Prevenção e Controle das Doenças Crônicas: Perspectivas para a Educação Física
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Sobre este e-book
Estruturado em cinco capítulos, o livro apresenta uma série de reflexões que tratam do atual cenário de doenças crônicas existentes no país, a fim de discutir a importância da educação física para o combate e prevenção dessas doenças, bem como contribuir para uma possível mudança dessa realidade.
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Prevenção e Controle das Doenças Crônicas - Alessandro Barreta Garcia
PRÁTICA DE ATIVIDADE FÍSICA COMO FATOR DE EDUCAÇÃO EM SAÚDE EM CRIANÇAS E ADOLESCENTES: REFLEXÕES HISTÓRICAS
¹
Alessandro Barreta Garcia
Erinaldo Luiz de Andrade
Rui Anderson Costa Monteiro
Álvaro Adolfo Duarte Alberto
Aylton Figueira Junior
Introdução
O controle das doenças crônicas na atualidade se relaciona a inúmeras tendências que tratam das consequências da evolução e desenvolvimento do homem desde as suas primeiras capacidades e habilidades de andar, liberar as mãos e manipular artefatos, além do aumento da estatura e do cérebro, ampliação da visão e das mudanças nos hábitos alimentares. Houve ainda, a substituição da alimentação herbívora por carnívora em um contexto de descoberta do fogo (Leakey; Lewin, 1981; Leakey, 1989; Leakey; Lewin, 1996; Lieberman, 2013). Evoluímos há milhares de anos e transitamos das doenças virais para doenças não transmissíveis em meio a mudanças pré-industriais em pós-industriais, muito embora estejamos vivenciando a pandemia de covid-19 que se correlaciona diretamente com a prática de atividade física².
Tais transformações levaram pesquisadores em diferentes épocas debaterem problemas da obesidade relacionados aos mecanismos metabólicos da doença e sua relação a diferentes tipos de câncer como o de cólon, endométrio, mama, além do agravo na hipertensão, doença arterial coronariana, diabetes tipo 2, doenças da vesícula biliar e osteoartrite (Bray, 2003; Colditz; Mariani, 2003).
Sobre as doenças cardíacas congênitas e a insuficiência cardíaca, estima-se que afetem mais de 25 milhões de pessoas no mundo. Os cálculos para 2060, projetados por Sleeman et al. (2019), são de 48 milhões de mortes, sendo 83% delas entre as populações de baixo poder aquisitivo.
Sabendo que os interesses por um costume ativo se (depende da combinação de uma série de fatores) associam ao ambiente percebido, nível de atividade física ao longo da vida, necessidade e importância das atividades físicas de crianças e adolescentes, educação em saúde escolar, teorias comportamentais, sexo e idade, nível socioeconômico, fatores psicológicos, barreiras, competências na execução das atividades, família, escola, professor, amigos, espaço físico, características climáticas, motivação, políticas públicas de promoção de atividade física, papel do exercício físico relacionado ao sistema imunológico e câncer, atividade física na condução das doenças cardiovasculares e cardíacas e levando em conta que na transição da infância para a adolescência é que boa parte dos comportamentos se consolidam: o objetivo do presente estudo, de caráter propedêutico, foi oferecer uma breve trajetória da educação em saúde, atividade física e o controle das doenças crônicas ao longo do tempo e evidenciar sua necessidade entre crianças e adolescentes na presente época.
Panorama histórico
O homem evoluiu desde a Pré-História³ e tem ampliado e aprimorado suas capacidades e habilidades físicas, aperfeiçoando seu andar, caminhar e correr, passando por diversas situações que lhe forçaram sobreviver (Leakey; Lewin, 1981; Leakey, 1989; Leakey; Lewin, 1996). Gasset (1991), examinando as técnicas no decorrer da história, divide-as em três fases: A primeira é a do acaso
, a partir das técnicas criadas por tentativa e erro sem grandes explicações de causa e efeito se produziu vários tipos de materiais (machados de mão, de madeira ou pedra e lanças). A segunda fase, onde já executavam técnicas específicas em pequenas corporações, se podiam transmitir formalmente conhecimentos, muitas vezes passados de pai para filho, essa etapa é chamada de técnica do artesão
. Na terceira fase há o refinamento das técnicas por meio dos indivíduos técnicos mais especializados. Toda essa bagagem evolutiva levou nossa sociedade à ampla margem de expectativa de vida cercada de tecnologia, conforto, qualidade e bem estar, ou seja, muito próximo do contexto de saúde. Apesar dos múltiplos momentos de locomoção, o homem primitivo se fixou e fundou cidades, adaptou-se e se (buscou meios para reduzir o seu gasto energético em atividades físicas) tornou sedentário.
A partir da Antiguidade⁴, as perturbações referentes à obesidade e o sedentarismo remontam a 600 a.C., na Índia. Tipton (2008) elucida que o médico Sushruta defendia a execução dos exercícios físicos moderadamente todos os dias, pois estava convencido, naquela época, que a inatividade física, percebida pelas longas horas de sono durante o dia junto ao excesso de alimentos, poderia desequilibrar o organismo e promover o aumento de peso corporal.
Desde 600 a.C. a medicina reivindica programas de exercícios, caminhadas, prática de esportes, lutas e montaria de cavalos ou elefantes. A ansiedade de Sushruta por melhora nas condições de saúde não é muito diferente da nossa nos séculos XX e XXI. Na Antiguidade grega as preocupações atinentes à saúde e as relações dela com os exercícios físicos para prevenção de doenças estão amplamente documentadas. Hipócrates faz algumas observações sobre os alimentos e os exercícios:
Os alimentos e os exercícios têm virtudes opostas que, entretanto, colaboraram no cuidado da saúde: os exercícios despendem os alimentos, os alimentos e as bebidas reparam. Vemos, portanto que é preciso conhecer a virtude dos exercícios tanto naturais como forçados, quais contribuem para o aumento das carnes, quais para a sua atenuação; e não somente isso, mas ainda a proporção dos exercícios em relação à quantidade de alimentos, à natureza do indivíduo, à idade, as estações, à mudança dos ventos, à situação dos lugares onde ele vive. (Hipócrates, 2002, p. 32)
Os conselhos médicos na Antiguidade propostos à vida equilibrada se espalharam pela comunidade a ponto de detectarmos na filosofia da época a defesa explícita dos exercícios físicos para o incremento saudável e harmonioso do corpo, tanto na infância quanto na adolescência. Platão e Aristóteles se sobressaem entre os defensores dos exercícios em diferentes compreensões de sociedade (Aristóteles, 1985; Platão, 2006). Tal tradição chegou até nós e sempre que se retorna a estes filósofos constata-se sua importância e atualidade. Exemplo disso é a recomendação de Aristóteles para a execução dos exercícios realizados moderadamente:
Que se deve usar ginástica, e como se deve usá-la, são pontos pacíficos; até a puberdade convém prescrever às crianças exercícios leves, proibindo-lhes dietas e exercícios forçados, para que nada lhes prejudique o crescimento; há mesmo uma prova nada desprezível de que o treinamento rigoroso pode levar a tal resultado: na lista de vencedores dos jogos olímpicos encontram-se apenas duas ou três pessoas vitoriosas como homens e meninos, isto porque o treinamento desde a infância e os exercícios exagerados lhes tiram as forças. (Aristóteles, 1985, p. 272)
Na Idade Média⁵, ocasião de surgimento dos hospitais e das quarentenas para preservação dos pacientes e da economia da época, Requixa (1980) registra no respectivo período o prenúncio de leis trabalhistas, proteção e preservação da saúde dos trabalhadores corporativos (repouso semanal e limitação das jornadas de trabalho). O lazer era uma das formas que contribuíam na obtenção de saúde em dias de festas religiosas. Costa e Silva (2016), em levantamento documental sobre o regime sanitário de Jaime II – 1308 de Arnau de Vilanova, garantem que na Idade Média existiam preocupações referentes aos exercícios físicos, dietas, higiene, banhos e descanso.
Autor do século XIII, Llull (2010), defensor dos exercícios físicos na infância, em seu livro Doutrina para crianças, faz a seguinte sugestão:
Acostuma teu corpo a trabalhar, para que tenhas saúde e não sejas gordo nem preguiçoso; acostuma tua alma a lembrar, para que não esqueças; acostuma teu entendimento a entender, para que não te enganes, e acostuma tua vontade a amar, para que sejas agradável a Deus. (Llull, 2010, p. 82)
Opondo-se a obesidade para manter o corpo saudável, ao contrário do que se pensa, na Idade Média não se deixaram de lado questões tradicionalmente discutidas na Antiguidade.
Durante a Idade Moderna,⁶ toda essa tradição ajudou a construir um ideário de saúde pública mundial (Gordon, 1996; Giordani, 1997; Tipton, 2008; Bynum, 2015). Os nomes dos médicos Sushruta, Hipócrates e Galeno, entre outros, são os mais conhecidos. Nesse período (XVII), o médico Bernardino Ramazzini, ao falar das doenças dos operários sedentários diz que ao contrário daqueles que movem o corpo, os inativos sofrem de dores lombares. Para Ramazzini (2000), os operários sedentários devem, sempre que possível, compensar em dias festivos com a execução de exercícios físicos para o corpo a fim de evitarem maiores danos à saúde. Ainda sobre as profissões sedentárias, estão os escribas e notários (responsáveis pelo trabalho escrito de registros públicos), ou seja, aqueles que trabalham em escritórios. Do sedentarismo pode se ter como consequência a obstrução visceral, indigestões e mau estado de saúde e para evitar seriam indicados os exercícios moderados (Ramazzini, 2000). Não é difícil entender que tais danos poderiam ser amenizados adotando-se um estilo de vida ativo.
Ainda no período pré-industrial vários estudiosos poderiam ser citados, mas um nome aparece em destaque: John Locke. Empirista, filósofo e médico, Locke era admirador das tradições da Antiguidade. Para Locke (2012), os exercícios de natação, esgrima e equitação são indicados para melhoria da saúde. Essa tradição também se realizou em função das correntes pedagógicas de ginástica francesa, sueca e alemã e no caso específico de Locke, no desporto inglês (Ramos, 1970; Marinho, 1980; Marinho, 1984). Em comum, esses métodos de ginástica ou de desporto carregam o discurso médico-higienista desde o século XVIII até a metade do século XX.
Na passagem da Idade Moderna ao mundo Contemporâneo⁷ não é possível descrever os acontecimentos sem referência a Pasteur, físico e químico famoso no contexto da Saúde Pública internacional:
Em 1864, Pasteur descobriu que aquela trágica acidificação do vinho não era produzida por alguma química maligna, mas por organismos microscópicos vivos, gerados não pela própria bebida agradável, mas que estavam no ar. O desastre enológico podia ser evitado matando os organismos, o que podia ser feito aquecendo o lagar a 60 graus centígrados. (Gordon, 1996, p. 16)
Pasteur, ao perceber que os micro-organismos disseminavam os vírus, foi considerado um dos responsáveis pelo controle das epidemias (Bynum, 2015). Desse cenário