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Histórias de Imigrantes: Desafio Quebec
Histórias de Imigrantes: Desafio Quebec
Histórias de Imigrantes: Desafio Quebec
E-book225 páginas3 horas

Histórias de Imigrantes: Desafio Quebec

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Sobre este e-book

História de Imigrantes: Desafio Quebec é a biografia de imigrantes corajosos que, um dia, deixaram seus países de origem com destino a Quebec (Canadá). Em meio às muitas bagagens, uma delas se fazia repleta de sonhos e esperanças. Ávidos por conquistar uma oportunidade em terra estrangeira, esses imigrantes não pouparam sacrifícios.
Dispostos a trabalhar e estudar, enfrentaram todo tipo de dificuldade e adversidade. Tiveram de se adaptar ao clima, aprender a língua francesa, assimilar a cultura e os costumes, os padrões sociais, o cotidiano e a sociabilidade.
As histórias narradas situam-se entre os anos de 2010 e 2017, quando a autora lá viveu e conheceu outros imigrantes brasileiros bem como colombianos, panamenhos, haitianos, sírios, russos, dentre outros. Ela passou por situações desafiadoras, enquanto morou nas diferentes cidades da bela província. Conheceu a discriminação e o preconceito, por ser mulher imigrante de meia-idade e possuir uma formação profissional regulamentada por uma ordem profissional que não facilitava aos estrangeiros a obtenção de uma licença de trabalho.
A autora, então, se arrisca em vários cargos que, lentamente, foram minguando a sua confiança e autoconhecimento. Por meio de ricas narrativas, o leitor, desse modo, é convidado a conhecer as diferentes etapas percorridas por Ivany longe de sua pátria.
IdiomaPortuguês
EditoraViseu
Data de lançamento25 de ago. de 2023
ISBN9786525456959
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    Histórias de Imigrantes - Ivany R. de Moraes

    Parte I

    Capítulo I

    Meu Quebec

    Mon pays ce n’est pas un pays, c’est l’hiver!¹

    (Chante le poète, Gilles Vigneault)

    Não é fácil descrever esse país chamado Quebec. País continental. Intensamente gelado durante seus longos invernos e de ventos polares que doem na alma mais que no corpo. Uma região delineada por inúmeros afluentes do rio Saint Laurent que contornam a América e alimentam suas florestas, seus numerosos lagos, suas magníficas paisagens do Témiscamingue, de Charlevoix, do Côte-Nord ou da Gaspésie.

    Entretanto o Quebec é, sobretudo, o seu povo valente e determinado. Um povo de extrema força de vontade, resistência e coragem, requisitos que proporcionaram aos primeiros habitantes as competências necessárias para afrontar os rigores do inverno, fundar famílias, explorar e desenvolver um continente imenso, além de sobreviver aos ataques dos Iroqueses, a hostilidade das colônias americanas, a ganância dos grandes comerciantes, a agonia da Revolução Industrial e a crise dos anos 1930.

    Um povo resiliente e resistente às frustrações dos recomeços. Um povo que transformou o sonho de uma América francesa numa grande provação, aquela da conquista inglesa e sua reconquista da possessão de seu território, da sua economia e de sua vida política.

    Je me souviens (Eu me lembro)

    É o lema nacional do Quebec.


    1 Meu país não é um país, é o inverno!

    Capítulo II

    Minha história:

    a partida

    As bagagens continham excessos de sonhos, expectativas e ilusões. Quebrei meu pacto com o silêncio, entretanto não me sinto traidora com relação à verdade, aos sentimentos e às minhas percepções, que, outrora, as julgava enganosas. O tempo passa a passos de sonhador. O desafio do ter pelo prazer do ser.

    Aeroporto Internacional de Guarulhos, São Paulo.

    Eram cerca de 20h do dia 14 de maio de 2010. Acabáramos de chegar, vindas de Sorocaba, São Paulo. Minha filha Déborah, eu e minha Companheira, que, dentro de sua caixa de transporte, após reclamar quase a metade da viagem, parecia ter se conformado que nada poderia fazê-la voltar à sua pacata vida. Ela estava mais calma, depois de tomar, ao longo do dia, um tranquilizante natural à base de Passiflora incarnata.

    Lá chegando, fomos recebidas pelo meu irmão Ivan e uma querida amiga, a Lellis. O tempo estava fechado e chuvoso. Fiz o check-in: três malas com 32 quilos cada e a apresentação dos documentos de minha Companheira, restava minha bagagem de mão, minha mochila e, claro, a caixa de transporte de minha peludinha inseparável, tudo isso estaria levando comigo. Por uma daquelas coincidências incríveis da vida, um colega de trabalho do meu irmão também iria embarcar no mesmo voo, entretanto, ao chegar em Toronto, ele faria conexão para Vancouver, onde visitaria sua filha, que lá morava há algum tempo. Dessa maneira, ele foi muito importante em me ajudar na passagem pela alfândega, em Toronto, com a minha mala de mão e a caixa de transporte, pois tudo é muito longe para se ir de um ponto a outro. Muito estresse e muito medo de perder o voo de conexão a Montreal. Antes do embarque em São Paulo, algumas fotos, alguns abraços e muitas lágrimas. Era o momento tão esperado, aquele momento que não se pode recuar, a linha do não retorno.

    O voo, propriamente dito, estava transcorrendo bem e tranquilamente. A caixa de transporte estava posicionada embaixo da poltrona da frente. Companheira dormia o sono dos justos. Eu já havia jantado e tomado duas taças de vinho tinto, que, naqueles tempos, era de boa qualidade. Estava finalmente relaxada e quase pegando no sono, quando escutei, subitamente, um miado que se fazia mais e mais presente e próximo de meus ouvidos. Eu não podia ignorar ser a minha bela adormecida, que já mostrava estar bem acordada, apesar de desorientada, e queria, com todas as forças, sair daquele lugar. Meu reflexo imediato foi de tirá-la da caixa e ver o que estava acontecendo. Foi nesse exato momento que aparecem dois comissários de bordo, que se materializaram de um instante a outro, e me impediram de carregá-la no colo, justificando que haveria pessoas na aeronave alérgicas a gatos. Fiquei atônita e sem ação. Disseram que, no toalete, eu poderia cuidar melhor dela. Como médica veterinária experiente, tinha levado comigo um frasquinho de um tranquilizante alopático, que estava na minha bagagem de mão, em caso de necessidade. No toalete, havia uma pequena mesa para a troca de fraldas, coloquei a caixa em cima e percebi que Companheira não estava nada contente. Ao abrir a caixa, muito irritada, me mordeu na primeira oportunidade. Em seguida, aproveitei para esguichar o tal tranquilizante. Não deu tempo de contar quantas gotas dera. Estava tão estressada com a situação que queria sair de lá o mais rapidamente possível. Retornando à minha poltrona, recoloquei a caixa no lugar e não ouvi mais nenhum miado. Passaram-se alguns minutos, silêncio. Pensei comigo: Matei minha companheira. Meu Deus! O que eu fiz? Passei o resto da viagem em estado de alerta. Finalmente, após quase dez horas de voo, aterrissamos em Toronto. Lá chegando, Companheira estava bem prosa, e pude constatar que ela havia efetuado um excelente voo. Ufa! Ainda bem que eles têm sete vidas, pensei comigo mesma.

    A passagem pelo posto de imigração foi outro desafio. Todos os meus documentos e da minha Companheira estavam em ordem, entretanto faltava um documento chamado Confirmation of permanent residence, que é emitido pelo Ministério da Cidadania e Imigração. Essa única folha era a minha chave de entrada como residente permanente no Canadá. Procurei em tudo quanto foi lugar e nem percebi que não sabia o que estava exatamente procurando. Estava em pânico. Passara a noite em claro. Não podia perder a conexão para Montreal. Aqueles momentos me pareceram uma eternidade. Até que encontrei uma folha dobrada ao meio, dentro de outros tantos documentos e, assim, de forma tão desesperançada, mostrei ao agente da aduana, supondo que ele iria rir da minha cara. Contudo ele me disse prontamente: "Madame, bienvenue au Canada!. Eu quase lhe dei um abraço e um beijo. Porém, nesse caso, poderia ser presa por assediar" um funcionário federal do serviço de imigração.

    Agora era correr com a minha bagagem de mão e a caixa da Companheira até as esteiras de bagagens e retirar as três malas com 32 quilos cada, para, em seguida, colocá-las em outro local de despacho. Impossível fazer tudo isso sem pagar pela ajuda de um dos carregadores. Era uma verdadeira maratona internacional. Estava quase desfalecendo de cansada e preocupada em não perder a minha conexão. Finalmente chegamos ao portão de embarque rumo a Montreal. Mais uma hora de voo e, lá, chegamos vivas, porém exaustas.

    Antes de contar a vocês o que é ser imigrante em terras de além-mar, preciso contextualizar aquele momento de vida na minha linha do tempo. A ideia não é realizar uma autobiografia. Porém pretendo relatar algumas das muitas histórias pelas quais passei e também dividir as experiências de alguns dos muitos amigos que fiz durante esses quase oito anos como imigrante no Quebec, Canadá.

    Capítulo III

    Um retorno ao

    ponto zero

    Conheci o Quebec em 2007, quando fui realizar uma espécie de exploração do território. Era professora universitária numa das faculdades de Medicina Veterinária em São Paulo e havia sido despedida. Num ano, professora homenageada; no outro, professora demitida por exigência de um grupo de alunos mimados e descontentes. O que vale é o argumento de quem paga e não de quem recebe. Enfim, graças ao meu FGTS, pude iniciar a minha saga. O sonho de ir para o Quebec era um desejo antigo e deixado de lado por N razões, por inúmeras dificuldades, tanto pessoais e financeiras quanto familiares. No entanto, como quem espera sempre alcança, finalmente havia chegado a oportunidade tão almejada. Fui como estudante da língua francesa, a fim de me atualizar na minha segunda língua, que é o francês. Para isso, contratei um pacote de intercâmbio e fiquei hospedada numa casa de família: Famille d’Acueille . A escola era no centro de Montreal.

    A família que me hospedou, num primeiro momento, era composta de uma senhora que morava sozinha e recebia estudantes de todos os cantos do mundo. Ela tinha um acordo com a escola. Porém ela residia muito, mas muito longe do centro da cidade, entre os metrôs Jolicoeur e Monk. Eu precisava pegar um ônibus e dois metrôs para ir e vir, ou seja, congelar num ponto de ônibus a menos 18°C era apenas a primeira etapa da tortura. A senhora era muito gentil, entretanto um pouco neurótica com limpeza e organização. Paguei por um quarto privado, pois queria me sentir à vontade, o que, no final das contas, não ocorreu. Ela era muito exigente no quesito alimentação, apesar de também ter pagado por três refeições. Imagine você tomar um copo de suco de laranja durante outra refeição que não fosse o café da manhã? Pois era quase um pecado mortal! Somado a tudo isso, ela tinha um namorado que era açougueiro e alcoólatra. Não era realmente um ambiente muito convidativo, convenhamos.

    Arrumei coragem e falei, na escola, com a coordenação sobre o assunto. Assim, em poucos dias, conseguiram outra Famille d’Acueille. Você irá se sentir bem mais à vontade. Essa senhora mora em Côte-des-Neiges. Trata-se de uma senhora muito distinta, casa grande e com lareira. Certamente irá se sentir em casa. Pois bem, lá fui eu mudar de família. Numa primeira impressão, acreditei que tivesse resolvido todos os meus problemas. Contudo não. A senhora, ao contrário da anterior, era muito porca. Sim, muito suja, e a tal casa tão chique era fachada para encobrir dívidas com a municipalidade. Ela nunca acendia a lareira, e os termostatos eram deixados a 15°C. A casa, um sobrado, era uma verdadeira câmara frigorífica! Quantas vezes tive que implorar para que aumentasse a temperatura durante a noite, pois estava congelando, apesar de dois grossos cobertores. Ela também não era boa na preparação da comida e realizava o mínimo necessário nos afazeres domésticos, sendo que eu havia pagado por três refeições. Ela era também uma religiosa fervorosa e amiga de todos do Oratoire de Saint Joseph. Nada contra a sua fé fervorosa, entretanto fazer vigília dentro e fora da casa já era demais. Resisti ao máximo. Num dado momento, vi que ela guardava alimentos no chão, sem qualquer proteção, e esses mesmos ingredientes eram usados para preparar as refeições, aí dei um basta!

    Como havia feito uma reserva de três dias em Vancouver, antes de voltar ao Brasil, conversei novamente na coordenação da escola e disse querer cancelar o resto do curso por motivos óbvios e, mesmo assim, tentaram me arrumar outra Famille d’Acueille. Chega! Não iria me submeter a mais uma aventura frustrada. Não tinha mais idade para tal temeridade. A propósito, informei sobre a insalubridade que era aquela casa, na esperança de advertir os responsáveis pelas outras almas que poderiam ser enviadas para lá. Só para informação, aquela senhora ficou sabendo o porquê da minha saída e me enviou um e-mail super-revoltada, pois soube que fora chamada de porca. Sem maiores detalhes, embarquei para Vancouver.

    Aqui faço um parêntese para aconselhar que jamais viajem com duas malas gigantes, principalmente se for se deslocar frequentemente em poucos dias. No meu caso, foram duas casas e uma ida a Vancouver. Muita ingenuidade da minha parte pensar que as mesmas roupas de inverno usadas aqui no Brasil iriam me servir lá no Canadá. No way!

    Farei um pequeno resumo de alguns dos lugares que conheci durante as três semanas que estive em Montreal. Além do Oratoire de Saint-Joseph, conheci a Basílica de Notre-Dame, onde assisti a uma das mais belas apresentações musicais com temas de Natal. Com a escola, conhecemos o Parlamento, em Ottawa; o comércio no subterrâneo da cidade; o estádio olímpico, bem como o Biodôme, um local que abriga diferentes vidas animais e vegetais dos mais variados ecossistemas. A viagem para Vancouver durou quase quatro horas de voo, nas quais tive a companhia de um canadense muito simpático, muito agradável e muito charmoso. Passamos por cima das montanhas rochosas canadenses, uma vista de perder o fôlego. Era um local deslumbrante, totalmente coberto de neve. Eu ficava imaginando como seria o acesso a tais altitudes, senão por helicóptero.

    Em Vancouver, fiquei hospedada no Hotel Ramada by Wyndham². Muito elegante, limpo e com funcionários muito simpáticos e corteses. Aproveitei a minha estadia para conhecer alguns pontos turísticos, embora o tempo estivesse fechado, chuvoso e frio, porém nem de perto a temperatura de menos 20°C de Montreal. Visitei o Vancouver Aquarium, que é um aquário público, localizado no Stanley Park, em Vancouver, British Columbia. Além de ser uma grande atração turística, o aquário é um centro de pesquisas, no qual se realizam programas sobre educação oceânica, conservação e reabilitação de animais marinhos. Também visitei o Museu de Antropologia, na Universidade da Columbia Britânica, perto de Vancouver. Ambos os passeios aqueceram o meu coração e me fizeram compreender que havia valido a pena todo o meu investimento e meus sacrifícios.

    Voltei ao Brasil decidida em pedir a minha residência permanente. Já era tempo de me apropriar do meu desejo de sair do Brasil a fim de encontrar a minha paz, mesmo a menos 20°C. Naquela época, era funcionária concursada de uma prefeitura havia quase 20 anos. Ao receber a minha residência permanente e decidir a data de minha mudança de país, para a surpresa de muita gente, pedi exoneração do meu cargo. Foi um momento de grande alívio, desprendimento e grande coragem!


    2 1221 Granville Street — Vancouver, British Columbia, V6Z 1M6.

    Capítulo IV

    A chegada em terras canadenses

    Ao chegarmos ao Aeroporto Internacional Pierre Elliott Trudeau, em Montreal, estavam nos esperando um casal de amigos. Ela, Marina, era prima de uma tosadora conhecida minha de Sorocaba, e seu noivo, Joseph, quebequense. Numa visita ao Brasil, eles se ofereceram para me hospedar por um curto período até que eu pudesse encontrar uma moradia, etc. Essa foi, sem dúvida, uma oferta que me havia tirado um grande peso das costas, pois chegar num país estranho sem conhecer ninguém e sem ter ninguém para te esperar no aeroporto é muito deprimente.

    Os primeiros dias foram ótimos, leves e divertidos. Eles também tinham uma gatinha, que, para minha surpresa, havia sido operada recentemente para a retirada das unhas. Essa cirurgia se chama onicectomia — esse procedimento envolve cortar com um bisturi ou laser os ossos, a partir dos quais as garras crescem. Podemos comparar isso a cortar os dedos das mãos ou dos pés de alguém. Imagine a dor que esse animal sentia para poder enterrar as suas fezes e urina na caixa de areia. Além disso, o equilíbrio da gatinha podia ser seriamente afetado. Tal procedimento é um ato covarde. A justificativa? É para o animal não arranhar o sofá.

    No primeiro mês, é normal ter apenas um olhar de turista. Tudo é descoberta. E, cada vez, as descobertas te impressionam. Montreal é uma ilha localizada no rio São Lourenço, na província de Quebec. A ilha abriga a cidade de Montreal (a maior cidade do Quebec e a segunda maior do país), além dos subdistritos de Dorval, Mont-Royal, Westmount e outros. Também possui uma área de cerca de 500 km², tendo um formato de bumerangue.

    A província onde está localizada a cidade de Montreal, Quebec, é culturalmente diferente do resto do Canadá, porque seu único idioma oficial é o francês, portanto foi por conta disso que decidi morar lá. O francês é a minha segunda língua.

    Passado esse primeiro momento, seguem os outros, nos quais se está envolvido quase 100% com as documentações: cartão médico; NAS (o equivalente ao nosso CPF, no Brasil) e o preenchimento de tantos outros

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