François Neveux: Empresário economicamente incorreto
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Pré-visualização do livro
François Neveux - Isaline B Dutru
Título original: L‘UTOPIE EN MARCHE:
François Neveux, entrepreneur et inventeur economiquement incorrect
© Nouvelle Cité – Bruyères-le-Châtel – 2007
TRADUÇÃO: Thereza Christina Stummer
© Editora Cidade Nova – São Paulo – 2009
COPIDESQUE: Irami B. Silva
PREPARAÇÃO: Alexandre Araújo
REVISÃO TÉCNICA: José C. Becca
REVISÃO: Klaus Brüschke
CAPA: Marcelo Ferreira de Araújo
CONVERSÃO PARA EPUB: Cláritas Comunicação
ISBN 978-85-7821-079-3
(Original: 978-2-85313-530-6)
Editora Cidade Nova
Rua José Ernesto Tozzi, 198 – Vargem Grande Paulista – São Paulo – Brasil
CEP 06730-000 – Telefax: (11) 4158.2252
www.cidadenova.org.br – editoria@cidadenova.org.br
Sumário
1. O conhecimento pela imaginação
2. A parte para o outro
3. Um abandono necessário do poder
4. Renascer juntos
5. Epílogo
Agradecimentos
Para François Neveux,
um farol para muitos empresários na França,
no Brasil e no mundo.
Para Françoise Neveux, sua mulher,
o coração deste livro.
Para a nova geração,
para meus filhos, genro e netos muito amados,
Fred e Julie, futuros substitutos,
Max, o futuro,
Thomas, a promessa.
1
O conhecimento
pela imaginação
A imaginação é a rainha do verdadeiro,
e o possível é uma das províncias do verdadeiro.
Ela tem positivamente semelhança com o infinito.
Charles Baudelaire
Curiosidades estéticas
29 de maio de 1936, onze horas da manhã
É um menino!
A mãe contempla sua obra-prima em seus braços, murmurando-lhe palavras de ternura.
O pai grita de felicidade, com vigor: Este menino vai ser um revolucionário!
Lá fora, o clamor da rua traduz a revolta da multidão. A Frente Popular¹ está em marcha.
Nasceu François Neveux!
Dali em diante, essas três vozes irão acompanhar o pequeno François: a voz que ousa expressar o desejo do amor, a voz do entusiasmo, a voz do protesto.
Seiva vital
É uma criança sorridente! E acaba de abrir o presente do pai: um livro.
Um livro que abriu a janela para o mundo…
Uma janela entreaberta que deixou o vento de todos os possíveis penetrar.
– Robinson Crusoé: meu mundo! – dirá o pequeno François.
Raízes
É sempre interessante avaliar como um ser humano é possuído pelas histórias de sua família, como se apropriou delas. Alguns destinos trazem a marca do desejo de continuar a obra que algum antepassado distante começou. Outros realizam os sonhos secretos que um avô apenas murmurou. Para outros, por fim, como numa corrida de revezamento, o bastão é passado de pai para filho. Muitas vezes, nossa vida é em prol de todos esses sonhos, contados ou adivinhados, cada um buscando traçar seu futuro.
Um antepassado longínquo de François Neveux, François Lamoche, foi cirurgião, e também fabriqueiro numa igreja perto de Bordeaux. Ser fabriqueiro de uma igreja, função inexistente hoje, significava ter a responsabilidade de cuidar de crianças pobres, dos deserdados e dos órfãos, no plano da educação e no plano religioso. Devia também ajudá-las financeiramente, para se estabilizarem na vida. Desse modo, essa função podia ser entendida como uma espécie de ministério leigo dentro da Igreja. Tudo isso era vigente no reinado de Luís XIV, e essa foi a primeira vez que o nome François apareceu na família.
Muito tempo depois, Eugène Neveux, o avô do pequeno François, apaixonou-se pela criação de uma das mais belas máquinas de sonho das viagens: os motores de navio. Como oficial mecânico da marinha, acompanhava escrupulosamente a manutenção dos motores e, para mantê-los em perfeitas condições de funcionamento, deu a volta ao mundo.
Aperfeiçoar os novos motores era a sua idéia fixa. Mais tarde, freqüentou as oficinas de estradas de ferro, na Alsácia, foi transferindo-se depois para a Nova Caledônia, onde instalou as vias férreas e os edifícios da estação de Numéia. Por ocasião de uma expedição a Caiena, na Guiana Francesa, morreu repentinamente, e seu filho de dez anos teve de assumir imediatamente o papel de chefe de família. O pequeno Jean-Jacques acabava de perder sua infância.
Nascido junto com o século, Jean-Jacques Neveux morava em Reims quando estourou a Primeira Guerra Mundial (1914-1918). Grande parte da cidade foi destruída, inclusive a casa da família. Só restava a Jean-Jacques encontrar, às pressas, um alojamento para a mãe, o irmão e uma irmãzinha. Partiu sozinho para Paris, e logo encontrou um pequeno apartamento, no último andar de um prédio da avenida de Ternes. A partir daquele momento, Jean-Jacques não parou mais de se safar de todas as situações incertas e precárias.
Havia-se tornado o cabeça da família.
Mas a vida em Paris o fez sonhar com o campo. À medida que os anos passavam, Jean-Jacques sentia-se um homem da terra. Intimamente, queria ser engenheiro agrônomo. Três anos na Escola de Agricultura de Châlons-sur-Marne deram-lhe uma sólida formação no mundo agrícola. Mas, para Jean-Jacques, um sonho, sendo um sonho, não duraria muito tempo. O dever de ser bem sucedido na vida era uma das principais motivações do jovem. E Jean-Jacques logo conseguiu um emprego à altura de suas exigências: administrador de um excelente castelo no Médoc. A propriedade era esplêndida, com videiras a perder de vista, cujos vinhos são conhecidos no mundo inteiro. Era preciso fazer tudo com perfeição para continuar produzindo um grand cru classé, o excelente vinho da região.
Bem depressa, seu temperamento muito seguro conquistou um respeito unânime. Ele era um homem que todos ouviam e seguiam, pois em pouco tempo tornou-se extremamente competente. Tinha sucesso em tudo o que realizava. Foi logo adotado por toda a família do castelo.
Ao lado da propriedade, havia um haras magnífico. Jean-Jacques costumava ser convidado com freqüência, visto que se interessava por cavalos, e seus conselhos eram úteis. Uma sobrinha do proprietário não demorou a se apaixonar por aquele homem do qual emanava um encanto extraordinário. Ele era forte, poderoso, determinado. Na maioria das vezes, conseguia o que queria. Rapidamente, ele também foi conquistado por aquela jovem mulher de vinte e seis anos, de uma beleza morena ímpar. Num primeiro relance, só viu uma cabeleira exuberante, cacheada em profusão. Mas ao se aproximar, foi o olhar puro dessa jovem que despertou seu interesse. Os arrebatadores olhos verdes pareciam uma promessa de felicidade. Tão bonita quanto talentosa, era uma verdadeira artista e cheia de vivacidade. Excelente pianista, ganhou o primeiro prêmio do Conservatório de Bordeaux. Compôs melodias, escreveu poemas e contos. Era alegre. Todo mundo gostava de Guitou.
Foi uma festa íntima de casamento com véu de rendas para Marguerite, conhecida como Guitou; e viagem mágica de lua-de-mel no País Basco… Passaram-se algumas semanas, e Guitou descobriu que logo seria mãe… A história correu célere. A pequena Colette veio ao mundo e, menos de dois anos depois, foi a vez de Monique. Vendo sua família aumentar rapidamente, Jean-Jacques resolveu abandonar seus vinhedos para se dedicar a um projeto mais ousado. Logo tornou-se o braço direito do diretor de uma empresa de máquinas para construção de estradas. Cinco anos mais tarde, Jean-Jacques criou sua própria empresa, a empresa Neveux, que trabalhava para o Ministério de Obras Públicas. Construir rodovias. Notáveis rodovias. Na França, só algumas grandes rodovias tinham sido construídas, e havia muito a ser feito.
Inventar… Uma obsessão… Jean-Jacques transformou a casa num imenso laboratório de experimentação. Na mesa da sala de estar, havia projetos, maquetes, óleo de motor, gasolina. Ele tateava, procurava, e, na maioria das vezes, achava. Logo registrou patentes, concebeu e realizou máquinas muito modernas: máquinas para asfaltar, britadeiras e betoneiras, todas extremamente operacionais.
Jean-Jacques estava aperfeiçoando sua fábrica, quando um terceiro rebento anunciou sua vinda. Então, ele mudou-se novamente com toda a família e comprou Maïtena, uma bonita casa de campo basca, no bairro de Bouscat, em Bordeaux. Anette, conhecida como Nanette, acabava de nascer.
Jean-Jacques recebeu a incumbência de conceber toda uma importante rede rodoviária. Eram as estradas que iam de La Rochelle a Poitiers, além de outras que desciam até Angoulême, para subir de novo até Bordeaux e finalmente ligar com La Rochelle. Era o que ele chamava meu triângulo de piche
. Viajava toda semana a fim de supervisionar o melhor possível aqueles quase quinhentos quilômetros de rodovias mais bem projetadas e mais seguras. E então, a espera do quarto bebê fez Jean-Jacques e Guitou sonharem com um menino. E se a natureza os ouvisse?
Foi assim que o pequeno François chegou, no dia 29 de maio de 1936, em plena contestação operária. E a imensa alegria pela chegada do filho deu asas a Jean-Jacques para resolver os problemas de sua fábrica diante das exigências da Frente Popular. Mas novas preocupações não tardaram a surgir.
Quando estourou a Segunda Guerra Mundial (1939-1945), três anos mais tarde, a fábrica teve de fazer cabeças de granadas para a França. Além disso, a debandada geral de milhares de pessoas pelas estradas, fugindo dos alemães, foi muito violenta. Esse êxodo inundou Bordeaux de famílias à procura de um abrigo seguro, de um destino no estrangeiro. Guitou alistou-se na Cruz Vermelha para dar sua contribuição ajudando as pessoas mais desorientadas. Famílias inteiras iam transitar por Maïtena.
Logo, a fábrica de Jean-Jacques foi requisitada pelos alemães. Jean-Jacques sabia que não devia se render. Uma noite, tomou a decisão de mandar todas as cabeças de granada para uma fundição. Diante desse gesto de sabotagem, teve de partir sem demora, antes que o inimigo achasse sua pista. Deixou a fábrica assim, totalmente impossibilitada de funcionar. E, ao mesmo tempo, reuniu a família, deixou Maïtena e foi para o mais longe que pôde, refugiando-se numa grande fazenda do Médoc, uma propriedade imensa, onde era preciso arregaçar as mangas sem descanso, para comer.
Onde estavam as plantações? Onde estavam os vinhedos? Onde estavam os rebanhos? Não havia nada. No horizonte, campos tristes. Tudo era para se pensar.
Então, Jean-Jacques voltou à sua primeira paixão, a agricultura. Ele devia conseguir.
A propriedade era imensa, e François a explorou, a seu modo. O que mais gostava era ir à casa dos meeiros ou dos chacareiros das redondezas. Eles eram tão diferentes de seus pais, e François sentia-se realmente à vontade quando os via beber vinho na sopa, contar piadas, praguejar e cantar. Aquele era o mundo que o distraía, amava, e que escolheu muito cedo.
Durante esse tempo, Jean-Jacques só pensava em criar um oásis. Queria plantar, cultivar, colher, rapidamente. Os camponeses das redondezas tinham lá suas dúvidas. Mas ao fim de alguns meses, quando viram a enorme ressurreição da propriedade, com meios muito modernos, inesperados para a época, deixaram de duvidar do gênio dele. As plantações davam resultado. E as videiras eram plantadas. Jean-Jacques tratava sozinho de seus animais, sem jamais recorrer a um veterinário. Mais tarde, contou à família que ia verificando nos livros o que tinha de fazer, mas que sua imaginação intuitiva estava sempre em primeiro lugar. Para ele, esse era o caminho mais certo de conhecimento.
Dá-se um jeito! Principalmente, não morrer de fome
. Não se deixar amansar
. Fazer muito com poucos meios, graças à força da imaginação: esse era o programa de Jean-Jacques Neveux, que ele tentaria transmitir a seus filhos, custasse o que custasse. Para isso, era preciso ser dinâmico sem interrupção e criar sem parar. Sim, tudo pode ser conquistado, quando existe a idéia.
Navios deram a volta ao mundo e os trens puderam ligar as cidades, graças a meu pai
, pensava Jean-Jacques. Ele olhava o céu e examinava os aviões. Brincando com ramos de videira, criou o primeiro aglomerado de madeira de videira. Fez também pranchas muito especiais, ultraleves e ininflamáveis. Na certeza de que elas poderiam servir para fabricar asas de avião magníficas, ofereceu suas pranchas a empresas de aviação. Implantou também uma fábrica de gás… gás proveniente dos ramos de videira. A vinha é imortal: Jean-Jacques nunca duvidou disso.
As estradas da região de Bordeaux existem ainda hoje, e aquele espírito inventivo continuou a ser transmitido. E dizer que alguns anos antes de sua morte, na década de 1970, ele realizou, a partir do eufórbio, planta bastante comum, um combustível para automóvel, o combustível verde. Profético, não?
Primeira leitura
– Robinson Crusoé: o mundo! – diria mais tarde François Neveux.
Não se pode imaginar até que ponto esse livro foi um presente para François. As letras impressas tornaram-se verdadeiros genes que penetraram nele. Ele martelava em sua cabeça, sem parar: Sozinho, abandonado, sem recursos, tudo continua a ser possível. O importante é: tentar tudo, imaginar tudo para descobrir o mundo e sair-se bem das dificuldades!
O que Jean-Jacques Neveux não sabia é que esse livro preparava também a vontade febril de independência que seu filho possuía. Para François, o horizonte imediato era sair de sua ilha, a ilha de sua família, a fim de ousar tudo.
O que fazer quando só se tinha uma bicicleta para quatro? Na adolescência, encontramos depressa a energia para satisfazer a sede de independência. François aprontou para si uma oficina que ele mesmo construiu de taipa. Tinha apenas quatorze anos, mas havia prometido a Nanette, a mais nova de suas irmãs, que a levaria para dançar nos bailes dos arredores. Dá-se um jeito! Encontrar motos velhas. Nos paióis, nas garagens, nos ferros-velhos.
E fabricar uma moto, original, única, magnífica, com as peças colocadas de ponta a ponta. E o principal, pintá-la de azul! François colecionou uma boa meia dúzia delas! Todas azuis! Escutar o motor e partir, não importava para onde. Nanette e François saíam sem permissão. Por precaução, Nanette pegava a bicicleta, e François, com sua moto azul, rebocava a irmã, ou a deixava subir na moto e puxar a bicicleta. O importante era voltar para casa e para a cama com o Sol despontando.
A mãe, sempre a par de tudo, fingia nada ver. Preferia calar-se, mas lá no fundo alegrava-se vendo Nanette largar as tarefas de casa para se aventurar com ele.
Por que motivo as irmãs tantas vezes ficavam perplexas com seu jovem irmão? Ele vivia dizendo que queria mudar o mundo. Sua sede de contatos com as pessoas mais diferentes, como Robinson com Sexta-Feira², e suas proezas técnicas bastante audaciosas em sua oficina surpreendiam-nas de tal modo que começaram a pensar: E se ele tiver razão?
Quando a mãe quer…
O primeiro presente que François recebeu da vida foi o sorriso de sua mãe: Guitou, a ternura infinita, Guitou, o incentivo permanente, Guitou, a confiança absoluta nos filhos. E tudo seria feito por sua grande obra, que foi a maternidade: cinco filhos, primeiro três meninas, depois os dois meninos. François, o mais velho, teria de esperar mais de dez anos para acolher Jean-Michel, o caçula da tribo dos Neveux.
A mais firme motivação de Guitou seria tentar tudo quanto fosse possível para o pequeno François crescer, estudar e construir sua vida adulta. Guitou apegou-se a esta missão: os filhos, antes de tudo! Levá-los longe, conduzi-los livres…
Pensando nos filhos, surgiram-lhe idéias para fazer frente a todas as situações. Sim, seus filhos colocavam-na em movimento, e fizeram-na nascer para si mesma, enquanto continuava a criá-los.
Quando François terminou o ensino básico, Guitou só tinha uma coisa em mente: matricular o filho numa Faculdade de Engenharia. Pressentia nele talentos promissores, e sabia que era necessário não desperdiçar nada. Jean-Jacques e Guitou estavam em Bordeaux, e a faculdade era em Marselha. Os pais não poderiam assumir um curso superior tão longe. Seria prudente? As dificuldades da distância e da falta de dinheiro eram um grande bloqueio. No entanto, não foi a razão que venceu, mas a determinação. Alguns dias depois, François foi matriculado em Marselha.
Guitou tinha confiança.
A tenacidade de Guitou era tamanha que, anos mais tarde, quando seu segundo filho ia entrar na faculdade, ela teve de encontrar, a todo custo, um meio de ganhar o dinheiro necessário. Sem perda de tempo, começou a escrever histórias de bichos, destinadas a crianças, Os contos de Guillemette. Encarregou-se de editá-los e foi vendê-los nas escolas da região de Bordeaux.
Sim, Guitou tinha confiança, pois toda vez que era preciso, fazia de tudo pelos filhos.
Estudos e amigos, a época de ouro!
Quem pode imaginar estudos sem amigos? Estudo significa internato! Foram, ao todo, quase quinze anos, da educação infantil até o fim do ensino básico. Para François, os internatos logo se tornaram uma espécie de iniciação ao conhecimento da alma humana em geral. Ele se achava feio e sentia-se pobre em meio a seus colegas de prisão
, muitas vezes bem mais abastados do que ele. Entretanto, em vez de desenvolver um complexo idiota de inferioridade, compreendeu que tinha uma enorme vantagem na vida: continuar a ser ele mesmo, comunicando-se ao mesmo tempo com todos. Nas conversas, ficava espantado com a pouca profundidade partilhada e com os pequenos riscos que seus colegas se atreviam a correr. Sua força era não julgar ninguém. Aos poucos, foi percebendo que o ouviam, o imitavam e seguiam seus passos quando ele sugeria jeitinhos
naquela vida de interno… tão monótona. Sim, ele tinha projetos e, contra a sua vontade, tornara-se uma onda prestes a rebentar, cujo curso seria uma ilusão querer deter.
Depois do internato, o clássico ponto de partida, o começo sem grana. Como conseguir uma boa situação quando se tem bem poucos recursos? Estudando em Marselha, os pais em Bordeaux, François virou-se para fazer todos os consertos da casa onde morava. A proprietária pretendia fazer reparos em todo canto da casa, e logo o senso de oportunidade entrou em cena. Por que não propor deixar tudo nos trinques e, em contrapartida, o aluguel seria uma mera formalidade? No fundo, segundo François, era o modo de usar
da vida: dar sem se empobrecer, dar e enriquecer a relação.
Três anos na Escola de Engenharia de Marselha, obtendo ao mesmo tempo uma licenciatura de Ciências na Faculdade local, e eis François cercado dos melhores amigos. No início, havia os marselheses e os outros. Os bordelenses faziam parte dos outros
. François sentia que, se o ano se passasse daquele modo, todos iriam perder muito. Imediatamente, partiu em busca de uma idéia que pegasse
entre todos. Mas, ao mesmo tempo, estava sedento de festas. Seus amigos percebiam isso. Não tardou e lhe deram o apelido de Trublot, nome de um personagem de um filme que era audacioso, gozador, impertinente, sedutor com certo brio. Mesmo sem ter o físico de Gérard Philippe³, François era alto, magro, esguio, desenvolto, imaginativo… beirando o pitoresco. Muitos achavam que o apelido lhe assentava como uma luva, outros preferiam Barão limpa-fossa
. Vá saber por quê!, responderia ele se perguntassem.
O amigo dos anos de Marselha foi, em primeiro lugar, Jeannot. Jeannot, sinônimo de pé-de-valsa em boates de subúrbios. Lisos como sempre, os dois davam um jeito para jamais pagar ingresso. Dançavam nos inferninhos populares. Felizes! Freqüentavam o Splendid, onde se misturavam com o povão: garrafas ainda cheias, largadas nas mesas, as moças não demoravam a chegar. Dançar, dançar, e isso não parava!
Bem depressa, François percebeu que