Fotografia e Interinvenções: Compondo uma Oficina para PesquisarCOM com Pessoas com Deficiência Visual
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Fotografia e Interinvenções - Willy Heyter Rulff
Sumário
PRÓLOGO
INTRODUÇÃO
PLANO
LABORATÓRIO
CAPÍTULO 1
PARA CHEGAR À OFICINA
CAPÍTULO 2
APRENDENDO A DANÇAR ENTRE MOLDURAS E ENQUADRAMENTOS
CAPÍTULO 3
CIRCULANDO E CRIANDO HISTÓRIAS NA OFICINA E PELA CIDADE
CAPÍTULO 4
A INTERINVENÇÃO DO MÉTODO
BAVCAR-NIGENDA-DIB
PLANO
AMPLIAÇÕES
CAPÍTULO 5
PRIMEIRA AMPLIAÇÃO
5.1 Tateando a pele de um leão
5.2 Você fez a foto sozinho(a)?
5.3 Cabeças cortadas
5.4 Da necessidade de um(a) professor(a) para ensinar as pessoas com olho-visão
CAPÍTULO 6
SEGUNDA AMPLIAÇÃO
6.1 Descrever ou Traduzir?
6.2 Palavras, corpo e limites
6.3 Comunicação, atenção e tradução
6.4 Sensação, felt meaning e tradução
PLANO
EXPOSIÇÕES
CAPÍTULO 7
EXPOSIÇÕES FINAIS
7.1 Exposição das interinvenções
7.2 Exposição da atenção
7.3 Exposição do mal-entendido promissor
7.4 Exposição da recalcitrância
7.5 Exposição da tradução
7.6 Exposição da pele do leão
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
REFERÊNCIAS FOTOGRÁFICAS
Fotografia e Interinvenções
Compondo uma Oficina para PesquisarCOM
Pessoas com Deficiência Visual
Editora Appris Ltda.
1.ª Edição - Copyright© 2023 dos autores
Direitos de Edição Reservados à Editora Appris Ltda.
Nenhuma parte desta obra poderá ser utilizada indevidamente, sem estar de acordo com a Lei nº 9.610/98. Se incorreções forem encontradas, serão de exclusiva responsabilidade de seus organizadores. Foi realizado o Depósito Legal na Fundação Biblioteca Nacional, de acordo com as Leis nos 10.994, de 14/12/2004, e 12.192, de 14/01/2010.Catalogação na Fonte
Elaborado por: Josefina A. S. Guedes
Bibliotecária CRB 9/870
Livro de acordo com a normalização técnica da ABNT
Editora e Livraria Appris Ltda.
Av. Manoel Ribas, 2265 – Mercês
Curitiba/PR – CEP: 80810-002
Tel. (41) 3156 - 4731
www.editoraappris.com.br
Printed in Brazil
Impresso no Brasil
Willy Heyter Rulff
Fotografia e Interinvenções
Compondo uma Oficina para PesquisarCOM
Pessoas com Deficiência Visual
Às pessoas com deficiência visual, que reinventam a si e o mundo fotografando.
AGRADECIMENTOS
Aos participantes da oficina de fotografia, por construírem comigo uma trama sempre atualizável, na qual caminhamos juntos ao longo de vários anos.
À professora Virgínia Kastrup, pela generosidade com que acolheu o projeto da oficina de fotografia e por sua orientação precisa e preciosa para a realização da dissertação que serve de base a este livro.
À Laura Pozzana e a Gustavo Ferraz, pela leitura atenta e pelas contribuições como membros da banca de defesa do mestrado.
Aos participantes do grupo de pesquisa, que desenvolveu e adotou a metodologia PesquisarCOM, trocar ideias COM vocês fez toda a diferença na minha formação.
Ao Instituto Benjamin Constant, que abriu as portas para a realização da oficina.
Ao Rodrigo Madeira, pela parceria nos primeiros passos da oficina de fotografia.
À Telma Álvares, por abrir espaço para a primeira exposição de fotografias realizada pelos participantes da oficina.
À Cheila Felton, coordenadora do grupo Anjos de Visão, pela parceria e pelo espaço aberto para uma segunda exposição das fotografias.
À Carolina Estrela, por ter realizado a montagem dos painéis para a primeira exposição das fotografias.
Aos estagiários Laura Bloch, Ana Saad, Caio Herlanin, Isabela Nick e Thaís Castelo Branco, agradeço pela companhia, pelas ideias e intervenções que auxiliaram a compor a trama da oficina.
À Marta, companheira de vida, pelo apoio, paciência e pela parceria na arte de cultivar junto um caminho amoroso de compreensão e carinho.
À minha mãe Nancy, pelo exemplo de perseverança, apoio e incentivo.
Ao meu pai, Jürgen, in memoriam, que, nos dez anos em que convivemos, presenteou-me com riso e alegria suficientes para toda uma vida.
PREFÁCIO
Uma oficina de fotografia com pessoas com deficiência visual:
um laboratório de experimentações
Seria possível uma oficina de fotografia com pessoas cegas e com baixa visão? Não seria um tanto sem sentido propor a pessoas com deficiência visual uma atividade que parece depender exclusivamente da visão? Não seria descabida a prática da fotografia realizada por pessoas cegas, na medida em que elas não poderão ver suas próprias fotos, que seriam o principal resultado do seu trabalho? Essas perguntas, que parecem naturais, óbvias e triviais, são frequentemente colocadas quando falamos de uma oficina de fotografia com pessoas com deficiência visual.
Todavia, Willy Rulff, que traz na bagagem uma formação em Cinema e em Psicologia, problematiza esse entendimento do problema. Quando estudante de cinema, conhece o trabalho do célebre fotógrafo esloveno Evgen Bavcar. Ele é cego, artista e filósofo, escrevendo sobre sua experiência em um tom cujas ressonâncias políticas são evidentes. Afirma que fotografar não é representar uma realidade, mas produzir imagens. A fotografia não é apenas o registro objetivo de uma realidade externa, mas também envolve modos diversos de perceber, a audição, o tato, a sensibilidade, a memória e o desejo do fotógrafo. Existe uma dimensão estética e inventiva da fotografia.
Como psicólogo, Willy entra em contato com diversas pessoas cegas e com baixa visão que fazem fotos e gostam efetivamente de fazê-lo. Partindo do conhecimento do trabalho de Bavcar e escutando pessoas cegas em um trabalho clínico grupal, Willy coloca novas e instigantes perguntas, que são desenvolvidas e desdobradas neste livro. O que acontece efetivamente no encontro dessas pessoas com a fotografia? Como seria, para uma pessoa vidente — ou que tem o olho-visão, como Willy prefere — realizar uma oficina de fotografia para um grupo de pessoas cegas e com baixa visão? Como seria trabalhar com elas, propondo encontros regulares em torno da fotografia? Como seria acompanhar o processo de uma oficina de fotografia com pessoas com deficiência visual?
Acreditando na potência desse encontro, Willy conduz durante sete anos, com dedicação e sensibilidade, uma oficina de fotografia no Instituto Benjamin Constant, no Rio de Janeiro. Durante esse tempo, mantém-se atento ao que acontece, sempre aberto aos caminhos que vão sendo traçados pelo grupo. Acolhe situações inusitadas, se deixa surpreender, problematiza e experimenta sempre, sem medo de tatear e caminhar no escuro. No livro que temos em mãos, que resulta de sua dissertação de mestrado no Programa de Pós-graduação em Psicologia da UFRJ, o leitor é convidado a acompanhar o caminho trilhado pelos fotógrafos cegos na oficina proposta por uma pessoa com olho-visão. É possível perceber que em uma sociedade visuocêntrica, todos estão envolvidos no processo de aprendizagem inventiva e no itinerário de interinvenções.
O livro é o relato de uma pesquisa-intervenção baseada no método da cartografia e do PesquisarCOM. Para pensar e analisar as questões que emergem ao longo do trabalho de campo, traz como intercessores autores como Evgen Bavcar, Gilles Deleuze e Félix Guattari, Vinciane Despret, Yves Citton e Claire Petitmengin, entre outros. A pesquisa-intervenção inclui uma rede heterogênea composta por pessoas com e sem deficiência visual, livros, artigos científicos, regras institucionais, câmeras fotográficas, mesas, cadeiras, ruas, histórias, afetos, lembranças etc. Com grande senso crítico e com leveza são abordados problemas como o preconceito e o capacitismo estrutural que constitui nossa sociedade e que marcam com práticas de exclusão e opressão na relação com pessoas com deficiência visual. A tônica e um dos méritos do livro é narrar como a oficina não seguiu um modelo ou planejamento prévio, mas foi construída aos poucos, funcionando como um laboratório de experimentações.
Willy compartilha situações curiosas, como aquela que ocorre em um primeiro encontro com novos participantes da oficina. Com todos sentados ao redor da mesa, ele discorre sobre o funcionamento da câmera fotográfica e faz com que ela circule de mão em mão, para que os participantes possam tocá-la e conhecê-la. Eis que um deles aperta um botão e, ao ouvir o ruído do flash e do obturador, afirma em um misto de susto e surpresa: Ih! Acho que fiz uma foto!
. Sim, começamos a entender que cegos podem fotografar! Várias situações experimentadas ao longo do trabalho dão sabor ao texto, como o diálogo com o funcionário da loja em que Willy costumava revelar as fotos. Ao saber que as fotos foram realizadas por pessoas com deficiência visual, o funcionário pergunta: eles fizeram as fotos sozinhos?
. Percebendo que essa pergunta jamais teria sido feita em relação a fotos de videntes, Willy faz dela um analisador de sua pesquisa cartográfica. Afinal, todos os fotógrafos não fazem suas fotos acoplados com dispositivos e tecnologias que ajustam o foco, a luz etc. Muitos não pedem a ajuda de outras pessoas? Todavia, a desconfiança em relação à capacidade de fotografar das pessoas cegas é patente.
É interessante a narrativa das idas e vindas que marcam o deslocamento de Willy do seu próprio visuocentrismo. Em um momento inicial da oficina, ele procura transmitir informações sobre questões relativas à luz, às lentes e ao enquadramento da foto. Pensa longamente em como fazê-lo do modo mais concreto possível e decide utilizar molduras de diferentes tamanhos como recursos táteis para o aprendizado. Logo percebe que essas estratégias mais atrapalham que ajudam, e revê inteiramente sua política pedagógica. A oficina começa a mudar.
Frente a regras institucionais, como a proibição de fazer fotos nas dependências do Instituto Benjamin Constant, o grupo é levado a explorar o seu entorno, fazendo incursões ao bairro da Urca. O que poderia ser um obstáculo, vira ingrediente de invenção naquele laboratório de experimentações. Os passeios fotográficos se tornam parte importante na dinâmica da oficina. O grupo ganha então maior autonomia, propondo a visita a bairros e locais significativos para os participantes. Munidos de suas bengalas e câmeras fotográficas, aquele grupo de pessoas com deficiência visual se desloca com interesse e curiosidade pelos bairros de Copacabana, Leme, Lapa e exploram a cidade. Visitam o Jardim Botânico e a feira de São Cristóvão. No encontro da semana seguinte, conversam sobre o passeio e sobre as fotos que fizeram, que se revelam plenas de sentido e de afetos.
O interesse pelo produto mais direto da prática fotográfica — as fotos — se desloca gradativamente para o processo de fotografar. O acompanhamento do processo grupal não deixa de incluir a atenção aos processos de cada um daqueles fotógrafos, que têm modos de perceber e estar no mundo singulares, mantendo também relações diversas com a própria fotografia. Willy acaba por propor um método de trabalho: o método Bavcar-Nigenda-Dib, que não existia a priori, mas foi sendo composto ao longo dos anos da oficina. Com ele, o que
e por que
fotografar ganham destaque em relação à como
fotografar e a ênfase nos estímulos externos dá lugar às emoções e aos afetos mobilizados.
A descrição das fotos é outro campo de experimentações que se destaca na oficina. Abordar a descrição das fotos como tradução, levar em consideração a língua sensível
de cada um e incorporar as sugestões dos participantes permitiram a abertura de instigantes possibilidades para refletirmos sobre a maneira como imagens podem ser tornadas acessíveis.
Enfim, ao longo deste belo livro organizado com títulos que remetem ao vocabulário da fotografia, o leitor entrará em contato com uma escrita precisa, recheada de situações concretas, que vêm acompanhadas das inquietações e problematizações do autor, analisadas a partir de uma escuta atenta e sensível. Um livro sobre um laboratório de experimentações que coloca em cena a potência da fotografia em lutar contra as versões incapacitantes da deficiência visual, para ser lido com a atenção aberta ao deslocamento crítico do capacitismo estrutural que nos habita.
Virgínia Kastrup
Doutora em Psicologia Clínica (PUC-SP), professora titular do Instituto de Psicologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro e bolsista PQ do CNPq na área de Psicologia cognitiva. Suas pesquisas se articulam em torno do problema da invenção, com desdobramentos sobre a aprendizagem, a atenção, a arte e a deficiência visual. Publicou A invenção de si e do mundo (Autêntica, 2007), Políticas da cognição (Kastrup, Tedesco e Passos, Sulina, 2008), Histórias de cegueiras (Kastrup e Pozzana, CRV, 2016) e Cegueira e invenção (CRV, 2018). É uma das organizadoras de Pistas do Método da Cartografia v.1 (Passos, Kastrup e Escóssia, Sulina, 2009) e Pistas do Método da Cartografia v. 2 (Passos, Kastrup e Tedesco, Sulina, 2014), Exercícios de ver e não ver: arte e pesquisa com pessoas com deficiência visual (Moraes e Kastrup, Nau, 2010) e Movimentos micropolíticos em saúde, formação e reabilitação (Kastrup e Machado, CRV, 2016), além de diversos artigos em revistas especializadas.
PRÓLOGO
Pequena reflexão sobre como nomear pessoas
Uma das coisas que muito me mobiliza a respeito da questão da deficiência visual é a maneira como são feitas as referências às pessoas cegas e àquelas que não são cegas. Logo que comecei a me relacionar com essa questão, percebi que muitas pessoas com deficiência visual e pessoas que trabalham ou que estabelecem alguma relação com o campo da deficiência visual utilizavam os termos vidente
e não vidente
para se referirem à pessoa que enxerga e à pessoa com deficiência visual, respectivamente. Durante um tempo, passei a utilizá-los também, mas desde o começo me parecia estranha a referência à pessoa com deficiência visual se dar por uma negatividade em relação àquela que enxerga. Esse estranhamento só aumentou com a leitura de Fernanda Eugenio (2002) que chama atenção para como a palavra vidente refere-se frequentemente a alguém que está em uma espécie de patamar superior, pois é aquele que percebe mais do que os outros, tendo acesso a algo do presente e do futuro que não está disponível para as demais pessoas. Na relação vidente/não vidente, não seria o primeiro aquele que consegue perceber melhor a realidade do que o segundo e, por isso, capaz de interpretá-la para ele? Com o passar do tempo abandonei essa terminologia e procurei outras possibilidades.
Pessoas com deficiência visual é o termo em torno do qual existe atualmente um acordo político como o mais correto, conforme indicado no livro História do movimento político das pessoas com deficiência no Brasil (JÚNIOR; MARTINS, 2010). É esse termo que tenho empregado, embora em alguns momentos empregue também cego
, por se tratar de um termo que costuma ser utilizado de maneira mais informal pelas pessoas com deficiência visual com quem tenho convivido para transmitir um sentido de identidade e de pertencimento a um segmento da sociedade que não carrega o peso da palavra deficiência. No entanto, esse termo, em muitos momentos, serve para fazer a distinção entre aqueles que são considerados cegos e os que possuem baixa visão. Sendo, então, o termo pessoas com deficiência visual
aquele que contempla ambas possibilidades.
E quanto aos termos utilizados para as pessoas que enxergam? Não existe um acordo político explícito, mas parece existir um acordo implícito para nomear esse grupo ao qual pertenço. Geralmente, a referência aos que pertencem a esse grupo é feita por meio, somente, da palavra pessoa
. O predicativo que enxergam
(ou normal
) só aparece quando existe uma relação de alteridade em que se quer distingui-las, ou seja, que enxerga
geralmente aparece quando existe uma pessoa que não enxerga ao lado, para que haja uma distinção. Quando se escreve pessoa
, pouco se diz sobre a quem se está fazendo referência, mas logo se imagina que é alguém que está próximo de um modelo construído como norma, com forte influência do paradigma biomédico,