City Brand: Reflections and Proposals for Building and Managing City Brands;: Rio de Janeiro Case Study
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City Brand - Patrícia Cerqueira Reis
Editora Appris Ltda.
1ª Edição - Copyright© 2018 dos autores
Direitos de Edição Reservados à Editora Appris Ltda.
Nenhuma parte desta obra poderá ser utilizada indevidamente, sem estar de acordo com a Lei nº 9.610/98.
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Foi feito o Depósito Legal na Fundação Biblioteca Nacional, de acordo com as Leis nºs 10.994, de 14/12/2004 e 12.192, de 14/01/2010.
COMITÊ CIENTÍFICO DA COLEÇÃO CIÊNCIAS DA COMUNICAÇÃO
www.paulobarbosa.com.br
À minha família, pela paciência, apoio e compreensão das muitas
ausências durante o longo período de elaboração deste trabalho.
Em especial, à minha mãe, companheira inseparável nos momentos bons,
mas principalmente um ombro forte e solidário naqueles mais difíceis.
Ao meu pai (in memoriam) por tudo.
Agradecimentos
Ao Prof. Dr. Carlos Alberto Messeder, pelas críticas, orientações, ensinamentos e inspirações, levando-me a questionar tudo cada vez mais, sempre com muita atenção e carinho. Obrigada pelas longas tardes de papo e pelo café sempre pronto.
Ao Prof. Dr. Paulo Nassar, por ter me acolhido na USP, pelos desafios propostos de forma atenciosa e por me apresentar o mundo das narrativas, descortinando novos caminhos para o meu pensamento. Obrigada por sempre me receber com um sorriso e um abraço acolhedor.
Aos professores Clotilde Perez, Luiz Alberto de Farias e Ricardo Sennes, pelas valiosas contribuições que permitiram a finalização do trabalho e a elaboração deste livro.
À diretoria e coordenações acadêmicas da ESPM Rio, pelo apoio durante todo o processo.
Prefácio
A marca como narrativa de cidade
Nos dias atuais, a marca é um conceito que se distancia cada vez mais do terreno estritamente mercadológico e se aproxima do terreno do vivido, das pessoas. Esse fato se impõe de maneira cabal quando a marca tem como referência as geografias de países, cidades e aldeias. Onde houver pessoas – suas histórias, suas culturas, seus sonhos e esperanças –, as marcas devem de muitas formas significá-las. Esse é o recado enviado pelo livro A marca da cidade: Reflexões e proposições para a construção de marcas de cidade – o caso do Rio de Janeiro, da Patrícia Cerqueira Reis, doutora pela Escola de Comunicações de Artes, da Universidade de São Paulo (ECA-USP), integrante do Grupo de Estudos de Novas Narrativas (GENN ECA-USP), pesquisadora e docente da Escola de Propaganda e Marketing (ESPM Rio). O livro é um dos frutos saborosos de sua pesquisa de doutorado, Rio de Janeiro, uma cidade global? Uma reflexão sobre a marca Rio, orientada por mim, entre os anos 2012 e 2016, dentro do Programa de Pós-Graduação em Ciências da Comunicação da ECA/USP (PPGCOM- ECA/USP).
No livro de Patrícia Cerqueira Reis, a ideia de marca de território, especificamente de marca de cidade, está alicerçada na constatação de que as narrativas das grandes cidades brasileiras, entre elas o Rio de Janeiro, estão inseridas no mercado global de marcas de cidade, disputando recursos escassos, como o capital financeiro, entre outros. Trata-se de uma luta que, para ser vencida, exige que as marcas de territórios sejam bem construídas em toda a sua potência atrativa, principalmente para aqueles que estão gerando projetos, empreendimentos e riquezas em áreas destacadas por Patrícia em seu estudo, entre elas as indústrias de energia (petróleo e gás), a criativa (produção audiovisual e eventos), a de tecnologia da informação e inovação científica, a de hotelaria e turismo, a da indústria imobiliária e da construção civil e de call center e de serviços compartilhados, fundamentais para o desenvolvimento do Rio de Janeiro.
Como bem destacado pela pesquisadora dentro do desenvolvimento de uma narratologia contemporânea, deseja-se que a marca de cidade, quando humanizada, contribua também em seus discursos para o desenvolvimento da cidadania e o estabelecimento da vivência plena do espaço urbano por meio da construção de espaços de convivência, de comensalidade, de celebração que, no caso carioca, fazem parte de seu estilo de vida, de sua simpatia e de sua autoestima. Nas perspectivas humanizadas ou dos negócios, o Rio de Janeiro, historicamente, tem adicionado às formas como quer ser percebido elementos tradicionais, reais e muitas vezes estereotipados, como o samba, a bossa-nova, o futebol, as praias, as montanhas belíssimas e o carnaval.
Conforme reflete a autora, no processo de construção de marca de cidade, com objetivos claros de atração de capital, é preciso considerar as contranarrativas que destacam o Brasil como lugar de desigualdade, violência, exclusão social e econômica, corrupção e instabilidade jurídica e política. Os fatos gerados por essas mazelas circulam destacadamente em meios digitais na forma de narrativas geradas pelos grandes formadores institucionais de opinião, nacionais e internacionais, e de milhões de pessoas a partir de suas experiências como cidadãos locais, turistas ou como trabalhadores que fazem parte das cadeias globais de produção. Essas contranarrativas se impõem e se consolidam em um contexto em que o Estado e o governo brasileiro não tratam as questões ligadas ao simbólico do país – identidade, imagem, reputação e projeção de seus intangíveis – como processos estratégicos, inclusive geradores de valor social e econômico.
No quadro das discussões sobre a narrativa do Brasil, de suas cidades, de seus lugares e de sua gente desenvolvidas nos ambientes acadêmicos e da sociedade, a professora doutora Patrícia Cerqueira Reis inseriu sua pesquisa, produtora deste livro, sobre a construção da marca Rio. É um trabalho de relevância científica e cidadã, na medida em que reuniu um imenso conjunto de informações e discussões conceituais sobre as relações entre comunicação e território, e tem provocado no âmbito da sociedade um despertar responsável sobre esse tema.
Autores como Saskia Sassen, Milton Santos, André Urani, Joseph Chias, Philip Kotler, Stefano Rolando, Simon Anholt, dentre outros, foram arrolados para consolidarem as reflexões e propostas de Patrícia Cerqueira Reis sobre a construção e o futuro das marcas de cidades. Os principais mecanismos contemporâneos de análise de marca de país e de cidade foram utilizados na observação do processo do surgimento da Rio, entre eles, o Country and City RepTrak Pulse, do Reputation Institute, o City Brand Barometer, da Saffron, e o City in Motion Index, da Escola de Negócios (Iese) da Universidade de Navarra.
Em sua pesquisa, Patrícia Cerqueira Reis entrevistou os principais formuladores de políticas públicas voltadas para a cidade do Rio de Janeiro, examinou a performance do então prefeito Eduardo Paes como gestor e comunicador do processo de construção da marca da cidade no contexto de grandes eventos, como a Jornada Mundial da Juventude em 2013, a Copa do Mundo em 2014 e as Olímpiadas em 2016. Selecionou os principais programas estruturantes da marca Rio, suas mensagens e circulação no ambiente digital, além de proceder à análise desses programas junto aos net-ativistas. Entre os diversos resultados desse processo de pesquisa, são também destacáveis as diretrizes que a autora propõe para a construção de uma marca de cidade, como elemento de articulação democrática que não pode ser feita sem o envolvimento e a participação da sociedade. Essa pesquisa, que se consolida agora em um livro, por certo, originará incontáveis processos argumentativos a favor das causas transformadoras de nossas cidades e nosso país em territórios de inclusão, liberdade e igualdade.
Paulo Nassar
Professor Livre-Docente da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo, integra o Programa de Pós-Graduação em Ciências da Comunicação da ECA/USP (PPGCOM – ECA/USP), coordena o Grupo de Estudos de Novas Narrativas (GENN ECA-USP), e é diretor da Associação Brasileira de Comunicação Empresarial (Aberje).
Sumário
Por que falar de marca de cidade?
Estudos sobre cidades globais e marketing territorial
Cidades globais e identidades locais
Marketing territorial
Outros pontos de vista sobre as cidades globais e o marketing territorial
O Rio de Janeiro e seus planejamentos estratégicos
Um pouco de história
Uma cidade em transformação em 2007
Os planos estratégicos da cidade do Rio de Janeiro até 2016
Estudos sobre planejamentos estratégicos participativos
Administração pública societal ou gerencial
Mecanismos de participação e comunicação
O Rio de Janeiro e a gestão participativa
Processo participativo nos planejamentos estratégicos do Rio de Janeiro de 2009-2012
e de 2013-2016
A participação dos movimentos sociais
A participação da academia
Por uma gestão mais participativa para a marca da cidadE
Diretrizes para uma gestão mais participativa no planejamento e construção da marca da cidade
Diretrizes para o mapeamento dos stakeholders da marca da cidade
Estudos sobre marca
Do marketing territorial à marca da cidade
Elementos de marca: identidade, imagem e reputação
A contribuição do sistema de identidade de marcas de Aaker
A contribuição da semiótica
Estudos existentes sobre marcas de cidades
Hexágono de Anholt
Country e City RepTrak Pulse
City Brand Barometer
Cities in Motion Index
Estudo de Mihalis Kavaratzis
As cidades de consumo e as cidades inteligentes como exemplo de categorização de cidades.
Por um Composto da Marca de Cidade: a esfera da identidade
Lacunas conceituais para a proposição do Composto da Marca de Cidade
A esfera da identidade da marca da cidade
As Evidências Físicas
Dimensão Produtiva
Dimensão Política
Dimensão Histórico-Cultural
As Evidências Simbólicas
Dimensão dos Atributos Intangíveis
Dimensão das Conexões com o Lugar
Dimensão das Potencialidades
O Sistema de Hierarquias das Marcas de Cidade
O caso Colômbia
Contribuições para um sistema de hierarquia da marca de cidade
A construção da identidade da marca Rio
As diretrizes para a marca Rio no planejamento estratégico da cidade
A identidade da marca Rio na fala do poder público municipal
A identidade da marca Rio na fala dos movimentos sociais
A aplicação do Composto da Marca de Cidade no caso da marca Rio
Norteadores da gestão da marca Rio
Estudos sobre imagens da marca e gestão da comunicação
A imagem da marca de cidade
Da comunicação às narrativas da marca de cidade
Cultura da convergência de meios
Cidades, meios e narrativas: as metrópoles comunicacionais
Por um Composto da Marca de Cidade: as esferas da comunicação e da imagem
Sobre a imagem da marca de cidade
Sobre a Dimensão Comunicacional da marca de cidade
As narrativas da marca de cidade
Os tipos de comunicação da marca de cidade
A Dimensão Comunicacional no caso da marca Rio
Comunicação de Engajamento
Narrativas de engajamento promovido pelo governo
Narrativas de engajamento promovido pelos movimentos sociais
Narrativas de engajamento promovido pelas redes sociais
Comunicação de Serviços Públicos
Narrativas sobre os serviços públicos permanentes
Narrativas sobre os serviços públicos pontuais
Comunicação de Novos Negócios
Narrativas sobre a atração de investidores
Narrativas sobre a indústria do turismo
Narrativas sobre os negócios locais
Comunicação de Visibilidade Internacional
Narrativas sobre as atividades internacionais do governo municipal
Narrativas sobre os eventos sediados na cidade
Comunicação de Opinião Pública
Narrativas jornalísticas
Pelo olhar do cariocA
Um projeto para legado
Educação
Ginásios Experimentais Olímpicos (GEO)
Naves do Conhecimento
Construção de escolas
Infraestrutura
Controle de enchentes na grande tijuca
Duplicação do Elevado do Joá
Centro de Operações Rio (COR)
Central 1746
Centro Integrado de Comando e Controle (CICC)
Meio ambiente
Saneamento da zona oeste
Centro de Tratamento de Resíduo (CTC Rio)
Parque Nelson Mandela
Reabilitação ambiental da Bacia de Jacarepaguá
Mobilidade
BRT Transoeste
BRT Transcarioca
BRT Transolímpica
Veículo Leve Sobre Trilhos (VLT)
Linha 4 do Metrô
Ciclovias
Requalificação urbana e desenvolvimento social
Porto Maravilha
Marina da Glória
Parque Olímpico
Entorno do Parque Olímpico
Entorno do Maracanã
Entorno do Estádio Olímpico Newton Santos (Engenhão)
Entorno de Deodoro
Bairro Maravilha
Morar Carioca
Parque Madureira
Parque dos Atletas
Rotas acessíveis
Academias ao ar livre
Saúde
Novas unidades
Renovação do Parque Tecnológico do Hospital Municipal Souza Aguiar
Ações de promoção da saúde
Turismo
Expansão da rede hoteleira
Ampliação do Sambódromo
Legado esportivo
Laboratório Brasileiro de Controle de Dopagem
Fomento ao esporte
Estruturas nômades
Arena Carioca 1
Arena Carioca 2
Arena Carioca 3
Centro de tênis
Velódromo
Arena do Futuro
Estádio Aquático
Estádio Maria Lenk
Arena Rio
Campo de golfe
Riocentro
Vila dos Atletas
Estádio Olímpico Newton Santos (Engenhão)
Parque Radical de Deodoro
Estruturas temporárias em pontos turísticos da zona sul
Desenvolvimento econômico
Rio Comércio Justo
Oportunidades de negócios
Economia da cidade
Programas de Educação, Cultura e Sustentabilidade dos Jogos Rio 2016
O programa de educação dos Jogos Rio 2016
O programa de cultura dos Jogos Rio 2016
O programa de sustentabilidade dos Jogos Rio 2016
Conclusões
Conclusões sobre o estudo de caso da marca Rio
Conclusões conceituais
índice de tabelas e figuras
REFERÊNCIAS
Por que falar de marca de cidade?
Escreve sobre a tua aldeia e estará falando do universo.
Liev Tolstói
Muito se discute sobre os efeitos da globalização, e este livro não pretende se somar a tantos estudos que já foram feitos sobre o tema. Entretanto não é possível falar sobre cidades – e muito menos sobre suas marcas – sem delimitar a partir de que ponto iniciaremos essa jornada.
O primeiro passo foi incorporar que a aceleração dos processos de troca de informações reforçada pelo incremento da tecnologia de comunicação reduziu as fronteiras, aproximou os lugares e conectou pessoas, proporcionando às regiões mais remotas do planeta acesso à rede de computadores conectados pela internet. De início, discutiu-se que tal aproximação levaria as regiões a perder suas singularidades e a homogeneizar suas identidades. O crescimento em escala mundial de consultorias e agências de fomento internacionais que orientam as gestões públicas, principalmente fora do eixo Europa-América do Norte, reforçou essa crença. Nos países que foram sede de grandes eventos esportivos, é possível ver, por exemplo, a padronização dos estádios aos formatos preestabelecidos pela Fédération Internationale de Football Association (Fifa) e pelo Comitê Olímpico Internacional (COI), assim como na arquitetura urbana prédios cada vez mais altos, espelhados e pontes estaiadas fazem parte das muitas recomendações feitas por consultores internacionais para demonstrar ao mundo o alinhamento desses lugares com as grandes metrópoles. Modelos de mobilidade urbana que descaracterizam o lugar muitas vezes são selecionados por representarem a modernidade dos transportes. Comunidades são removidas e realocadas, minimizando a importância de suas origens históricas e a cultura ali existente. Com projetos estruturados para o cumprimento dos prazos da gestão pública, as consultorias acabam reforçando certa homogeneização urbana e urbanística¹.
Entretanto a evolução do debate sobre as relações que se estabelecem no lugar, suas conexões e trocas com o global mostrou que não existe uma relação de oposição entre essas duas dimensões – local e global. Pelo contrário! São as singularidades, os valores culturais e as vocações locais que inserem o lugar no contexto global de forma interessante e atraente.
A oposição existe, sim, entre a gestão pública orientada por modelos internacionais de planejamento estratégico e os desafios do dia a dia das pessoas que vivem o lugar – ou, ainda, entre as proposições das empresas relacionadas com os projetos de gestão urbana e os movimentos da sociedade civil organizada sobre a importância da preservação social e cultural e do fortalecimento da identidade local.
Mas por que um livro sobre marca e não sobre singularidade e identidade do lugar?
Um dos aspectos a se considerar na busca dessa resposta é a diferença dos conceitos marca e logomarca. A marca é o conceito estruturante e de gestão que servirá de referência para a elaboração da logomarca que, por sua vez, é a representação gráfica que identifica uma marca. Em geral, reconhecemos a logomarca ao vermos os símbolos que representam uma marca.
11205.pngFIGURA 1 – LOGOMARCAS DE CIDADES
FONTES: Imagens disponíveis na internet².
Para se chegar à logomarca, como veremos de forma detalhada neste livro, o gestor da marca precisa estabelecer referências que formem sua identidade e incorporar dia a dia as respostas dos públicos sobre como eles a veem, ou seja, a imagem da marca. Chamamos essa dinâmica de gestão da marca (mais conhecida na expressão em inglês branding). Convencionou-se a chamar logomarca de marca, embora seja possível desenvolver proposições e estudos sobre a identidade e a imagem de uma marca sem que ela tenha sido elaborada graficamente como uma logomarca. O caso que abordaremos neste livro reflete tal possibilidade. Para o Rio de Janeiro, foram elaborados elementos formadores de sua identidade de marca, assim como foi gerida sua imagem de marca, entretanto não foi desenvolvida sua logomarca (embora diversas tentativas tenham sido e ainda sejam feitas nesse sentido).
Outro aspecto, é que a gestão das marcas de cidades (city branding) caracteriza-se por um processo contínuo de construção e reconstrução de uma identidade que insere o lugar na memória das pessoas. As experiências das pessoas somadas ao que é comunicado sobre o lugar formam as imagens da marca. Em um mundo regido pelas tecnologias de informação e comunicação, é impossível pensar em identidade de marca sem pensar em imagem, assim como pensar em imagem sem pensar em comunicação.
A expressão ‘mercado global de marcas de cidades’ é comumente utilizada para se referir a um movimento no qual os lugares passam a concorrer entre si por investimentos, turistas, novos negócios e trabalhadores qualificados. Nesse contexto, as cidades, por meio de suas marcas, são posicionadas de forma análoga às marcas de produtos ou de empresas. É reconhecido que uma cidade tem variáveis que a diferencia muito dos modelos de gestão pensados pelo marketing para as empresas. Entretanto, ambas, a meu ver, são significativamente influenciadas pela comunicação e pela construção de relacionamentos entre a marca do lugar e seus públicos.
As dimensões comunicacional e relacional da marca assumem uma função de extrema importância no contexto das marcas de cidades. Cada vez mais, todos nós podemos produzir e distribuir conteúdos, e o lugar onde se vive, trabalha ou que se quer visitar é sempre assunto de interesse. Nas mídias sociais, as pessoas se manifestam sobre as relações que estabelecem no lugar e com o lugar. Diversas narrativas são construídas e veiculadas em diferentes meios e plataformas de comunicação disponíveis. Em alguns momentos, elas se complementam; em muitos outros, são antagônicas, formando um mosaico de imagens da marca da cidade.
O quanto essas imagens resultantes do contexto comunicacional contemporâneo são incorporadas à identidade da marca da cidade? Como isso acontece? Ou, ainda, como ocorre esse processo contínuo de construção e reconstrução da identidade/imagem da marca? A marca representa as singularidades, os valores culturais e as vocações locais? Privilegia-se um modelo de gestão participativa com o qual a marca do lugar se fortalece, agregando a ela mais valor pelo envolvimento de seus variados públicos? É para melhor compreender essas questões que proponho neste livro um modelo de construção e gestão da marca de cidade – um modelo que vá além da dimensão da promoção (tradução do "P de promotion³" do mix de marketing) e do design da logomarca, e que torne a marca um elemento articulador das relações que se estabelecem entre as pessoas e com o lugar por ela ser aderente à realidade física e por ser representativa do universo simbólico da cidade.
A fim de aplicar o modelo proposto, optei por estudar o caso da cidade do Rio de Janeiro, que passou por um profundo processo de transformação entre 2007 e 2016. A série de eventos internacionais que o Rio sediou nesse período, com destaque para as Olimpíadas e Paralimpíadas Rio 2016, segundo o prefeito do Rio de Janeiro na época, Eduardo Paes, foi uma ótima oportunidade para transformar a cidade e ampliar a visibilidade e competitividade do Rio de Janeiro. Como será visto no decorrer deste livro, a cidade que o Rio apresentava para seus moradores, visitantes e investidores até o final da primeira década de 2000 modificou-se de forma relevante, principalmente nos aspectos urbanísticos e de mobilidade. A pesquisa identificou, no período de 2009 a 2016, um esforço da gestão pública e da sociedade civil organizada também de transformação do comportamento do carioca. Esse movimento visou a inserir o Rio de Janeiro em um mercado global de marcas de cidades que passam a competir entre si por investimentos, turistas, talentos e que têm os grandes eventos mundiais como elemento catalisador.
Sobre a marca Rio, assim como ocorre com outras marcas, foram construídas diversas narrativas, formando um mosaico de imagens nos diferentes públicos que se relacionam com a cidade. Esses, por sua vez, incorporam a marca às suas próprias narrativas, construindo e reconstruindo a identidade da marca da cidade. O Rio de Janeiro foi gerido principalmente no período de 2009 a 2016 como uma marca de cidade com uma identidade proposta pelo poder público municipal e que seguiu as orientações dos modelos de planejamento estratégico para promoção do lugar internacionalmente⁴. Os mecanismos de construção da identidade da marca Rio em muitos aspectos nos levaram a crer que seguiram modelos ditados por consultorias e agências de fomento internacionais que, de certa forma, padronizam e homogeneízam aspectos urbanos, alterando a urbanidade da cidade. Assim, como poderá ser visto nos próximos capítulos, muitas vezes a identidade proposta pelo poder público foi reforçada e em outras entrou em conflito com a imagem que se desencadeia da vivência das pessoas no dia a dia na cidade.
Para dar conta da complexidade do tema e do caso escolhido para ser estudado, assim como correlacionar conceitos que compõem a base teórica de um estudo desta natureza⁵, este livro está organizado da seguinte forma:
• Quatro capítulos relacionados às bases teóricas e recortes conceituais que referenciam e delimitam as proposições e as análises do estudo de caso. São eles:
* Estudos sobre cidades globais e marketing territorial.
* Estudos sobre planejamentos estratégicos participativos.
* Estudos sobre marcas.
* Estudos sobre imagens da marca e gestão da comunicação.
• Três capítulos de proposições conceituais e de diretrizes a partir das lacunas encontradas nas bases teóricas apresentadas. Por se tratar de uma metodologia de estudo de casos, naturalmente, o limite entre a inspiração de base exclusivamente teórica e as baseadas nas constatações que o estudo do caso ia apresentando no decorrer da pesquisa se tornou uma linha tênue em alguns momentos. As propostas e diretrizes que desenvolvi estão nos capítulos:
* Por uma gestão mais participativa para a marca da cidade.
* Por um Composto da Marca de Cidade: a esfera da identidade.
* Por um Composto da Marca de Cidade: as esferas da comunicação e da imagem.
• Cinco capítulos que apresentam o estudo de caso sobre a cidade do Rio de Janeiro. Sobre as informações levantadas no estudo de caso, foram aplicadas as proposições conceituais e diretrizes, resultando nos seguintes capítulos:
* O Rio de Janeiro e seus planejamentos estratégicos.
* O Rio de Janeiro e sua gestão participativa.
* A construção da identidade da marca Rio.
* A Dimensão Comunicacional no caso da marca Rio.
* Um projeto para legado.
Este livro é uma adaptação da tese de doutorado que defendi na Escola de Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo em 2016 sob a orientação do professor Paulo Nassar. Compuseram a banca examinadora a professora Clotilde Perez, o professor Luiz Alberto de Farias, o professor Ricardo Sennes e o professor Carlos Alberto Messeder. Por se tratar de uma pesquisa acadêmica, ela requer decisões sobre as opções metodológicas adotadas. Para o estudo do caso do Rio de Janeiro, as metodologias adotadas estão demonstradas na Figura 2.
11234.pngFIGURA 2 – OPÇÕES METODOLÓGICAS UTILIZADAS
FONTE: Elaborada pela autora.
A pesquisa utilizou como estratégia o estudo de caso⁶, tendo como objeto a cidade do Rio de Janeiro e como objetivo analisar a capacidade que uma marca de cidade tem de adensar as relações que se estabelecem entre públicos e território. Para o alcance do objetivo, foram escolhidas metodologias baseadas em definições quanto aos fins aos que se destinam, quantos aos meios a serem utilizados e quanto às abordagens a serem utilizadas⁷,⁸,⁹,¹⁰.
As fontes de evidências foram coletadas por meio de:
• Entrevistas em profundidade com 15 representantes do poder público municipal, administração direta e indireta, entre janeiro e março de 2013 e entre janeiro e outubro de 2014.
• Entrevistas em profundidade com seis representantes dos movimentos sociais, entre fevereiro e março de 2014.
• Análise de 30 grupos sociais relacionados ao tema Rio de Janeiro na web (Facebook) de 2012 a 2016.
• Análise de relatórios de pesquisas, campanhas, materiais publicitários e promocionais.
• Pesquisa na internet.
• Levantamento de matérias jornalísticas (clipping de notícias) no período de 17/2/2012 a 10/12/2015 por meio do sistema de clipping do News Monitor e Google Notícias. Foram analisados 258 veículos de comunicação e analisadas 1.195 reportagens.
Os princípios da Grounded Theory¹¹ foram utilizados para o agrupamento de informações a serem categorizadas, já que o método proporciona uma forma única de perceber a emergência da teoria a partir dos dados, sendo especialmente adequado para quem estuda temáticas novas e com poucas fontes bibliográficas
¹². Já para a definição das categorias, utilizou-se a análise de conteúdo, técnica que funciona por desmembramento do texto em unidades e categorização segundo os agrupamentos analógicos, com a intenção de dar coesão aos dados
¹³.
Diferentes perspectivas são apresentadas para se pensar o território: os efeitos da globalização e a importância das singularidades locais na formação da identidade, os conceitos do marketing territorial e sua função de promover os lugares, assim como, os planejamentos urbanísticos e seu olhar desenvolvimentista. Esse capitulo delimita a abordagem a ser dada a esses conceitos e leva à análise de que, em uma sociedade tão midiática quanto a que vivemos, não é mais possível distanciar os aspectos promocionais que o marketing territorial traz dos aspectos urbanísticos e dos estudos das metrópoles. Não há antagonismo, mas complementariedade. É preciso olhar para a cidade e para a promoção de sua marca (que contextualiza e simboliza o espaço urbano) considerando que deve haver por traz dela uma gestão voltada para o desenvolvimento do lugar de forma estruturada, planejada e sustentável.
Cidades globais e identidades locais
O conceito de cidade global, ao ser elaborado por Saskia Sassen em 1991, relacionava os impactos causados sobre as metrópoles no processo de globalização da economia com as ressignificações que ocorreram nesses lugares em relação à centralidade de suas economias. Nesse contexto, empresas existentes nesses locais passaram a dispor de maior flexibilidade para escolher lugares com menor custo para suas sedes e para redistribuir suas atividades por diversos outros países. Em paralelo, identificou-se uma mudança no perfil dessas metrópoles que, em substituição às atividades industriais, passaram a sediar empresas de prestação de serviços altamente especializadas, ligadas em sua maioria ao setor financeiro e de informação, tornando-se quase sempre transnacional. Essas metrópoles, assim ressignificadas, passaram então a ser chamadas de cidades globais¹⁴.
Ao cunhar este conceito, Saskia Sassen¹⁵ considera que essas metrópoles tendem a ser identificadas como uma única área de mercado na qual se realiza o trabalho mais moderno, os serviços mais avançados e as funções de direção e de gestão que regulam e integram o sistema econômico globalizado. Seria, portanto, global a cidade que se configurasse como nó ou ponto nodal entre a economia nacional e o mercado mundial, congregando em seu território um grande número de empresas transnacionais cujas atividades econômicas se concentrem no setor de serviços especializados e de alta tecnologia em detrimento das atividades industriais. Os exemplos dessas novas geografias da centralidade seriam os grandes centros financeiros e comerciais internacionais como Nova Iorque, Londres, Tóquio, primeiramente, mas também Paris, Frankfurt, Zurique, Amsterdã, Sydney e Hong-Kong, entre outros. O que as caracterizam é a intensidade com que ocorrem as transações entre as cidades, sobretudo por meio dos mercados financeiros, dos investimentos e dos fluxos dos serviços. Ainda segundo Sassen¹⁶, a desigualdade na concentração dos recursos e atividades estratégicas entre as cidades colabora para a estruturação de uma rede de nós urbanos responsável pelos principais fluxos da economia e do comércio mundial em diferentes níveis hierárquicos¹⁷.
No contexto da análise desses nós urbanos, Carvalho¹⁸ considera que o conceito de cidade global é a expressão de um processo histórico bastante concreto vivido por determinadas metrópoles europeias e norte-americanas na década de 1980, que designa transformações na estrutura produtiva, assim como evidenciam as contradições a elas inerentes. A substituição das atividades industriais pelo setor de serviços seria responsável por promover uma alteração no mercado de trabalho, gerando maior polarização social, uma vez que, ao lado da oferta de empregos altamente qualificados e bem remunerados, demandam-se serviços de manutenção e sustentação da estrutura produtiva que, diferentemente dos primeiros, não requerem qualificação e são mal remunerados.
Esses serviços pouco qualificados e mal remunerados, assim como as atividades industriais, foram deslocados em grande parte para cidades localizadas em países em desenvolvimento. Muitas vezes, por força da economia globalizada, tais realocações retiram do lugar atividades produtivas ali existentes há muitos anos, descaracterizando as vocações existentes e inserindo no território atividades produtivas que não têm nenhum vínculo com a cultura local. A transformação do lugar ocorre não por um processo de integração do território à economia global por intermédio de sua vocação natural, história e cultura local, mas para atender a otimização dos custos de produção por meio do poder de decisão que as grandes corporações transnacionais passam a ter: Com a globalização, muitas empresas se viram forçadas, pelo acirramento da concorrência, a buscar condições mais competitivas, relocalizando suas atividades das regiões de origem para países periféricos e centros urbanos de menor porte
¹⁹.
Oxigenando os debates sobre os efeitos locais dos processos de globalização e do surgimento de cidades consideradas globais, Beck²⁰ afirma que globalização não significa apenas um movimento unilateral, automático e unidimensional, mas que se trata de uma nova consideração, uma nova forma de se entender, a dimensão local. Para Beck, o que surge com a globalização não é somente uma variedade de conexões e de relações entre Estado e sociedade em todas as suas dimensões. Trata-se de mudanças no conjunto das suposições fundamentais sob as quais todas as sociedades até hoje se organizaram, viveram e apoiaram sua condição de unidades territoriais mutuamente separadas
²¹. O autor argumenta que:
Globalidade significa o desmanche da unidade do Estado e da sociedade nacional, novas relações de poder e de concorrência, novos conflitos e incompatibilidades entre atores e unidades do Estado nacional por um lado e, por outro, atores, identidades, espaços sociais e processos sociais transnacionais ²².
Em seu amplo trabalho sobre a sociedade em rede, Castells²³ examina as transformações provocadas pela globalização e seus efeitos sobre a identidade. Para esse autor, o surgimento de uma poderosa onda de identidade coletiva renova a compreensão sobre os efeitos da globalização e do cosmopolitismo em função da singularidade cultural, do autocontrole individual, dos movimentos sociais e da reconfiguração do Estado-nação em uma sociedade conectada pela convergência de telecomunicações, computadores e redes.
Para Castells²⁴, a identidade é a fonte de experiências de um povo, construída por significados que têm como base atributos culturais inter-relacionados e que prevalecem sobre outras fontes de significado, entretanto construída sempre em um contexto marcado por relações de poder. O autor