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O nome do autor
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E-book479 páginas6 horas

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Sobre este e-book

No início do século XX, um jornalista literário vindo de Caruaru-PE para o Rio de Janeiro é um dos nomes mais respeitados da literatura brasileira. Mas a despeito de seu reconhecido valor como escritor e divulgador cultural, é hoje um nome praticamente esquecido no cenário literário nacional.

O nome do autor: o caso José Condé discute essa ausência, numa interessante abordagem de questões ligadas ao cânone literário nacional, sua composição e manutenção e as consequências de uma obra estar ou não nessa listagem.

A leitura parte da biografia de José Condé – origem, vida, obra, trabalho, suas leituras –, passa pela panorâmica do ambiente em que militou e produziu (o Rio de Janeiro das décadas de 1940-1960) e vai compor também reflexões teóricas, entrevistas com contemporâneos do autor e com outras personagens que contribuíram para efetivar essas reflexões – o que faz deste livro um espaço vivo, provocativo, referência obrigatória para quem pretende ler um pouco mais sobre a questão canônica no Brasil, sendo imprescindível para conhecer o incomparável José Condé.
IdiomaPortuguês
Data de lançamento1 de jan. de 2017
ISBN9788547305413
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    Pré-visualização do livro

    O nome do autor - Edson Tavares

    Editora Appris Ltda.

    1ª Edição – Copyright© 2015 dos autores

    Direitos de Edição Reservados à Editora Appris Ltda.

    Nenhuma parte desta obra poderá ser utilizada indevidamente, sem estar de acordo com a Lei nº 9.610/98.

    Se incorreções forem encontradas, serão de exclusiva responsabilidade de seus organizadores.

    Foi feito o Depósito Legal na Fundação Biblioteca Nacional, de acordo com as Leis nºs 10.994, de 14/12/2004 e 12.192, de 14/01/2010.

    COMITÊ CIENTÍFICO DA COLEÇÃO LINGUAGEM E LITERATURA

    A Vera Condé – uma das pessoas mais gentis, simpáticas e disponíveis que encontrei nesta caminhada, possibilitou que eu chegasse tão perto de seu pai, o escritor José Condé;

    A Sousa Pepeu (in memoriam) – com quem iniciei a peregrinação pelas coisas de José Condé, e que, infelizmente, faleceu após nosso primeiro encontro, embora tenha me deixado pistas valiosíssimas;

    A João Firmino e Maria José Tavares (in memoriam) – meus pais, que não viveram para partilhar este momento importante em minha vida, mas que souberam, a seu modo, me construir e me encaminhar na trilha por mim escolhida;

    A Maria Tavares, Aline Tavares e Sara Tavares, as três mulheres da minha vida.

    AGRADECIMENTOS

    Anastácio Rodrigues – pelas muitas, empolgantes e emocionadas conversas que tivemos sobre José Condé; mas também por seu apurado senso de manutenção da memória caruaruense, como prefeito do município, como fundador e membro atuante do Instituto Histórico de Caruaru, e como intransigente defensor das coisas de Caruaru.

    Funcionários da Biblioteca Pública Municipal de Caruaru – especialmente Dulce, Welba Sionara e Rosineide Mota, além dos vigias José Pereira, Leonardo, Jorge e Carlos – por terem tornado possível logisticamente meu acesso e trabalho de catalogação da biblioteca particular de José Condé.

    Hildeberto Barbosa Filho – pelas preciosas colaborações, pelo acompanhamento gentil e competente, ao longo da construção do texto, e, finalmente, pelo prefácio com que apresenta esta obra.

    José Adilson Filho – pelas trocas de informações e discussões que já vêm de muitos anos, além da gentileza, competência e espírito de colaboração com que discutimos este texto.

    Leopoldo Teixeira Leite – pelas agradabilíssimas conversas que tivemos sobre Zé-Condé, de que muito me utilizei para a construção da história de vida do escritor; e ainda pelo belo presente: um bico-de-pena com a imagem de Condé.

    Prazeres Barbosa e Francisco Torres – casal amigo de há muitos anos, que transformou minha presença no Rio de Janeiro, por mais de uma vez, em agradáveis momentos de convivência, essenciais na reposição de energias para correr atrás da pesquisa encetada.

    Renard Perez – o simpático escritor e pesquisador, pelas agradáveis e frutíferas conversas que tivemos.

    Socorro de Fátima Pacífico Barbosa – a professora que acreditou na aventura de estudar um escritor ausente das hostes acadêmicas, e principalmente pela liberdade com que me deixou caminhar, mas sem jamais me abandonar no caminho.

    Universidade Estadual da Paraíba – pelo investimento realizado nesta pesquisa, sob a forma de minha liberação por três anos e meio.

    Walmiré Dimeron – outro apaixonado por Caruaru e por José Condé, pelas importantes informações, pela parceria constante na pesquisa e nos eventos realizados em torno do escritor caruaruense.

    Caruaru está dentro de mim e corre em minhas veias,

    diluída em ternura.

    José Condé

    Canta a tua aldeia e serás universal.

    Leon Tolstoi

    As obras são objetos programados para se presentificarem indefinidamente na leitura.

    Leila Perrone-Moisés

    APRESENTAÇÃO

    Não consintamos que nada que em nós entra fique intacto, por receio de que não seja nunca assimilado. Digiramos a matéria: de outro modo, ela passará a nossa memória, mas não a nossa inteligência.

    Sêneca

    Embarcando no trem da Great Western, estou chegando à Caruaru da década de 1920. Apitando prolongadamente, o comboio vence o corte, para alcançar, mais adiante a curva e, em seguida, a estação, [...] os meninos vendendo bolo cabano, roletes de cana, água fria, fieiras de castanha assada...¹. Desembarco, e uma cidade diferente da que conheço neste início do século XXI abre-se a minha frente; no entanto, é-me familiar em vários momentos, em diversos cenários. Mergulhando na saudosa narrativa de José Condé, reconheço o Grande Hotel, a Rua da Matriz, a Rua Vigário Freire, Rua Duque, Rua Preta, Cafundó, Vassoural, Praça Nova-Euterpe, o Monte Bom Jesus e sua igrejinha... Um estremecimento estranho e bom agita de leve o corpo.

    É primeiro esse sentimento, tão familiar a quem, mesmo distante, sente-se perenemente conquistado pela terra natal, que se mistura ao de degustar esse lugar através das palavras prenhes de significados, porque arrumadas esteticamente de tal maneira e contando de tal jeito as histórias que conta, que me fazem vibrar a corda de sempre inédita emoção, a cada nova leitura; é, finalmente, o desejo inato e desenvolvido de entender e percorrer os caminhos que vão dar nessas plagas literárias, compreender-lhe nuanças pouco nítidas, dando-lhe mais visibilidade, para futuras discussões; é tudo isso junto que me levou a pensar, e me leva à produção deste livro.

    Mais do que Terra de Caruaru, mais do que seu criador, José Condé, estendo a curiosidade e ânsia de saber, as hipóteses e reflexões, à própria História da Literatura, para buscar compreender como esta é construída e que caminhos percorre, instigada por quem ou que instituições, até desembocar no que temos e lemos hoje: autores e obras cristalizadas no imaginário, nas bibliotecas, nos estudos, nas discussões e (quiçá!) nas leituras – esse espaço algo misterioso denominado cânone literário.

    Com o olhar para José Condé, intento lançar lampejos, faíscas reflexivas sobre questão sabidamente controvertida, mas que, a despeito da constante polêmica a agitar a crítica e os próprios leitores comuns, faz-se determinante em nosso mundo letrado. Literatura e Cânone são termos tão presentes, um no campo do outro, que se faz impossível falar de um sem tocar no outro; por mais que se minimize a importância ou necessidade de levar em conta o que e como se compõe o cânone literário nacional, sempre terminamos por nos incomodar ante o fato, por exemplo, de narrativas plenas de qualidades literárias, como as de José Condé – e tantos outros autores –, jazerem, mofadas, no limbo do esquecimento público.

    Que sejam sopradas as camadas de poeira que escondem do público leitor a obra desse autor, e seja vivificada pela constante leitura e discussão de sua literatura.

    O Autor

    PREFÁCIO

    Um novo amanhecer para José Condé!

    No circuito da produção do conhecimento literário, peculiar às instituições acadêmicas, sobretudo no âmbito dos cursos de Letras, é preciso alargar o espectro dos objetos de estudo. Contemplar não somente obras e autores, fatos e tendências, grupos e movimentos com posições decisivas na cena histórica e crítica, mas também outros nutrientes que, direta ou indiretamente, contribuem para o fortalecimento do sistema cognitivo. Urge, portanto, ver e rever modelos consagrados assim como atentar especialmente para alguns percursos ou algumas intervenções que carecem decerto de uma melhor contextualização. Seja do ponto de vista histórico, seja do ponto de vista estético. Creio que o professor Edson Tavares palmilha esse caminho, instituindo, a seu modo, um conteúdo novo nos espaços formais da pesquisa universitária.

    Natural de Caruaru-PE, escolhe um dos seus filhos célebres, o escritor José Condé, não especificamente a sua escrita literária, mas, diria, o entorno cultural, sociológico e jornalístico que condiciona sua configuração de romancista, como centro propulsor de suas investigações exegéticas. Não uma exegese de teor crítico, fundada na análise rigorosa do texto em si, porém uma abordagem extrínseca que traz à tona sobretudo aspectos essenciais à compreensão do autor e de sua obra dentro do processo canônico a que não escapa o viés historiográfico. Já na Introdução, deixa claro o seu propósito, quando afirma que sua curiosidade de estudioso vai além da leitura, por exemplo, de Terra de Caruaru, e além do seu criador, para se estender pelas reflexões acerca da própria história da literatura, suas tipologias, suas instituições, valores e paradigmas. Seu método radica, portanto, na esfera aberta dos chamados estudos culturais, isto é, num corte epistêmico que desloca o conceito de literatura, ou o amplia, do campo restrito da arte ou de sua materialização estética para o território mais difuso da expressão cultural.

    Partindo do pressuposto de validade literária da obra de José Condé, sobremaneira quando recorta o olhar da crítica jornalística e a posição eminente do autor entre seus pares, procura entender as razões do silêncio em torno de sua obra e da ausência de seu nome no ambivalente círculo do cânone. Para tanto, Edson Tavares, municiado com reconhecidas bases teóricas e atento ao sentido de organização e disciplina na tangência de seu objeto de pesquisa, traça, de princípio, um breve perfil biográfico do escritor, ao que se seguem uma análise de sua biblioteca, algumas reflexões sobre o cânone e suas instâncias definidoras, para, ao fim, propor a questão: José Condé, esgotado?

    Vê-se assim que a matéria é vasta e variada. Mesmo que focada numa individualidade literária, a obra de Edson Tavares parece mais panorâmica do que monográfica, se tomo como referência a classificação de Umberto Eco. Cada capítulo, por exemplo, pode dar margem a diversos desdobramentos ensaísticos dotados de autônima temática e vigorosamente persuasivos, se pensarmos no complexo de virtualidades criativas que envolve a personalidade literária de José Condé. Ficcionista de inclinação múltipla, afeito às narrativas de índole regional e de costumes, à novela psicológica e introspectiva e aos contos de apelo onírico e fantástico, mas também jornalista literário, divulgador de obras e autores, assim como leitor especial e presença marcante na vida literária do país.

    O esforço de Edson Tavares, tendo evidentemente uma característica propedêutica, sinaliza, no entanto, para a necessidade de enfatizar o que Rita Schmidt, uma das suas referências teóricas, nomeia de protagonismo das margens. Sinaliza também para a necessidade de flexibilizar o cânone, de verticalizar a história, de pluralizar a crítica, enfim, de provocar, e provocar no bom sentido, a comunidade leitora e outras comunidades literárias, para fugirem aos estereótipos acadêmicos, às imposições do mercado e aos ritmos acelerados da indústria cultural.

    À parte o zelo metodológico e, quem sabe, os constrangimentos formais de um trabalho acadêmico, conta, principalmente, na obra de Edson Tavares, o vínculo afetivo com o objeto de estudo, o elo de empatia entre sujeito e objeto, irmanados no labor da pesquisa pela riqueza do sentimento telúrico e pela imagem de uma cidade, ao mesmo tempo uma cidade real e mítica. Essa paixão que move a persecução do tema também se espraia pelo tecido de um estilo pessoal, afetivo, vezes irônico, vezes poético, mas sempre infenso aos ditames do modelo duro e burocrático que argamassa o corpo verbal das dissertações e teses universitárias. Em certos momentos, o fervor da escrita corresponde perfeitamente ao fervor pelo conteúdo, unido e uniformizado pelo fio que costura o tema e os subtemas desta obra tão rica de saberes e sugestões cognitivas.

    Edson Tavares é professor da UEPB e publicou um consistente estudo sobre Alberto Caeiro, intitulado Nítido como um girassol (Ideia, 2003). Com este trabalho a respeito de José Condé, consolida sua trajetória acadêmica ao mesmo tempo em que abre um leque enorme de possibilidades para futuras pesquisas. O professor, quero crer, também possui poderes na formulação do cânone literário, ou melhor, dos cânones literários. A sala de aula, o estudo dos textos, o trabalho de pesquisa e de extensão, enfim, o movimento irrefreável do compromisso didático e pedagógico tende a ver e rever, inventar e reinventar critérios mais plurais para cânones mais inclusivos, cânones que reflitam melhor a complexidade do próprio sistema literário.

    Essa problemática perpassa todo o exame interpretativo proposto por Edson Tavares nesta obra, que, em sendo um exemplo de validade crítica dos estudos culturais, é também um estudo de fôlego literário, pois o literário não se esgota tão somente nos limites expressivos do texto. Se é preciso ler a ficção de José Condé, enfrentar o drama de seus personagens e se perder na ambiência vezes solar e vezes noturna de suas narrativas, é também preciso revolver os bastidores de sua criação, pesar e medir o seu lugar na história, contextualizar sua voz e sua atuação dentro do sistema literário. Com certeza, esse lastro de informações sobre o autor pode ajudar numa melhor compreensão de sua obra. Pode, inclusive, estimular as novas gerações para o estudo de sua obra. Edson Tavares acredita nisto. Não fosse assim, não encerraria seu trabalho com estas palavras: "O que precisamos fazer, com a urgência que o atraso exige, é efetivar ações, como as já aqui aventadas; eventos, republicação dos livros esgotados, estudos e discussões acerca de sua obra, publicação e circulação de tais estudos, a fim de jogar luzes sobre a obra condeana, visibilizar esse escritor, que se constitui numa das maravilhas deste ´País de Caruaru`, e que, como as sete do mundo antigo, deve ser preservada. Mas, principalmente, conhecida". Perfeitamente: é justo um novo amanhecer para José Condé!

    Hildeberto Barbosa Filho

    UFPB

    SUMÁRIO

    INTRODUÇÃO - Uma história monumental da literatura

    O que é um autor?

    O caso Condé

    CAPÍTULO 1 - NOTÍCIA BIOGRÁFICA DE JOSÉ CONDÉ

    Histórias de uma vida

    Famílias plantadas em solo agrestino

    Rua da Matriz nº 300

    A infância cheirando a jasmim

    A adolescência em Petrópolis

    O curso superior e a breve militância política

    Funcionário público e colunista social

    Vida em família

    O amigo atencioso

    Histórias do Zé

    Doença e morte

    Depois da morte

    Um escritor, por seus contemporâneos – Sobre a importância de ouvir

    A força de um nome

    O Príncipe dos Condé

    Sobre o escritor e sua obra

    José Condé em artigos

    Nos livros de Condé

    CAPÍTULO 2 - UM ESCRITOR E SUA BIBLIOTECA

    Bisbilhotar bibliotecas

    Duas bibliotecas, os mesmos problemas

    A biblioteca de Condé

    Livros de História

    Livros virgens

    Marcas de leitura

    Referências a José Condé

    Curiosidades

    Livros estrangeiros

    Livros em língua portuguesa

    Danificados

    Dedicatórias

    Amigo, confrade e conterrâneo

    Ao casal Condé

    Espaço para recados

    Condé, o jornalista literário

    A coluna Escritores e Livros em 1960

    Dedicatórias inusitadas

    Um tesouro semi-intacto

    CAPÍTULO 3 - ALGUMAS REFLEXÕES PRELIMINARES SOBRE O CÂNONE

    As sete maravilhas do mundo antigo

    A memória e a memória de uma civilização

    Cânone: depositório mnemônico

    O cânone e a verdade

    Verdade canônica

    Algumas reflexões sobre o Cânone literário

    A crítica e os leitores

    Cânone: conservação, acessibilidade ou negação?

    Conservação

    Acessibilidade

    Negação

    O cânone literário brasileiro

    O início do cânone brasileiro

    O cânone nacional hoje

    CAPÍTULO 4 - INSTÂNCIAS CANÔNICAS

    Sobre o poder e o poder do livro

    Poder intelectual

    A Igreja

    A Crítica

    A Crítica Acadêmica

    A Crítica Jornalística

    Poder da mídia

    A mídia editorial

    A mídia jornalística

    O Jornal de Letras

    Eventos literários

    Poder Institucional

    Instituições escolares

    Professores/Orientadores/Pesquisadores

    Poder de projeção

    Imortalidade acadêmica

    Prêmios

    Em suma...

    CAPÍTULO 5 - JOSÉ CONDÉ, ESGOTADO?

    Quem lê o quê, e por quê?

    A indústria de livros no Brasil

    A ausência de José Condé

    Um nome oco

    REFERÊNCIAS

    Foto 1 – José Ferreira Condé

    Fonte: Acervo da Família de José Condé.

    INTRODUÇÃO

    Uma história monumental da literatura

    Uma das mais significativas decorrências dos novos aportes epistemológicos e seus trânsitos nos estudos literários diz respeito ao deslocamento substancial da definição de literatura como arte ou objeto estético, para a noção de literatura como produção estético-cultural, matéria significante situada no domínio da cultura.²

    É por esse caminho que procurarei seguir, nas reflexões acerca da obra de José Condé e do seu lugar no cânone, além do pensar sobre o próprio cânone literário e sua constituição. O fazer literário, em sua perspectiva cultural, leva-me a eleger a História da Literatura, que, segundo Perrone-Moisés, por boa parte do século XX, andou em queda de prestígio³, como o eixo motriz de meu pensar, neste trabalho. Faço essa opção cônscio de quanto a História Literária pode auxiliar na compreensão dos vários fenômenos que redundam na formação do cânone nacional.

    Procurarei a junção sugerida por Nietzsche: [...] de acordo com suas metas, forças e necessidades, todo homem e todo povo precisa de um certo conhecimento do passado, ora sob a forma da história monumental, ora da antiquária, ora da crítica⁴. Aproveitando essa distinção nietzschiana da História, segundo a qual a monumental volta-se aos grandes modelos do passado, fazendo sombra aos demais, contemporâneos ou posteriores; a antiquária se ocupa de tudo quanto existe no passado, em seus detalhes mais ínfimos; a crítica anseia por libertação desse passado para se debruçar sobre o presente; desejo utilizar-me do potencial instrumentalizador de cada visão histórica para discutir o pretérito, sem me perder nele, nem o anular.

    Naturalmente, buscarei tomar todos os cuidados alertados pelo próprio Nietzsche, ao dizer, por exemplo, sobre a história monumental que impele os corajosos à temeridade, os entusiasmados ao fanatismo⁵; ou, sobre a história crítica, que o homem pode não perceber a maior parte do que existe, e o pouco que vê, ele vê muito próximo e isolado; não consegue mensurá-lo e, por isto, toma tudo como igualmente importante, cada indivíduo torna-se importante demais⁶. Horrorizam-me os extremos, e deles procuro fugir continuamente. Se algumas obras que compõem o cânone literário aparecem como esse monumento colossal, que, como as pirâmides egípcias, lançam sua sombra avassaladora sobre quanto existe ao seu redor, fazendo desaparecer na penumbra monumental tudo que não é reconhecidamente grande, haverei de buscar esses elementos obscurecidos e trazê-los à luz das discussões, mas não sem passar por um criterioso processo de avaliação, para que não se pense ser ouro todo grão que dança no fundo da bateia.

    Nesse embate, por vezes, o passado precisa ser questionado, já que os pés estão fincados no presente e é a esse tempo que devemos satisfação e a razão de estar mexendo no que passou; e assim o faço, não como um grupo de puros pensadores que apenas contemplam a vida, não como indivíduos ávidos de saber, que só se satisfazem com o saber e para os quais a ampliação do conhecer é a própria meta⁷, mas para fomentar a discussão, a reflexão sobre esse tema, que é a grande finalidade de nossa vida literária.

    Abordarei o vespeiro do cânone, tocando em alguns pontos que lhe são nevrálgicos, a partir do que Rita T. Schmidt identifica como protagonismo das margens, ou seja, as ausências, os silenciamentos ou expurgos do cânone. É exatamente essa marginalidade que se torna visível à medida que as pesquisas históricas sobre o passado e a consequente recuperação de textos [e autores] situados nas zonas de sombra e esquecimento desvelam outras leituras, outras perspectivas em contraponto às conhecidas⁸. Este é o ponto: a visibilidade de autores que foram, inexplicavelmente (ou nem tanto), alijados dessa listagem sagrada, a qual, a despeito dos antitéticos sentimentos de antipatia que desperta em alguns e de inveja em outros, como poderemos constatar em depoimentos colhidos, é importante (ainda que não fundamental) na sobrevivência literária de um escritor, na medida em que, entronizada no panteão dos imortais, exercendo quase absoluto poder sobre os vários segmentos socioculturais, assumindo ares de Verdade, essa listagem determina a presença desse escritor no cenário literário de um país.

    No entanto, a periferia literária, composta por autores e obras não identificados como grande literatura, apenas dorme (hiberna, como disse Waldênio Porto, da Academia Pernambucana de Letras⁹), podendo, a qualquer momento, ser despertada, e, mesmo que não se faça centro, provocará, com sua presença marginal, reflexões que inquietarão até mesmo o mundo canônico da literatura brasileira.

    O que é um autor?

    A provocativa indagação que dá título à reflexão foucaultiana¹⁰ é ponto de partida para outras inquietações do fazer literário. Que elementos constituem um autor? O que torna possível uma obra? Como inscrever um autor e uma obra num determinado tempo e na posteridade? O que garante sua permanência na memória literária nacional e o que a faz submergir no oceano do esquecimento público e acadêmico?

    Uma vez que a ‘função-autor’ está [...] ligada aos sistemas legais e institucionais que circunscrevem, determinam e articulam o domínio dos discursos¹¹, a pertinência desta pesquisa funda-se na necessidade de discutir os fatores que concorrem para o desvanecimento de autores que perderam seu espaço de exposição nas livrarias, na mídia e, principalmente, seu calibre de debate nas pesquisas críticas das academias.

    Tomo como referência, nesta discussão, o escritor pernambucano de Caruaru José Condé (1917-1971), autor de uma diversificada obra literária, composta de romances, contos e novelas, em cujos personagens se mesclam o registro ficcional do cotidiano, com todas as suas idiossincrasias, o humor por vezes melancólico, outras vezes bizarro, e o mergulho no vazio em que se constitui a vida em geral e a vida do personagem em particular, emergindo desse mergulho com uma aura de pessimismo, conformismo e tentativa de se entender. Em depoimento à jornalista Gilse Campos, menos de dois meses antes de sua morte, numa tentativa de se definir, literariamente, Condé se dizia um escritor em fase de transição entre a literatura pós-modernista de 30 e a geração de 45¹².

    Sua obra mais conhecida é Terra de Caruaru, um texto híbrido, mescla de rapsódia, memórias, historicidade e romance, que traz acontecimentos ficcionalizados da pequena povoação de Caruaru, desde a sua origem, e chegando aos anos de 1920, época da infância do escritor; é uma narrativa que atrai a atenção, tanto do ponto de vista da construção estética dos episódios quanto da dinamicidade da ação narrada, sobre o que afirmou Valdemar Cavalcanti:

    É o livro que nos deu, a meu ver, a exata dimensão dos poderes de romancista de José Condé: pela extensão e complexidade do quadro social e humano que traçou; pela finura de traço no desenho tanto das personagens quanto da moldura em que as colocou; pelas perspectivas que fatos e episódios, meticulosamente articulados, apresentam, num contexto nada ralo, em que se entrelaçam elementos de realidade e invenção; pela indiscutível categoria literária da composição.¹³

    A despeito da constatação, por parte de seus contemporâneos, de seu talento criativo e seu dinamismo como promotor lítero-cultural, das notas não menos elogiosas sobre este e os demais livros que escreveu, o silêncio acadêmico em torno do escritor caruaruense demonstra que não são suficientes o reconhecimento e o louvor pela qualidade de seus textos para se fazer presente no cenário crítico nacional; outros fatores precisam ser levantados e investigados, para explicar essa ausência.

    Parece-me urgente entender os motivos da invisibilidade e do silêncio em torno da obra condeana, que se apresentou no cenário literário nacional como prodigiosa em multifaces ficcionais, do relato de casos pitorescos aos aprofundamentos psicológicos de personagens que representam pessoas simples, do povo, passando pelo clima onírico e até fantástico de narrativas densas e repletas de enigmas e mistérios, em todas predominando certo questionamento existencialista, na perspectiva sartreana de plena responsabilidade do ser humano sobre si mesmo e seus atos.¹⁴

    Segundo Foucault, o nome de autor [...] manifesta a instauração de um certo conjunto de discursos e refere-se ao estatuto desses discursos no interior de uma sociedade e de uma cultura¹⁵. Isso se faz determinante para a sobrevivência literária daquele autor e obra a posteriori, uma vez que todos esses fatores estão interligados, e daí resulta a sua consagração pública e atemporal, ou a constatação apenas medíocre de seu aparecimento e fugaz duração. Buscarei, então, inferir o estatuto do discurso condeano na sociedade que viu brotar suas obras, tanto o discurso literário como o jornalístico – uma vez que Condé atuou nas duas searas –, para sentir o peso e as marcas deixadas nessa sociedade e nas posteriores, e, consequentemente, sua reminiscência literária atual.

    Não se pode pensar o fenômeno literário como algo completo, a si mesmo bastante para a inteira percepção e compreensão do que provocou na sociedade que o viu surgir, e o que provoca (ou não) nos leitores de outras épocas. É mister que se mergulhe num arcabouço investigativo, que extrapola o texto, e que é capaz de dar a este a condição de obra literária, através da constituição dos diversos elementos que lhe dão suporte: a indústria livreira, o mercado consumidor, a crítica literária, os espaços de estudo e divulgação, dentre outros, são elementos preponderantes para a consolidação (ou não) de uma obra ou de um autor.

    É preciso reforçar: não é possível identificar a importância de uma obra ou autor, num determinado período ou ao longo da História, tendo como referencial somente o texto, como se este existisse por si, e apenas suas características imanentes fossem suficientes para determinar sua aceitação ou não pelo público e sua eleição para o cânone. Até porque não há texto fora do suporte que o dá a ler, e, consequentemente, não existe a compreensão de um texto, qualquer que ele seja, que não dependa das formas através das quais ele atinge o seu leitor ¹⁶.

    Adverte, ainda, Foucault:

    Talvez seja tempo de estudar os discursos não somente pelo seu valor expressivo ou pelas suas transformações formais, mas nas modalidades da sua existência: os modos de circulação, de valorização, de atribuição, de apropriação dos discursos variam com cada cultura e modificam-se no interior de cada uma; a maneira como se articulam sobre relações sociais decifra-se de forma mais direta, parece-me, no jogo da função autor e nas suas modificações do que nos temas ou nos conceitos que empregam.¹⁷

    A questão canônica da literatura, aliás, está envolta em constantes discussões desse quilate, e, se é verdade que o cânone é um espaço de escolha entre textos que lutam uns com os outros pela sobrevivência, não há como negar que essa eleição seja feita por grupos sociais dominantes, instituições de educação, tradições de crítica e até mesmo, como defendem os dissidentes de Bloom, que as obras que resplandecem nos pedestais canônicos estejam aí devido a bem-sucedidas campanhas de publicidade e propaganda ¹⁸. Mesmo levando-se em conta, ainda, o fato de que, em cada era, alguns gêneros [como a aventura, o romance jornalístico] são encarados como mais canônicos que outros [como o romance histórico, por exemplo], não se pode perder de vista a ideia de que bem mais elementos contribuem para – e até determinam – a inclusão de uma obra ou autor no panteão do Cânone, bem como, por outro lado, o seu sepultamento.

    O caso Condé

    Para discutir o caso Condé no cânone brasileiro, o presente trabalho parte de uma necessária apresentação do escritor, já que se trata de um ilustre desconhecido para boa parte do público. Para tanto, inicio com um capítulo biográfico (Notícia biográfica de José Condé), em que são enfocadas suas origens, infância, adolescência, vida profissional, familiar e literária, algumas passagens curiosas, a doença e a morte, bem como as homenagens póstumas a ele prestadas, à época. Sigo a antiga mas ainda válida sugestão de Edmond Scherer, em Études Critiques de Littérature, lançado em 1876, em Paris, destacada por Sílvio Romero: [...] procurar surpreender estes homens [escritores] em sua vida de todo o dia, desenhar-lhes a fisionomia, recolher as picantes anedotas a seu respeito, e é forçoso declarar que esta [...] maneira de escrever a história literária encerra muito atrativo¹⁹. Romero alerta, porém (e concordo com ele), que esse bisbilhotar deve sempre visar uma maior compreensão de sua individualidade e das relações desta com o contexto histórico-social e literário focalizado. Não se trata, pois, de mero fuxico biográfico.

    Lanço mão, então, dos recursos disponíveis para construir esta breve nota biográfica, como sugere Borges: Como se pesquisa a vida de um indivíduo? Por intermédio das ‘vozes’ que nos chegam do passado, dos fragmentos de sua existência que ficaram registrados, ou seja, por meio das chamadas fontes documentais²⁰. Conversei com familiares e amigos de José Condé, por meio de entrevistas realizadas no Rio de Janeiro, Recife e Caruaru, para montar esta breve biografia. Com o intuito de construir a representação do nome José Condé no cenário literário nacional, em seu tempo, aproveitei também as entrevistas com seus contemporâneos para discutir alguns aspectos relacionados a sua obra e sua atuação como jornalista literário.

    Encontrei alguns documentos que subsidiaram a pesquisa, inclusive a Certidão de Nascimento e a de Batismo, definindo a data de nascimento do biografado, por muitos (e até pelo próprio Condé) equivocadamente divulgada como 23 de outubro de 1918. Mas o maior quantitativo documental de que dispus foi a biblioteca particular de José Condé (ou o que dela restou), doada pelos familiares à Casa da Cultura que recebeu seu nome, em Caruaru-PE. Cataloguei todos os livros encontrados, separando-os a partir de um critério próprio, que é explicitado no segundo capítulo (Um escritor e sua biblioteca), o qual analisa diversos aspectos ligados à leitura (ou não) dessas obras, à produção literária, jornalística e à própria vida desse escritor.

    O terceiro capítulo (Algumas reflexões preliminares sobre o cânone) foi reservado para uma reflexão a respeito do cânone literário, suas origens, características e formas de composição. A partir da analogia com uma espécie de cânone artístico-cultural, a lista das sete maravilhas do mundo antigo, reflito sobre questões como memória e cânone enquanto depósito mnemônico, a Verdade e a verdade canônica, a história do cânone literário universal e brasileiro, a função da crítica e dos leitores, em sua formação/manutenção.

    Abro o quarto capítulo (Instâncias canônicas) desenvolvendo a reflexão do capítulo anterior, com uma abordagem a respeito de pessoas e instituições que contribuem para a composição do cânone literário. Abordo o Poder, força essencial à manutenção do cânone, quem manipula esse Poder e com que objetivo; e comento sobre cada um desses elementos.

    Encerro o trabalho com o quinto capítulo (José Condé, esgotado?), uma discussão acerca da ausência canônica do escritor José Condé, refletindo sobre a inexistência de reedições de sua obra, sobre a posição do leitor e a função das casas editoras nesse processo, com alguns questionamentos acerca dessa ausência.

    Ressalto, e o farei mais vezes, no decorrer do texto, que não é meu propósito colocar José Condé no cânone nacional, a qualquer custo; até porque, como afirma

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