Do glamour à realidade: a (des)proteção das trabalhadoras modelos
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Do glamour à realidade - Karin Bhering Andrade
Karin Bhering Andrade
DO GLAMOUR À REALIDADE a
a (des)proteção das trabalhadoras modelos
Conhecimento EditoraBelo Horizonte
2021
Copyright © 2021 by Conhecimento Editora
Impresso no Brasil | Printed in Brazil
Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta publicação poderá ser reproduzida, seja por meios mecânicos, eletrônicos ou via cópia xerográfica, sem autorização expressa e prévia da Editora.
Conhecimento
www.conhecimentolivraria.com.br
Editores: Marcos Almeida e Waneska Diniz
Revisão: Responsabilidade da autora
Diagramação: Lucila Pangracio Azevedo
Capa: Fakel Barros
Livro digital: Lucas Camargo e Gabriela Fazoli
Conselho Editorial :
Fernando Gonzaga Jayme
Ives Gandra da Silva Martins
José Emílio Medauar Ommati
Márcio Eduardo Senra Nogueira Pedrosa Morais
Maria de Fátima Freire de Sá
Raphael Silva Rodrigues
Régis Fernandes de Oliveira
Ricardo Henrique Carvalho Salgado
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Elaboração: Fátima Falci – CRB/6-nº700
Às trabalhadoras modelos: humanas e não cabides
AGRADECIMENTOS
Ao finalizar este momento tão importante de minha formação profissional e pessoal, é preciso agradecer àqueles sem cujo auxílio não seria possível finalizar com êxito a presente pesquisa. Assim, muitos são os que, durante essa trajetória, merecem meu reconhecimento, pois ninguém no mundo é autossuficiente para percorrer tal caminho sozinho.
Em primeiro lugar, quero agradecer a Deus, amor maior, por estar comigo em todos os momentos de minha caminhada na Terra como humana, me iluminando para sempre ser minha melhor versão.
Agradeço a meu pai, Mauricio Bhering Andrade; a minha mãe, Nilber Andrade, e a minha irmã, Brenda Bhering Andrade. Não há palavras que descrevam o amor e a gratidão que sinto por vocês. Vocês são minha inspiração, minha resiliência, meu abrigo, minha força, minha família. Obrigada por não medirem esforços para me ajudar a conquistar meus sonhos e por acreditarem que posso ser a profissional que desejo. Agradeço também a compreensão de vocês nos dias em que me encontrava cansada, pois sei que não foram fáceis.
Agradeço ainda a meus outros familiares (avôs, avós, tias, tios, primas e primos), em especial minha avó paterna, Marilia Bhering Andrade e minha tia Denise Bhering Andrade. E também a Maria Aparecida Borges, por todos estes anos acompanhando meu crescimento de perto.
Agradeço a minha psicóloga, Priscila Mundim, que sempre me ajudou, com maestria, a prosseguir nesse caminho com sanidade mental e que vem me auxiliando a evoluir e a adquirir o autoconhecimento. Pois, ao contrário de ser uma ofensa, como alguns pensam, se tratar
por meio da terapia é na realidade uma forma de se cuidar, se entender, se descobrir, amadurecer. À Pri, meus sinceros agradecimentos; sem você eu não teria conseguido atravessar com leveza uma fase tão apreensiva como esta. Agradeço também ao Dr. Pedro.
Agradeço a meu melhor amigo e namorado, Pedro Henrique Bengtsson Bernardes, por não medir esforços em me ajudar, me amparar nos momentos difíceis e acreditar em minha capacidade como acadêmica e como pessoa que luta por uma sociedade mais justa. Obrigada por enxergar em mim o potencial que às vezes nem eu enxergo e por nunca me deixar esquecer dele. Nesse ensejo, também agradeço a minha segunda família, Regina Izabel Bengtsson Bernardes, Pedro Bernardes de Oliveira, Marília Bengtsson Bernardes e Adelina Bengtsson Bernardes, por todo amor e carinho.
Agradeço ao Programa de Pós-Graduação em Direito da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, por ter acreditado em mim como pesquisadora, por ter me aprovado em seu processo seletivo, em meio a tantos excelentes candidatos, e por sonhar este projeto comigo. Também agradeço às professoras e aos professores do PPGD-PUC Minas por todo o crescimento nestes anos de mestrado. Assim, agradeço, ainda, a toda a comunidade acadêmica da PUC Minas e a todas as pessoas que trabalham no programa, em especial à Erinalda Henrique de Oliveira.
Agradeço à Prof.ª Dra. Maria Cecília Máximo Teodoro, minha orientadora. Obrigada pelas lições profissionais e pessoais. Levarei por toda a minha vida seus ensinamentos e conselhos.
Agradeço à Prof.ª Dra. Taisa Maria Macena de Lima, por ter aceitado me ajudar e, com todo carinho e afeição, a realizar uma pesquisa com maestria. A você, todo meu carinho. Nesse ensejo, também agradeço Prof.ª Dra. Mônica Sette Lopes, a qual me ajudou durante toda esta trajetória e me inspirou em todos os momentos, me ensinando a tornar essa caminhada mais leve e saborosa e a tomar gosto profundo pela metodologia da pesquisa. Agradeço também à Prof.ª Lília Finelli, por toda a ajuda.
Agradeço, em especial, todos aqueles que colaboraram diretamente com a pesquisa, tecendo considerações, realizando leituras atentas, fornecendo material, a saber: Prof.ª Dra. Maria Cecília Máximo Teodoro (orientadora), Prof.ª Dra. Taisa Maria Macena de Lima, Profª Dra. Mônica Sette Lopes, Prof. Dr. Márcio Túlio Viana, Prof. Dr. Cleber Lúcio de Almeida, Iris Soier do Nascimento de Andrade, Ana Cecília de Oliveira Bitarães, Renan Araujo e Freitas, Gustavo Marcel Filgueiras Lacerda, Thamara Karen Teixeira Silva, Victor Augusto Souza Antunes Carneiro, Camila de Paula Guimarães Baía, Marcos Paulo da Silva Oliveira, Alice Senra Cheib e o grupo de pesquisa Retrabalhando o Direito (RED) da PUC Minas. Obrigada pela troca e por todo o companheirismo.
Agradeço agora a todos os meus amigos, em especial aqueles que estiveram perto de mim durante esta trajetória, a saber: Gustavo Rocha Magalhães, o qual me ajudou inclusive com a escolha do tema, Helena Silveira de Paiva, Maria Clara Diniz, Gabriel Oliveira Almeida, Joana de Souza Carmo Lobato, Pedro Antônio Canuto de Castro, Henrique Lopes, Gustavo Teixeira, João Guilherme Kelmer, Luísa Helena Lobato, João Paulo Rocha, Luiza Gomes, Rafael Spaulonci de Carvalho, Talisson Chaves, Bárbara Júlia, Guilherme Rodegheri, Rafael Campos Ribeiro de Barros, Thanyeres Pammy Canaes, Lucas Antunes, Fabrícia Cristina Silva e Felipe Oliveira de Carvalho.
Por fim, mas não menos importante, agradeço a todas as trabalhadoras modelos que participaram, por meio das entrevistas, desta pesquisa. Sem vocês, eu jamais teria chegado aonde cheguei. É por vocês, com vocês e para vocês que realizei esta pesquisa. Que possamos caminhar para que sejam vistas como trabalhadoras humanas, e não cabides.
Responder esse questionário foi muito interessante por trazer de volta tantas memórias e, sinceramente, me fez pensar sobre muitas portas tóxicas e disfarçadas que passaram pelo meu caminho e eu nunca as abri
(MODELO 15).
LISTA DE FIGURAS
LISTA DE QUADROS
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
SUMÁRIO
PREFÁCIO
APRESENTAÇÃO
NOTAS SOBRE A AUTORA
1 INTRODUÇÃO
2 DEIXA A TRABALHADORA MODELO FALAR! A METODOLOGIA DA PESQUISA
2.1 Tipo de estudo
2.2 Método aplicado na coleta de dados
2.2.1 Das entrevistas
2.2.2 Características das entrevistadas
2.3 Questões éticas
3 A PROTEÇÃO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA QUE TRABALHA COMO MODELO
3.1 Precisamos falar sobre proteção!
3.2 O trabalho humano
3.3 Modelo não é pessoa, é cabide!
4 A PERFECTIBILIDADE DO DIREITO: CONSTÂNCIAS E INCONSTÂNCIAS
4.1 A (inaplicada) legislação especial conferida às modelos empregadas
4.2 O (suposto) contrato de agência: a modelo que trabalha por meio de agência
4.2.1 Conceito e classificação do contrato de agência
4.2.2 Elementos tipificadores
4.2.3 Natureza jurídica
4.2.4 Os deveres do agente
4.2.5 Os deveres do agenciado
4.2.6 Análise jurisprudencial sobre a efetividade das demandas judiciais pelas trabalhadoras modelos como meio de garantir seus direitos
4.3 Não se pode esquecer do trabalho autônomo!
5 O TRABALHO REALIZADO POR MENORES DE IDADE E SEUS RISCOS: TRABALHO INFANTO-JUVENIL ARTÍSTICO OU TRABALHO INFANTIL ILÍCITO NO MUNDO DA MODA?
5.1 Criança deve brincar, inventar, sorrir. Criança não deve sofrer, sob pena de a infância morrer: o trabalho infantil ilícito
5.2 A saúde é nosso maior bem: impactos do trabalho infantil na saúde e no desenvolvimento de crianças e adolescentes
5.3 O (um tanto quanto polêmico) trabalho infanto-juvenil artístico
6 QUANDO MODELAR
SE TORNA MODELAR-SE
: PRINCIPAIS PATOLOGIAS RELACIONADAS AO EXERCÍCIO DA PROFISSÃO DE MODELO
6.1 O mito da beleza perfectível: modelar se resume a modelar-se?
6.2 As consequências oriundas da profissão
: principais patologias passíveis de desencadeamento a partir da profissão de modelo e o foco nos transtornos alimentares
6.2.1 Anorexia Nervosa
6.2.2 Bulimia Nervosa
6.2.3 Transtorno de Compulsão Alimentar
6.3 Medidas protetivas à saúde dos trabalhadores e sua efetividade no caso das trabalhadoras modelos
7 CONCLUSÃO
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
APÊNDICE A – DIFICULDADES ENCONTRADAS NA PESQUISA
APÊNDICE A – DIFICULDADES ENCONTRADAS NA PESQUISA
APÊNDICE B – QUESTIONÁRIO APLICADO
ANEXO A – TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO
ANEXO B – APROVAÇÃO DO COMITÊ DE ÉTICA E PESQUISA DA PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MINAS GERAIS
ANEXO C – RESPOSTAS DAS ENTREVISTADAS
ANEXO D – DOCUMENTOS DISPONIBILIZADOS NA VISITA DO SATED DE MINAS GERAIS
ANEXO E – CERTIDÕES PROCESSUAIS
POSFÁCIO
ÍNDICE REMISSIVO
PREFÁCIO
DEPENDE É UMA BOA RESPOSTA
Será que os pressupostos da relação de emprego já se configuraram para a ubermodel, Gisele Bündchen, em algum momento? Senão, será que ela teve a proteção jurídica necessária enquanto trabalhou no Brasil? E quando foi para o exterior?
Essas são indagações que podem ser extraídas como resultado da pesquisa feita por Karin Bhering Andrade, de que resultou a obra que agora se apresenta: Do glamour à realidade: a (des) proteção das trabalhadoras modelos.
Sua publicação destina-se a um objetivo fundamental que é seguir o conhecimento que só pode vir de mais perguntas e da constante tentativa de respondê-las com dados, com subsídios abertos no âmbito de uma epistemologia vivencial.
Trata-se de uma pesquisa interdisciplinar (e não pode ser de outra forma quando se quer saber sobre os processos de aplicação do direito), que buscou chegar até as trabalhadoras modelos, por meio de procedimentos metodológicos variados: entrevistas, matérias publicadas na imprensa, consulta à jurisprudência, introjeção em várias mídias.
Ao fazê-lo, Karin Bhering Andrade imergiu nas histórias de vida das pessoas cuja forma de trabalhar lhe interessava. E o resultado é a articulação dos relatos como um reforço para o exercício de direitos, que não se colocam claramente, pela invisibilidade do modo como elas trabalham, já que são poucas as que chegam aos altos patamares da profissão.
Com Baumann, pode-se recobrar a importância de penetrar nessas histórias de vida, quando se busca conhecer a identidade, entendida na acepção do dicionário como conjunto de características e circunstâncias que distinguem uma pessoa ou uma coisa e graças às quais é possível individualizá-la
[1]. Mesmo que não se possa pasteurizar as circunstâncias que formam a situação, inclusive a situação jurídica, de cada modelo, é importante a articulação e o conhecimento de suas demandas:
A articulação das histórias de vida é a atividade por meio da qual o significado e o objetivo são inseridos na vida. No tipo de sociedade em que vivemos, a articulação é, e precisa continuar a ser, uma tarefa e um direito individuais. É, porém, uma tarefa bastante difícil de se conquistar. Para executar a tarefa e exercer o direito plenamente, necessitamos de toda ajuda que possamos conseguir[2].
A pesquisa cuidadosa empreendida para este trabalho é, sem dúvida, uma ajuda. As histórias de vida estão lavradas manuscritamente nas respostas aos questionários. São vidas diferentes, por certo. E a variedade é um achado da investigação, especialmente quando a hipótese-aposta é de que elas não recebem a proteção devida do direito.
Um ofício que é tratado como hobby. O sim! quase unânime para a indagação sobre se gostam da profissão. O lado bom do trabalho vislumbrado quase univocamente: Viagens, festas, lugares, fama, prestígio, etc.
é síntese elucidada na entrevista à resposta n. 2 (Quais os lados bons da sua profissão) pela MODELO 5. A constante experiência de problemas não só no Brasil como no exterior. A diferença no padrão remuneratório e de segurança tendo em vista o patamar de sucesso na profissão. A pressão para ter o corpo adequado. O risco à saúde. A insegurança dos contratos. O trabalho das adolescentes e das crianças. A instabilidade no começo da carreira ou, para algumas, durante todo o curso dela. Tudo isso e muito mais se desvela como resultado da ida a campo para buscar a voz dessas mulheres. Tudo isso e muito mais se descortina para a análise na pesquisa.
As histórias recobradas, fonte para a construção da pesquisa, demonstram aquilo que se espalha como fator da cultura contemporânea. Os corpos como cabide. Os corpos como produto de consumo. A recuperação da ideia de vida líquida, concebida em Baumann, foi feita no texto e não será ociosa como ponto de apoio na demonstração de aspectos de fundo que interferem na falta de proteção pelo direito:
A vida líquida é uma vida de consumo. Projeta o mundo e todos os seus fragmentos animados e inanimados como objeto de consumo, ou seja, objetos que perdem a utilidade (e, portanto, o viço, a atração, o poder de sedução e o valor) enquanto são usados. Molda o julgamento e a avaliação de todos os fragmentos animados e inanimados do mundo segundo o padrão dos objetos de consumo[3].
A sua pontuação é reprisada em Umberto Eco, o qual se refere à liquidez no processo de assimilação da justiça pelo direito:
Com a crise do conceito de comunidade, emerge um individualismo desenfreado, onde ninguém mais é companheiro de viagem de ninguém, e sim seu antagonista, alguém contra quem é melhor se proteger. Este subjetivismo
solapou as bases da modernidade, que se fragilizaram dando origem a uma situação em que, na falta de qualquer ponto de referência, tudo se dissolve numa espécie de liquidez. Perde-se a certeza do direito (a justiça é percebida como inimiga) e as únicas soluções para o indivíduo sem pontos de referência são o aparecer a qualquer custo, aparecer como valor […] e o consumismo.[4]
Sobre o consumismo contemporâneo, ele aponta que não se trata sequer da posse de objetos de desejo capazes de produzir satisfação
, mas do que chama de bulimia sem escopo, pela obsolescência imediata de cada objeto consumido[5].
Essa obsolescência imediata implica que cada produto e, por isso também, o corpo que o expõe se transformam em lixo. Nesse sentido, as histórias, os desejos, as necessidades das trabalhadoras modelos se assomam como descartáveis:
O lixo é o principal e, comprovadamente, mais abundante produto da sociedade líquido-moderna de consumo. Entre as indústrias da sociedade de consumo, a de produção de lixo é a mais sólida e imune a crises. Isso faz da remoção do lixo um dos dois principais desafios que a vida líquida precisa enfrentar e resolver. O outro é a ameaça de ser jogado no lixo [6].
Discutir, então, o acesso a direitos por elas constitui um meio de evitar que suas vidas se transformem nesse lixo da sociedade líquida-moderna de consumo. Porque a expansão do conhecimento dos acontecimentos deve escalar todas as nuances de sua vida profissional. A proteção pelo direito só se consuma pelo conhecimento minucioso de seus fazeres, de suas histórias de vida.
A indagação que está no cerne do trabalho é sobre a forma de proteção das trabalhadoras modelo. Muitas delas vinculam-se ao agenciamento para conquistar contratos. Muitas delas fazem isso ao mesmo tempo em que aceitam contratos por fora, o que sinaliza que seu nome já se expõe aos interessados com mais vigor. Por isso, a indagação sobre qual é a melhor forma de sua proteção jurídica, pode ser um depende que é resposta apenas aparentemente evasiva. Constitui caminho para a definição completa das contingências de cada situação e de sua comparação com outras.
A relação de emprego não é um regime que se possa divisar em todas as situações. Dizer-se do desejo de autonomia, é recuperar a vontade de sucesso que permitiria a cada uma dessas trabalhadoras a escolha sobre como, onde, quando, para que e por que trabalhar.
No entanto, sempre pode se instalar a imposição de discernir, numa situação concreta, se estão presentes os pressupostos da relação de emprego. Isso vai ocorrer preponderantemente nas experiências iniciais ou de pouco êxito e nas modalidades de trabalho (desfile ou passarela, modelo de prova ou fitting, showroom, fotografia, propaganda ou comercial) em que haja menos mobilidade ou variedade ao longo do tempo.
Os pressupostos da relação de emprego (subordinação, pessoalidade, não-eventualidade e onerosidade) devem ser ponderados no caso, especialmente para a definição de que o contrato de agência possa, numa situação concreta, configurar desvirtuamento, impedimento ou fraude na aplicação da Consolidação da Lei do Trabalho (art. 9º). A frequência das atividades, a duração de cada contratação, o modo como a trabalhadora se disponibiliza no mercado e decide o que fará, a modalidade de controle (se algum) exercido pela agência. Há muitas variáveis que devem ser desvendadas.
No livro de Paulo Emílio Ribeiro de Vilhena, que versa os pressupostos da relação de emprego, o menor capítulo é o sobre o último deles, a onerosidade. A razão para isso é o fato de o não pagamento poder significar um débito, um dever não cumprido e não funcionar como excludente da relação de emprego. No entanto, a onerosidade é pressuposto fático importante quando se trata apreensão da natureza do vínculo da trabalhadora modelo, o que se ressalta na obra de Karin Bhering Andrade.
A explicação pode ser sintetizada da seguinte forma:
Quando se observam relações de trabalho, em que as partes gozam ou se prevalecem de um trânsito de mútua independência negocial, ou seja, em que as bases de equipolência de pesos de interesse de cada uma se encontram economicamente resguardadas – e em que se situam, na execução dos serviços, em esferas jurídicas quase entre si intocadas, é interessante lembrar que, embora o critério da subordinação econômica não se tenha assentado como decisivo para apontar-se a existência ou não de um contrato de trabalho, a verdade é que, repita-se, em hipóteses tais, a condição econômica e os vínculos econômicos do prestador atuam como fundo de maior ou menor intensidade para a fisionomização da subordinação propriamente jurídica.[7]
Quando a trabalhadora modelo discute sua remuneração pelo trabalho, negocia condições, recebe valores mais significativos, esses são elementos de prova da autonomia pela aproximação da equipolência. A verificação de tais elementos efetiva-se pela sopesamento das circunstâncias de sua história:
Assim como sustentamos que o não pagamento de salário não induz inexistência de relação de emprego, assim também podemos afirmar que o pagamento de parcela contraprestativa, por serviços prestados, não importa no reconhecimento de contrato de trabalho[8]
E, neste ponto, cabe destacar uma contribuição importante, fruto da pesquisa.
O fato de não se configurarem os pressupostos da relação de emprego não significa que o trabalho das modelos prescinda de proteção. O baú das lembranças aberto com as entrevistas revelou questões para as quais a resposta do direito ainda é precária até pela invisibilidade das necessidades. Do trabalho de crianças e de adolescentes às patologias decorrentes da busca do corpo ideal, passando pelas horas de trabalho e pelo descumprimento de condições previstas para o pagamento há situações que demandam tratamento compreensivo da proteção jurídica específica mesmo quando se tratar inequivocamente de autonomia.
Na definição da natureza do vínculo jurídico, a resposta pode ser depende. Esse diagnóstico da pesquisa induz à conclusão de que o ofício das trabalhadoras modelo não é apenas glamour. Há uma dívida de reconhecimento de necessidades, que deveriam ser vivenciadas na naturalidade da absorção espontânea dos direitos. Um começo para essa conversa imensa é, sem dúvida, o (re)conhecimento.
Os leitores deste Do glamour à realidade: a (des) proteção das trabalhadoras modelos, de Karin Bhering Andrade, se embrenharão nessa infinita e essencial perspectiva epistemológica.
Belo Horizonte, outono de 2021.
Mônica Sette Lopes
Professora Associada da Faculdade de Direito da UFMG
Desembargadora (aposentada) do Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região
[1] HOUAISS. Dicionário eletrônico Houaiss. São Paulo: Objetiva, 2006, verbete identidade.
[2] BAUMANN, op. cit., 2008, p. 22.
[3] BAUMANN, Zigmunt. Vida líquida. Trad. Carlos Alberto Medeiros. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2007, p. 17.
[4] ECO, Umberto. . In: ECO, Umberto. Pape Satan Aleppe: crônicas de uma sociedade líquida. Trad. Eliana Aguiar. 2. ed. Rio de Janeiro: Record, 2017, p. 10.
[5] ECO, op. cit., p. 10.
[6] BAUMANN, 2007, p. 17.
[7] VILHENA, Paulo Emílio Ribeiro de. Relação de emprego: estrutura legal e supostos. 3. ed. São Paulo: LTr, 2005, p. 743.
[8] VILHENA, op. cit., p. 745.
APRESENTAÇÃO
Chimamanda Ngozi Adiche é uma mulher, ativista, negra, nigeriana, autora de diversas obras impactantes sobre o feminismo, e foi entrevistada no Programa de Televisão brasileiro, Roda Viva, no dia 14 de junho de 2021.
Uma das perguntas feitas a ela foi sobre o fato dela amar moda. Se o fato de amar o universo da moda seria um contrassenso à causa que defende. E Chimamanda respondeu algo assim: eu me interesso genuinamente por moda, feminismo, artes, maquiagem, política, porque todas essas coisas me compõem e não quero precisar negar nenhuma parte de mim….
Uma resposta perfeita.
Mas, perguntas, muitas vezes, trazem mais respostas do que as respostas que a elas são dadas. Trazem vieses preconceituosos que dão a tônica da história, de suas vicissitudes e das inclinações ideológicas de uma determinada sociedade no tempo, funcionam como a legenda de uma gramática social.
A pergunta sobre se gostar de moda desqualifica a mulher ou nega a sua inteligência e trajetória dizem sobre uma realidade pulsante, que diminui, estigmatiza e objetifica mulheres.
Nesse contexto se desenvolve o livro "DO GLAMOUR À REALIDADE: a (des) proteção das trabalhadoras modelos", da autora, Karin Bhering Andrade, super amante da moda, mas que nem por isso nega sua faceta obstinada, perspicaz e incansável, pois, pelo contrário, coloca toda sua inteligência em ação para demonstrar que as mulheres modelos manequins, – super models ou aspirantes – não são os cabides das roupas que vestem, mas sim seres humanos dotados de direitos e merecedores de respeito.
Karin inicia sua jornada da melhor forma possível, dando voz à essas mulheres, por vezes caladas, cujo público parece surdo, menos importando-se com suas vozes, enxergando apenas seus corpos.
A partir da realidade narrada pelas próprias atoras sociais do problema colocado em debate, o livro passa a analisar o universo de desproteção ao qual são lançadas estas mulheres, muitas vezes meninas, não poucas vezes crianças. E num cuidadoso enredo, afasta a nuvem de fumaça que esconde a realidade das modelos mulheres que, embora estejam numa das poucas profissões em que tem ganhos maiores do que dos homens, são objetificadas e caladas em suas dimensões mais amplas do ser social.
Safatle, Júnior e Dunker ao explicarem a gramática social dos conflitos, mostram que nem as doenças, nem as intervenções clínicas para a cura são neutras. Em sua gênese, seja a doença ou a sua cura, os valores estão no horizonte e se fazem acompanhados de influências culturais, morais, estéticas, políticas e de racionalidade econômica (2020, p. 27). Assim, uma revolta contra o sofrimento psíquico se expressa em três dimensões rotineiras da vida: o desejo, a linguagem e o trabalho.
Karin demonstra que talvez não seja um acaso que as principais doenças desenvolvidas pelas mulheres modelos são ligadas exatamente ao fato de serem vistas apenas como objeto de desejo (desejo que não é seu, é do outro), tais como a anorexia nervosa, a bulimia nervosa e compulsão alimentar, todas doenças ligadas à busca de um corpo perfeito, representando um sofrimento psíquico de quem vê negadas as possibilidades de expressão plena do ser por meio da voz (linguagem) e de um trabalho protegido (trabalho).
O debate é rico