade se consideram formando uma nação, ou se comportam como se formassem uma². E completa: "Podemos traduzir se consideram por se imaginam. Ou, conforme Bauman argumentou: [...] vamos em busca de diferenças justamente para legitimar as fronteiras" (2009, p. 75).

    Eric Hobsbawm (1997) segue um raciocínio semelhante, ao fazer referência às tradições inventadas:

    Por tradição inventada entende-se um conjunto de práticas, normalmente reguladas por regras tácitas ou abertamente aceitas; tais práticas, de natureza ritual ou simbólica, visam inculcar certos valores e normas de comportamento por meio da repetição, o que implica, automaticamente, uma continuidade em relação ao passado. (p. 9).

    Esse historiador inglês – nascido no Egito quando esse país ainda se encontrava sob domínio britânico – argumentará que o costume, ao contrário das tradições inventadas, não pode se dar ao luxo de ser invariável, porque a vida não é assim nem mesmo nas sociedades tradicionais. A cultura de uma determinada sociedade ou agrupamento social é dinâmica e não aceita, portanto, fixações. E mesmo no caso das tradições, inventam-se novas tradições quando ocorrem transformações suficientemente amplas e rápidas tanto do lado da demanda quanto da oferta, como no caso das profundas mudanças na Igreja Católica, diante do aumento considerável do número de mulheres entre devotos (HOBSBAWM, 1997, p. 10-12).

    Conforme veremos, Manuel Castells (2009) elabora outra problemática acerca da influência da denominada sociedade em rede e a influência desse processo na (re)constituição dos Estados modernos. Como as redes não enxergam, em grande parte, os limites das fronteiras do Estado-nação, a sociedade em rede se constituiria como um sistema global, prenunciando a nova forma de globalização característica do nosso tempo.

    No entanto, embora tudo e todos no planeta sentissem os efeitos daquela nova estrutura social, as redes globais incluíam algumas pessoas e territórios e excluíam outros, induzindo, assim, uma geografia de desigualdade social, econômica e tecnológica. (CASTELLS, 2009, p. II).

    1.2 Apontamentos teóricos e metodológicos

    Uma das principais tarefas de nossa proposta de investigação sobre as representações midiáticas e a representatividade política contemporânea, englobando os meios de comunicação, a sociedade em rede e o que aqui denominamos cidadania global, consiste em historicizar e contextualizar as implicações sociais de determinados usos da tecnologia na contemporaneidade, a partir das redes de cidadania. Quais implicações culturais estão envolvidas nessa mudança de paradigma? Existe, de fato, uma mudança de paradigma em termos comunicacionais? E no que diz respeito às estratégias da sociedade civil (global, local, em rede) na ampliação dos direitos humanos? Estão se transformando? Há transformações conceituais na própria noção de direitos humanos, em suas especificidades discursivas?

    O fato de não definirmos a priori nosso instrumento metodológico, no que diz respeito a procedimentos rígidos e herméticos utilizados linearmente, não significou um esvaziamento de uma proposta metodológica para os enunciados e discursos investigados. A tarefa de reunir os temas propostos se torna mais complexa à medida que poucos estudos os relacionam – e quando o fazem, acabam por

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