Estudos Aplicados de Direito Empresarial - Mercados 7ed.
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Estudos Aplicados de Direito Empresarial - Mercados 7ed. - Pamela Romeu Roque
Estudos Aplicados
de Direito Empresarial
MERCADOS FINANCEIRO E DE CAPITAIS
2021
Coordenação:
Pamela Romeu Roque
ESTUDOS APLICADOS DE DIREITO EMPRESARIAL
MERCADOS FINANCEIRO E DE CAPITAIS
© Almedina, 2021
COORDENAÇÃO: Pamela Romeu Roque autores: Ana Paula de Oliveira Missias, Henrique Takeda Kamoi, Larissa Marques Lima, Luiz Ferrua Neto e Kaike Augusto Machado
DIRETOR ALMEDINA BRASIL: Rodrigo Mentz
EDITORA JURÍDICA: Manuella Santos de Castro
EDITOR DE DESENVOLVIMENTO: Aurélio Cesar Nogueira
ASSISTENTES EDITORIAIS: Isabela Leite e Larissa Nogueira
DIAGRAMAÇÃO: Almedina
DESIGN DE CAPA: FBA
ISBN: 9786556274157
Dezembro, 2021
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)
Estudos aplicados de direito empresarial : mercados financeiro e de capitais / coordenação Pamela
Romeu Roque. -- São Paulo : Almedina, 2021.
Vários autores.
Bibliografia.
ISBN 978-65-5627-415-7
1. Direito 2. Bolsa de valores 3. Direito empresarial
4. Direito empresarial - Brasil
5. Investimentos 6. Lavagem de dinheiro 7. Mercado de capitais
8. Mercado financeiro I. Roque, Pamela Romeu.
21-89039 CDU-34:338(81)
Índices para catálogo sistemático:
1. Brasil : Direito empresarial 34:338(81)
Cibele Maria Dias - Bibliotecária - CRB-8/9427
Este livro segue as regras do novo Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa (1990).
Todos os direitos reservados. Nenhuma parte deste livro, protegido por copyright, pode ser reproduzida, armazenada ou transmitida de alguma forma ou por algum meio, seja eletrônico ou mecânico, inclusive fotocópia, gravação ou qualquer sistema de armazenagem de informações, sem a permissão expressa e por escrito da editora.
EDITORA: Almedina Brasil
Rua José Maria Lisboa, 860, Conj.131 e 132, Jardim Paulista | 01423-001 São Paulo | Brasil
editora@almedina.com.br
www.almedina.com.br
APRESENTAÇÃO
Acima de tudo sê fiel a ti mesmo,
Disso se segue, como a noite ao dia,
Que não podes ser falso com ninguém.
Hamlet – W. Shakespeare
Com 22 anos de história no mercado jurídico, o Insper Direito reitera o seu legado pela excelente produção científica de seus alunos e professores. Trabalhos científicos de grande aplicação prática-profissional e já reconhecidos pelo mercado.
Na nova coleção Estudos Aplicados de Direito Empresarial
, que tive a honra de ser um dos idealizadores e coordenador em conjunto com o Prof. Dr. André Antunes Soares de Camargo, apresenta os seus novos volumes com ênfase em direito empresarial, direito dos contratos, societário e mercados financeiro e de capitais.
A publicação desta nova coleção comprova a excelência acadêmica dos discentes-autores e de seus respectivos professores orientadores.
Cabe aqui o nosso sempre agradecimento à Editora Almedina Brasil, que rapidamente abraçou a ideia desta coleção e vêm brindando os alunos e orientadores com suas publicações por anos seguidos, hoje, a coleção já conta com centenas de artigos e obras monográficas que são referências em seus segmentos.
A coleção Estudos Aplicados de Direito Empresarial
foi originalmente pensada para ocorrer em uma edição por ano, sempre próximo ao encerramento do ano letivo. Projetamos o lançamento fiéis a qualidade que pauta nossas atividades e a própria Editora Almedina, referência jurídica em toda a comunidade lusófona.
O leitor terá a oportunidade de conferir as mais diversas abordagens para temas novos, ou com novas leituras de questões já existentes, sempre fiel a qualidade e rigor científico para o enfrentamento de questões concretas e complexas. Como uma escola de negócios, os textos que aqui são apresentados trazem luz para as mais variadas dificuldades do dia-a-dia do jurídico empresarial estratégico.
A coleção sempre traz ao público artigos altamente qualificados de nossas alunas e alunos e cada um dos volumes desta nova edição apresenta mais cinco novos artigos (com exceção de direito tributário que excepcionalmente conta com dez artigos), marca realmente expressiva para uma publicação tão jovem no cenário jurídico nacional.
Foram desenvolvidos os seguintes trabalhos que convido todas e todos a sua leitura e aprendizagem.
Direito Empresarial – O uso da jurimetria pelos departamentos jurídicos: criação de indicadores financeiros e de eficiência operacional
do autor Erik Telles Maeda; O consentimento informado como autorizador para o tratamento de dados sensíveis de saúde obtidos por meio de dispositivos eletrônicos cotidianos
do autor Felipe Vanderlinde Schiavon; A intergeracionalidade como prática de responsabilidade social corporativa das empresas do setor de telecomunicações
da autora Gabriela Brocadello Junqueira; Uma análise dos arranjos jurídicos para avaliação da existência e eficácia de programas de compliance
da autora Gabriela Revoredo Pereira da Costa; e, Trabalho em plataformas digitais: análise do regime jurídico atual e perspectivas futuras
da autora Tatiane Neves Alves.
Direito dos Contratos – temáticas sempre relevantes e que impactam todo o sistema jurídico e seus aplicações, temos igualmente cinco excelentes artigos, composto por Os contratos de afiliadas no setor de telecomunicação e os contratos de franquia
da autora Alexandra Cappellazzo de Oliveira Lima; Uma breve análise sobre o papel da limitação de responsabilidade em contratos empresariais de computação em nuvem
do aluno André Julius Pellicano Granado; Linguagem contratual: a simplicidade eficaz como ferramenta de segurança jurídica
do autor Antonio Alves de Oliveira Neto; Uso da inteligência artificial: uma análise de seus possíveis reflexos jurídicos e a possibilidade de criação de contratos por instrumento autônomo
do autor Bruno Veridiano Geraldini; e, A cláusula de exclusividade nos contratos de distribuição
da autora Karina Magalhães Soares
Direito dos Mercados Financeiro e de Capitais – programa mais tradicional do Insper, consta com os seguintes artigos, Constituição de ônus e gravames sobre ativos financeiros
da autora Ana Paula de Oliveira Missias; Responsabilidade civil ambiental das instituições intermediárias de ofertas públicas de valores mobiliários
do autor Henrique Takeda Kamoi; Smart contracts e derivativos
da autora Larissa Marques Lima; Responsabilização dos administradores: uma análise econômica e jurídica da aplicação dos deveres fiduciários
do autor Luiz Ferrua Neto; e, Desafios jurídicos do sistema financeiro aberto (open banking)
do autor Kaike Augusto Machado.
Direito Societário – produziu os seguintes artigos: Reflexões acerca de instrumentos híbridos
do autor Lucas Manzoli de Almeida; O direito de voto das ações gravadas com usufruto
do autor Luiz Fernando Lockmann e Souza; Alienação fiduciária de ações em garantia e suas consequências sobre direitos do acionista fiduciante
do autor Pedro Moura de Almeida; Transformação de associações em sociedades
da autora Verena Reverdy Lemos; e, Convenção extraprocessual em sociedades limitadas: uma tentativa de racionalização do processo societário
do autor Vinicius Cavarzani.
Direito Tributário – finalmente o programa de direito tributário produziu os seguintes artigos: O parcelamento do débito tributário e a possibilidade de liberação da garantia prestada em execução fiscal
da autora Amanda Krummenauer Pahim de Souza; Natureza jurídica dos aportes extraordinários patronais em plano de previdência privada aberta, à luz da jurisprudência do conselho administrativo de recursos fiscais – CARF
da autora Carolina Evangelista Silva Coimbra; Aspectos tributários envolvendo a importação de bens e serviços por entidades do terceiro setor
da autora Gabriella Fernanda Nunes Braga; A eficácia da restrição sobre a compensação antes do trânsito em julgado nos casos com exame repetitivo
da autora Karla Alves de Carvalho; A tributação das Fintechs: estudo sobre as controvérsias tributárias aplicáveis às instituições de pagamento
do autor Otávio Batista de Carvalho Júnior; Provas: impactos do novo Código de Processo Civil no processo administrativo tributário
do autor Paulo Antonio Balduino Filho; A aplicação da teoria dos sistemas na resolução de demandas jurídicas-tributárias sobre o ágio
do autor Pedro Cavalcanti Amarante; Imposto sobre a renda da pessoa jurídica: aplicabilidade do benefício fiscal da depreciação integral previsto no artigo 6º da medida provisória nº 2.159-70/01 para bens classificados como ativo biológico, especialmente cana-de-açúcar e eucalipto
do autor Renato Sguerri Fernandes; Tributação dos rendimentos auferidos no exterior em sociedades, fundos de investimento e trusts por residentes fiscais no Brasil
da autora Samara Azevedo Fagundes; e, Consequências jurídicas da não realização do fato gerador presumido do ICMS-ST e do direito ao indébito tributário correspondente
autoria de Vanderlei de Souza Júnior.
Deixo aqui o meu muito obrigado à todas e todos que colaboraram para a produção de mais uma coleção Insper Almedina e Coleção Estudos Aplicados de Direito Empresarial.
Boa leitura a todos!
Prof. Dr. RODRIGO FERNANDES REBOUÇAS
PREFÁCIO
Ainda em período turbulento de pandemia que o mundo enfrenta, é com enorme satisfação que apresentamos este quinto volume da coleção Estudos Avançados em Direito Empresarial – Mercados Financeiro e de Capitais. Nele estão contidos cinco artigos decorrentes de monografias finais apresentadas por excelentes alunos no âmbito do curso de pós-graduação LL.M. Direito dos Mercados Financeiros e de Capitais do Insper Direito no ano de 2020. Todos dedicam-se a temas atuais, complexos e relevantes e contribuem para o desenvolvimento crítico da tão escassa literatura do Direito dos Mercados Financeiro e de Capitais. Com a breve apresentação dos artigos abaixo, será possível perceber o desafio ousado assumido por cada autor, e que faz com que esses textos valham a leitura.
Nesse sentido, a autora Ana Paula de Oliveira Missias abre o volume com seu artigo Constituição de ônus e gravames de ativos financeiros
. Nele, a autora trata de tema atual, impactado por recente norma, e ainda muito pouco explorado. Com efeito, Ana Paula de Oliveira Missias enfrenta a demanda dos mercados financeiro e de capitais por mais eficiência, celeridade e segurança jurídica na importante constituição de garantias sobre ativos financeiros e valores mobiliários negociados em operações de crédito realizadas nesses mercados. Nesse diapasão, a autora traz aspectos da forma tradicional de constituição dessas garantias em Registro de Títulos e Documentos, e avalia a possibilidade e a segurança jurídica da constituição dessas garantias direta e exclusivamente pelas centrais depositárias e entidades registradoras. Para tanto, Ana Paula de Oliveira Missias discorre sobre a definição conferida aos ativos financeiros pelo Conselho Monetário Nacional, trata das hipóteses de registro ou depósito desses ativos financeiros, inclusive distinguindo depósito de registro de ativo financeiro, e versa sobre o procedimento da constituição de ônus e gravames. Com esse repertório, a autora nos conduz à sua conclusão de que o legislador e o regulador entenderam a necessidade dos mercados financeiro e de capitais por maior celeridade do procedimento da constituição de garantias, de modo que desenvolveram um arcabouço legal e regulatório que assegura eficiência e a segurança jurídica na constituição de ônus e gravames direta e exclusivamente por centrais depositárias ou entidades registradoras.
Na sequência, Henrique Takeda Kamoi enfrenta a cada vez mais relevante e presente responsabilidade civil ambiental, mas especificando sua análise para as instituições intermediárias de ofertas públicas de valores mobiliários, com seu artigo Responsabilidade civil ambiental das instituições intermediárias de ofertas públicas de valores mobiliários
. Com efeito, o autor leva em consideração a crescente preocupação da sociedade em relação à preservação ambiental, inclusive nas operações ocorridas no âmbito do mercado de capitais, e analisa se as instituições intermediárias de ofertas públicas de valores mobiliários podem ser responsabilizadas, de forma solidária, por eventuais danos ambientais causados por companhia emissora de valores mobiliários. Para tanto, o autor procura destrinchar as responsabilidades assumidas pelas instituições intermediárias no exercício de suas atividades, e examina a responsabilidade ambiental estabelecida pelo ordenamento jurídico brasileiro para, então, compreender se é possível estabelecer ligação entre as instituições intermediárias e a responsabilidade ambiental. Henrique Takeda Tamoi ainda compara seu objeto de estudo com o atual entendimento doutrinário e jurisprudencial sobre a responsabilidade ambiental de instituições financeiras em operações de concessão de crédito.
Após, Larissa Marques Lima traz em seu artigo um exercício desafiador: encaixar o recente movimento do chamado smart contract em um importante produto financeiro (e contrato) cuja padronização é central ao seu funcionamento no mercado. No "Smart contracts e derivativos", a autora destaca como o advento das chamadas novas tecnologias traz consigo uma gama de oportunidades de inovação para o Direito, sendo que, em matéria contratual, o blockchain e, mais especificamente, os smart contracts representam a concretização da eficiência e simplificação que a realidade contemporânea passou a exigir dos instrumentos jurídicos. Como a autora discorre, os contratos de derivativos proporcionam o campo ideal nesse contexto para um estudo piloto e uma proposta experimental. Caracterizado por seu intricado operacional e seus volumosos documentos, este setor do mercado financeiro necessita justamente daquilo que os smart contracts apresentam como características principais. Assim, Larissa Marques Lima, depois de analisar o surgimento destes instrumentos inovadores, bem como os principais aspectos positivos da implementação dessa nova tecnologia no tradicional mercado de derivativos, empreende uma abordagem prática, com uma proposta de método de adaptação de cláusulas contratuais para uma estrutura computacional, utilizando como modelo o ISDA Master Agreement. Ao final, a autora não foge de apresentar os desafios e pontos de atenção desta abordagem.
Já o autor Luiz Ferrua Neto apresenta seu artigo Responsabilização dos administradores: uma análise econômica e jurídica da aplicação dos deveres fiduciários
. Numa integração crítica do direito à análise econômica, o autor observa em seu artigo que o rigor demasiado ao analisar as decisões negociais realizadas de boa-fé por administradores de empresas, utilizando como argumento o dever de diligência, pode inibi-los de assumirem riscos, criando um ambiente de inércia prejudicial à atividade econômica. O autor não deixa de abordar a Business Judgment Rule norte-americana e de estabelecer um paralelo desta com o artigo 159, § 6º, da Lei das Sociedades Anônima. Ainda, Luiz Ferrua Neto analisa como o Judiciário brasileiro e a Comissão de Valores Mobiliários julgam referidas questões, bem como traz sua visão crítica de que não há que se esperar do regulador ou juiz, de forma ex post, sem conhecer o ambiente imprevisível e competitivo dos negócios, estando sujeito a falácia da narrativa e a vieses cognitivos, a revisão de decisões tomadas por quem possuía o conhecimento técnico e foi contratado para realizá-la.
Por fim, fechando o volume, Kaike Augusto Machado apresenta o seu artigo "Desafios Jurídicos do Sistema Financeiro Aberto (Open Banking)". Com assunto pujante para o mercado financeiro, o autor aborda a recente regulamentação que apresentou ao Brasil as regras e parâmetros para adoção do Sistema Financeiro Aberto, assim como trouxe uma série de obrigações e responsabilidades, principalmente aplicáveis às instituições financeiras, as grandes detentoras de dados pessoais no contexto do mercado financeiro e bancário. O desenvolvimento do Sistema Financeiro Aberto promete atuar na reversão da alta concentração bancária existente no Brasil, incentivando e viabilizando a concorrência saudável e a maior oferta e acesso de produtos financeiros para todos. Como explicado no artigo, espera-se que o referido sistema mude a experiência de utilização e/ou prestação de serviços bancários, sendo necessário que juristas e outros profissionais da área jurídica não só compreendam o seu processo como também possam operacionalizar toda a estrutura de direitos e deveres que versam sobre ele. Assim, Kaike Augusto Machado propõe uma análise da referida regulamentação à luz do conteúdo intelectual já produzido por juristas, especialistas da área e jornalistas, visando entender os desafios mais relevantes para viabilização deste marco regulatório sob a ótica jurídica.
Esses excelentes artigos nos convidam à reflexão de assuntos de nossa mais atual realidade.
Boa leitura a todos!
PAMELA GABRIELLE ROMEU GOMES ROQUE
Professora do Insper Direito
SUMÁRIO
CONSTITUIÇÃO DE ÔNUS E GRAVAMES SOBRE ATIVOS FINANCEIROS
Ana Paula de Oliveira Missias
RESPONSABILIDADE CIVIL AMBIENTAL DAS INSTITUIÇÕES INTERMEDIÁRIAS DE OFERTAS PÚBLICAS DE VALORES MOBILIÁRIOS
Henrique Takeda Kamoi
SMART CONTRACTS E DERIVATIVOS
Larissa Marques Lima
RESPONSABILIZAÇÃO DOS ADMINISTRADORES: UMA ANÁLISE ECONÔMICA E JURÍDICA DA APLICAÇÃO DOS DEVERES FIDUCIÁRIOS
Luiz Ferrua Neto
DESAFIOS JURÍDICOS DO SISTEMA FINANCEIRO ABERTO (OPEN BANKING)
Kaike Augusto Machado
CONSTITUIÇÃO DE ÔNUS E GRAVAMES SOBRE ATIVOS FINANCEIROS
ANA PAULA DE OLIVEIRA MISSIAS
Introdução
Nas operações realizadas no mercado financeiro e de capitais, especialmente nas operações de empréstimos, é comum que as instituições financeiras exijam garantias a fim de se protegerem de eventual inadimplemento do devedor. Como regra geral, o Código Civil prescreve que para a constituição de garantias reais sobre bens móveis fungíveis e infungíveis, é necessário o registro do respectivo instrumento de garantia em cartório de títulos e documentos do domicílio do devedor e do credor. Portanto, a fim de constituir e formalizar suas garantias reais as instituições financeiras devem registrar suas garantias no respectivo cartório e, assim, assegurar a execução da garantia.
Entretanto, para obter o registro
de suas garantias as instituições financeiras costumavam enfrentar muita burocracia nos cartórios de títulos e documentos, muitas vezes tinham que contratar terceiros para realizar o serviço de levar o documento ao cartório de títulos e documentos, preparar e conferir se todos os documentos atendiam às exigências cartorárias, além de muitas vezes ter que refazer os documentos para conseguir o registro. Após o registro da garantia, ainda era necessário notificar a instituição custodiante do ativo financeiro ou valor mobiliário para realizar a trava
do ativo, a fim de evitar que o mesmo bem fosse dado pelo devedor como garantia de outros negócios ou empréstimos ou até mesmo realizasse o resgate ou saque do ativo.
Ocorre que a burocracia enfrentada para o registro e formalização das garantias implica na oneração das operações de empréstimos uma vez que as instituições financeiras se deparam com os custos adicionais de contratação de terceiros, de notificação de terceiros. E ainda acontece o atraso da liberação dos recursos ao devedor, na medida em que a instituição financeira não assume o risco de liberar o recurso enquanto a garantia não estiver perfeitamente constituída e formalizada.
Além disso, a constituição da garantia a partir do registro em cartório de registro títulos e documentos não se demonstrou eficaz quando a garantia da operação de empréstimo referia-se a ativo financeiro ou valor mobiliário. Isto acontece pois, ao contrário do que ocorre com a formalização de garantia sobre imóveis, onde o registro é realizado na matrícula do imóvel e ali ficam centralizadas as informações de propriedade, ônus e gravames do imóvel, o registro da garantia sobre ativos financeiros em cartório de registro de títulos e documentos não centraliza as informações do ativo em um único registro.
Outrossim, a dinâmica das operações nos mercados financeiros e de capitais se desenvolveu, e continuará se desenvolvendo, de acordo com a evolução tecnológica, de modo que não se podia concordar com a subsistência de um método formalista e burocrático de constituição de garantias. Inclusive, em razão da crise econômico-financeira ocorrida no ano de 2008, a conhecida crise do sub prime, agentes do mercado financeiro e de capitais no cenário internacional discutiram acerca da necessidade de centralizar as informações de propriedade dos ativos financeiros e valores mobiliários nas centrais depositárias, visando garantir maior transparência e segurança das informações contidas nas centrais depositárias.
Diante disso, e após pressão dos representantes dos participantes do mercado financeiro e uma longa evolução legislativa, foi editada a Medida Provisória (MP) nº 775/2017, convertida na Lei 13.476/2017, que incluiu o artigo 26 na Lei 12.810/2013, a qual criou um nova forma de constituição de garantias sobre ativos financeiros e valores mobiliários que sejam objeto de registro ou depósito centralizado por entidades registradoras ou centrais depositárias, como por exemplo a B3 – Brasil Bolsa e Balcão. Evidentemente, o objetivo desta nova forma de constituição de garantias, era acelerar e desburocratizar o processo de constituição das garantias de ativos financeiros e valores mobiliários, bem como dar maior segurança jurídica aos credores dessas garantias.
Logo em seguida a publicação da referida MP, o Banco Central do Brasil¹ divulgou em seu sítio eletrônico matéria comentando as alterações nos registros das operações e garantias do mercado financeiro, da qual destacamos o seguinte trecho:
Uma das principais mudanças diz respeito à constituição de gravames e ônus, que passa a ser realizada nas próprias entidades registradoras dos ativos financeiros e valores mobiliários. Na prática, essa operação identifica os bens como legalmente vinculados a um contrato específico, impedindo que eles sejam usados como garantias em mais de uma operação, de forma semelhante ao que ocorre quando um carro é adquirido por financiamento, por exemplo, e se garante que o veículo não possa ser transferido até ser quitado.
Assim, o Conselho Monetário Nacional, no exercício de sua competência, editou a Resolução 4.593, de 28 de agosto de 2017, dispondo sobre o registro e o depósito centralizado de ativos financeiros e valores mobiliários. E o Banco Central do Brasil, por sua vez, editou e atualizou diversos normativos para regular e viabilizar a utilização no mercado financeiro da constituição de ônus e gravames sobre ativos financeiros nas centrais depositárias e entidades registradoras, tais como a Circular 3.912, de 05 de setembro de 2018; Circular 3.954, de 10 de julho de 2019 (revogada pela Resolução BCB nº 55); a Circular 3.968, de 31 de outubro de 2019; Circular 3.952, de 27 de junho de 2019, entre outras.
A constituição de garantias de forma eletrônica, através das centrais depositárias ou entidades registradoras de ativos financeiros e valores mobiliários, é novidade para os participantes do mercado financeiro, requer o abandono das antigas regras e procedimentos de formalização e constituição das garantias financeiras e demanda novos sistemas e procedimentos dos participantes do mercado. Assim, as instituições financeiras ficam reticentes em abandonar o tradicional e antigo método de constituição de garantias previsto na regra geral do Código Civil, tendo em vista a novidade do tema e o receio do judiciário não acolher e, consequentemente, não aplicar a nova regra nas execuções judiciais.
Apesar disso, conforme se verá melhor adiante, a constituição da garantia pelas centrais depositárias ou entidades registradoras dos ativos financeiros e valores mobiliários dados em garantia, confere maior segurança jurídica e mais celeridade no processo de análise e constituição das garantias sobre ativos financeiros já registrados em centrais depositárias e entidades registradores, na medida em que será realizado de forma eletrônica e concentrará todas as informações do ativo financeiro na respectiva central depositária ou entidade registradora e está devidamente previsto na legislação especial, além de conferir maior celeridade e desburocratização no procedimento de constituição de garantias sobre ativos financeiros.
Diante disso, o presente estudo apresentará uma análise geral da regra de registro das garantias reais, da evolução legislativa para permitir o registro de ônus e gravames de ativos financeiros e valores mobiliários pelas centrais depositárias e entidades registradoras, a segurança jurídica estabelecida para a efetiva aplicação dessa forma de constituição de garantias nos mercados financeiro e de capitais, além da definição de ativo financeiro e a aplicabilidade no cotidiano das operações financeiras.
Inicialmente, serão analisadas: i) a legislação que suporta o tradicional método de registro de garantias reais sobre ativos financeiros em cartório de títulos e documentos; ii) em seguida, a legislação atual que trata do registro de garantias reais exclusivamente e diretamente pelas centrais depositárias e entidades registradoras. Essa análise será o ponto de partida para evidenciar a segurança jurídica conferida aos agentes do mercado financeiro e de capitais credores de operações garantidas com ativos financeiros, constituídas a partir do registro nas entidades registradoras e centrais depositárias².
Ademais, serão apresentados os principais normativos do Conselho Monetário Nacional e do Banco Central do Brasil acerca do tema, notadamente no que se refere a definição de ativo financeiro, a delimitação e a distinção do registro para o depósito de ativo financeiro, inclusive quando se deve realizar um ou outro.
Por fim, será possível analisar a celeridade e o procedimento do registro dos ônus e gravames financeiros sobre um ativo financeiro por meio das entidades registradoras e centrais depositárias, tratando particularmente do Manual de Operações – Registro de Contrato de Garantia
³, da registradora e depositária B3 – Brasil, Bolsa, Balcão.
1. Constituição das garantias reais
1.1. Regra geral de registro das garantias reais
O regime jurídico brasileiro dispõe de duas principais formas de garantia, quais sejam, as garantias pessoais e as garantias reais. Nas garantias pessoais, alguém se compromete perante o credor a honrar a obrigação, na hipótese de descumprimento pelo devedor, como ocorre, por exemplo, na fiança e no aval, nas quais o garantidor responderá pessoalmente pela obrigação garantida com todos e quaisquer dos seus bens. Enquanto que nas garantias reais, o garantidor oferece ao credor um bem específico de sua propriedade como garantia da obrigação, de modo que na hipótese de descumprimento da obrigação pelo devedor, o Credor poderá excutir o valor do bem dado em garantia e utilizar para pagamento da obrigação garantida. Portanto, é certo que uma vez constituída a garantia real sobre determinado bem, apenas este responderá pela obrigação garantida, podendo o Credor persegui-lo e exigir a entrega e excussão do bem onde e com quem quer que o possua. Apesar das garantias reais possuírem inúmeras características que merecem estudo aprofundado, neste estudo convém destacar apenas a característica da publicidade. Assim, no que se refere a publicidade das garantias reais, o Código Civil prevê a necessidade de registro do instrumento que formaliza a garantia real em Títulos e Documentos ou Registro de Imóveis, conforme o caso, para fins de conferir publicidade, autenticidade, segurança e, principalmente, conferir eficácia erga omnes às garantias reais.
Sobre a eficácia erga omnes da garantia real, Venosa, Silvio de Salvo⁴, ensina que se trata de direito de garantia que vale perante todos, em face de todos, não no sentido de que podem ser impostos contra qualquer pessoa, mas no sentido de que podem ser opostos ou apostos perante quem os ameace ou deles se aproprie
. Quanto a finalidade do registro, Almeida, Carlos Ferreira⁵ explica que A ideia da necessidade dos actos jurídicos privados serem conhecidos para além das próprias partes está latente desde a mais remota antiguidade
.
De fato, a principal finalidade perseguida pelas partes que decidem realizar registro de seus negócios jurídicos é dar publicidade para estes e, no caso das garantias reais, conferir a eficácia erga omnes à sua garantia. Contudo, o registro está além da publicidade, o registro confere aos negócios jurídicos a autenticidade, segurança e eficácia dos atos jurídicos, nos termos do artigo 1º da Lei 6015/1973, conhecida Lei de Registros Públicos. Ou seja, além da