O Papel do Município na Saúde da Mulher Rural:: Uma Perspectiva de Emancipação do Gênero a Partir da Ideia de Subsidiariedade, Gestão Integrada e Controle Social
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O Papel do Município na Saúde da Mulher Rural: - Adriane Medianeira Toaldo
municipal.
AGRADECIMENTOS
À Professora Pós-Dra. Marli da Costa, que incentivou os alunos a produzirem trabalhos de porte como resultado dos debates e leituras orientados na Disciplina de Políticas Públicas de Gênero. A partir de sua intervenção, foi possível desconstruir um conjunto de paradigmas que estão presentes na educação das famílias contemporâneas sobre os papéis do homem e da mulher.
Aos demais professores da UNISC, cujos debates em suas disciplinas consolidaram este trabalho.
Aos colegas do Doutorado em Direito da UNISC, que souberam dialogar com maestria sobre o tema, colaborando para o aprofundamento das questões de gênero e das políticas públicas.
PREFÁCIO
A construção desta obra intitulada O Papel do Município na Saúde da Mulher Rural: Uma Perspectiva de Emancipação do Gênero a Partir da Ideia de Subsidiariedade, Gestão Integrada e Controle Social
é resultado do trabalho de quatro longos anos de dedicação da Dra. Adriane Toaldo para concluir sua Tese de Doutorado na Universidade de Santa Cruz do Sul – UNISC. Este trabalho é uma confluência de várias reflexões sobre o papel do município na implementação de uma gestão integrada e de controle social, com base no princípio da subsidiariedade, objetivando melhorar problemas atinentes a saúde da mulher rural no Brasil. A autora trabalha num primeiro momento, questões relacionadas a construção da identidade feminina no meio rural, sobre os movimentos feministas e a organização das trabalhadoras rurais em um espaço cada vez mais integrado com o meio urbano, considerando-se que as distinções existentes entre estes dois ambientes estão desaparecendo, devido a interações econômicas e sociais proporcionadas pela globalização e pelas novas tecnologias que possibilitam também, uma nova forma de organização da produção entre o campo e a cidade.
Posteriormente, a autora aborda as diretrizes do Sistema Único de Saúde brasileiro e evidencia as contradições existentes entre o estabelecido na legislação oficial, e as dificuldades enfrentadas no dia a dia pelos indivíduos que necessitam de atendimento. Nesse contexto observa que o acesso à saúde da mulher rural, enquanto política pública de efetivação dos direitos de cidadania, não está sendo realizado de acordo com os preceitos constitucionais da dignidade humana e de garantia aos direitos fundamentais. Os motivos são vários, como por exemplo, o restrito número de unidades de saúde implementadas para atender o excesso de demanda advinda da falta de políticas públicas garantidoras dos direitos sociais, conforme estabelecido na Constituição Federal e 1988. Por outro lado, questiona: Como garantir os direitos sociais básicos em um País que dispõe de um dos piores sistemas de educação do mundo e que tem problemas de habitação, principalmente, se considerarmos que apenas 45% do esgoto do país é tratado? (segundo dados do Sistema Nacional de informações sobre Saneamento (SNIS), referente ao ano de 2016). O saneamento ultrapassa a questão social porque possui relação com a saúde pública, o meio ambiente e a economia de um país.
Na terceira parte da obra a autora nos apresenta com muita clareza e eficiência questões relevantes sobre o papel do município na promoção da saúde da mulher rural, a partir da ideia de subsidiariedade e do fortalecimento do poder local, por ser neste espaço que as pessoas convivem e enfrentam seus problemas. Adverte também, sobre a necessidade da implementação de políticas públicas de saúde para a mulher rural que não dependam de uma estrutura hierarquizada como ocorre atualmente. O município fica à espera do repasse de recursos da União e dos Estados e das decisões sobre políticas públicas de saúde que serão implementadas.
Sendo assim, recomendo a todos a leitura dessa obra, considerando que a mesma nos fala com muita clareza e eficiência sobre um dos temas mais relevantes da vida humana que é a saúde. O presente estudo revela as contradições existentes entre o arcabouço jurídico de proteção aos direitos da mulher e a prática nas ações de saúde voltadas para as mulheres rurais nos serviços públicos de saúde no País, na medida em que suas necessidades específicas acabam não sendo incorporadas nem mesmo nos serviços públicos oferecidos em sua própria comunidade. De acordo com os critérios estabelecidos pelo SUS, para que haja uma diminuição das desigualdades sociais deve haver uma maior articulação na informação, prevenção, educação, integralidade e participação com controle social na política de saúde. É necessário que o SUS reconheça a necessidade de articulação entre gênero e saúde da mulher. Cabe ao Ministério da Saúde e demais esferas de gestão do Sistema Único de Saúde, a implementação de Políticas Públicas de Promoção da Igualdade, objetivando diminuir as vulnerabilidades das mulheres rurais, levando-se em conta que sua possibilidade de acesso a determinados recursos é infinitamente mais escassa em relação as mulheres urbanas.
A saúde é um direito fundamental básico do cidadão, portanto, é dever da União, dos Estados e dos municípios garanti-la como um bem público e direito de todos. É necessário que a comunidade onde a mulher rural está inserida faça uma reflexão sobre a importância do trabalho que a mesma desenvolve e o quanto suas atividades contribuem para o desenvolvimento do espaço local. Nesse contexto, é a própria comunidade que deve organizar-se no sentido de reivindicar seus direitos. Não é possível pensar o desenvolvimento rural sem a participação da mulher, porque ela desempenha um papel estratégico nos cuidados da família, e frente as responsabilidades políticas e de participação nas decisões da comunidade. Cabe ao Estado na condição de provedor dos direitos e garantias fundamentais da população, resolver as demandas que lhe são solicitadas de forma célere e equilibrada, com apoio do município. Por outro lado, cabe aos cidadãos, exercerem a função de sugerir as políticas públicas e acompanhá-las em sua construção, execução e avaliação.
Desejo a todos uma boa leitura.
Profª. Pós-Dra. Marli M. da Costa
Pós-Doutora em Direito pela Universidade de Burgos - Espanha.
Professora do Programa de Pós-Graduação em Direito - Mestrado e
Doutorado - da Universidade de Santa Cruz do Sul -
UNISC, Santa Cruz do Sul, RS.
APRESENTAÇÃO
Este livro teve origem na disciplina de Políticas Públicas de Gênero do Doutorado em Direito da Universidade de Santa Cruz do Sul (UNISC), coordenado pela Prof.ª Dra. Marli Marlene da Costa, em seminários que aprofundaram a questão de gênero dentro das ações a serem promovidas pelo Estado Democrático de Direito.
Embora haja algumas contestações a respeito desta linha de pensamento, indiscutivelmente a categoria gênero abriu um novo patamar de estudos das relações humanas ao centrar sua observação nas relações estabelecidas entre e para o homem e a mulher durante toda a história humana. Os estereótipos e os papéis atribuídos a cada um dos sexos configuraram a divisão de responsabilidades, de trabalho, de status social e de perspectiva em todas as áreas do conhecimento. E, no momento em que a legislação brasileira estipula a igualdade de direitos entre o homem e a mulher, os estudos de gênero ganham importância ao afirmarem a emancipação feminina e novos paradigmas para a atuação masculina.
O presente livro procurou situar o debate sobre gênero no meio rural, na mulher camponesa e na sua possibilidade de redefinir os caminhos de sua inserção no meio rural a partir de um elemento básico para sua existência, o direito social à saúde, alicerçado na ideia de uma oferta local, no município, que constitui um lócus privilegiado de atuação do Estado.
O Estado Democrático de Direito, instituído pela Constituição Federal de 1988, tem como premissa básica a dignidade da pessoa humana, fundamento que legitima um conjunto de direitos do cidadão e dever do Estado. Entende-se que este tipo de Estado foi criado para beneficiar o cidadão em suas demandas, ofertando um conjunto de serviços que permitam ao mesmo viver com qualidade. Assim, elencou-se um conjunto de direitos sociais fundamentais sem os quais não é possível falar na dignidade proposta pela Carta Magna.
Entre esses direitos, está o de ter saúde de qualidade, que deverá ser ofertado pelo Estado na forma de ações de promoção e prevenção à saúde, através de uma rede de atendimento que ofereça desde a atenção básica até os procedimentos da medicina mais avançada.
Como desdobramento dos preceitos constitucionais, foi criado no Brasil o Sistema Único de Saúde - SUS, que universalizou o atendimento à toda a população. Este sistema está organizado em conjunto que envolve a União, os Estados, o Distrito Federal e os municípios, com o dever de oferecer assistência de saúde a todos os cidadãos, independentemente de seu poder aquisitivo, etnia, gênero ou opção sexual. Assim, todo cidadão que necessitar de atendimento em saúde deveria ter à sua disposição os recursos necessários para ser bem atendido e poder voltar às suas atividades normais. Para garantir este direito à saúde, diversas normativas estabeleceram o modo de funcionamento do SUS e as contrapartidas financeiras que os entes federados deveriam oferecer para a questão da saúde.
No entanto, sabe-se que oferecer saúde para todos como um direito do cidadão e dever do Estado, como preceitua o art. 196 da Constituição Federal, exige um reordenamento da maneira como está organizado o Sistema Único de Saúde. Algumas ações já foram realizadas, como o Humaniza SUS, programa de qualidade que visa tornar o atendimento mais humanizado e particularizado, olhando o paciente como um ser único em suas necessidades, visualizando-se que do outro lado do balcão não está uma máquina a ser arrumada, mas uma pessoa, com sentimentos, desejos e necessidades, que está passando por um momento difícil em sua vida e que precisa do máximo de apoio que os profissionais de saúde podem oferecer. O Humaniza SUS também alterou a forma como esses profissionais têm sido formados, pois a destreza e o conhecimento técnico passaram ter importância tanto quanto a forma de lidar com os pacientes.
O problema maior tem sido a demanda, pois ao universalizar o acesso à saúde o Estado não conseguiu aumentar, na mesma proporção, o número de unidades de saúde para atender a esta crescente necessidade. Soma-se a isso o fato de que a saúde tem sido o desaguadouro natural da falta de direitos sociais não assegurados pela Carta Magna, uma vez que a falta de moradias decentes, de saneamento adequado, de um salário digno, de educação precária e do não acesso à informação, tem gerado uma população doente que chega às unidades de saúde em grande quantidade. Se houvesse políticas públicas eficientes nestes outros setores, como ações paralelas de prevenção e promoção à saúde, com certeza diminuiria em muito a procura e evitaria a superlotação.
Somado a isso, tem-se o fato de que a estrutura de atendimento à saúde continua centralizada, apesar da afirmação de que o município possui a competência necessária para gerir a saúde da população local. O fato de haver uma estrutura hierárquica a partir da União e dos Estados, faz com que o poder local fique dependente do repasse de recursos e das decisões sobre políticas públicas de saúde que vêm de cima para baixo. No entanto, é preciso reafirmar a ideia de que é no espaço local que se tem consciência dos verdadeiros problemas, sendo, portanto, o terreno mais fértil para encontrar soluções, unindo os esforços do poder público e da comunidade.
E se a situação não tem garantido os direitos sociais fundamentais para o meio urbano, o que dizer do meio rural, onde o acesso às políticas públicas de saúde é ainda mais precário. Somente após muita luta e organização é que o trabalhador rural passou a garantir os mesmos benefícios que os trabalhadores da cidade. E não faz muito tempo que as mulheres rurais alcançaram estes direitos, fruto da condição de igualdade estabelecida na Constituição.
O presente trabalho tem como objetivo analisar a situação da saúde da mulher rural, a partir de uma ótica de inversão da organização de saúde no Brasil, aplicando-se o princípio da subsidiariedade como lógica para o fortalecimento do poder local. A partir deste raciocínio, seria possível efetivar políticas públicas de saúde que atendessem o gênero feminino no meio rural.
Para tanto, este trabalho está dividido em três capítulos. O primeiro analisa a construção da identidade feminina no meio rural, procurando entender como o gênero se afirmou na formação da família camponesa. Inicialmente, são realizadas algumas ponderações sobre a categoria gênero como condição para entender as especificidades da formação do pensamento e ação femininos. Embora muito do que se diga sobre as mulheres pertença ao mundo masculino, há uma série de particularidades que precisam ser assimiladas para que a mulher encontre seu próprio caminho na sociedade. A segunda parte deste capítulo analisa a situação em que a mulher se encontra no meio rural, na sua relação com os demais membros da família, com o trabalho e com a sociedade do campo. Aqui os estudos objetivam entender qual é a real situação da mulher que vive e trabalha no meio rural. O terceiro ponto levantado neste capítulo diz respeito ao movimento feminista e à organização das trabalhadoras rurais, enfocando a luta que essas têm realizado no sentido de alcançar seus direitos enquanto mulheres e trabalhadoras rurais. Neste aspecto, é realizado