ENTRE O SONHO E A ESPERANÇA: A Escola Ativa no Brasil
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Sobre este e-book
pesquisam o pensamento do Patrono da Educação Brasileira, Paulo Freire, ou que nele se referenciam para estudar outros objetos, mormente os educacionais.
Como ocorre com o legado intelectual de qualquer grande pensador, os livros de Paulo Freire permitem várias leituras. Os que são publicadas nesta Série resultam de investigações cientícas sobre os textos e as intervenções freirianas, constituindo verdadeiras "leituras de abismo" que
permitem incluí-lo não apenas no universo dos clássicos da educação, mas no universo dos grandes pensadores do século XX, já que os ecos e as repercussões de sua obra já se estendem, ao longo do século XXI, em vários campos do conhecimento cientíco mundial.
"Não há mudança sem sonho como não há sonho sem esperança."
FREIRE, 2001, p. 91
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ENTRE O SONHO E A ESPERANÇA - Jacqueline Cunha
CAPÍTULO 1
O MUNDO RURAL E A ESCOLA
A sensação de pertencimento ao universo não se inicia na idade adulta e nem por um ato de razão. Desde a infância, sentimo-nos ligados com algo que é muito maior do que nós. Desde crianças nos sentimos profundamente ligados ao universo e nos colocamos diante dele num misto de espanto e de respeito. E, durante toda vida, buscamos respostas ao que somos, de onde viemos, para onde vamos, enfim, qual o sentido da nossa existência. É uma busca incessante e que jamais termina. A educação pode ter um papel nesse processo, se colocar questões filosóficas fundamentais, mas também se souber trabalhar ao lado do conhecimento, essa nossa capacidade de nos encantar com o universo.
Moacir Gadotti, 2005, p. 19
1. O contexto rural brasileiro e o êxodo
O Brasil é um país com dimensões continentais, com um forte potencial econômico para a agropecuária. Ele possui cerca de 12% da água doce para consumo humano disponível no planeta, clima tropical, chuvas regulares e sol abundante. Possui, também, uma área potencialmente agricultável entre 36% e 43% do território nacional, correspondendo a uma variação entre 303 e 366 milhões de hectares. Se os biomas da Amazônia e Pantanal não forem considerados, a porcentagem de uso legal das terras agricultáveis se eleva para a variação de 43% a 57% do território. O País tem um potencial de área agropecuária per capita entre 1,6 e 1,9 ha, sendo superior ao dos Estados Unidos da América (EUA) que possuem 1,3 ha/per capita (CAPOBIANCO; LIMA, 2009).
Esta vocação levou o Brasil a ser um dos líderes mundiais na produção e exportação de vários produtos agropecuários. É atualmente o maior produtor e exportador mundial de café, açúcar, etanol proveniente de cana-de-açúcar e suco de laranja. Os produtos exportados provenientes do agronegócio, no período de 15 anos, de 1997 a 2012, geraram o aumento na receita de 72,44 bilhões de dólares (MAPA, 2013). Em contraposição, o aumento das importações foi de 8,21 bilhões de dólares, resultando na elevação do saldo positivo em 64,24 bilhões de dólares, da Balança Comercial Brasileira. Neste mesmo período, os produtos agropecuários tiveram nas exportações um aumento do lucro de 66,62 bilhões de dólares. Em contrapartida, a elevação na despesa, em importação, foi de 5,35 bilhões de dólares (BRASIL, 2013). O agronegócio⁸, juntamente com a agropecuária⁹, correspondem a 74% das exportações brasileiras (BRASIL, 2013), demonstrando que a produção do mundo rural tem sido a grande responsável pelo desenvolvimento econômico do Brasil.
Entretanto, o conceito de desenvolvimento não é um conceito neutro
(GADOTTI, 2005, p. 18), pois está imbuído da ideologia imperialista de progresso, imposta pelo capitalismo, cujas bases de sustentação são a produção e o consumo em massa. Tal modelo de felicidade e bem-estar social, vincula-se aos parâmetros da competição e da acumulação de riquezas e de bens materiais. Estes parâmetros vinculam-se ao desenvolvimento econômico, mas este não é sinônimo de desenvolvimento humano, são conceitos distintos e, muitas vezes, contraditórios. Este desenvolvimento econômico, regido pela ganância desenfreada, pelo lucro ilimitado, pela exploração dos seres humanos e pela destruição da natureza, resultou no crescente aumento de desemprego, miséria e violência nas zonas urbanas, decorrente do acelerado processo migratório da população brasileira (quadro 1), que abandonou as zonas rurais para se fixar nas grandes cidades.
Em contradição à vocação agropecuária e ao acelerado incremento da economia rural do Brasil, demonstrado nos dados acima, a população brasileira vem abandonando o mundo rural e se tornando cada vez mais urbana. No ano de 1940, a população era de 41 milhões de habitantes, dos quais cerca de 80% viviam nas áreas rurais e/ou em cidades com menos de 20 mil habitantes (IPEA, 2000). Os censos demográficos do IBGE vêm demonstrando uma constante inversão destes índices, observando uma progressiva e acelerada concentração da população nas áreas urbanas (quadro 1).
O êxodo rural, iniciado na década de 1950, foi acelerando-se de tal forma que, no período compreendido entre 1970 e 1980, chegou a transferir para o meio urbano cerca de 12,5 milhões de pessoas, correspondendo a 30% da população rural existente no ano de 1970. Na década de 2000 a 2010, as taxas do êxodo rural decaíram em relação às décadas anteriores. No entanto, o processo migratório das zonas rurais para as zonas urbanas continua ocorrendo de forma constante, tendo em vista que, nestes dez anos, 17,6% da população, correspondendo a cerca de 5,6 milhões de pessoas, deixaram a zona rural (ALVES; MARRA; SOUZA, 2011).
O cenário está dado: globalização provocada pelo avanço da revolução tecnológica, caracterizada pela internacionalização da produção e pela expansão dos fluxos financeiros; regionalização caracterizada pela formação de blocos econômicos; fragmentação que divide globalizadores e globalizados, centro e periferia, os que morrem de fome e os que morrem pelo consumo excessivo de alimentos, rivalidades regionais, confrontos políticos, étnicos e confessionais, terrorismo (GADOTTI, 2005, p. 16).
O resultado da concentração das terras, da mecanização na produção e a falta de incentivos e investimentos para a agricultura familiar têm como consequência que apenas 29,3% dos estabelecimentos rurais tiveram participação ativa na produção do Brasil. Do total das propriedades rurais existentes, apenas 0,5%, ou seja, 27.434, são responsáveis por 51% do valor bruto da produção (VBP). Em contradição, 3.125.805, ou seja, 60,4% dos estabelecimentos rurais do país declararam produzir apenas 3,4% do VBP, o que corresponde a 0,5 salário mínimo mensal por estabelecimento (ALVES; MARRA; SOUZA, 2011). Isto demonstra que a maioria dos pequenos produtores rurais possuem baixa produção e baixa renda, o que os leva a grandes dificuldades de subsistência. Como Gadotti (2005, p. 24) salienta, uma coisa é ser cidadão da Terra e outra é ser capitalista da terra
.
A concentração fundiária do Brasil é a grande causa da violência rural, pois menos de 50 mil propriedades possuem áreas superiores a mil hectares. Cerca de 1% dos estabelecimentos rurais têm cerca de 46% das terras brasileiras. Existem 600 milhões de hectares agricultáveis. Destas, 250 milhões são devolutas e 285 milhões são latifúndios. Do total das terras agricultáveis do país, 138 milhões de hectares pertencem a 28 mil proprietários e 85 milhões de hectares concentram-se nas mãos de apenas 4.236 proprietários (BRASIL, 2013). Em contradição, existem cerca de 4,8 milhões de famílias de trabalhadores rurais vivendo como posseiros, arrendatários, meeiros ou em propriedades com menos de 5 hectares. Estas contradições resultaram numa violenta conflitualidade social. Segundo a Comissão Pastoral da Terra¹⁰, no período de 1985 a 2002, verificaram-se 1.280 assassinatos de trabalhadores rurais, advogados, técnicos, lideranças religiosas e sindicais ligados à luta pela terra (CPT,