Juventudes Contemporâneas e Práticas de Lazer
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Juventudes Contemporâneas e Práticas de Lazer - Ivanês Zappaz
COMITÊ CIENTÍFICO DA COLEÇÃO EDUCAÇÃO, TECNOLOGIAS E TRANSDISCIPLINARIDADE
À minha esposa, Simone, pelo apoio e amor incondicionais.
Aos meus filhos, Cristina e Tiago, propósito de todas as minhas ações.
Aos meus queridos pais, Luiz e Ilva, por todo amor e cuidados a mim dispensados.
AGRADECIMENTOS
Agradeço à professora Juliana Ribeiro de Vargas, pelo incentivo e por impulsionar meu crescimento.
Aos professores Mauro Myskiw, Daniela Ripoll e Iara Tatiana Bonin, pelas importantes contribuições no processo de investigação.
Aos membros do Programa de Pós-Graduação em Educação da Ulbra Canoas, pela riqueza da interlocução e pelo carinho.
Ao amigo Cirano Cisilotto, por me oportunizar a imersão no mundo das políticas públicas do esporte e do lazer.
À professora Claudia Schiedeck, pela parceria e palavras de incentivo.
Enfim, agradeço a Deus e a todos que atravessaram meu caminho até aqui.
PREFÁCIO
Por isso cuidado meu bem
Há perigo na esquina
Eles venceram e o sinal
Está fechado pra nós
Que somos jovens...
(Belchior, Como nossos pais
)
Ao receber o convite para prefaciar este livro, fiquei procurando formas e palavras para começar... Como corresponder a um convite tão especial? Busquei inspiração em uma música que muito escutei ao longo de minha juventude (pela herança musical de minha mãe) e que ainda parece atual. Dessa forma, valho-me do excerto da canção Como nossos pais
a fim de pensar sobre a condição dos sujeitos juvenis, principalmente daqueles que residem nas periferias de cidades de médio e grande porte ou ainda daqueles jovens que vivenciam, mesmo com pouca idade, as responsabilidades da vida adulta: o trabalho, a casa, a prole.
Apesar do acesso aos bens de consumo, sejam esses materiais ou culturais, estar facilitado nos tempos atuais em razão da maior estabilidade econômica de nosso país e da ampliação do acesso às tecnologias de informação, em muitas situações de suas vidas os jovens e as jovens da contemporaneidade ainda encontram o sinal fechado
, tal como a sociedade brasileira vivenciava, no período em que a canção foi composta pelas restrições impostas pelo regime militar. No referido período, os maiores perigos aos quais a juventude estava exposta eram representados pelas ações governamentais contra as manifestações populares ou ainda pelo combate às atitudes consideradas pelo governo como subversivas.
Entretanto, na atualidade, a ausência, em muitos casos, dos direitos básicos de sobrevivência humana em sociedade (acesso a habitação, saúde, escolarização), o desemprego, as violências do cotidiano – nas suas mais diversas formas de manifestação –, o consumo de entorpecentes, entre outras tantas situações, poderiam ser considerados situações-perigo às quais a juventude está exposta.
A juventude de Garibaldi não tem a violência como um perigo cotidiano. A cidade da Serra Gaúcha ainda apresenta, na maior parte dos dias, a calma e a segurança como práticas cotidianas. No entanto, em algumas dimensões de seu viver, pode-se perceber que os estudantes do ensino médio, sujeitos da pesquisa do autor, encontram o sinal fechado
! As práticas de lazer representam uma dessas dimensões.
Em um belo estudo, Ivanês nos apresenta como jovens trabalhadores do ensino médio noturno de uma escola pública da cidade de Garibaldi (re)inventam o lazer e o entretenimento, a partir de suas possibilidades de vida. Uma vez que não podem desfrutar, por exemplo, de espaços públicos de lazer ao longo do dia, por serem trabalhadores, tais jovens solicitam aos professores a prática do futebol na escola noturna, uma vez que o turno escolar se coloca como um dos espaços/tempos possíveis para que tais jovens vivenciem o lazer.
Ivanês, professor de Educação Física de tais jovens, constitui sua investigação a partir desse lugar e dessa inquietação – como docente – de como esses alunos vivenciavam o lazer. (Des)construindo os entendimentos clássicos sobre essa dimensão, apresenta-nos também os diferenciados modos a partir dos quais os jovens estudantes divertem-se: celulares, idas à igreja, encontros nos postinhos de gasolina. E o que para nós, como professores, coloca-se como questão fundamental: a escola também é entendida pelos jovens estudantes trabalhadores do ensino médio noturno como um espaço para a prática de lazer. Vale questionar: estamos prontos (e desejosos) para a organização de tais práticas? Ivanês nos responde, com sua investigação, que não há mais tempo a perder...
Encerro esta apresentação inspirando-me nas palavras de Juarez Dayrell a fim de pensar na potencialidade de estudo sobre alunas jovens na contemporaneidade, uma vez que a juventude constitui um momento determinado, mas não se reduz a uma passagem; ela assume uma importância em si mesma
¹. Visibilizar e problematizar os modos de ser e de viver dos jovens, nos tempos atuais é possibilitar uma melhor compreensão das condições de (im)possibilidades que organizam a constituição das culturas juvenis contemporâneas.
Drª. Juliana Ribeiro de Vargas
PPGEDU/Ulbra
APRESENTAÇÃO
O uso do tempo foi tema de inúmeros debates e controvérsias na constituição do campo das práticas de lazer ao longo da história: tempo livre, tempo escasso, o ter muito tempo
, a falta dele, tempo para tudo, tempo para nada, tempo para o trabalho, para o estudo, para o descanso, para o lazer. Sobre o lazer, Nelson Carvalho Marcellino² o considera como sendo a cultura que se vivencia, no sentido mais amplo, no tempo disponível.
Dessa forma, é possível entender o uso desse tempo para a realização de práticas culturais organizadas, ou não, de acordo com as condições e possibilidades de um determinado tempo histórico. E, alinhado à perspectiva dos Estudos Culturais, ao tratar sobre o lazer, valho-me nesta obra da expressão práticas de lazer
, no intuito de abraçar-me ao sentido mais amplo, afastando-me, inclusive, das condições que pudessem conduzir-me para situações constituídas socialmente sobre tema.
Atuar como professor da disciplina de Educação Física no ensino fundamental e médio, nos turnos diurno e noturno, fez-me observar mais atentamente a juventude. A partir disso, algumas conexões possíveis entre o/a jovem trabalhador/a estudante do ensino médio noturno e suas relações com a escola, o trabalho e o lazer foram inquietando-me, ao percebê-lo como sendo um sujeito que se movimenta nesse contexto tensionado pelas responsabilidades/atribuições que vão se apresentando. Sujeito que, mesmo jovem, vislumbra a independência financeira em relação aos seus pais, bem como possibilidades de ter/acessar bens e serviços que lhe convêm. No entanto outros tantos jovens que contribuem no sustento de suas famílias percebem tais possibilidades mais distantes, embora suas perspectivas também girem em torno da autonomia atrelada a uma responsabilidade ainda maior, qual seja a preocupação do sustento de familiares, além de si mesmos.
Assim, ao analisar a rotina de trabalhadores estudantes na atualidade, torna-se comum observar que os momentos dedicados às atividades ligadas a diversão, entretenimento em família ou com amigos são mais escassos quando comparados, por exemplo, às práticas de alunos que têm como compromisso apenas as demandas escolares. Dessa forma, ao traçar o contexto em que esse jovem se insere a partir de instâncias como o trabalho, a escola e a família, percebe-se que ele vai dando um sentido ao conjunto das experiências que vivencia, faz escolhas, age na sua realidade
³, como salienta Dayrell.
Minhas movimentações nesta escrita alinharam-se sobre três eixos. O primeiro apontou para uma condição em que os jovens, amparados em narrativas sobre a falta de tempo, sinalizavam para o descanso como uma prática de lazer. O segundo considerou as possíveis articulações do lazer com a escola e com a circulação ampliada por outros espaços. E o terceiro eixo marcou a fluidez dos tempos e espaços e o uso das mídias e tecnologias digitais como ferramentas de conectividade vinculadas a momentos de lazer. Dentre outros achados, percebe-se que as práticas de lazer, vivenciadas por esses jovens, sofrem as tensões cotidianas de uma cultura que as normalizam e/ou autorizam. Por conseguinte, esses jovens encontram possibilidades múltiplas de vivenciarem a juventude e o lazer entre o tenso universo do trabalho e do estudo.
O autor
LISTA DE ABREVIATURAS
Sumário
Capítulo 1
REFLEXÃO INICIAL
Capítulo 2
SITUANDO O ESTUDO: O ESPAÇO E OS SUJEITOS
2.1 A cidade
2.2 A escola
2.3 Os alunos do noturno
Capítulo 3
O PERCURSO DA INVESTIGAÇÃO
3.1 Sob a mirada dos Estudos Culturais
3.2 Os estudos da juventude
3.3 Os estudos do lazer
3.3.1 A perspectiva histórico-social do lazer
3.3.2 O lazer no Brasil contemporâneo
3.3.3 Ainda sobre o lazer e outras visões
Capítulo 4
JOVENS ESTUDANTES DA NOITE: O QUE DIZEM (E FAZEM)?
4.1 Estudantes trabalhadores sem tempo e cansados
4.2 O lazer na escola e outros espaços sociais
4.3 Jovens conectados: tempos, espaços e celular
Capítulo 5
APORTANDO REFLEXÕES
REFERÊNCIAS
Capítulo 1
REFLEXÃO INICIAL
Coragem, companheiro/a.
Não dá para desejar que o mundo te seja leve,
pois inventaste de ser intelectual.⁴
Ainda que não esperasse um mundo leve
e muito menos ter a pretensão de considerar-me intelectual
, as palavras de Sandra Mara Corazza indicam com entusiasmo o caminho por mim escolhido, ressaltando, entretanto, que coragem
, em momento algum, tem me faltado. E, ao embrenhar-me pelo percurso da escrita, digo que o mesmo tem se assemelhado a uma estrada sinuosa, uma vez que o seu desenrolar, indiscutivelmente, não é um caminho suave, nem tranquilo, mas instigante e surpreendente.
Lembro que tudo começou em razão de uma ideia protelada por alguns anos, possivelmente mais pela necessidade de perambular por diversificados meios do que por qualquer outro motivo, meios que não me permitiam dar os primeiros passos na escrita. Sem dúvida, a passagem pela Secretaria Municipal de Esportes e Lazer do município de Garibaldi, entre os anos de 2009 a 2012, foi de grande propulsão para a imersão no universo do lazer. Tal condição me proporcionou inúmeras experiências, como o conhecimento do Programa Esporte e Lazer da Cidade (Pelc⁵, criado em 2003), do Ministério do Esporte (criado em 2002 e extinto em 2019), bem como a participação em inúmeros eventos da área, dos quais cito como principais a Conferência Nacional de Esporte, em Brasília, no ano de 2010, precedida das conferências regionais e municipal, da Reunião do Grupo de Trabalho da Mercocidades, em Caxias do Sul-RS, no ano de 2011, que contou com a participação de gestores públicos na área do esporte e lazer de países como o Brasil, Argentina e Uruguai, além do Seminário Nacional para Formadores do Pelc, em Belo Horizonte, na Universidade Federal de Minas Gerais, no ano de 2012. Dessa forma, as discussões a respeito de lazer, direitos sociais e sociedade passaram a fazer parte de meu cotidiano, ampliando assim minha visão e meu interesse sobre os temas.
O fato de me arriscar em rabiscar pequenos textos desde sempre, confrontar ideias, emitir opiniões e de envolver-me em diversas áreas e ações foi possibilitando um exercício de análise e de escrita. Assim, tamanha inquietação bem como as idas e vindas pelos diversos caminhos foram traçando meu destino, contribuindo na construção desta obra.
Confesso que o pouso no terreno dos Estudos Culturais (EC) foi me mostrando um mundo fascinante de descobertas, questionamentos, ambiguidades e desconstruções⁶. Tal condição impulsionou-me novos olhares e a desconstrução de situações compreendidas até então como naturalizadas, seguras, enraizadas. Stuart Hall⁷, um dos principais autores do campo, avaliza que os Estudos Culturais têm se constituído em um projeto político de oposição. O autor destaca ainda que as movimentações abarcadas pelos EC sempre estiveram acompanhadas por transtornos e discussões marcadas por ansiedades instáveis e por um silêncio inquietante.
Penso que tudo o que acompanha o desassossego causado pelos EC em minha trajetória acadêmica foi delineando/ampliando as possibilidades argumentativas diante de questões produzidas pela cultura dominante, apontando assim, com maior ênfase, para a defesa das diferenças e diversidades cada vez mais observadas – e menos compreendidas – no cotidiano social contemporâneo.
Assim sendo, as reflexões desencadeadas acerca da minha formação e atuação, não somente em meus diferentes espaços profissionais, mas também no meu entendimento sobre as relações constituídas na escola, com alunos, docentes e comunidade, foram aumentando minha inquietação. Ampliou-se, desse modo, meu olhar perante as práticas organizadas na instituição e a relação destas com regramentos e organizações da sociedade contemporânea. Como professor e pesquisador, compreendo o espaço escolar enquanto constituído e atravessado por diversidades múltiplas, por toda a gama dos lugares diversificados e densamente estratificados de aprendizagem, tais como a mídia, a cultura popular, o cinema, a publicidade, as comunicações de massa e as organizações religiosas, entre outras
⁸. Cada aluno traz, em sua bagagem, histórias distintas e diferentes formas de compreender o mundo. A relação que estabelece com seus pares pode lhe proporcionar novas e ilimitadas visões do seu entorno, ampliando seus conhecimentos, possibilitando assim a conexão com outras culturas.
Seguindo por essa linha, ao acenar para o entrelaçamento produzido pelas multiplicidades culturais, bem como um sem número de artefatos e sistemas, capazes de contribuir na formação social dos sujeitos, é pertinente ressaltar a importância do campo dos Estudos Culturais. Sua contribuição na construção do entendimento da existência de uma ampliada gama de pedagogias culturais para além dos processos educacionais, haja vista sua preocupação com a vida cotidiana, sua pluralização das comunidades culturais e sua ênfase num conhecimento que esteja entre as disciplinas, sem se reduzir a nenhuma ou ao conjunto delas
⁹.
Sobre minha trajetória pessoal e profissional, a qual tem direta influência na escolha da temática desta obra, destaco o gosto pela disciplina de Educação Física na escola e as costumeiras partidas de futebol e de futsal de meu