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O FUNERAL DA PROSTITUTA
O FUNERAL DA PROSTITUTA
O FUNERAL DA PROSTITUTA
E-book222 páginas3 horas

O FUNERAL DA PROSTITUTA

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Sobre este e-book

Poderia a prostituta aidética e alcoólatra, depois de sepultada, ser festejada e venerada como santa?A narrativa dessa obra é centralizada basicamente na vida de Maria, morena bonita que ao perder a virgindade, ainda adolescente, foi expulsa de casa pelo pai. Então, parte para a cidade, onde é acolhida por um bando de meninos de rua e logo aprende como é viver cerceada pelas condições sociais hostis. Nove meses depois, ela dá à luz uma criança que a obriga doá-la.Saindo das ruas, vai morar num bordel decadente na periferia da cidade, sendo depois levada para um cabaré de luxo da capital. Volta para o interior e morre no mesmo bordel onde tudo começou. Naquele dia o funeral de Maria foi acanhado, sem ostentação. Apenas algumas garrafas de cachaça esvaziadas por uma dezena de vagabundos; uma discussão com o padre na igreja, e só. Algumas semanas depois de seu sepultamento, fez-se uma festa ao redor do túmulo. Até romaria de prostitutas visitavam aquela cova; depositavam flores e faziam as mais estranhas promessas. Eram bilhetes pregados na cruz com pedidos bizarros e urinavam na cova na esperança de serem curadas de alguma doença venérea. Ao fim da tarde cova achava-se toda aguada.O coveiro já havia comentado com a sua mulher o que estava acontecendo no cemitério. O seu medo não era dos mortos, mas do fanatismo que invadia o seu local de trabalho. Os vivos o preocupava. Ele não se conformava ao chegar pela manhã e ver aqueles desvairados ajoelhados diante de uma cova que guardava só carne apodrecendo. Nada naquele túmulo poderia fazer alguma coisa para mudar a vida de alguém.Este romance contemporâneo narra a história de Maria, personagem principal do livro. As experiências de vida de uma prostituta, contadas nessa narrativa literária, tem seu início na cidade de Itaíba, estado de Pernambuco, nordeste do Brasil. A história cativante passa por diversos temas, como carência afetiva, pobreza, luta e fé, com uma envolvente trama e um final surpreendente.
IdiomaPortuguês
Data de lançamento9 de mar. de 2022
ISBN9781526028105
O FUNERAL DA PROSTITUTA
Autor

EVANDRO NUNES

EVANDRO NUNES, nasceu em Caruaru, PE. Formou-se em Administração pela Faculdade Estácio de Sá. Foi professor na cidade de Itaíba, PE, em seguida ingressou no Banco do Brasil, aposentando-se após 35 anos dedicados à carreira bancária. Cordelista, poeta, contista e romancista. Suas conquistas literárias são poesias e contos publicados em várias antologias, blogs e revistas literárias. Seu mais recente livro é o romance intitulado O FUNERAL DA PROSTITUTA (2020).Atualmente vive em São Luís, MAContato: evandronunesbb@gmail.com

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    O FUNERAL DA PROSTITUTA - EVANDRO NUNES

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    Fundação BIBLIOTECA NACIONAL

    Escritório de Direitos Autorais

    Registro: 768.200  Livro: 1.490  Folha: 288

    EVANDRO NUNES DA SILVA

    O FUNERAL DA PROSTITUTA

    Para meus pais,

    Massilon Nunes da Silva

    Gessi Nunes Pereira

    E, endireitando-se Jesus e não vendo ninguém mais do que a mulher, disse-lhe: Mulher, onde estão àqueles teus acusadores? Ninguém te condenou?

    E ela disse: Ninguém, Senhor. E disse-lhe Jesus:

    Nem eu também te condeno: vai-te e não peques mais.

    João 8, 10-11

    PRÓLOGO

    Depois de deixar a igreja, o cortejo fúnebre seguia lentamente pelas ruas de Águas Belas, subindo a ladeira. Nesse trajeto, alguns curiosos estavam parados ao longo da calçada, outros estavam debruçados no parapeito da janela apenas para vê-lo passar, enquanto se contava pelos dedos das mãos às pessoas que seguiam ou precediam o esquife que subia a rua em direção ao campo santo. Não era um funeral concorrido, mas aos poucos, à medida que o caixão passava pela rua, quem estava à toa ia juntando-se ao cortejo e o calçamento pouco a pouco era tomado de gente. Essas pessoas indiferentes queriam apenas fugir da monotonia daquele lugar. Era o que se lia nesses rostos que iam acompanhando a morta.

    Nenhum automóvel acompanhava o funeral, apenas aqueles motoristas mais apressados buzinavam pedindo passagem.

    Não chovia nesse dia, sinal de que a natureza não chorava à falecida; era uma tarde quente, sem vento, mormacenta e as folhas dos pés de algaroba ao longo da calçada nem se mexiam. O enterro continuava subindo a rua, caminho do cemitério.

    Da catedral ao cemitério o caminho era curto. Subia-se a Rua Constantino Lavrador e logo à margem esquerda do rio, que estava do lado de Águas Belas, ficava o campo santo. Não havia necessidade de descanso para os carregadores — eles disfarçadamente trocavam de posição — e caminhavam a passos curtos, pois se acredita que um corpo defunto fica mais leve devido à saída da alma e a falecida estava sendo levada com folga nesta sua última viagem.

    Nessa época os carros funerários eram para os ricos e dona Bia não quis arcar com essa despesa. Para ela bastava o prejuízo que a falecida deixara no seu bar e a cachaça servida de graça durante o velório.

    Durante a caminhada dona Bia afastou-se das meninas e quase correndo chegou junto aos carregadores e perguntou-lhes:

    — Vocês não querem descansar um pouco? Essa menina deve estar pesando...

    — Não, minha senhora. Vamos devolvê-la ao pó, porque tudo vem do pó e tudo retorna ao pó. O espírito volte a Deus, que o concedeu — respondeu um dos carregadores, muito seguro de seu conhecimento bíblico.

    — Tudo bem, meus queridos — respondeu dona Bia. — Depois diminuiu seus passos até acompanhar as meninas que seguiam mais lentamente.

    Mais adiante, quando o enterro deixava a Rua Constantino Lavrador, avistando-se dali o cemitério, algumas beatas estavam paradas na esquina que encerrava a rua, eufóricas e satisfeitas com a morte de uma pecadora irremediável, para elas.

    — Queria assistir daqui desta calçada, todo santo dia, a passagem de um enterro com uma dessas vagabundas dentro do caixão!

    — Pois eu queria que o caixão passasse trazendo a velha cafetina! —E caíram na risada, depois dessa frase agourenta.

    No cemitério, o coveiro acabava de preparar a cova e exausto, com o suor a escorrer pelo rosto, sentou-se sobre a terra retirada, ainda fofa e fria, largando ao seu lado a pá e a picareta e naquele momento, olhando para a imensidão do céu, falava consigo, dizendo: — Muitas almas que agora estão ali dentro, e também aquelas que não conseguiram entrar, devem neste momento estar me agradecendo por eu ter guardado aqui neste chão - e batia com a mão aberta sobre a terra – os seus restos mortais. — Depois se virando para a pá e a picareta, continuava: —Só quero ver quem será o desgraçado que se vai dar ao trabalho de guardar o meu, quando ele parar de se mexer e fechar estes olhos que a terra fria há de comer. — Em seguida começou a jogar punhados de terra sobre a pá que estava ao seu lado.

    Enquanto isso, o funeral da prostituta cruzava o portão do cemitério, trazendo à frente e atrás do esquife, muitos curiosos, assim como um pequeno número de pessoas que se lembravam dela; mas nenhum familiar seu.

    Nem pai, nem mãe, nem irmãos.... Enfim, nenhum parente.

    Os muitos curiosos que acompanharam o enterro, agora estavam zanzando no cemitério, pisoteando covas e túmulos; e depois de bisbilhotarem por todos os cantos daquela necrópole cercada de muros, foram pouco a pouco se retirando, indiferentes ao sepultamento que iria acontecer em seguida.

    Entrementes, o ataúde foi colocado à beira da cova, enquanto um número acanhado de pessoas ficou ali em desânimo, inicialmente em silêncio. Apenas dona Bia trazia numa das mãos um punhado de flores, aparentemente murchas.

    Minutos depois a matrona se ajeitou, passou a mão sobre a testa molhada de suor e apertando as têmporas, tomou a iniciativa:

    — Bem, meninas...

    Neste momento as meninas do bordel, que estavam prostradas ao lado do caixão, deram-se as mãos e ficaram serenas, olhando para o rosto de dona Bia. A velha meretriz continuou:

    — Que nosso bom Deus perdoe essa alma, assim como o seu Filho não condenou a mulher adúltera... São estas as minhas últimas palavras para essa mulher. Agora, enterrem-na.

    O caixão foi vagarosamente descido de cova adentro, batendo de leve no fundo e aquietando-se. Apenas os carregadores e as prostitutas, além do coveiro, acompanharam o esquife descer.

    O primeiro punhado de terra bateu sobre a tampa do ataúde jogado por dona Bia, sendo em seguida imitada pelas meninas de seu cabaré e também pelos carregadores. Depois o coveiro pegou a sua pá e concluiu a inumação do cadáver, enchendo todo aquele buraco de terra.

    Concluído o serviço, e de novo sozinho dentro daquele cemitério, ele se encostou a sua pá e novamente resmungando consigo mesmo, desabafou: — É de lascar esta minha vida. Abro um buraco a sete palmos de chão adentro... e depois? Volto a jogar a mesma terra no mesmo buraco.

    Após deixar a cova de Maria bem arrumadinha, com aquelas flores quase murchas sobre a terra fofa, com um crucifixo de madeira na cabeceira, sem nome, e nem sequer um epitáfio numa lápide de papelão, pegou a sua pá e a sua picareta e seguiu a passos lentos para abrir mais uma cova.

    Caminhava por entre os vários túmulos silenciosos daquele cemitério, quando mais adiante parou, olhou para trás por cima do ombro, e de onde estava avistou a cova de Maria lá em cima. Tomou um leve susto no momento, mas em seguida se refez, balançou a cabeça de um lado para o outro e seguiu seu caminho, falando de novo para si mesmo: — Besteira essa minha agora. É só mais um corpo que acabei de sepultar.

    Depois riu de si para si, e foi andando para abrir mais uma cova.

    Passados alguns minutos, outro enterro adentrava o cemitério. Era o cadáver do proprietário de uma lanchonete da rodoviária improvisada de Águas Belas. Este também foi enterrado às pressas, sem muita cerimônia, apesar de haver mais pessoas chorando à beira da cova na hora do sepultamento.

    Terminado esse funeral, a noite foi caindo e o sol já descia vagarosamente no horizonte, encerrando mais um dia de enterros naquele cemitério.

    PRIMEIRA PARTE

    I

    UM LUGAR PARECIDO COM O CÉU

    Isidoro caminhava a passos compridos, enxada ao ombro, cabeça baixa, o corpo ainda morno pelo sol que o castigara durante o dia, e olhos fitos no chão. Logo atrás Severino o seguia, trazendo consigo o vira-lata Piaba, que saltitava, língua para fora, arquejante, farejando as moitas ao longo do caminho.

    Eles voltavam para casa depois de mais um dia de capinação no campo.

    Chegando a casa, ainda no terreiro, deitaram as enxadas num canto da parede, depois se sentaram na soleira da porta da frente e relaxaram, enquanto o vira-lata corria pelo quintal, beirando a cerca que rodeava a casa, só parando para cheirar os pés de Isidoro e de passagem os de Severino, arquejando e abanando o rabo numa demonstração de felicidade e emoção.

    Dali mesmo da soleira onde estavam, sentiram o cheiro delicioso de café vindo da cozinha, e ouviram Idalina, barriguda de nove meses, a chamá-los para a ceia que já estava na mesa, com bolo de milho e café quentinho feito há pouco. Não resistindo àquele convite, os dois entraram de casa adentro, atropelando-se. O último a levantar-se ainda conseguiu fechar a porta atrás de si. Até o cachorrinho já estava ao pé da mesa esperando alguma migalha que viesse a cair no chão da cozinha. 

    A noite foi caindo, o sol já se escondera no horizonte havia algum tempo e o vento que saía de dentro da mata passava por cima do terreiro batendo nas telhas da casinha de taipa, uivando, enquanto a bicharada inquieta no mato procurava a segurança de suas tocas. No interior daquela casinha isolada de tudo, a luz do candeeiro vacilava com o vento que insistia em entrar pelas frestas da porta, enquanto as lagartixas corriam agitadas pelas paredes de barro à caça de insetos que também ficavam inquietos fugindo delas. Indiferente a tudo isso, Isidoro, Idalina e o pequeno Severino ceavam na cozinha, até esgotarem o último gole de café e catarem todo o farelo de bolo da mesa.

    Terminada a ceia, Isidoro volta a sentar-se na soleira da porta da sala, seu lugar favorito para fumar, contemplando dali a vastidão daquela caatinga a sua frente, com seus arbustos espinhentos, alguns pés de jurema, mais abaixo os umbuzeiros, dois pés de caju; não longe dos cajueiros, uma jaqueira; também havia uma mangueira frondosa a beira da estrada, alguns juazeiros, e muitos mandacarus nativos crescendo no meio do mato, com seus frutos insossos, com muita baba e sem gosto. Eram grandes e vermelhos como uma manga-rosa. Na cerca ao lado da casa havia um pé de maracujá que espalhava pelo chão os seus frutos para serem bicados pelos passarinhos. Ao lado da casa havia um pé de manga onde fizeram embaixo o sanitário; e os seus frutos maduros sempre caíam sobre a cobertura desse banheiro, varando a palha e entupindo a latrina à base de madeira.

    Além de todo esse pomar a céu aberto, ainda se via, beirando a cerca e estendendo-se pelo oitão da casa, um pé de melancia, que dava frutos suculentos, de polpa vermelha e doce. Ao redor da casa, invadindo o mato, havia também pés de palma em abundância. Na frutificação os pés de palma ficavam cheios de frutos amarelinhos e muito apreciados. Quem se atrevia a comer esses frutos, passava o resto do dia extraindo os espinhos das mãos. Nos umbuzeiros, também na frutescência, o chão amanhecia cheio de frutos maduros, bem amarelinhos, alguns estourados pela queda. Era o vento da madrugada que os derrubava.

    Entre uma tragada e outra, Isidoro ficava maravilhado com tudo aquilo. Nem percebia Severino passar correndo pelo terreiro com Piaba atrás tentando morder o seu calcanhar.

    Entrementes, Idalina ainda estava na cozinha retirando as canecas de alumínio, a chaleira e os pratos de estanho da mesa, colocando-os numa bacia para depois lavá-los no regato que passava nos fundos do quintal. O pequeno Severino, ou Bil, como era carinhosamente chamado pelos pais, continuava brincando com o vira-lata Piaba, correndo ao redor da casa.

    Depois de deixar a cozinha arrumada, a mesa limpa e o chão varrido, Idalina colocou a bacia na cabeça e saiu para o riacho. Um quarto de hora depois ela estava de volta e sentou-se ao lado de Isidoro na soleira da porta. Os dois ficaram calados por um instante, mas foi Isidoro quem primeiro rompeu o silêncio, confidenciando à sua mulher:

    — Estava aqui fumando meu cigarrinho e pensando como nós conseguimos até agora ficar neste lugar sem que ninguém venha cobrar nada. — E preparando outro cigarro de palha, continuou: — Não entendo porque nenhum cristão ainda não veio aqui reclamar estas terras. Não é estranho tudo isso?

    Idalina ajeitou-se no limiar da porta, passou a mão sobre o seu barrigão de nove meses, e concordou:

    — Também acho. Um dia alguém vai vir cobrar o que é seu de direito. — Chegando-se para mais perto do marido, e olhando para o futuro, continuou: — Pode ter certeza disso. É muita terra para ser esquecida assim, sem mais nem menos. Ainda vai aparecer aqui um filho, uma mulher passando-se por esposa, ou algum parente para apoderar-se de tudo isso.

    A essa altura o pequeno Bil ainda continuava correndo ao redor da casa com Piaba no seu encalço.

    — Eu só fico pensando quando alguém procurar o que é seu e não encontrar nem metade do que aqui deixou sob a nossa guarda.

    — Mas você sabe o porquê de o gado ter sumido daqui — atalhou Idalina.

    Isidoro deu mais uma tragada no seu cigarro de palha e refutou:

    — Não temos como provar que foram aqueles soldados que comeram todo o gado deste sítio. Ninguém vai acreditar nessa história.

    A história que ninguém iria acreditar foi vivida por eles há alguns meses naquele sítio (deve ter sido março ou abril), e como estávamos no mês de junho, eles ainda traziam na lembrança aquela experiência traumática.

    Aos poucos e com muita demora passava-se o ano de 1966 e nada mudava naquele lugar bucólico e preguiçoso; todo dia era o mesmo sol, o mesmo vento que circundava a casa e a mesma chuva, quando esta resolvia passar por aquelas bandas.

    Nessa época a ditadura já estava enraizada no país. Os militares tomavam conta das ruas e as pessoas eram presas, espancadas e até desapareciam sem deixar rastros. A violência imperava nas avenidas e nos porões. Por aquelas bandas os soldados vasculhavam os casebres e infernizavam a vida dos camponeses. Os caminhões do exército percorriam as estradas dia e noite, a procura de pessoas insatisfeitas com o regime, que eles chamavam de inimigos da Pátria. O dono das terras onde Isidoro morava com a família era um dos dissidentes.

    Certo dia, um caminhão do exército, um amontoado de ferro com três eixos, cheio de soldados, entrou sem nenhum aviso no sítio, derrubando a cancela e parando embaixo de um umbuzeiro, a alguns metros da casinha de Isidoro.

    Idalina a essa altura com quase seis meses de gravidez, debruçou-se na parte inferior da porta e ficou observando a movimentação daqueles homens que corriam de fuzil na mão para todos os lados à procura de alguém ou de alguma coisa. Isidoro e o pequeno Bil estavam na roça, mas com o barulho do motor daquele caminhão, jogaram as enxadas no chão e correram para casa. Só que no caminho foram interceptados pelos soldados que apontavam os fuzis para eles. Chegaram ao terreiro aos empurrões e pontapés para que revelassem o paradeiro do dono daquele lugar.

    Idalina, mesmo com aquele barrigão, também foi puxada para o terreiro e jogada ao lado de seu marido e de seu filho. Nenhum deles sabia o paradeiro do patrão, nem tampouco tinham conhecimento do que estava se passando no país àquela altura.

    Depois de muito interrogatório, o comandante da patrulha se encaminhou para o umbuzeiro, seguido por seus comandados e ali montaram acampamento.

    Nos primeiros dias eles fizeram intensas rondas, dia e noite, pelo sítio e também pelas redondezas, mas com o passar do tempo foram relaxando e os soldados se esparramaram ao redor do umbuzeiro e dali em diante o que se via embaixo daquela frondosa árvore era muita fumaça de churrasco e muita pândega (nessa época ainda havia umas vaquinhas, uns dois bois e alguns garrotes soltos no pasto). As bebidas eram trazidas de Águas Belas, juntamente com algumas mulheres que participavam das orgias noturnas, ali mesmo no umbuzeiro.

    Dias depois os urubus já estavam sobrevoando a área, atraídos pela quantidade de carcaças e vísceras que estavam sendo jogadas no mato.

    Quando no curral só restava um monte de bosta seca do gado e o jumento que eles não tiveram paciência para transformá-lo em charque, os militares levantaram acampamento e deixaram o sítio.

    Durante uma comprida semana, Isidoro e o pequeno Bil deixaram de lado os afazeres na roça e foram aos poucos colocando as coisas nos seus lugares, depois que os militares deixaram tudo de pernas para o ar.

    Passado esse vexame nunca mais ouviram falar do dono daquele sítio. Talvez esteja preso ou até mesmo sumido nos porões da ditadura.

    Isidoro fumou mais um cigarro de palha, depois se levantou seguido por Idalina, que se voltando para o terreiro, gritou para o pequeno Bil lavar-se no riacho antes de deitar-se. Os dois, antes de entrarem no quarto, foram até a cozinha e tomaram água fria do pote, depois foram deitar-se.

    — Bil, quando entrar feche a porta da cozinha! — gritou Idalina, já sentada na cama.

    II

    ABRINDO UM PARÊNTESE E EXPLICANDO COMO ELES CHEGARAM A ESSE SÍTIO

    Isidoro chegou a esse sítio

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