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Refugiados Colombianos no Brasil e no Canadá: Narrativas e Estruturas de Acolhimento
Refugiados Colombianos no Brasil e no Canadá: Narrativas e Estruturas de Acolhimento
Refugiados Colombianos no Brasil e no Canadá: Narrativas e Estruturas de Acolhimento
E-book377 páginas4 horas

Refugiados Colombianos no Brasil e no Canadá: Narrativas e Estruturas de Acolhimento

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Sobre este e-book

Refugiados colombianos no Brasil e no Canadá: narrativas e estruturas de acolhimento é um livro necessário para compreender três questões internacionais contemporâneas de extrema importância: a guerra civil na Colômbia e a migração forçada por conta desse conflito, a crise dos refugiados no mundo e quais estruturas de acolhimento os países oferecem para receber essas pessoas e integrá-las em suas sociedades. Por meio da comparação entre dois países e pela própria narrativa dos refugiados, este livro busca compreender as estratégias de refugiados colombianos no Brasil e no Canadá, especialmente em São Paulo e em Ontário.
IdiomaPortuguês
Data de lançamento31 de ago. de 2018
ISBN9788547313845
Refugiados Colombianos no Brasil e no Canadá: Narrativas e Estruturas de Acolhimento

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    Refugiados Colombianos no Brasil e no Canadá - Gustavo da Frota Simões

    Editora Appris Ltda.

    1ª Edição - Copyright© 2018 dos autores

    Direitos de Edição Reservados à Editora Appris Ltda.

    Nenhuma parte desta obra poderá ser utilizada indevidamente, sem estar de acordo com a Lei nº 9.610/98.

    Se incorreções forem encontradas, serão de exclusiva responsabilidade de seus organizadores.

    Foi feito o Depósito Legal na Fundação Biblioteca Nacional, de acordo com as Leis nºs 10.994, de 14/12/2004 e 12.192, de 14/01/2010.

    COMITÊ CIENTÍFICO DA COLEÇÃO CIÊNCIAS SOCIAIS

    Para Natasha e Luiz Eduardo,

    minhas razões de viver.

    Os refugiados simbolizam, personificam nossos medos.

    Ontem, eram pessoas poderosas em seus países.

    Felizes. Como nós somos aqui, hoje.

    Mas veja o que aconteceu hoje.

    Eles perderam suas casas, perderam seus trabalhos.

    (Zygmunt Bauman, na animação On the Fear of Refugees).

    APRESENTAÇÃO

    O tema do refúgio encontra-se na mídia, nas preocupações da população e em todos os lugares. Nos últimos anos, temos visto um aumento cada vez maior no número de deslocados forçados, muitos deles refugiados de fato ou de direito. Por meio da comparação entre dois países, este livro busca compreender as estratégias de refugiados e solicitantes de refúgio colombianos acerca das diferentes formas de integração em sociedades de destino como o Brasil e o Canadá, estudando-os a partir de suas experiências nas regiões de São Paulo e Ontário, utilizando, para isso, as falas dos entrevistados com relação aos critérios definidores de integração. Além disso, esta obra visa analisar qualitativamente as políticas de integração e os recursos destinados a esses refugiados e solicitantes de refúgio.

    Entender o drama dos refugiados é entender suas falas, suas narrativas, e esta obra faz justamente isso. O livro trabalha com a premissa de que a integração dos refugiados e solicitantes de refúgio é um processo dinâmico, multifacetado e de mão dupla, em permanente mudança, resultante de influências bastante diversas. Por esse motivo, a hipótese é a de que a integração social dos refugiados e solicitantes de refúgio depende mais dos recursos e das políticas de acolhimento estruturadas para esse fim do que da capacidade de agência dos indivíduos. Pretende-se, com esta obra, contribuir com os estudos dos refugiados no Brasil e aumentar uma produção ainda escassa em nosso país.

    PREFÁCIO

    Prefaciar a obra Refugiados colombianos no Brasil e no Canadá: narrativas e estruturas de acolhimento, de autoria do professor Gustavo da Frota Simões, é motivo de grande satisfação. Sou testemunha do genuíno interesse acadêmico e humanitário do autor para com a temática do refúgio, que acompanha com profundidade nos últimos dez anos. Esta obra resulta de um minucioso e qualitativo estudo doutoral que foi defendido com louvor perante a banca, a qual tive o privilégio de compor na qualidade de avaliador.

    No Brasil, a obrigação com relação ao refúgio advém, essencialmente, do Estatuto dos Refugiados das Nações Unidas, de 1951, e de seu Protocolo, de 1967. A esses instrumentos internacionais soma-se a Lei n. 9.474, de 1997, que determina outras providências que deverão ser adotadas pelo Estado brasileiro no tocante à temática do refúgio e cria o Comitê Nacional para os Refugiados (Conare). A base de seu êxito institucional centra-se na relação tripartite estabelecida entre a sociedade civil, a comunidade internacional (Acnur) e o Estado brasileiro, todos cúmplices no trabalho em prol dos refugiados. Aliás, no Brasil, especificamente quanto à integração dos refugiados, essa dimensão tripartite, sobretudo o papel desempenhado pela sociedade civil organizada, é a chave do processo. Quando da integração, tratar a compreensão de seu próprio conceito já é um desafio. Para efeitos desta obra e desde a perspectiva estrita dos refugiados, o autor acertou em trabalhar com o conceito de integração utilizado pelo Acnur.

    A Lei brasileira relativa à temática dos refugiados é inovadora. Além de incorporar os conceitos previstos pela ONU na matéria, dispostos tanto na Convenção de 1951 quanto no seu Protocolo de 1967, agrega como definição de refugiado e de refugiada todas aquelas pessoas que "devido à grave e generalizada violação de direitos humanos, é obrigada a deixar seu país de nacionalidade para buscar refúgio em outro país"¹. Ou seja, admite como causal do instituto do refúgio a aplicação do conceito de grave e generalizada violação de direitos humanos. Esse conceito nasceu a partir de uma realidade específica do continente africano e foi incorporado na normativa da América Latina a partir da Declaração de Cartagena de 1984. A Lei 9474/97 é a base da harmonização legislativa no âmbito do Mercosul acerca do refúgio.

    Atualmente, o grande desafio pátrio na seara do refúgio é a integração dos refugiados, espontâneos e reassentados, reconhecidos pelo Brasil. A obra do professor Gustavo da Frota Simões descansa sua essência analítica em um olhar para essa perspectiva. Debruça-se, portanto, sobre o cerne de nossas dificuldades para melhorar qualitativamente a acolhida humanitária brasileira. Sua base de ilustração são os colombianos reconhecidos como refugiados aqui e no Canadá. Assim sendo, aprofunda nos sistemas de proteção e acolhimento em ambos os países, não sem antes proporcionar-nos uma visão histórica, política e social do conflito colombiano: fator catalisador do deslocamento forçado de grande parte da cidadania colombiana.

    Apresenta, ademais, um denso estudo acerca da consolidação de um regime de proteção internacional dos deslocados forçados. Nesse contexto, importante destacar um feito recente que fortalece ainda mais esse regime: a Declaração de Nova Iorque para os Refugiados e os Migrantes, aprovada em 19 de setembro de 2016 na reunião de Alto Nível da Assembleia Geral da ONU, mediante a qual os Chefes de Estado e de Governo, ademais de altos representantes da comunidade internacional, reafirmaram os direitos humanos de todos os refugiados e migrantes, independentemente de sua condição, comprometendo-se a proteger plenamente esses direitos. Recordaram que apesar do tratamento dispensado aos refugiados e migrantes possuír marcos jurídicos por vezes distintos, ambos ostentam os mesmos direitos humanos universais e liberdades fundamentais.

    Recentemente, em 20 de setembro de 2017, o Alto-Comissário da ONU para Refugiados, Filippo Grandi, e a Representante Especial das Nações Unidas para Migração Internacional, Louise Arbour, afirmaram em encontro de alto nível dos Chefes de Estado na sede política da ONU, que a Declaração de Nova Iorque lançou a base para dois novos acordos: um sobre a migração segura, ordenada e regular; e, outro sobre desafios específicos dos refugiados, incluindo a integração. Oxalá ambos os documentos internacionais sejam adotados à brevidade possível em 2018, pois estes buscam aprimorar a cooperação para o trânsito transfronteiriço de pessoas. Seus objetivos incluem o estabelecimento de proteção jurídica para os mais vulneráveis; iniciativas para combinar necessidades de mercado comuns às habilidades profissionais de migrantes; e estratégias para combater as causas da migração irregular.

    Todos esses novos documentos corroboram a afiançar um verdadeiro regime de proteção internacional das pessoas que se deslocam forçosamente, consubstanciando-se, sem dúvida alguma, em um reconhecimento, no mais alto nível político, da convergência entre as três ramas da proteção internacional da pessoa humana: direito internacional dos conflitos armados, direito internacional dos direitos humanos e direito internacional dos refugiados. Elas comungam para a afirmação da dignidade humana nas relações internacionais e no direito internacional.

    Em consequência do anterior, todas as pessoas que se encontrem sob a jurisdição de um Estado parte da Convenção da ONU sobre o Estatuto dos Refugiados de 1951, de seu Protocolo de 1967 e de outros tratados de direitos humanos, devem desfrutar dos direitos nestes reconhecidos. Isso inclui aos solicitantes de refúgio, aos refugiados já reconhecidos, assim como outros migrantes, inclusive aqueles que se encontram em situação de não documentação nesses países. Desde a perspectiva da integração dessas pessoas nos países de suas acolhidas, elas gozam inclusive de direitos econômicos, sociais e culturais em igualdade de condições às de seus nacionais. Esse entendimento é fruto de manifestações de cortes regionais de direitos humanos, como foi o caso da OC/18 emitida pela Corte Interamericana de Direitos Humanos, que opinou no sentido de que no âmbito dos direitos trabalhistas, os trabalhadores migrantes não documentados na jurisdição territorial de um Estado parte da Convenção Americana sobre Direitos Humanos têm não só os mesmos direitos trabalhistas dos trabalhadores migrantes documentados, como também dos nacionais desses Estados partes. Não por isso, as disposições desses tratados internacionais de direitos humanos concedem aos Estados uma ampla margem de apreciação. Assim sendo, os tratados internacionais de direitos humanos celebrados pelos Estados somam-se complementariamente à Convenção da ONU sobre o Estatuto dos Refugiados de 1951 e seu Protocolo de 1967 em prol da afirmação da dignidade humana dos refugiados.

    Cabe também destacar que quando da proteção internacional da pessoa humana se trata, sobretudo na seara da integração dos refugiados, solicitantes de refúgio e outros migrantes, o princípio da igualdade e da não discriminação impera. Ou seja, o requisito de garantir todos os direitos sem discriminação impõe aos Estados uma obrigação imediata. Concede-se aos Estados certa margem de apreciação para que decidam quais medidas devam adotar com a finalidade de efetivar progressivamente os direitos enunciados nos tratados dos quais são partes, sempre e quando tais medidas sejam deliberadas, concretas e orientadas para a satisfação das obrigações neles reconhecidas. Senão ainda, as medidas que se adotem não devem fomentar a discriminação. Assim sendo, toda distinção, exclusão, restrição, preferência ou outro tratamento diferente por motivos de nacionalidade ou condição jurídica devem ser ajustados à lei, perseguir um objetivo legítimo, sendo sempre proporcional a ele.

    Por tudo isso, a leitura da obra do professor Gustavo da Frota Simões ilustra bem a necessidade de consolidação e fortalecimento constante de um regime de proteção internacional das pessoas que se deslocam pela força. Trata-se de uma leitura obrigatória para todos aqueles que, acadêmicos ou não, interessam-se pela afirmação da dignidade humana dos migrantes e refugiados no âmbito das três vertentes da proteção internacional da pessoa humana.

    Genebra, 29 de setembro de 2017

    Renato Zerbini Ribeiro Leão

    Ph.D. em Direito Internacional e Relações Internacionais

    Comitê de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais da Organização das Nações Unidas

    Membro do Conselho, diretor do Instituto Interamericano de

    Direitos Humanos da San José da Costa Rica

    Coordenador-geral do Comitê Nacional para os Refugiados entre 2009 e 2012

    Consultor-jurídico do Escritório para o Sul da América-Latina do ACNUR entre 1999 e 2004

    Sumário

    Introdução

    Capítulo 1

    ASPECTOS SÓCIO-HISTÓRICOS DO CONFLITO NA

    COLÔMBIA E O DESLOCAMENTO FORÇADO DE COLOMBIANOS 

    1.1 La violencia: a gênese do conflito armado colombiano e

    seu desenvolvimento até a década de 1990 

    1.2 O conflito colombiano na contemporaneidade: da constituinte de 1990 aos dias atuais 

    1.3 Negociações de paz e o cessar-fogo atual 

    1.3.1 Negociações de paz anteriores 

    1.3.2 O processo de paz em curso na Colômbia 

    1.4 O deslocamento forçado de colombianos 

    1.5 Considerações finais do capítulo 

    CAPÍTULO 2

    A MIGRAÇÃO FORÇADA E OS MARCOS JURÍDICOS E INSTITUCIONAIS DO REGIME INTERNACIONAL DE PROTEÇÃO AOS REFUGIADOS 

    2.1 Introdução 

    2.2 As origens do sistema internacional de proteção aos refugiados 

    2.3 Primeiras tentativas formais de proteção internacional aos refugiados (1921-1951) 

    2.3.1 O Alto Comissariado para Refugiados Russos 

    2.3.2 O Comitê Intergovernamental para Refugiados (CIR), a Unrra e a

    Organização Internacional para Refugiados

    2.4 A proteção internacional dos refugiados no âmbito das Nações Unidas 

    2.4.1 A Convenção de Genebra de 1951 

    2.4.2 O Protocolo sobre o Estatuto dos Refugiados de 1967 

    2.4.3 O Alto Comissariado da ONU para Refugiados (Acnur) 

    2.4.4 A atuação da ONU no trabalho humanitário aos refugiados 

    2.4.5 Grupos em situação de vulnerabilidade em

    contextos de deslocamentos – Desafios da atuação do Acnur 

    2.5 Apátridas, refugiados ambientais e deslocados internos:

    o aumento do mandato do Acnur 

    2.5.1 Apátridas 

    2.5.2 Refugiados ambientais e deslocados internos 

    2.6 Considerações finais do capítulo 

    Capítulo 3

    O SISTEMA DE PROTEÇÃO E ACOLHIMENTO AOS REFUGIADOS NO

    CANADÁ E AS ESTRUTURAS DE INTEGRAÇÃO DE ONTÁRIO E TORONTO

    3.1 Introdução 

    3.2 O sistema de proteção e acolhimento aos refugiados no Canadá 

    3.2.1 O Programa de Reassentamento Canadense: GARs, PSRs e BVORs

    3.2.2 Landed in refugees e o processo de determinação do status de refugiado

    3.3 A política para refugiados no governo Harper (2006-2015):

    restrições aos refugiados e ênfase na criminalidade e na fraude 

    3.4 A estrutura de integração de refugiados na província de Ontário

    e nas cidades de London, Fort Erie e Toronto 

    3.4.1 As políticas de assistência social, saúde, educação e trabalho na província de Ontário

    3.4.2 A estrutura de acolhimento e proteção aos refugiados e

    solicitantes de refúgio em London (ON) e Fort Erie (ON)

    3.4.3 A estrutura de acolhimento e proteção aos refugiados

    e solicitantes de refúgio em Toronto

    3.5 Considerações finais do capítulo 

    Capítulo 4

    EXPERIÊNCIAS E RELATOS DE INTEGRAÇÃO DE REFUGIADOS E SOLICITANTES DE REFÚGIO COLOMBIANOS EM ONTÁRIO

    4.1 Introdução 

    4.2 Vida na colômbia e motivos da migração forçada 

    4.3 Facilitadores na sociedade de acolhida 

    4.4 Moradia, emprego, saúde e educação (marcadores e meios) 

    4.5 Conexões sociais 

    4.6 Outras questões 

    4.7 Considerações finais do capítulo 

    Capítulo 5

    O SISTEMA DE PROTEÇÃO E ACOLHIMENTO AOS REFUGIADOS NO BRASIL E AS ESTRUTURAS DE INTEGRAÇÃO DE SÃO PAULO

    5.1 Introdução 

    5.2 O sistema de proteção e acolhimento no Brasil 

    5.2.1 Antecedentes históricos e a Lei nº 9.474/97

    5.2.2 Dados sobre refugiados no Brasil 

    5.3 Arranjo institucional para a coordenação da política nacional sobre refugiados 

    5.3.1 Integração local no Brasil 

    5.4 A estrutura de proteção e acolhimento aos refugiados no estado de São Paulo 

    5.5 A estrutura de proteção e acolhimento aos refugiados na cidade de São Paulo 

    5.6 Considerações finais do capítulo 

    Capítulo 6

    EXPERIÊNCIAS E RELATOS DE INTEGRAÇÃO DE REFUGIADOS E SOLICITANTES DE REFÚGIO COLOMBIANOS EM SÃO PAULO

    6.1 Introdução 

    6.2 Vida na colômbia e motivos da migração forçada 

    6.3 Facilitadores na sociedade de acolhida 

    6.4 Moradia, emprego, saúde e educação (marcadores e meios) 

    6.5 Conexões sociais 

    6.6 Outras questões 

    6.7 Considerações finais do capítulo 

    CONSIDERAÇÕES FINAIS

    REFERÊNCIAS

    Introdução

    É, realmente, um grande aborrecimento o fato de

    a sabedoria só poder ser adquirida através de trabalho árduo.

    (William Somerset Maugham - 1874-1965)

    Atualmente, as migrações internacionais constituem um reflexo das assimetrias econômicas, sociais e políticas vivenciadas pelos países. Dentro desse contexto, há um tipo específico de migração: a migração forçada. Migrações forçadas ocorrem em meio a complexas situações da sociedade marcada por conflitos, guerras, desequilíbrios socioeconômicos, violência, pobreza, fome e exploração.²

    O tema do refúgio é antigo e foi tratado na Antiguidade³ com regras de proteção às violências e perseguições religiosas prevalecentes na época. Com a entrada do período moderno das migrações,⁴ o refúgio passou a ser assunto de Estado e em face da ampliação dos problemas populacionais e de criminalidade, afirmou-se a necessidade da cooperação internacional e, segundo Barreto,⁵ esta passou a se constituir em importante instrumento internacional de proteção ao indivíduo perseguido.

    A história moderna das migrações internacionais pode ser dividida em quatro períodos, segundo Massey. O primeiro compreende o período de 1500 a 1800, que ocorre no apogeu do mercantilismo e na era das grandes navegações. Esse primeiro momento foi dominado pela Europa, que emigra para outras regiões do globo.

    O segundo período corresponde ao século XIX, época de grandes catástrofes humanitárias (como a fome na Irlanda, por exemplo) e processos de independência política de várias colônias europeias, sobretudo nas Américas, e a crescente industrialização do continente europeu e de outras regiões do globo.

    O terceiro período descrito por Massey ocorre entre 1900 e 1915, e pode ser entendido como uma continuação dos períodos anteriores com um aumento dos países industrializados europeus para as colônias e ex-colônias europeias.

    O quarto período da história moderna das migrações internacionais, conforme descrito em Massey, representa uma ruptura com os momentos anteriores. Esse período começou por volta de 1950 e a imigração tornou-se um fenômeno global, com a multiplicação do número e da variedade de nações de imigrantes e emigrantes.

    É nesse quarto período Masseyniano que surge a proteção internacional para refugiados e a busca de soluções duráveis, em 1951, mediante a aprovação da Convenção sobre o Estatuto de Refugiados, conhecida como Convenção de 1951 das Nações Unidas, cumprindo registrar que um ano antes fora criado o Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (Acnur).

    Segundo essa convenção, ‘refugiado’ é qualquer pessoa que:

    […] receando com razão ser perseguida em virtude da sua raça, religião, nacionalidade, filiação em certo grupo social ou das suas opiniões políticas, se encontre fora do país de que tem a nacionalidade e não possa ou, em virtude do dito receio, não queira pedir a proteção daquele país.

    Este livro tem como objetivo compreender as diferentes formas de integração de refugiados e solicitantes de refúgio colombianos em sociedades de destino como o Brasil e o Canadá, estudando-os a partir de suas experiências nas regiões de São Paulo e Ontário e utilizando, para isso, as falas dos entrevistados com relação aos critérios definidores de integração como os meios e marcadores (emprego, moradia, saúde e educação); conexões sociais; facilitadores (idioma e segurança) e direitos e cidadania⁸ (fundações), da teoria de Ager e Strang,⁹ e analisando qualitativamente as políticas de integração e os recursos destinados a elas para refugiados e solicitantes de refúgio.

    Para isso, foram entrevistados 30 refugiados e solicitantes de refúgio no Brasil e no Canadá, além de 18 assistentes sociais, especialistas ou pessoas que conhecem o fluxo migratório e a realidade dos colombianos nas cidades pesquisadas.

    O objetivo geral deste livro pretende responder às seguintes perguntas de pesquisa: como os refugiados e solicitantes de refúgio se integram nas sociedades canadense e brasileira? Quais são suas estratégias de integração nas sociedades de destino? Como se diferem as estratégias de integração dos refugiados e solicitantes de refúgio em centros urbanos diferentes? Quais são os elementos do processo de integração que mais influenciam na adaptação a novos espaços urbanos? Como a capacidade de agência e as relações sociais, por um lado, e a estrutura de políticas de acolhimento e leis, por outro, aparecem na experiência de integração dos refugiados?

    O objetivo geral está conformado por seis objetivos específicos. Em primeiro lugar, está o de compreender o significado histórico do refúgio no mundo moderno a partir de sua concepção nos moldes da proteção após a 2ª Guerra Mundial e sua conceituação. Em segundo lugar, compreender o histórico do conflito colombiano e como ele influencia o deslocamento forçado que marca a diáspora colombiana. Em terceiro lugar está o de compreender as políticas de acolhimento a refugiados e solicitantes de refúgio no Brasil e no Canadá e suas especificidades. E em quarto lugar, analisar as legislações para refugiados e solicitantes de refúgio no Brasil e no Canadá, e nos contextos regionais.

    Esses quatro objetivos iniciais têm como finalidade entender, compreender e analisar a situação do refúgio nas duas sociedades de destino e suas obrigações, e como elas foram transpostas para a realidade brasileira e canadense.

    Os dois últimos objetivos específicos são os de identificar os elementos importantes no processo de integração de refugiados e solicitantes de refúgio colombianos em São Paulo e em Ontário. Além disso, busca-se compreender suas experiências de integração e como a sua capacidade de agência está influenciada ou limitada por fatores estruturais, como leis e políticas de integração.

    Resumem-se a seis os objetivos específicos:

    •  Compreender o significado histórico do refúgio no mundo moderno a partir de sua concepção após a 2ª Guerra Mundial.

    •  Compreender o histórico do conflito colombiano e como ele influencia o deslocamento forçado das pessoas na Colômbia.

    •  Compreender as políticas de acolhimento a refugiados e solicitantes de refúgio no Brasil e no Canadá, e suas especificidades regionais.

    •  Compreender as legislações para refugiados e solicitantes de refúgio no Brasil e no Canadá, e especificidades locais.

    •  Identificar os elementos importantes a partir de suas próprias experiências no processo de integração de refugiados e solicitantes de refúgio colombianos em São Paulo e em Ontário.

    •  Analisar as experiências de refugiados e solicitantes de refúgio colombianos em uma perspectiva comparada em seus processos de integração social em São Paulo e Ontário.

    Esta obra trabalha com a premissa de que a integração dos refugiados e solicitantes de refúgio é um processo dinâmico, multifacetado e de mão dupla, em permanente mudança, resultante de influências bastante diversas. Por esse motivo, a hipótese é a de que a integração social dos refugiados e solicitantes de refúgio depende mais dos recursos e das políticas de acolhimento estruturadas para esse fim do que da capacidade de agência dos indivíduos.

    O trabalho aborda o conceito de integração social definido por autores como Ager e Strang¹⁰ e Pires,¹¹ que dialogam com autores clássicos como Durkheim e Simmel, entre outros. O conceito de integração é complexo e merece destaque o papel abordado nas políticas públicas que não definiram, de modo geral, o que se entende por integração.

    Também são trabalhados os conceitos de capacidade de agência assim entendido por Fuchs¹² e Shapiro¹³ e as definições normativas de refugiado e solicitante de refúgio, definidas pelos instrumentos internacionais de políticas de acolhimento e também os atributos a eles instituídos pelas legislações nacionais.

    A obra dispõe de proposta metodológica em perspectiva comparada, utilizando uma abordagem comparativa e qualitativa, por meio de entrevistas semiestruturadas com solicitantes de refúgio e refugiados, e análise documental como principais instrumentos de coleta de dados.

    Os documentos analisados foram fontes primárias (como estatísticas, censos etc.) sobre a população refugiada em geral e colombiana em particular e, como fontes secundárias, os relatórios de organizações não governamentais e artigos de outros estudiosos.¹⁴

    Pretende-se, aqui, contribuir com a qualificação do debate acadêmico sobre refugiados e solicitantes de refúgio em geral e, em particular, com os estudos acerca da integração desses indivíduos nas sociedades de destino. Ainda, pretende-se aprimorar as discussões de soluções duradouras¹⁵ desses indivíduos, especialmente na sociedade brasileira.

    Como justificativa do trabalho, pode-se afirmar que o continente americano é a região de destino de cerca de 800 mil refugiados, segundo dados da agência da Organização das Nações Unidas (ONU). Destes, pouco mais de 300 mil são colombianos e constituem o maior grupo populacional das Américas.¹⁶ Ademais, o interesse pela pesquisa, especialmente pelos colombianos, foi sendo aumentado ao longo das leituras sobre o conflito e sobre a realidade na Colômbia, especialmente após uma visita a Bogotá, em julho de 2014.

    Além disso, no Brasil, há atualmente 8.863 refugiados reconhecidos pelo governo Federal, originários de mais de 80 nacionalidades diferentes. A população de refugiados no país é majoritariamente masculina;¹⁷ as mulheres representam apenas 34% dessa população.¹⁸ A maioria dos refugiados está concentrada nos grandes centros urbanos do país, especialmente no Sul e no Sudeste.

    Observa-se, no entanto, que devido ao seu recente protagonismo nos foros internacionais da governança global e com a destinação de recursos do Orçamento Geral da União, a título de contribuição voluntária emergencial para as ações no campo de proteção e assistência a refugiados e a outras pessoas abrangidas pelo mandato do Acnur, bem como no campo de soluções duradouras, antevê-se a possibilidade de conceder-se refúgio a assentados mantidos em abrigos das Nações Unidas.

    Por outro lado, o Canadá aparece como um expoente de um país livre e estimulador da migração internacional, embora existam críticas às últimas reformas migratórias.¹⁹ No entanto, o Canadá pode ser definido como tradicional país de imigração, pois grande parte do seu cômputo populacional provém de residentes nascidos no exterior. Segundo o censo de 2011, 20,6% da população era de estrangeiros, o que vale dizer que 6,8 milhões de residentes no Canadá nasceram fora daquele país.²⁰

    Esse percentual é bastante representativo quando comparado

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