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De Brutos E Vivos
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E-book236 páginas2 horas

De Brutos E Vivos

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Sobre este e-book

De brutos e vivos , obra de estréia do escritor mineiro CF Scuo, conta a história do breve retorno de um dos mais ilustres cidadãos de São João Del Rei. Misturando fatos históricos e ficcionais, o personagem principal sai atrás da sua história e seu passado, incluindo eventos do período da redemocratização brasileira, de quando se promoveu no país a campanha das “Diretas Já”. O livro coloca em discussão, de forma inteligente e com humor, não apenas a história política brasileira recente, mas igualmente a questão de quem somos nós, de como se forma nossa identidade, e de quais são os nossos limites. Adotando linguagem clara e objetiva, CF Scuo logrou transformar uma ampla pesquisa histórica e geográfica em um livro fascinante, que prende o leitor do início ao fim.
IdiomaPortuguês
Data de lançamento6 de dez. de 2023
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    Pré-visualização do livro

    De Brutos E Vivos - Cf Scuo

    De brutos

    e vivos

    1a edição

    Belo Horizonte

    Edição do autor

    2023

    Copyright © C F Scuo, 2023

    Todos os direitos reservados. Proibida a reprodução, armazenamento ou transmissão de partes deste livro, através de quaisquer meios, sem prévia autorização por escrito.

    Reservam-se os direitos desta edição exclusivamente ao autor.

    Ficha

    Ao possível leitor, desculpe qualquer coisa

    Índice

    Capítulo 1. O motivo

    Capítulo 2. Feito uma criança

    Parêntese A - Sobre mendigos

    Capítulo 3. Apenas luz

    Capítulo 4. Monotonia

    Capítulo 5. Onde estou?

    Capítulo 6. Arrepio

    Capítulo 7. Cansaços

    Capítulo 8. Diálogo com o pipoqueiro

    Parênteses B – Sobre pescar em vez de ganhar o peixe

    Capítulo 9. Escritório

    Capítulo 10. Complicado

    Capítulo 11. Passeio

    Parênteses C – Sobre limites

    Capítulo 12. Uma vontade

    Capítulo 13. O combinado

    Parênteses D – Sobre a escrita deste relato

    Capítulo 14. Um sertão

    Capítulo 15. O rio Letes

    Capítulo 16. O corpo e a máquina

    Capítulo 17. Diálogo com outro mendigo

    Capítulo 18. Conselho

    Parênteses E – Sobre o propósito de escrever

    Capítulo 19. No alto das mercês

    Capítulo 20. Diálogo com o tal doutor Besouro

    Capítulo 21. História do fantasma de Besouro Leite

    Capítulo 22. Término do diálogo com o fantasma de Besouro Leite

    Capítulo 23. A casa do pároco

    Capítulo 24. Diálogo com o padre

    Capítulo 25. De volta à loja

    Parênteses F – Sobre etiqueta

    Capítulo 26. Curiosa atração de circo de horrores

    Parênteses G – Sobre clichê

    Capítulo 27. História que Joaquim contou – parte I

    Capítulo 28. História que Joaquim contou – parte II

    Capítulo 29. Da seleção de 1982

    Capítulo 30. Eles não foram imbatíveis

    Parênteses H - Tudo passa

    Capítulo 31. Destino

    Capítulo 32. Plano para penetrar na diocese

    Capítulo 33. Caminhada noturna

    Capítulo 34. Invasão da diocese

    Capítulo 35. Diálogo com Dom Carmélio - aceitação

    Capítulo 36. Diálogo com Dom Carmélio - entremeios

    Capítulo 37. História que Dom Carmélio contou

    Capítulo 38. Diálogo com Dom Carmélio - encerramento

    Parênteses I – Sobre ceticismo

    Capítulo 39. Travou

    Capítulo 40. Orquestra barroca

    Capítulo 41. Trombada

    Capítulo 42. A caminho de Pilar

    Capítulo 43. Breve relato de Gertrudes

    Capítulo 44. Pilar

    Parênteses J – Sobre o que se pede e o que se ganha

    Capítulo 45. Para o alto e avante

    Capítulo 46. Homens que falam com sinos

    Parênteses K – Sobre o duplo

    Capítulo 47. Toque fora de hora

    Capítulo 48. Do enterro

    Capítulo 49. Uma verdade

    Parênteses L – Sobre o esqueleto de bronze

    Capítulo 50. Junto ao cortejo

    Parênteses M – Sobre o que é melhor

    Capítulo 51. O motor do morto-vivo

    Capítulo 52. Em cidade pequena todo mundo se conhece

    Capítulo 53. História ouvida durante o cortejo fúnebre

    Capítulo 54. Na frente do cemitério de São José

    Capítulo 55. Enterro em São José

    Parênteses N – Sobre a forma comum com que os seres vivos experimentam a vida

    Capítulo 56. Feito uma água-viva

    Capítulo 57. O mendigo doido

    Capítulo 58. Cuidar

    Capítulo 59. Seres brutos

    Parênteses O – Sobre o melhor termo

    Capítulo 60. Células, seres vivos e mortos

    Capítulo 61. Nomes, lugares e felicidade

    Parênteses P – De novo sobre brutos e vivos

    Capítulo 62. Apego

    Capítulo 63. Alma-penada

    Capítulo 64. Filosofando a caminho da garagem da viação São Cristóvão

    Capítulo 65. Diálogo na carroça

    Capítulo 66. O tempo

    Capítulo 67. A garagem da Viação São Cristóvão

    Capítulo 68. Três homens batem boca no escritório da Viação São Cristóvão

    Capítulo 69. Viagem apropriada

    Capítulo 70. Uivo noturno

    Capítulo 71. Passagem

    Parênteses Q – Sobre a lua e o perdão

    Capítulo 72. Do caixão para o banheiro

    Capítulo 73. Um item que se perdeu

    Capítulo 74. Fundo de garrafa

    Capítulo 75. Caçoada

    Parênteses R – Sobre se são os vivos ou o morto

    Capítulo 76. Apagão

    Capítulo 77. O papel

    Capítulo 78. Chegada ao Túnel do Tempo

    Capítulo 79. Um peixe no cardume

    Capítulo 80. Diálogo com José

    Capítulo 81. Continua o diálogo com José

    Parênteses S – Sobre lamento

    Capítulo 82. Despedida do Congresso

    Capítulo 83. O taxista

    Capítulo 84. Caronte e uma história conspiratória

    Parênteses T – Sobre o mistério

    Capítulo 85. O hangar

    Capítulo 86. Exclamações dos assustados

    Capítulo 87. Os três momentos

    Capítulo 88. Rudeza

    Capítulo 89. Depois da tempestade

    Capítulo 90. Um peso

    Capítulo 91. Na passarela de pedestre

    Capítulo 92. Vigiar contra a cobiça alheia

    Capítulo 93. Um momento estranho

    Parênteses U – Sobre o estranho

    Capítulo 94. Ter dó

    Capítulo 95. História contada pelo neto

    Capítulo 96. Brotar da Serra

    Parênteses V – Sobre se é preciso

    Capítulo 97. No Sarcófago

    Capítulo 98. À mesa com três jovens

    Capítulo 99. A besta de seis ou sete cabeças

    Capítulo 100. O Sarcófago gargalha

    Capítulo 101. Breve história que eu contei para os três jovens

    Capítulo 102. A parede

    Capítulo 103. Uma névoa sobe

    Capítulo 104. O último

    Parênteses X – Sobre o que eu, Joaquim, vi

    Capítulo 1

    Que se inicia com uma pergunta

    Por quê? Talvez porque cansei daquela mesmice.

    Não foi nada fácil, porém, aparecer no fundo desta loja, terno e gravata carcomidos pelas traças, o rosto desfigurado e com buracos por onde se veem os ossos.

    Eu pareço uma dessas fotografias de fundo de gaveta, antiquíssimas, nas quais o tempo cuidou de distorcer a imagem do retratado. Tenho parcos cabelos presos à cabeça. Titubeio porque os músculos degeneraram, o que faz de um morto-vivo, antes de tudo, um desengonçado.

    Abandonei meu jazigo com sol a pino. Lentamente escalei o muro que cerca o cemitério da igreja, aplicando descomunal esforço. Não fosse pela teimosia, eu abriria mão de meus planos e ali me deixaria ficar, pendurado no muro feito um mórbido pingente.

    Era noite quando finalmente meus pés pousaram na calçada. Se estivesse vivo, estaria completamente sem fôlego. Pude atestar que cercar o cemitério consiste em método muito eficiente para conter os mortos dentro dele; não é, todavia, garantia absoluta, como nada é durante a vida.

    Desci à esquerda pela ladeira de paralelepípedos, seguido por um rastro de poeira, e entrei nesta loja pela porta dos fundos. Ninguém reparou na minha figura. Meu odor provavelmente se confundia ao desta casa antiga, mal cuidada, e o cheiro talvez fosse de pó acumulado debaixo das tábuas do chão.

    O rapaz que aqui trabalha me avistou somente ao fechar a loja. A primeira reação foi se apavorar, esbugalhando os olhos sobre a minha figura. De queixo caído, emitiu um gemido ininteligível sem, contudo, mover sequer uma pálpebra.

    De modo a amenizar o medo do rapaz, procurei dar ao esqueleto o ar mais natural possível, como se estivesse ali, em vez de um morto-vivo, outro cliente da loja. Funcionou; ele reconheceu em mim alguma coisa familiar. O espanto cedeu um pouco.

    Ele então continuou a fechar a loja, os gestos agora controlados e extremamente solenes. Era cômico; não pude me conter e comecei a rir do pobre rapaz, indelicadeza que ele ignorou enquanto, circunspecto, concluía suas tarefas.

    O rapaz passou o trinco na porta da loja e se foi. Todas as máquinas estavam desligadas, exceto aquela ao lado da qual eu permanecia de pé. Teria sido proposital? Sentei-me, as pernas bambas da cadeira rangeram, e mirei fixamente a tela brilhante.

    Capítulo 2.

    Uma criança

    Somente descobri como operá-la depois que meu dedo pressionou o botão marcado pela letra P e, na tela, surgiu uma letra P. Era uma mistura de máquina de datilografar com uma televisão. No lugar do papel, a tela; em vez de palavras impressas, palavras na forma de imagens.

    Aquilo despertou minha curiosidade. Experimentei todas as teclas sozinhas, depois combinadas, fascinando os olhos com os resultados que a tela apresentava. Tomado pela curiosidade, deixei-me levar pela novidade feito uma criança.

    Passei a madrugada brincando com a máquina. Só me dei conta de que amanhecia porque a luz do sol despontou pelas janelas, fazendo brilhar meus ossos amarelos. Em breve a loja reabriria e eu, defunto, não poderia permanecer ali entre as pessoas.

    Estava decidido a não retornar para o caixão. Onde então poderia eu descansar o dia sem perturbar nem ser perturbado? Havia na loja uma estante de chapéus. Peguei o de pior aparência e o enterrei na cabeça com as abas caídas.

    Saí por uma das janelas e atravessei a rua em direção à praça do lado oposto. O adro da igreja se comunicava ao jardim, situado no patamar inferior, através de uma escadaria de pedra cujos portões de ferro se encontravam abertos.

    O jardim se estendia em um longo retângulo entrecortado por uma viela na forma de U. Filas de palmeiras se alteavam na direção do céu. Sentei-me em um dos bancos da praça, as pernas cruzadas, os ombros encolhidos e sombreados pelo chapéu.

    Eu tinha o aspecto de uma pessoa sem tetos. A vantagem das pessoas sem tetos é se tornarem, em meio ao panorama da cidade, invisíveis. Ninguém notaria os ossos da minha canela, minha roupa andrajosa, meu cheiro de coisa antiga.

    Parêntese A

    Sobre invisíveis

    (Aqui abro um parêntese para arriscar uma explicação do porquê as pessoas sem tetos adquirem invisibilidade.

    Em grande parte do tempo, tudo o que os viventes produzem são restos. Ninguém se preocupa com os restos. Coisas cujo significado original foi extraído e, a partir de então, perderam o valor: cacos de vidro, migalhas de biscoito, brinquedos quebrados, rejeitos de toda sorte.

    Sem significado, sem valor e, portanto, sem importância. O único destino possível aos restos é o descarte, ato pelo qual os viventes deitam fora algo que eles não querem mais que faça parte de suas vidas.

    As pessoas sem tetos estão por toda a parte; ao mesmo tempo, é como se estivessem do lado de fora. Estão presentes, entretanto somente parcialmente acolhidas no convívio social, espremidas em uma fronteira entre a existência e a inexistência.

    Aos olhos dos demais, são como um resto de gente. Tornaram-se um pouco invisíveis. Tornaram-se, em parte, desumanos.

    Assim como eu.)

    Capítulo 3

    Apenas luz

    Debaixo do sol eu pensava somente nas letras que aleatoriamente escrevi e ficaram vagando sobre o retângulo branco da tela.

    Se não estavam impressas, onde estariam guardadas? Se alguém desligasse a máquina, elas se perderiam para sempre?

    Na opinião deste morto-vivo, as palavras escritas tinham peso porque eram materiais, ainda que sua existência se vinculasse a de uma folha de papel.

    As palavras ditas, por sua vez, sem um corpo físico não passavam de um sopro, tão efêmeras, tão passageiras.

    Ou, para aproveitar o exemplo, podia-se comparar o escrito comigo, um personagem de além-túmulo, e o falado com os viventes que passeavam ali na praça.

    A máquina realizava a façanha de apagar das palavras escritas esse traço concreto. Enquanto imagens de uma tela, elas eram, no fim das contas, apenas luz.

    Tão passageiras e efêmeras quanto um sussurro.

    Uma vez desligada a máquina, elas perdiam sua existência.

    Era de se presumir que o mundo havia se tornado mais superficial. E certamente aquelas letras escritas durante a hora morta da madrugada haviam se perdido.

    Capítulo 4

    Monotonia

    Em pouco tempo, permanecer sentado naquele banco de praça foi preenchendo de tédio os buracos e ocos do meu esqueleto. Afinal de contas, não foi para bestar que escapei do cemitério.

    Tentei distrair o olhar com os viventes ao redor: de óculos espelhados, cavanhaque, uma careca brotando nas têmporas e no vértice da cabeça, o rapaz carregando um envelope pardo atravessou apressado toda a extensão da praça.

    Um grupo de adolescentes realizava o oposto, avançando de modo labiríntico, nas mãos cada um levava pequeno aparelho retangular que ora um deles, ora outro, exibia para o grupo, gerando uma algazarra.

    Em outro banco igual ao meu um idoso ressonava de boca aberta, a parte superior do

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