Desperdício Alimentar
De Iva Pires
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Sobre este e-book
Iva Pires
Iva Pires é doutorada em Geografia Humana pela Universidade de Lisboa. É professora associada da Universidade Nova de Lisboa, docente do Departamento de Sociologia da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas e investigadora integrada do Centro Interdisciplinar de Ciências Socias (CICS.NOVA). Coordena o mestrado e o doutoramento em Ecologia Humana. Integrou a equipa do projecto PERDA sobre o desperdício alimentar em Portugal, Prémio Ideias Verdes 2011.
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Desperdício Alimentar - Iva Pires
Introdução
Se em minha casa se estragar uma laranja numa semana, porque se compraram demasiadas e uma acabou por apodrecer, tendo em conta que somos 4 043 726 famílias em Portugal (em 2011, segundo a Pordata) e que uma laranja pesa em média 80 gramas, nessa semana deitaram-se para o lixo em Portugal cerca de 323 toneladas de laranjas, e por ano 16 800 toneladas. Se considerarmos que as laranjas têm um valor de mercado de 1,5 euros por quilo, então teríamos desperdiçado 25 200 euros. Agora, façamos o mesmo exercício incluindo maçãs, peras, pão, alfaces ou iogurtes que, semanalmente e por razões variadas, acabam no lixo.
Mas isto é apenas a ponta do icebergue. Na verdade, é muito difícil ter a noção da verdadeira dimensão do desperdício alimentar, ou seja, dos alimentos que, apesar de estarem em boas condições para o consumo humano, acabam no lixo, pois esse desperdício acontece ao longo de toda a cadeia, do campo ao garfo, por razões muito variadas e nem sempre evitáveis.
O tema do desperdício de alimentos não é novo. Na Cimeira da Alimentação realizada em Roma em 1974, já tinha sido abordado, e ainda antes, durante a Primeira e Segunda Guerra Mundial, cartazes lembravam a importância de não se desperdiçarem alimentos. Mas ganhou de novo notoriedade com a crise económica global, com a subida do preço dos alimentos, com o crescimento estimado da população mundial e com o impacto das alterações climáticas na produção de alimentos e a previsível escassez de água. Um relatório da Agência das Nações Unidas para a Alimentação (FAO), publicado em 2011, espoletou a discussão ao estimar que, no mundo, por ano, 1,3 mil milhões de toneladas de alimentos adequados ao consumo humano se perdem ou desperdiçam, representando cerca de um terço de todos os alimentos produzidos.
Várias causas contribuem para explicar o desperdício alimentar que ocorre ao longo de toda a cadeia, desde a produção agrícola («do campo»), ao processamento, à distribuição e ao consumo final («ao garfo»). Entre elas encontramos, na fase inicial da cadeia, as culturas que são deixadas no campo quando os preços pagos aos agricultores não compensam os custos de produção, ou o descarte do pescado no mar de espécies que não têm venda e o que ocorre durante o processo de embalamento e de transporte. Mas é na fase final da cadeia que surgem, no caso dos países mais desenvolvidos, os valores mais elevados de desperdício alimentar. O processo de urbanização, que implica normalmente um corte com a pequena produção de subsistência e alteração de fatores económicos e sociais, como a entrada da mulher no mercado de trabalho, horários de trabalho extensos, novas estruturas familiares, aumento do rendimento familiar e alteração das dietas, a abundância e o baixo preço dos produtos alimentares conduziram a novos padrões de consumo e implicaram também o aumento do desperdício. A este desperdício que ocorre no final da cadeia, no contexto das famílias, há que somar ainda o da distribuição, cada vez mais organizada à escala global, sujeita a regulações que impõem restrições à qualidade e ao tamanho dos produtos alimentares para venda, a rotulagens complexas que o consumidor não consegue entender e a prazos de venda muito curtos que dificultam a gestão dos stocks e deixam muitos produtos nas prateleiras por vender.
Paradoxalmente, estima-se que existam no mundo 805 milhões de pessoas em situação crónica de subnutrição ou de insegurança alimentar, dos quais 790 milhões nos países em desenvolvimento (FAO, 2014a), apesar de o direito à alimentação estar consagrado na Declaração Universal dos Direitos do Homem, de 1948, que enuncia os direitos fundamentais, civis, políticos e sociais de que devem gozar todos os seres humanos. No artigo 25.º, afirma-se que «[toda] a pessoa tem direito a um nível de vida suficiente para lhe assegurar e à sua família a saúde e o bem-estar, principalmente quanto à alimentação […]» (Declaração Universal dos Direitos Humanos, 1948).
Na União Europeia (UE), estima-se que se desperdicem por ano, nos 28 países membros, aproximadamente 89 milhões de toneladas de alimentos ao longo da cadeia, ou seja, cerca de 173 quilos per capita, embora os valores variem de país para país (EC, 2010). A produção e o tratamento do desperdício alimentar contribuem com 170 milhões de toneladas de dióxido de carbono e consomem 261 milhões de toneladas de recursos (EC, 2011). Em Portugal, um estudo exploratório quantificou cerca de 1 milhão de toneladas de desperdício alimentar por ano, equivalente a cerca de 100 quilos per capita, o que representa cerca de 17 % de todos os alimentos produzidos para consumo humano no país (Batista et al., 2012).
Colocar alimentos no prato dos Norte-Americanos consome 10 % do orçamento total de energia, usa 50 % da terra e 80 % da água doce. No entanto, 40 % dos alimentos são desperdiçados, equivalente a 142 mil milhões de euros por ano. Uma família de quatro pessoas deita fora em alimentos um valor estimado entre 1164 e 1961 euros por ano (Gunders, 2012). O volume de resíduos sólidos alimentares municipais por pessoa tem vindo a aumentar (mais cerca de 50 % entre 1974 e 2005) (Hall et al., 2009) e, em 2008, representaram 12,7 % dos 250 milhões de toneladas de resíduos sólidos urbanos; a maior parte foi para incineradoras ou aterros sanitários e menos de 3 % foram recuperados ou reciclados (Buzby et al.,