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O preço da ganância: Daniel e os Pecados Capitais, #1
O preço da ganância: Daniel e os Pecados Capitais, #1
O preço da ganância: Daniel e os Pecados Capitais, #1
E-book443 páginas5 horas

O preço da ganância: Daniel e os Pecados Capitais, #1

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Sobre este e-book

Um navio de cabotagem dinamarquês é atacado por piratas no Golfo da Guiné. Um dos guardas é ferido e retorna a sua cidade de infância, Haubjerg.

Ali ele inicia uma carreira de detetive particular e tem participação decisiva em uma série de acontecimentos misteriosos e fatídicos na fazenda Tranedal.

O detetive particular Daniel Dreyer surge pela primeira vez em O PREÇO DA GANÂNCIA.

O livro é um romance policial revelador que aborda a sociedade e mostra que coisas incomuns e ameaçadoras acontecem logo abaixo da superfície.

IdiomaPortuguês
EditoraBadPress
Data de lançamento23 de set. de 2020
ISBN9781071566923
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    Pré-visualização do livro

    O preço da ganância - Michael Clasen

    Sumário

    GITTA

    ALGO A SE PENSAR

    BACTÉRIAS

    MINISTRO DAS RELAÇÕES EXTERIORES

    MINISTRO DA DEFESA

    C. C. SHIPPING

    ESTAÇÃO ADUANEIRA DE GEDSER

    VISITA DO EXTERIOR

    QUEM É O FRANGO?

    ACUPUNTURA

    PRONTOS PARA A OPERAÇÃO FRANGO

    MAIS UMA MORTE

    PARTIDA

    ELES ESTÃO ENTRE NÓS

    NATAL

    ATAQUE DE PIRATAS

    PORTO EM COTONU

    VAMOS ARRISCAR A PELE?

    CHARLES DE GAULLE

    UMA VERDADE INSUPORTÁVEL

    REINO

    UMA OFERTA IRRECUSÁVEL

    UM AMIGO DO PASSADO

    À SOLTA?

    NATURALIDADE

    SEPSE

    OS CONHECIDOS CERTOS

    CONTATO

    O FIM DO COMEÇO

    PASSADO

    CAMINHADA NA FLORESTA

    FASTELAVN

    NOVIDADES DO CAMPO

    DETETIVE PARTICULAR?!

    UM NOVO CONHECIDO

    FELIZ ANIVERSÁRIO, MIKKEL

    CHOQUE DE CULTURAS

    EM TODA PARTE

    UMA DESGRAÇA NUNCA VEM SOZINHA

    O PRIMEIRO CASO DE DANIEL

    JANTAR COM AMIGOS

    O BUNKER

    SCHUTZ DER UMWELT

    UM PSEUDÔNIMO ALEMÃO?

    UM TELEFONEMA FATAL

    UM ENCONTRO AO ACASO

    AVANÇOS À VISTA?

    UM DIA CHEIO

    UM JANTAR DE CONQUISTA

    ANITA

    ESPIADA

    LICENÇA DE CAÇA

    CONVITE

    PRESENTE DE FORMATURA

    EQUINÓCIO

    QUEBRA-CABEÇA

    NA PENÍNSULA

    PRÊMIO DO PORCO

    PAUSA

    UM HOMEM E SUA OBRA

    BENIN

    LEPROSO

    HARMATÃ

    LUCAS

    PASSEIO PELA FAZENDA

    PARADA CARDÍACA

    CIRCUNSTÂNCIAS INFELIZES

    NA SANODAN

    OS NEONATOS

    ABDULLAH

    AMIGOS PARA SEMPRE...

    VIRUSTERAPIA

    ALHO DOS URSOS

    VACINAÇÃO

    UMA AMEAÇA MORTAL

    GRANDES PROBLEMAS

    DISFARCE

    EPIDEMIA

    LUCKY

    CÂMBIO, DESLIGO

    ULTIMATO

    CAÇADA

    O PREÇO DO PORCO

    POSFÁCIO

    PIGGIES

    Have you seen the little piggies

    Crawling in the dirt

    And for all the little piggies

    Life is getting worse

    Always having dirt to play around in.

    Have you seen the bigger piggies

    In their starched white shirts

    You will find the bigger piggies

    Stirring up the dirt

    Always have clean shirts to play around in.

    In their styes with all their backing

    They don't care what goes on around

    In their eyes there's something lacking

    What they need's a damn good whacking.

    Everywhere there's lots of piggies

    Living piggy lives

    You can see them out for dinner

    With their piggy wives

    Clutching forks and knives to eat their bacon.

    George Harrison, 1968

    GITTA

    QUINTA-FEIRA, 05 DE OUTUBRO

    Na penumbra do quarto de hospital, um homem idoso, de cabelos grisalhos, segurava, sentado, a mão da filha. Estivera ali desde a noite anterior. Às vezes, seus olhos acabavam se fechando, mas ele, rapidamente — com a força da vontade — abria-os novamente.

    Às três e meia da manhã, sua filha, de 40 anos, expirou pela última vez. Calmamente.

    Ele ouviu como a respiração dificultosa dela tornou-se mais superficial a cada inspiração e, depois de apenas meio minuto, parou. Devia ser o que se chamava de morte tranquila.

    Uma enfermeira madura aproximou-se rapidamente e acendeu a forte luz do teto. Lançou um olhar experiente para o monitor sobre a cama. A respiração e os batimentos cardíacos tinham parado. A mulher apertou um botão para solicitar assistência, mas começou imediatamente a examinar a paciente.

    O homem alto de cabelos grisalhos levantou-se com dificuldade e, sem dizer uma palavra, atravessou lentamente o quarto, rumo ao silêncio noturno do corredor. Desceu as escadas e saiu para o estacionamento escuro diante do hospital. Naquele momento, havia poucos carros estacionados ali, e ele entrou em seu Range Rover preto.

    Ele permaneceu sentado no banco do motorista, olhando para a escuridão. As primeiras lágrimas saíram dos olhos e escorreram por seu rosto enrugado, precedendo o colapso em si. Seu rosto contorceu-se em uma careta grotesca, e ele se lançou sobre o volante, soluçando alto e desesperadamente na noite escura de outono. Era a primeira vez em muitos anos que Knud Emmanuel Tranedal chorava. A última vez tinha sido quarenta anos antes, quando sua amada filha Gitta nasceu e a mãe dela morreu logo depois.

    Agora Gitta também estava morta.

    ––––––––

    Knud E. Tranedal – chamado simplesmente de Knud E por sua família, amigos e empregados – tornou-se pai aos 34 anos.

    Havia vivido muitos anos como solteiro. Mas dois anos antes, para a surpresa de muitos, casara-se com a baronesa alemã Elise von Löwenstein, de apenas 24 anos. Ela era filha dos donos da propriedade rural onde Knud E e alguns amigos haviam sido convidados para caçar. A jovem e loira moça e o charmoso cidadão do mundo sentiram-se imediatamente atraídos um pelo outro e se casaram após três meses de encontros secretos em diversas cidades europeias. Dois anos mais tarde, Elise deu à luz a única filha do casal, Birgitta, que sempre foi chamada de Gitta. A menininha teve como madrinha de batismo a então rainha viúva e se tornou o maior amor da vida de seu pai. Algumas semanas depois, Elise entrou em uma profunda depressão pós-parto e, enquanto Knud E viajava a trabalho, tomou uma overdose de remédios fatal.

    Knud E levou vários anos para se recuperar da morte de Elise, mas seu senso de responsabilidade pela filha contribuiu para que ele, pelo bem de Gitta, prosseguisse com sua vida. Gitta tornou-se a menina dos olhos do pai. Muitos achavam que ela fora terrivelmente mimada, e não era sem razão. Por outro lado, Knud E fazia grandes exigências à menina.

    Em seus primeiros anos escolares, ela estudou na Escola Particular de Haubjerg e se tornou uma menina extremamente bonita e talentosa. Como muitas outras garotas, Gitta era apaixonada por cavalos e equitação. Ganhou seu primeiro pônei em seu sexto aniversário.

    Um pouco distante da sede da fazenda Tranedal, fora preservada uma antiga construção de pedra com junções caiadas. Ali, Knud E estabelecera o haras da propriedade, uma estrutura completa com pistas cobertas e ao ar livre, tanto para adestramento quanto para salto de obstáculos, cercada de grandes prados onde os cavalos pastavam. Dali também partia a ramificada trilha que percorria quilômetros entre os bosques e campinas que faziam parte da propriedade rural.

    Depois de alguns anos, Knud E decidiu enviar Gitta para o renomado Internato Herlufsholm, onde ele próprio estudara e que agora também admitia meninas. Com diligência e talento inato, ela se formou com as melhores notas da escola onde muitos dos mais eminentes líderes do país eram recrutados. Após a formatura, Gitta ingressou, por conselho do pai, na Escola de Negócios de Copenhague, onde estudou Administração de Empresas e se graduou em tempo recorde, com notas altíssimas. Em seguida, mudou-se para Londres, onde trabalhou em um banco internacional e se apaixonou pelo filho do chefe. Contudo, depois de alguns anos, o relacionamento acabou e Gitta voltou para a fazenda Tranedal, decepcionada, mas muito mais experiente.

    Aos 37 anos – um ano depois de seu pai chegar aos 70 – ela estava pronta para participar da administração da fazenda. Knud E transbordava de felicidade. Sua filha pródiga e amada voltara para casa. E voltara também para sua herança e seu lugar na sucessão familiar. Embora ele estivesse bem física e mentalmente, estava na hora de pensar no futuro da propriedade. Ele fez um plano para que a filha assumisse gradualmente mais responsabilidades, sem, no entanto, mencionar que ela também deveria arrumar um herdeiro.

    Ela decorou a velha casa destinada ao administrador de acordo com todos os ditames da arte e da moda e trabalhou como braço direito do pai na manutenção da propriedade. Knud E passava, em uma ordem lógica, cada vez mais áreas da administração para a filha, que nunca reclamava, mas, pelo contrário, assumia com presteza e rapidez o controle sobre as novas responsabilidades. Com a mente tranquila, Knud E regozijava-se e dizia com frequência a si mesmo que tinha uma filha fantástica. No início, estranhara um pouco seu estilo de liderança. Ele costumava cuidar da fazenda de seu escritório, na sede, e poucas vezes por ano se aventurava pelos bosques, campos e criadouros a trabalho. Muitos dos empregados viam o chefe apenas nas festividades de Natal e colheita, onde ele agradecia o esforço de todos e encerrava com um saúde! Gitta, pelo contrário, saía de seu escritório semanalmente e fazia caminhadas pelos campos e criadouros em suas galochas, acompanhada pelos vários encarregados. Era claramente um estilo diferente e mais moderno, mas, de outra forma, Knud E não tinha reparo algum a fazer sobre o trabalho da filha. Alegrava-se em ver que a mudança de geração parecia acontecer tranquilamente. Ele não teria influência sobre a mudança de geração seguinte e por isso tentava não pensar a respeito. E, agora, tudo mudara subitamente.

    Há uma semana, Gitta havia saído para um de seus passeios rotineiros a cavalo pelas terras e bosques da propriedade em seu cavalo favorito, Cæsar, um garanhão de seis anos de idade que ela mesma tinha adestrado.

    Os bosques exibiam suas mais belas cores de outono, mas naquela tarde de sexta-feira, uma forte chuva caiu. Poças de profundidade considerável haviam se formado em diversos lugares, e muitas das trilhas do terreno ondulado tinham se transformado em lama escorregadia. Apesar da cavaleira e do cavalo serem experientes e estarem acostumados a trabalhar juntos, o acidente aconteceu em um lugar que eles conheciam bem. Cæsar escorregou na lama e caiu. Gitta ficou embaixo do grande animal, que lutava, em pânico, para se erguer novamente. Quando Cæsar retornou ao pátio sozinho, teve início uma busca frenética nos três veículos 4x4 da propriedade. Knud E encontrou a filha caída no local, enlameada, ferida e com uma fratura exposta na coxa. A ambulância chegou em meia hora e levou Gitta para o hospital de Haubjerg, onde ela foi levada diretamente para a mesa de cirurgia.

    Os médicos corrigiram a fratura quase que automaticamente, inserindo várias peças de prata e parafusos inoxidáveis. Knud E esperou sozinho na triste sala de espera. Após uma hora, o cirurgião disse a ele que a operação tinha corrido bem, que Gitta ainda não havia despertado totalmente da anestesia e precisava apenas de tranquilidade e sono.

    Volte amanhã, ele disse.

    Na sexta-feira seguinte à sua morte, Gitta foi velada na pequena capela na ala lateral da sede da fazenda Tranedal. O pequeno cômodo decorado em estilo barroco estava lotado, e muitos convidados foram obrigados a permanecer do lado de fora durante a cerimônia. O caixão foi carregado por Knud E, com o rosto inexpressivo como uma máscara, e cinco dos mais altos funcionários da propriedade. O cortejo seguiu o caixão até um dos cantos mais afastados do parque, local do jazigo da família, protegido por um semicírculo de carvalhos antigos. Ali, Gitta foi enterrada ao lado da mãe, que ela nunca conhecera. Na recepção que se seguiu no salão de equitação, notou-se a ausência de Knud E. Na manhã de segunda-feira, ele se dirigiu ao hospital, onde tinha um encontro marcado com o médico-chefe.

    ALGO A SE PENSAR

    SEGUNDA-FEIRA, 16 DE OUTUBRO

    Knud Emmanuel Tranedal nasceu em 1942. Não chegou a conhecer o pai, que morreu na Frente Oriental como oficial do Frikorps Danmark (Batalhão de voluntários dinamarqueses que lutaram ao lado dos alemães durante a Segunda Guerra Mundial.) Foi criado por sua anêmica mãe, que o deixou aos cuidados de babás até que tivesse idade suficiente para ingressar no internato.

    Era o único herdeiro da fazenda Tranedal, localizada vinte e cinco quilômetros a oeste da vila de Haubjerg. A propriedade ocupava uma grande área – incluindo bosques, prados e campinas – e possuía várias moradias de aluguel em seus domínios. A floresta de Nysø Hegn e seu lago também pertenciam à fazenda. A propriedade estava dividida em três grandes criadouros, administrados independentemente por encarregados que prestavam contas ao proprietário. Todos possuíam grandes instalações onde, anualmente, com a mais moderna tecnologia existente, eram produzidas dezenas de milhares de porcos. Em uma quarta área – a fazenda Gerdasminde – um encarregado administrava uma criação de visons.

    Além das propriedades rurais, Knud E era dono de um grande volume de ações de empresas dinamarquesas renomadas e lucrativas, algumas relacionadas ao setor agrário, outras no ramo industrial. Fazia parte do conselho administrativo de quatro dessas empresas, em uma delas como presidente. Sua maior porcentagem de ações era da mundialmente conhecida empresa farmacêutica SanoDan.

    Durante seus anos de ginásio no Internato Herlufsholm, ele havia feito vários amigos, mantendo o contato com muitos ao longo dos anos. Alguns deles, naturalmente, ele já não encontrava com tanta regularidade, mas muitos participavam das famosas caçadas na fazenda Tranedal, que eram seguidas por festas que muitas vezes contavam com a presença de membros da família real e vários outros representantes dos mais abastados e influentes círculos do país. Nos anos em que Gitta estivera ocupada crescendo e se instruindo, seu pai também estivera ocupado. Ele aceitara o cargo de presidente da Associação de Criadores de Suínos da Dinamarca, e com isso tornara-se automaticamente vice-presidente da poderosa organização agropecuária conhecida popularmente como Associação Da Terra para a Mesa.

    ––––––––

    Durante o dia, o estacionamento do hospital estava sempre lotado. Ali deveria haver espaço para os veículos de funcionários, pacientes ambulatoriais e visitantes, e parecia que ninguém tinha pensado nisso quando o hospital fora construído, bem atrás de uma das ruas de comércio de Haubjerg. E quando o hospital, poucos anos atrás, passara por uma grande reforma, cerca de outras cem vagas de estacionamento foram extintas.

    Por isso Knud E estacionou seu Range Rover preto no estacionamento subterrâneo da vila, um pouco distante do hospital, e seguiu a pé até lá, sob o sol alto da manhã. Era claramente um senhor de certa idade que caminhava pelas ruas. Alto, com uma postura altiva e um andar que evidenciava se tratar de um homem acostumado a que os outros lhe dessem passagem. Com um casaco de loden de fabricação alemã e sapatos com laço alto. Não usava chapéu, deixando à mostra a cabeleira grisalha que, apesar da idade, ainda era espessa e sem falhas. Seu rosto, com o queixo forte e dividido, estava cuidadosamente barbeado. O médico aguardava no corredor, pronto para recebê-lo. Com uma humildade atípica para o posto, ele acompanhou Knud E até sua sala, antes de se apresentar:

    Jens Nielsen. Em seu crachá, lia-se médico-chefe. Ele demonstrava saber quem estava à sua frente. Começou, com um leve aceno com a cabeça: Café?

    Não, obrigado! O senhor pediu que eu viesse até aqui? O que posso fazer pelo senhor, doutor Nielsen?

    Sim, achamos que era melhor conversarmos sobre... sobre a trágica... da filha do senhor... Como está lidando com isso, Sr. Tranedal?

    Obrigado pelo interesse do senhor, mas não é de sua conta! Vamos direto ao assunto: o que temos a discutir?

    O médico enrubesceu de uma forma inapropriada e limpou a garganta várias vezes.

    Sim, veja bem, Sr. Tranedal, a fratura de sua filha foi obviamente séria, mas do ponto de vista cirúrgico, não era complicada, e a operação correu exatamente como de costume, isto é, sem complicações. O médico olhou nos olhos de Knud E antes de continuar. Como o senhor sabe, foi somente depois de alguns dias que as complicações começaram. Ao que parece, a cicatriz na perna de sua filha infeccionou-se, e após outros dois dias, a inflamação se transformou em uma sepse. Durante a explicação do médico, Knud E se mexia, impaciente, encarando o homem aflito.

    De tudo isso eu já sabia, doutor. Vá direto ao assunto!

    Tratamos sua filha com os mais potentes antibióticos de que dispomos atualmente, Sr. Tranedal, mas isso não ajudou em nada!

    Como mais um sinal de que aquilo não era nada de novo, Knud E deu um profundo suspiro e olhou acintosamente para o Rolex em seu pulso. O médico havia chegado a um ponto que dominava e não se deixou abalar pelo comportamento de Knud E. Ele perguntou, com a voz firme:

    MRSA CC398 diz algo ao senhor, Tranedal?

    São criados em minhas terras mais de duzentos mil porcos por ano, então talvez? O tom de Knud E também era mais áspero.

    E a filha do senhor frequentava os criadouros?

    Naturalmente.

    Ela sofreu de doenças infecciosas recentemente?

    Ela estava saudável, como de costume.

    Não totalmente. Podemos ver que ela, nas últimas semanas, esteve em uso de antibióticos de amplo espectro para combater uma inflamação pélvica persistente. Ela não informou isso ao senhor?

    Após um momento de hesitação, Knud E respondeu, com desdém:

    Não costumávamos entreter um ao outro com esse tipo de coisa, doutor Nielsen. Mas o que isso tem a ver com... quero dizer, com... Ele engoliu em seco. ...com a morte dela? Ninguém morre por causa de uma inflamação pélvica, certo?

    Não, a menos que um tratamento com antibióticos tenha eliminado a flora bacteriana natural que, normalmente, combateria uma infecção causada justamente por MRSA CC398!

    ––––––––

    Depois do almoço, Knud E seguiu sozinho até o cemitério da fazenda, seguido apenas por Lucky, seu velho labrador artrítico. O túmulo de Gitta estava completamente coberto por buquês e coroas das cores do outono. Ele se sentou no banco de pedra, encarando o vazio. O cão deitou-se, cansado, ao seu lado. Talvez fosse o vento do outono, mas uma única lágrima desceu pelo seu rosto.

    E pensar que não fora preciso mais que um acidente de cavalo banal para destruir todos os seus planos. Todo o sentido das lutas de sua vida estava ligado a Gitta e à felicidade dela. E agora ela estava enterrada ali! Era insuportável.

    MRSA CC398! Se ele sabia algo a respeito? Certamente. O julgamento do médico havia sido claro: Gitta morrera em decorrência de uma infecção por MRSA CC398. A bactéria estafilocócica chamada MRSA CC398 é popularmente conhecida – talvez um pouco injustamente – como bactéria do porco. As bactérias MRSA também estavam presentes no ambiente hospitalar, onde há muito eram combatidas. Por outro lado, elas se desenvolviam, no momento, principalmente na maioria dos criadouros de porcos do país. A investigação hospitalar havia estabelecido que as bactérias que mataram Gitta eram provenientes de um dos criadouros de porcos que ela administrava na fazenda Tranedal. Os pensamentos de Knud E voltaram no tempo.

    Como presidente da Associação de Criadores de Suínos da Dinamarca, ele tinha conquistado vários oponentes, quando não inimigos diretos. Por muitos anos, ele havia vindo a público com o mais típico exemplo de lobismo implacável e cego do país. Com meias verdades e inversões retóricas, ele tinha lutado pelos interesses de seu setor. Sua forma de debate, frequentemente mostrada na televisão, no rádio e na mídia impressa, era agressiva e populista, aproveitando-se de mentiras e táticas de opressão. Como um dos maiores suinocultores do país, ele estava constantemente na linha de fogo. Muitos se lembravam – mesmo após vários anos – de sua participação em um programa de TV no qual ele humilhou e ridicularizou ativistas ambientais e cientistas que alertavam contra os perigos da doença MRSA, que ameaçava lançar uma bomba sobre o tratamento com antibióticos não apenas no país, mas na maior parte do mundo. Ele encerrou o debate abandonando o estúdio em fúria, com uma arrogante observação sobre saber mais que aqueles estudantes e leitores de jornais de esquerda.

    ––––––––

    Naqueles anos, cada vez mais cidadãos se davam conta de que as práticas agropecuárias atuais se distanciavam muito do que eles haviam aprendido na escola. Ao mesmo tempo que uma porcentagem ainda pequena do PIB do país vinha do setor agrário, a atividade tinha passado a utilizar métodos puramente industriais. Os produtores agropecuários (não era mais de bom tom usar o termo fazendeiros) referiam-se a seus animais como unidades de produção e os tratavam de acordo. Lagos, rios e fiordes eram poluídos por fertilizantes e toxinas que escoavam das terras em que se desenvolvia a atividade agropecuária. Bem-estar animal havia se tornado um conceito desconhecido. A agropecuária comportava-se como dona do país inteiro, a quem se devia compensação econômica até mesmo pela mais simples e natural das ações. No geral, os fazendeiros passaram a figurar como a classe mais gananciosa e implacável do país. Por Deus, como aqueles salvadores da natureza, veganas histéricas e hippies aposentados poderiam ter razão? Ele próprio havia criado porcos durante todos aqueles anos sem adoecer um dia sequer! Estariam suas convicções e interesses envolvidos na morte tão precoce de sua amada filha? Não podia ser verdade. Pensamentos confusos corriam pela mente de Knud E quando ele, no crepúsculo, seguiu para casa.

    ––––––––

    BACTÉRIAS

    QUINTA-FEIRA, 09 DE NOVEMBRO

    No mês seguinte, os funcionários da fazenda mal conseguiram entrar em contato com seu chefe. Ele ordenou que o próximo na linha hierárquica encontrasse e contratasse uma pessoa que pudesse assumir as funções de Gitta.

    E todos os cavalos da propriedade deveriam ser vendidos.

    E ele também deu ordens para não ser incomodado, qualquer que fosse o problema; ele estava pensando! E foi isso o que fez. Todos os dias, fizesse chuva ou sol, ele seguia até o túmulo de Gitta, onde passava um longo tempo sentado no banco, em silêncio, olhando para o vazio. Seu corpo ou seu rosto não denunciavam o que se passava em sua mente. Os empregados da fazenda murmuravam, perguntando se ele tinha enlouquecido de pura tristeza. Não tinha. Pelo contrário, do alto de sua idade – 74 anos – ele tinha começado a fazer planos para o futuro.

    Por um curto tempo, ele pensou em largar tudo, renunciar a todos os cargos, estabelecer um fundo para cuidar da administração da propriedade e se aposentar, mas mudou rapidamente de ideia. Seu típico senso de dever lhe dizia que ele precisava corrigir as falhas graves e fatais que havia cometido. Para isso, precisaria de todas as plataformas, redes de contato e cargos de poder que tivesse à sua disposição. Sua primeira decisão tinha sido nunca mais participar de debates sobre o uso de medicamentos e produtos químicos no setor agropecuário. Ele nunca mais se pronunciaria sobre MRSA. Havia outros que estavam prontos para assumir esse papel, e apenas uns poucos fanáticos estranhariam o sumiço de Knud E.

    Em vez disso, ele deu início a um projeto totalmente diferente: ele era presidente do conselho administrativo da produtora farmacêutica SanoDan, que tinha escritórios, unidades de pesquisa e fábricas em quatro continentes. A sede, entretanto, ainda ficava em Sletved, a cerca de cinquenta quilômetros ao sul de Haubjerg, onde trabalhavam mais de três mil funcionários. Ali também aconteciam as reuniões do conselho administrativo.

    Uma das mais secretas unidades de pesquisa tinha Lars Krebs como chefe. Lars era filho de um dos amigos dos tempos de internato de Knud E, que falecera tragicamente em um acidente com seu avião particular quando Lars ainda era garoto. Os quarenta pesquisadores internacionais de Lars Krebs trabalhavam, entre outras coisas, com o desenvolvimento de imunologia. Era impossível prever se a SanoDan teria algum lucro na área, mas quem sabia? A cada ano, Lars Krebs era convidado para as famosas caçadas na fazenda Tranedal, mas desde que Knud E se destacara em sua campanha contra os críticos da MRSA, tinha declinado cada convite. Em uma noite de novembro escura e chuvosa, Knud E ligou para Lars Krebs, cuja voz evidenciava a surpresa.

    Nada de muita conversa pelo telefone. Você poderia vir conversar pessoalmente?

    É claro!

    ––––––––

    Foi o próprio Knud E que abriu a pesada porta da sede e conduziu Lars Krebs ao grande hall de entrada. Os dois homens se cumprimentaram com um aperto de mão firme e contato visual intenso.

    No salão de cavalheiros, Knud E preparou duas doses de um conhaque raro. Eles se sentaram nas fundas e gastas poltronas Chesterfield, sob os troféus de caça empalhados, e se permitiram desfrutar do aroma e do precioso primeiro gole. A lareira estava acesa, e o cão de caça Lucky aproveitava, deitado, o calor.

    Lars Krebs tinha cinquenta e poucos anos, era miúdo, quase completamente calvo e usava óculos. Tinha um hábito irritante de limpar a garganta diversas vezes antes de falar. Era casado e tinha duas filhas no final da adolescência.

    Quando Lars perdeu o pai, Knud E o ajudou economicamente com seus estudos e, posteriormente, indicou-o para um cargo no setor de pesquisa microbiológica da SanoDan. Desde então, Krebs conquistara por si próprio o bem pago e importante cargo de chefia que ocupava em uma das unidades absolutamente secretas da empresa. Os diretores não esperavam resultados lucrativos da pesquisa altamente especializada desenvolvida sob o comando de Krebs. Os biólogos e químicos da unidade haviam sido escolhidos entre os melhores do mundo e tinham praticamente liberdade total para escolher os mistérios científicos que desvendariam. Caso chegassem a resultados que pudessem ser empregados no mundo real, era bom, mas se apenas contribuíssem para maior reconhecimento acadêmico, a direção e o conselho administrativo encaravam o fato como uma obrigação natural de um empreendimento de seu tamanho e de seus decorrentes deveres junto à sociedade. Por outro lado, toda a unidade de Krebs trabalhava sob cláusulas restritas de confidencialidade. Todos no ramo farmacêutico conheciam o risco de espionagem industrial, e a SanoDan possuía um departamento inteiro dedicado a manter os futuros ovos de ouro da empresa em segredo até o momento certo para serem quebrados. Até mesmo o conselho administrativo e seu presidente, Knud E, tinham acesso apenas a informações superficiais.

    Knud E deu início à conversa.

    Sei bem, Lars, que você não gostou de minhas opiniões sobre MRSA. E tenho certeza de que também não gostou do modo como as expus. Naturalmente, percebi que parou de aceitar meus convites nos últimos anos. Não me interrompa! Sei que não compartilha de minhas opiniões e respeito isso. E senti sua falta em nossas caçadas. Você sabe que Gitta morreu, e vou lhe contar algo que é melhor que você não espalhe por aí: Gitta morreu de uma sepse causada por MRSA! Os médicos não têm dúvida, e a linhagem bacteriana é proveniente de um de nossos próprios criadouros de porcos! Não, deixe-me terminar, e então poderá falar. Desde que tomei conhecimento da causa da morte de Gitta, passei a especular como um louco, e devo admitir que abandonei completamente minhas opiniões. Estou pronto para participar da luta contra a MRSA, mas não possuo conhecimento válido em que me basear. Por isso, peço a você que me atualize quanto ao histórico e situação atual dessa praga, e por favor, em uma linguagem que um velho fazendeiro consiga entender!

    Vários minutos de silêncio se passaram antes que Krebs limpasse a garganta e dissesse:

    Meu caro Knud E, você não imagina o quanto eu sinto pela sua perda e tristeza pela morte de Gitta. Por outro lado, fico contente por você estar disposto a rever suas velhas, totalmente ignorantes e irresponsáveis opiniões. Digo isto com total conhecimento do fato de que você era um velho amigo de meu pai, que me ajudou a seguir meu caminho no mundo e que é meu superior: você tem se comportado como um idiota egoísta e cego. Agora, finalmente, podemos conversar com franqueza.

    Esqueça o passado e me ensine tudo que eu não sabia.

    ––––––––

    Durante duas horas e meia, Lars Krebs explicou a seu antigo benfeitor em que ele havia se enganado e como o mundo bacteriológico funcionava quando interesses corporativos estreitos eram esquecidos.

    "As bactérias estão em toda parte. Felizmente! Sem elas, não existiria nenhum outro ser vivo na Terra. Na verdade, o mundo das bactérias é muito diverso, existem milhões delas, de espécies totalmente diferentes. Elas são muito pequenas e não podem ser vistas a olho nu. E, ainda assim, se juntarmos todas as bactérias do mundo, elas pesam duas mil vezes mais que a humanidade inteira! Você, eu e todas as outras pessoas possuímos cerca de um quilo e meio de bactérias em nosso sistema digestivo. Talvez soe perigoso e nojento, mas não podemos sobreviver sem elas. A grande maioria das espécies de bactérias é totalmente inofensiva para nós, e muitas delas são diretamente benéficas. Algumas são necessárias para que possamos aproveitar os alimentos e produzir vitaminas vitais. Em resumo, estamos repletos de bilhões de bactérias – e esse número não é um exagero – da boca ao reto. E não há problema algum nisso, desde que elas permaneçam no sistema digestivo e não cheguem

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