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A proteção jurídica da biotecnologia no Brasil: análise e crítica do marco jurídico regulatório. Revista e atualizada
A proteção jurídica da biotecnologia no Brasil: análise e crítica do marco jurídico regulatório. Revista e atualizada
A proteção jurídica da biotecnologia no Brasil: análise e crítica do marco jurídico regulatório. Revista e atualizada
E-book674 páginas8 horas

A proteção jurídica da biotecnologia no Brasil: análise e crítica do marco jurídico regulatório. Revista e atualizada

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Sobre este e-book

O desafio proposto nesta obra é ocupar-se analiticamente do tema da proteção da biotecnologia, conferindo um tratamento que possibilite o entendimento de seus mecanismos de funcionamento, buscando sistematizar, reunir e religar as diversas normas jurídicas que delineiam o quadro regulador da biotecnologia no Brasil. Nesse sentido, o universo normativo analisado é constituído de normas e de procedimentos que se encontram fragmentados e esparsos no ordenamento jurídico.
IdiomaPortuguês
Data de lançamento17 de jun. de 2021
ISBN9786525200200
A proteção jurídica da biotecnologia no Brasil: análise e crítica do marco jurídico regulatório. Revista e atualizada

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    A proteção jurídica da biotecnologia no Brasil - Patrícia Aurélia Del Nero

    1. A CONSTRUÇÃO DAS NORMAS DISCIPLINADORAS DA PROPRIEDADE INTELECTUAL, NO BRASIL, E SUAS PRINCIPAIS POSSIBILIDADES E CATEGORIAS

    1.1 NOÇÕES GERAIS ACERCA DA PROPRIEDADE

    Este Capítulo tem como objetivo central traçar o Marco Jurídico Regulatório brasileiro da Propriedade Intelectual, de um modo geral, delineando a forma pela qual a biotecnologia passa a ser na contemporaneidade, objeto de apropriação por meio do Direito. Também é objetivo deste Capítulo elencar, de forma exploratória, as principais possibilidades e as técnicas utilizadas para a realização da biotecnologia enquanto forma de inovação tecnológica no ambiente industrial.

    Antes de explorar as formas de apropriação no campo jurídico da propriedade intelectual, é preciso, primeiramente consolidar a noção de que as manifestações da criatividade humana são inesgotáveis.

    O homem insere-se na natureza e a observa, contempla e tenta entender seus fenômenos, desde a luz até o calor do sol, bem como o fluxo das águas de um rio, por exemplo.

    Desta forma, o homem contempla e, ao mesmo tempo, interage com a natureza alterando-a, paulatinamente, ao longo do tempo. Sendo assim, o homem enfrenta os problemas que são postos em seu cotidiano, desde os tempos remotos até a Era atual, tentando resolvê-los, equacioná-los, a partir da mediação e da utilização de seu intelecto, por intermédio da racionalidade – sua inteligência.

    O homem observa, percebe com atenção as dificuldades, medita, analisa, reflete sobre alternativas para superá-las, até que processa em seu intelecto as adversidades e vicissitudes, remoendo-as. A partir de suas potencialidades criativas e inventivas, são solucionadas e, ao mesmo tempo, novamente sendo postas. Trata-se de um processo dialético que percorre os tempos e os espaços, sendo que por intermédio das alternativas criativas e inventivas, o meio ambiente, de uma forma geral, é paulatinamente alterado, modificado, superado, possibilitando novas formas de conforto, de praticidade, de bem-estar. Ou, diversamente, novas formas de enfrentamento, por meio de equipamentos violentos, ou seja, a dominação dos eventuais adversários ou desafetos a partir do incremento e da confecção de novas formas criativas e inventivas, de tacapes a bombas nucleares, por exemplo, o processo é mental de produção é similar e, da mesma forma, superado. Trata-se de um movimento constante.

    É a partir da contínua colocação dos problemas pelo homem e a superação deles que a utilização de seu intelecto, por meio da construção de ideias, que se transformam em soluções criativas e inventivas que a humanidade segue sua trajetória, seu processo evolutivo na construção da civilização e do atual estágio de mudança tecnológica.

    A partir das formas primitivas, como a utilização de um osso de um animal como instrumento de defesa contra o inimigo (aquele que ameaça sua existência seja um animal ou outro homem), até a busca, por meio da pesquisa, com a utilização de um instrumental sofisticado, em ambiente laboratorial e artificialmente controlado, a superação das dificuldades e a resolução dos problemas ou enigmas prossegue sua marcha histórica.

    O homem busca, na atualidade, a prevenção ou a cura das doenças; a concepção de meios de transportes cada vez mais velozes, com formas arrojadas, bem como formas de comunicação ágeis e digitalizadas. Enfim, é o processo civilizatório e o desenvolvimento das forças produtivas, ao longo do tempo, que possibilitam a realização do progresso técnico e científico. No entanto, não se pode perder de vista que as possibilidades tanto criativas quanto inventivas que permitem, no atual estágio do desenvolvimento civilizatório, admirar maravilhas e, ao mesmo tempo, misérias de toda ordem, originam-se - e originaram-se - a partir das ideias, das concepções mentais inicialmente imaginárias que se tornam paulatinamente realizações concretas.

    Nesse sentido, investigar as inúmeras faces da propriedade intelectual é, ao mesmo tempo, investigar o universo das ideias, das descobertas, das invenções, do poder ou da faculdade criativa e inventiva do homem e suas inúmeras possibilidades. É esse universo multifacetado e, ainda, em grande parte, desconhecido do intelecto humano, que possibilitou e - que continua possibilitando -, por exemplo, o estalo de Newton, a exclamação, após mergulhar na banheira, de Eureka por Arquimedes, dentre outros tantos marcos importantes, ao longo da História.

    Outras concepções de ideias revolucionárias que renderam margem à perseguição implacável do Santo Ofício como as desencadeadas por Giordano Bruno, Galileu Galilei, dentre outros, que mesmo tendo um final trágico não impediram que novas ideias e concepções igualmente revolucionárias e criativas prosperassem, culminando no atual estágio tecnológico que hoje é disponibilizado para a humanidade e pela humanidade.

    Trata-se de um processo histórico árduo, longo, que transita, desde a Era da pedra lascada, até o atual estágio do capitalismo, cujas inovações podem ser traduzidas pela comunicação e pelo fluxo virtual das ideias no meio informacional.

    No entanto, é preciso deixar claro que os meandros da propriedade intelectual referem-se e são construídos para proteger ou aprisionar formas criativas e inventivas, ou seja, produtos e processos advindos e produzidos pelo intelecto humano. Essa é uma noção geral, posta ainda de forma rudimentar, pois primeiramente – deve-se destacar que - as ideias, em si, não são passíveis de proteção, quer dizer, de reconhecimento ou de atribuição de titularidade, por meio do Direito.

    Para que essas meras concepções ou ideias ingressem no cenário das possibilidades de apropriação, é preciso que haja a fixação, ou seja, a disposição em meio físico, magnético ou digital das ideias que originam atos ou atividades criativas e/ou inventivas. A partir de então, adentra-se nos mecanismos das categorias da propriedade intelectual juridicamente postas e disciplinadas pelo Direito.

    Sendo assim, não basta imaginar um quadro, é preciso pintá-lo. Não basta imaginar um poema, é preciso escrevê-lo e assim sucessivamente. A forma de externar as ideias é que dá origem à fixação em meio físico, digital, informacional ou qualquer outro. Em havendo essa exteriorização ao mundo físico, ingressa-se no campo da propriedade intelectual que é delineado, por meio de diversas categorias disposta em normas.

    Cumpre salientar que o arcabouço normativo se impõe, ou é construído, em virtude da possibilidade de apropriação e de atribuição, reconhecimento de titularidade dessas ideias, soluções criativas e/ou inventivas devidamente fixadas e atribuídas aos seus respectivos titulares.

    As possibilidades criativas e inventivas do homem ensejam inúmeras realizações das mais simples às mais sofisticadas ou complexas. A utilização racional e imaginativa da inteligência ou do intelecto humano foi determinante tanto para o processo de dominação da natureza, quanto para a materialização de novas realidades consubstanciadas no atual nível ou estágio de evolução ou de desenvolvimento da ciência ou da tecnologia; na atualidade, em face dos avanços expostos, utiliza-se a expressão ciência, tecnologia e Inovação (C&T&I). A partir, por exemplo, de desenhos ou de meras formas que eram delineadas nas cavernas, na época pré-histórica, pode-se compartilhar, estudar, traduzir decifrar a vida cotidiana e as experiências dos homens que as investiga e, portanto, entender melhor aquele momento histórico, por intermédio de manifestações artísticas. Aqueles desenhos, nesse sentido, ao serem fixados em paredes e rochas, permitiram a recomposição ou reconstrução do passado.

    O homem é capaz de traduzir uma noite de solidão em versos, poemas, músicas, novelas, pinturas, esculturas e toda sorte de manifestações criativas. Trata-se de um universo mágico que habita o interior de cada ser humano, são esconderijos indecifráveis do intelecto humano que possuem o dom ou o esforço criativo de traduzir ou de transformar uma sensação, uma inspiração ou um sentimento em manifestação criativa ou em manifestação artística.

    Da percepção à sensação; da emoção à realidade, um sonho ou um devaneio, pode-se transformar em uma fantástica obra produzida a partir do intelecto humano e de suas inesgotáveis possibilidades criativas e inventivas. É a realização material dessas ideias que ganha forma e, sobretudo, existência física.

    O resultado desse processo criativo pode ser compartilhado com outras pessoas que, por seu turno, adentram e percebem a mesma emoção do autor, ou até mesmo, conferem novas interpretações ou versões da mesma obra; podendo produzir novas manifestações, percepções e emoções, pois trazem consigo outros contextos, outras e novas experiências. Trata-se de uma atividade que pressupõe necessariamente a acumulação de conhecimentos, ao longo do tempo.

    Assim, na atualidade pode-se ter acesso ao resultado das manifestações criativas do homem, através da aquisição de um livro, de um ingresso para um show, para o cinema, para o teatro. Pode-se adquirir um CD ou um DVD, fazer assinatura de conteúdos em plataformas de streaming, um produto alimentício, um fármaco, um cosmético, um refrigerante, um suco industrializado. Na atualidade, os produtos e ou processos de sua produção invariavelmente possuem em sua concepção e em sua realização a força de trabalho intelectual do homem, isto é, a manifestação concreta da atividade criativa e inventiva, aliada à possibilidade concreta de reprodução em escala industrial.

    Pode-se observar que no atual estágio civilizatório todas as manifestações criativas e inventivas são viabilizadas a partir da acumulação e do constante avanço tecnológico que, por seu turno, também é fruto de manifestações criativas e inventivas.

    Trata-se de um processo de concepção e de realização espiral e contínuo; construído – e em construção - a partir das mudanças sociais que engendram em si outras e novas mudanças sociais² e, consequentemente outros e novos padrões e mudanças tecnológicas, também em constante edificação.

    Na medida em que as concepções criativas imaginadas pelo homem passam a ser viabilizadas, possuindo forma e existência no mundo social, seu resultado, por seu turno, torna-se possível de apropriação e consequentemente de comercialização.

    Sendo assim, o ato de um homem primitivo apreender um osso de animal encontrado na natureza e utilizá-lo como instrumento de defesa contra agressões e ameaças, é um ato de apropriação (tornar seu; possuir) de um bem. Portanto, o sentido e a noção da propriedade, ou seja, a demarcação do homem - e pelo homem - de espaços para sua sobrevivência e a ocupação de porções territoriais, de bens para a produção e para a reprodução social sempre esteve presente, assumindo, ao longo do tempo, formas e conteúdos diferentes e que se forjaram – e ainda se forjam - ao longo do processo histórico. Desde a coleta de um mero osso, até o sofisticado processo de apropriação de ações de empresas postas em negociação no mercado. É a sofisticação das manifestações criativas e inventivas que dá margem à apropriação privada.

    Nesse sentido, desde a coleta até a produção de bens em escala industrial; tem-se um longo percurso histórico, sendo que no atual estágio civilizatório que produziu e reproduziu o sistema capitalista pós-moderno ou pós-industrial, fundado na organização e na exploração do trabalho (mão-de-obra), mais-valia e, sobretudo, no lucro, os bens passíveis de apropriação também acompanham esse movimento e não são apenas móveis ou imóveis; mas, principalmente; imateriais, intangíveis, incorpóreos: intelectuais.

    Desta forma, os bens passíveis de apropriação são também intelectuais, ou seja, são formas ou categorias que estão em voga, no atual estágio capitalista. No entanto, é o Direito, por intermédio de suas normas que introduz essa possibilidade de apropriação, ora acompanhando as demandas sociopolíticas; ora estabelecendo parâmetros do que pode ou não ser objeto de apropriação, assegurando e estabelecendo procedimentos normativos próprios.

    O aspecto central deste livro, conforme mencionado anteriormente, é a temática da propriedade intelectual e a noção de que esta é uma categoria que deriva, decorre direta e imediatamente da propriedade, enquanto categoria analítica multidisciplinar e não apenas inerente ao Direito de Propriedade³.

    Desta forma, é preciso deixar claro que a propriedade é uma categoria que tem sido objeto de análise e investigação de várias ciências: como a História, a Antropologia, a Economia, a Sociologia e o Direito, sendo que este se ocupa de traçar as regras e as formas de apropriação das coisas, dos bens pelos homens. O Direito, nesse sentido, irá mediar disciplinar as relações de apropriação dos homens com os bens, com as coisas, no campo social, no mundo fenomênico.

    A propriedade é um termo despido de conteúdo específico, é um termo pouco preciso, podendo ser utilizado para designar diversas formas de controle que os homens exercem sobre os objetos materiais e imateriais, em sua noção genérica simples, pode-se acrescentar que o termo deriva do latim: proprietas, de proprius (particular, peculiar, próprio) e designa genericamente a qualidade que é inseparável de uma coisa, ou que a ela pertence em caráter permanente.

    Conforme se verifica, a propriedade é um fenômeno ou uma categoria que sempre existiu, desde a origem do homem na terra. No entanto, ao longo do tempo, se forja e desenvolve, assumindo novas formas, relações, atributos e atribuições.

    No tocante à análise da propriedade, é relevante destacar, ainda que de forma breve, o debate entre as diferentes disposições e concepções travado entre Hegel e Karl Marx. Sendo assim, Hegel⁴, ao discorrer acerca da propriedade, entende que:

    "44 - Tem o homem o direito de situar a sua vontade em qualquer coisa; esta torna-se, então, e adquire-a como fim substancial (que em si mesma não possui), como destino e como alma, a minha vontade. É o direito de apropriação que o homem tem sobre todas as coisas.

    45 – Há alguma coisa que o Eu tem submetida ao seu poder exterior. Isso constitui a posse; e o que constitui o interesse particular dela reside nisso de o Eu se apoderar de alguma coisa para a satisfação das suas exigências, dos seus desejos e do seu livre-arbítrio. Mas é aquele aspecto pelo qual Eu, como vontade livre, me torno objetivo para mim mesmo na posse e, portanto, pela primeira vez real, é esse aspecto que constitui o que há naquilo de verídico e jurídico, a definição de propriedade.

    46 – É a minha vontade pessoal, e, portanto, como individual que se torna objetiva para mim na propriedade; esta adquire por isso o caráter de propriedade privada, e a propriedade comum, que segundo a sua natureza pode ser ocupada individualmente, define-se como uma comunidade virtualmente dissolúvel e na qual só por um ato do eu livre arbítrio cedo a minha parte."

    Para Hegel, conforme verificado, a propriedade significa o domínio exterior da pessoa, distinta dela, mas que realiza ou pode realizar seus desejos e sua aquisição, sendo que esta ocorre, tendo em vista da vontade do sujeito que se torna titular ou proprietário.

    Karl Marx, em frontal oposição a Hegel, no Livro 3, Volume 6 de O Capital esclarece que a análise da propriedade fundiária será abordada enquanto parte da mais valia, quer dizer, propriedade especificamente capitalista, produzida pelo capital e que cabe ao proprietário da terra. Para Marx, a propriedade fundiária supõe que certas pessoas têm monopólio de dispor de determinadas porções do globo terrestre como esferas privativas, com exclusão de todas as demais vontades.

    No que se refere às reflexões de Hegel, anteriormente expostas, sobre o conceito de propriedade, Marx⁵ assim se opõe frontalmente.

    Com relação à temática Marx, tece as seguintes análises:

    "Tomo posse com a mão, mas o domínio dela pode ser ampliado. Mas, com essa outra coisa, ainda se ligam outras, e assim desaparece o limite até onde minha vontade como alma se pode espalhar sobre a terra. Se possuo alguma coisa, a razão leva-se a considerar meu não só o que possuo diretamente, mas também o que com isso se relaciona. O direito positivo tem de estabelecer aí disposições, pois nada mais se pode deduzir do conceito É confissão por demais ingênua acerca do ‘conceito’, e mostra que este – errado desde o início por considerar absoluta determinada concepção jurídica de propriedade fundiária, vinculada à sociedade burguesa – ‘nada’ apreende do desenvolvimento real dessa propriedade. Está aí implícita a confissão de que, ao mudarem as necessidades do desenvolvimento social, econômico, ‘o direito positivo’ pode e deve mudar suas disposições.

    Isto posto, trata-se de esclarecer o valor econômico, isto é, a valorização desse monopólio na base da produção capitalista. Para isso em nada contribui o mero poder jurídico desses proprietários, de usar e abusar de porções do planeta. O emprego delas depende por inteiro de condições econômicas que não se subordinam à vontade deles."

    Para Marx, conforme se verifica a realização da propriedade ou o ato de alguém (um titular) se apropriar de alguma coisa, independe de sua vontade, mas é determinante e determinável a partir das condições econômicas valorização do monopólio e das disposições jurídicas.

    Sendo assim, para Marx, não apenas as coisas (objetos materiais, bens tangíveis dentre outros) podem ser – e são – objeto de apropriação privada ou de propriedade; mas também, e, principalmente, a própria força de trabalho, seja ela física (trabalho manual, manufaturado, industrializado), ou intelectual (o trabalho mental ou intelectual), torna-se, no âmbito da sociedade industrial capitalista e na normatização ou regulamentação estabelecida pelo Direito burguês mercadoria, passível de alienação.

    É necessário recuperar historicamente que a Revolução Industrial foi um marco decisivo para alavancar o modo capitalista de produção, pois a partir do surgimento e da consolidação do processo de produção em escala industrial, os empresários verificaram concretamente que ao aumentar a produtividade e, ao mesmo tempo, reduzindo os custos da produção, tornava-se possível ampliar a margem de lucro.

    Desta forma, a Revolução Industrial se consolida e com ela uma verdadeira derrocada da atividade inventiva voltada e vocacionada para a industrialização, produção em série e em larga escala. Sobre esse período histórico referem-se Hunt & Sherman⁶:

    No século XVIII, a Inglaterra já dispunha de um mercado bem desenvolvido. Os preceitos, atitudes e ideologias tradicionais, hostis ao capitalismo, haviam sido em grande parte superados. A produção de bens manufaturados em quantidades cada vez maiores e a redução dos custos de produção possibilitaram a obtenção de lucros consideráveis. O interesse em ampliar a margem de lucros combinado com o crescimento da exportação de produtos manufaturados provocou uma verdadeira explosão de inovações tecnológicas no final do século XVIII e no princípio do século XIX, inovações essas que transformaram radicalmente a face da Inglaterra e, posteriormente, de grande parte do mundo.

    Destaca-se que das inovações tecnológicas alavancadas, neste período, a mais significativa, sem dúvida, foi à máquina a vapor, sua utilização ocorre a partir de 1700.

    A partir dos avanços tecnológicos que efervesciam, na época da Revolução Industrial, bem como com o advento do fordismo e do taylorismo e outros movimentos que revolucionaram o processo de divisão do trabalho, bem como o processo de produção industrial, tendo em vista a produção em larga escala de bens industrializados, padronizados, homogeneizados, semelhantes e elaborados em velocidade acelerada; o direito de propriedade passa a ser invariavelmente desafiado para abarcar um novo conjunto e contexto gestado no bojo dessas novas relações sociais e econômicas.

    No que se refere a esse período e suas características econômicas, Hunt & Sherman⁷ ponderam que:

    "Um mercado livre e sem entraves, além de assegurar a utilização mais valiosa das energias e dos recursos produtivos, possibilitaria também um progresso econômico contínuo. Para Adam Smith, a prosperidade econômica dependia da capacidade produtiva da economia. A capacidade produtiva, por sua vez, dependia da acumulação de capital e da divisão do trabalho. Se um homem produzisse tudo o que ele e sua família necessitavam, a produtividade permaneceria extremamente baixa. No entanto, se os homens dividissem entre si tarefas, e cada um se dedicasse unicamente à produção da mercadoria para a qual estivesse melhor capacitado, a produtividade naturalmente aumentaria. A divisão de tarefas pressupunha a existência de um mercado onde os diversos produtos pudessem ser trocados. Cada indivíduo compareceria no mercado para adquirir bens de que necessitava mas que não produzia.

    O crescimento da produtividade seria ainda maior se o processo de produção das mercadorias fosse segmentado em várias etapas ou estágios. Cada pessoa trabalharia em apenas um estágio do processo de produção de determinada mercadoria. Para que a divisão do trabalho fosse levada a esse nível, seria necessário que os trabalhadores dispusessem de ferramentas e equipamentos especializados e que todos os estágios do processo de produção de mercadorias fossem reunidos em um mesmo local e submetidos a um controle, como acontece, por exemplo, numa fábrica. Conseqüentemente, uma divisão de trabalho cada vez mais complexa requereria acumulação de capital sob a forma de ferramentas, equipamentos, fábricas e dinheiro. O capital proporcionaria também os salários para a manutenção dos trabalhadores durante o período de produção, antes de o produto de seus esforços coordenados chegar à fase de realização, isto é, ser vendido no mercado."

    É nesse contexto que a produção acelerada, em larga escala, é favorecida e, ao mesmo tempo, demanda mão-de-obra especializada (técnicos) que concebem intelectualmente os objetos a serem lançados nas linhas de montagem industrial. A linha de montagem, por seu turno, passa a ser operacionalizada por equipamentos controlados pela mão-de-obra operária (semiqualificada). Vale dizer, a especialização do trabalho no mundo atual, está consubstanciada na divisão radical entre trabalho intelectual (este inova tecnologicamente, concebe e materializa soluções para o processo de produção industrial) e o trabalho físico (este operacionaliza, confere aplicabilidade prática ao maquinário).

    A partir da modernização estabelecida no processo de produção dos bens e seu incessante desenvolvimento, para os dias atuais, fundado, por um lado, na sofisticação e na modernização do processo de produção e, por outro lado, na sofisticação e complexidade dos bens produzidos; torna-se, portanto, necessária a formulação de regras que abarquem e que possibilitem a proteção desses diferentes processos produtivos, levados a efeito no mercado competitivo e, em seu atual estágio globalizado.

    Essas são, em linhas gerais, algumas das características marcantes, tanto no campo social, quanto no campo econômico que pressionaram – e que pressionam – a redefinição do instituto ou da categoria jurídica da propriedade; mesmo porque no atual nível ou estágio do processo de produção a ciência, a tecnologia e a inovação passam a integrá-lo, sendo utilizada como meio de produção imediata, tornando-se consequentemente mercadoria.

    Desta forma, inegavelmente surge a necessidade de proteção jurídica de uma nova categoria de bens: os imateriais ou de natureza incorpórea, passível de apropriação pelas empresas e imprescindível para a reprodução de seu capital e, sobretudo, de seus lucros.

    É nesse sentido também que a dinâmica do ter conquistar, adquirir, possuir, inerente à propriedade está indissociavelmente ligada ao ser: ao conquistar, ao adquirir. Ser, enfim, proprietário de algo e possuir, acumular, concentrar e reproduzir capital ou riqueza; os titulares dos objetos possuídos adquirem relevo, prestígio e status no meio social. Portanto, a propriedade, uma vez, reconhecida e adquirida por alguém priva todos os demais, com relação àquele objeto, tornando-os despossuídos, excluídos.

    Essa busca é acelerada e, sobretudo, concentrada no âmbito da cobiça, da ganância, na ética perversa de que é preciso ter alguma coisa (ou muitas coisas) para ser alguém no sistema social, na textura social e, sobretudo, no âmbito econômico. Esse comportamento nitidamente hedonista e predatório é insculpido não apenas nas ações individuais, mas, principalmente, nas ações sociais desenvolvidas no contexto econômico, no qual a linguagem dominante é a da supremacia dos interesses econômicos, com vistas ao lucro sobre os interesses coletivos ou humanitários.

    É nesse sentido que a velocidade e o padrão ou fator de aceleração se impõe como nova lógica que traduz e, ao mesmo tempo realiza de forma rápida e frenética o ter, possuir, conquistar e dominar coisas, bens e, principalmente, mercados.

    1.2 ASPECTOS RELEVANTES DA CONSTRUÇÃO NORMATIVA DA PROPRIEDADE NO DIREITO BRASILEIRO

    A propriedade, enquanto categoria analítica é genérica, ilimitada, inesgotável, plena; essa é a concepção filosófica da propriedade. No entanto, no que se refere à aquisição, à fruição, à titularidade da propriedade, esta sofre condicionantes ou restrições impostas e postas pelo Estado, por intermédio do Direito.

    Na atualidade essas normas são determinadas por um pacto ou pelo estabelecimento democrático de regras que são estabelecidas, tendo-se em vista a vontade da maioria. Desta forma, é o quadro ou o Marco Jurídico Regulatório que irá estabelecer e reger as relações de apropriação das coisas. Esse quadro ou Marco Jurídico Regulatório pode ser estabelecido em nível supranacional, por meio dos foros ou dos organismos multilaterais e em nível doméstico, pelos próprios Estados, enquanto unidades soberanas.

    Para disciplinar as relações de propriedade, de um modo geral, verifica-se um predomínio da racionalidade legal, ou seja, da proliferação de normas que estabelecem e mediam essas relações entre os homens e as coisas, nos dizeres de Octávio Ianni⁸ essa questão é esclarecida da seguinte forma:

    No caso da sociedade moderna, que emerge com o capitalismo moderno, ocorre o predomínio da dominação legal, organizada burocraticamente com base no direito, nas tecnologias do cálculo, na quantificação, na racionalidade formal. Ainda que aí possam estar presentes, ou emergir episodicamente, a dominação tradicional e/ou a dominação carismática, é a dominação legal que predomina e se operacionaliza aos poucos por todas as esferas da sociedade, em âmbito micro e macro, nacional e mundial. Sob vários aspectos, a sociedade moderna formada com o capitalismo moderno organiza-se e dinamiza-se com base na racionalidade crescente das ações sociais, nas mais distintas instituições e organizações.

    Desta forma, o Direito ao traçar, delinear, produzir e reproduzir normas cujo objeto e objetivo sejam a propriedade, em seus diferenciados aspectos, incluindo-se a propriedade intelectual, irá sistematizar e atribuir titularidade (quem é ou quem pode ser proprietário de certa e de determinada coisa); estabelecer procedimentos (a forma pela qual se adquire a propriedade ou a forma pela qual se estabelece o seu exercício); disciplinar a perda desses direitos (ou seja, a duração do exercício e do desfrute do bem apropriado).

    Ao estabelecer a titularidade da propriedade, o Direito demarca os espaços específicos, assinalando quais sujeitos podem - ou não - deter a coisa: o bem. Na medida em que esse fenômeno se desenvolve, os demais sujeitos estão excluídos desse mesmo direito, dessa mesma titularidade. Sendo assim, é da essência do direito de propriedade a exclusividade ao titular e a exclusão para todos os demais com relação ao mesmo bem.

    O primeiro condicionante jurídico, no caso brasileiro, que merece destaque localiza-se no plano constitucional, o Título II – Dos Direitos e Garantias Fundamentais, Capítulo I - Dos Direitos e Deveres Individuais e Coletivos, no artigo 5o, inciso XXII, é estabelecido e garantido o direito de propriedade e, imediatamente, no inciso XXIII, esse direito é condicionado à sua função social.

    No entanto, a importância da propriedade no Marco Jurídico Regulatório brasileiro não é constituída apenas como um direito. Na verdade, a propriedade privada, em decorrência da prescrição constitucional, é um dos princípios gerais que regem a atividade econômica do Estado – Princípio da Função Social da Propriedade – estabelecido no artigo 170, incisos II e III, da Constituição Federal. A partir da atual construção e do condicionante constitucional, a propriedade, além de ser um direito atribuído a determinado titular, é um princípio que se realiza, de forma dinâmica, na medida em que eu seu objeto cumpre sua destinação ou função social.

    Quanto ao conjunto de normas constitucionais que estabelecem e, ao mesmo tempo, condicionam o direito de propriedade, esclarece José Afonso da Silva⁹:

    Esse conjunto de normas constitucionais sobre a propriedade denota que ela não pode mais ser considerada como um direito individual nem como instituição do Direito Privado. Por isso, deve ser prevista apenas como uma instituição da ordem econômica, como instituição de relações econômicas [...]. É verdade que o art. 170 inscreve a propriedade privada e a sua função social como princípios da ordem econômica (incs. II e III). Isso tem importância, porque, então, embora prevista entre os direitos individuais, ela não mais poderá ser considerada puro direito individual, relativizando-se seu conceito e significado, especialmente porque os princípios da ordem econômica são preordenados à vista da realização de seu fim: assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social.

    Em face do exposto, a propriedade além de direito, no campo jurídico constitucional, alcança o patamar de princípio, sinalizando a construção do princípio constitucional da função social da propriedade em seus aspectos diversificados: móvel, imóvel, material, imaterial, territorial urbana, territorial rural e no que se refere à propriedade intelectual.

    Ainda, quanto à análise das disposições constantes do artigo 5o no que se refere à propriedade, parece relevante levar em consideração as observações de Celso Bastos¹⁰:

    Nos Estados de doutrinas individualistas o direito de propriedade erige-se num dos direitos fundamentais dos homens, ao lado da liberdade e da segurança. Ele vai buscar sua fundamentação no direito natural. A Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789 assim encara a propriedade, é dizer: entre os direitos naturais imediatamente após a liberdade, antes da segurança e da resistência à opressão. No art. 12 ela dispõe que a propriedade é um ‘direito inviolável e sagrado’. As diversas Constituições revolucionárias da história francesa mantiveram coerência com este ponto de vista, situando a propriedade entre os direitos naturais.

    O perfil impresso pela Constituição da República Federativa do Brasil que consubstancia a propriedade, na atualidade, é inspirado no movimento, na realização do cumprimento de um dever, em constante busca e cuja aplicabilidade se irradia para toda e qualquer forma ou modalidade de objeto. Trata-se de uma construção avançada, em termos comparativos, levando-se em consideração os clássicos moldes impressos à propriedade pelas disposições constantes na sucessiva Codificação Civil brasileira que, por seu turno disciplina os estreitos limites da aquisição, da fruição e da sua perda.

    Esse novo contorno constitucional parece racional, pois leva em consideração as mudanças sociais – que possuem uma dinâmica própria – e que permanentemente imprimem e possibilitam novas demandas à interpretação e a reinterpretação do princípio da função social da propriedade. Ao mesmo tempo, parece razoável mencionar que o tratamento estabelecido pela Constituição da República Federativa possibilita novas fronteiras e horizontes para o tratamento da propriedade, desfeudalizando o instituto ou categoria jurídica basilar dos juristas, especialmente dos Civilistas. Com relação ao tema, José Eduardo Faria¹¹, destaca que:

    Esta divisão, de natureza eminentemente ideológica, vem, ao longo das últimas décadas, feudalizando o conhecimento do direito em rígidos campos de especializações e transformando civilistas, comercialistas, tributaristas, penalistas, administrativistas, e outros, em verdadeiros donatários de capitanias hereditárias nas escolas de direito.

    Trata-se de um contorno novo, e que permite contextualizar o princípio da função social da propriedade no arcabouço do Direito como um todo, levando em consideração sua interdisciplinaridade e, ao mesmo tempo, sua transdisciplinariedade com outras Ciências. Nesse sentido, houve um tratamento jurídico que leva em consideração não apenas a propriedade no nicho específico de tradição romanista, Direito Civil da Propriedade, mas que possibilita raciocínios e análises dinâmicas, em movimento e no nível estrutural do ordenamento jurídico em sua totalidade, na medida em que o enfoque é estabelecido por intermédio da construção de um princípio de estatura e de caráter constitucional.

    Não se trata de querer enveredar pelo caminho da histórica disputa travada entre os civilistas e os publicistas no que se refere essencialmente à análise da propriedade. A questão parece transcender a essa microproblemática da disputa jurídica. Sem dúvida, é preciso deixar claro que; por um lado, a doutrina e a dogmática firmadas no âmbito privado e consubstanciada no Direito Civil, sem dúvida, deixa e constrói um legado considerável no que se refere à análise e ao estudo da propriedade na órbita privada. Por outro lado, é procedente e, ao mesmo tempo, imprescindível destacar que a análise da propriedade, sob o âmbito ou a perspectiva publicista ou do Direito Público merece enfrentamento e reflexão por parte dos juristas e dos estudiosos dessa matéria.

    Além do mais, parece oportuno levar em consideração que os estudos da propriedade, em suas diversificadas facetas e modalidades, devem ser realizados e levados a efeito no que se refere à perspectiva interdisciplinar dessa categoria.

    Com relação à dicotomia de tratamento ainda realizada pela doutrina e pela dogmática jurídica, destacam-se as observações de Celso Bastos¹², que salienta a importância das análises da propriedade no contexto do Direito Público:

    A propriedade se vista do ângulo do direito civil, não é senão um direito subjetivo, consistente em assegurar a uma pessoa o monopólio da exploração de um bem e de fazer valer esta faculdade contra todos que eventualmente queiram a ela se opor. Se, contudo, mudarmos o enfoque a questão e passarmos a considerar a propriedade nas suas relações com o Poder Público, a sua natureza ganha uma coloração bastante diversa. É que aqui a propriedade interfere na própria estrutura do Estado, sendo perfeitamente discerníveis atualmente no mundo os países que a asseguram de maneira ampla (Estados predominantemente liberais) e aqueles outros que a negam pelo menos quando têm por objeto os bens geradores de riqueza (Estados de ideologia marxista-leninista).

    A concepção clássica da propriedade manteve presente a noção da concessão ou atribuição de um direito de caráter perpétuo, permanente que era usufruído independentemente do exercício efetivo deste direito. O perfil moderno de propriedade e estampado na Constituição da República Federativa do Brasil, leva em consideração a destinação ou o uso econômico da coisa, do bem. Da perspectiva civilista, ainda um tanto arraigada à noção de bem em sua concepção tangível, corpórea; a concepção da norma Constitucional evolui, transita para uma noção ampla e que visa a acompanhar as mudanças sociais ocorridas, ao longo do tempo, no cenário do País e no espaço internacional.

    Desta forma, toda e qualquer modalidade de propriedade estabelecida pela Constituição da República e regulamentada no campo infraconstitucional, necessariamente deve levar em consideração a destinação ou função social da propriedade, e que é, ao mesmo tempo, um condicionante e um princípio quanto à sua aquisição, exercício e consequente perda.

    É necessário salientar que a tanto a Constituição da República quanto o complexo das regulamentações infraconstitucionais limitam, condicionam e, ao mesmo tempo, determinam o exercício da propriedade, não estando, outrossim, desconectada das condições e das contradições existentes e efetivas da realidade social.

    Desta forma, o conceito de propriedade se modifica, delineando novos contornos de forma paulatina e permanente, em decorrência das injunções econômicas, sociais e em face dos avanços tecnológicos, quanto aos objetos e processos sobre os quais incide.

    Ainda no campo da normatização infraconstitucional merecem destaque as disposições traçadas pelo Código Civil¹³. No atual Código Civil, o Título II, do Capítulo IV disciplina os Direitos Reais, sendo que neste rol, estabelecido pelo artigo 1.225, a propriedade é o primeiro componente dessa modalidade de direitos. No que se refere às disposições do Código Civil acerca da propriedade, deve-se ressaltar que o Capítulo I do Título III, disciplina a Propriedade em Geral. As disposições Preliminares sobre a propriedade, no âmbito do Código Civil são as seguintes:

    "Art. 1228. O proprietário tem a faculdade de usar, gozar e dispor da coisa, e o direito de reavê-la do poder de quem quer que injustamente a possua ou detenha.

    d 1o O direito de propriedade deve ser exercido em consonância com as suas finalidades econômicas e sociais e de modo que sejam preservados, de conformidade com o estabelecido em lei especial, a flora, a fauna, as belezas naturais, o equilíbrio ecológico e o patrimônio histórico e artístico, bem como evitada a poluição do ar e das águas.

    d 2o São defesos os atos que não trazem ao proprietário qualquer comodidade, ou utilidade, e sejam animados pela intenção de prejudicar outrem.

    [...]"

    A disciplina jurídica da propriedade estabelecida no atual Código Civil, além de determinar que o exercício da propriedade deve levar em consideração as finalidades econômicas e sociais, estabelece claramente que também devem ser levadas em consideração as questões relativas ao equilíbrio ecológico, as belezas naturais, bem como evitar a poluição do ar e da água. Desta forma, o dispositivo do Código Civil, estabelece, de forma inovadora, o Princípio da Função Socioambiental da Propriedade. Relativamente a este Princípio, Édis Milaré¹⁴ destaca o seguinte:

    "Concebida como direito fundamental, a propriedade não é, contudo, aquele direito que possa erigir-se na suprema condição de ilimitado e inatingível. Daí o acerto do legislador em proclamar, de maneira veemente, que o uso da propriedade será condicionado ao bem-estar social.

    Isto significa que a propriedade não mais ostenta aquela concepção individualista do Código Civil de 1916, direcionado a uma sociedade rural e agrária, com a maior parte da população vivendo no campo. Hoje, com o predomínio de uma sociedade urbana aberta aos imperativos da socialização do progresso., afirma-se cada vez mais forte o seu sentido social, tornando-se, assim, não instrumento de ambição de desunião, mas fator de progresso, de desenvolvimento e de bem-estar de todos¹⁵."

    Nesse sentido, pode-se verificar que esse dispositivo amplia consideravelmente as destinações e as finalidades da utilização da propriedade, ou seja, sua função.

    Segundo a atual dinâmica estabelecida pelas disposições do Código Civil, a disciplina jurídica da propriedade intelectual é realizada por intermédio de normas próprias ou por intermédio da legislação extravagante.

    É importante destacar que o leque de bens ou objetos passíveis de apropriação foi consideravelmente ampliado e diversificado, por um lado, em função do desenvolvimento econômico e das mudanças socioculturais, especialmente no período pós-Revolução Industrial, e por outro lado, pelo próprio desenvolvimento e pela reconstrução do direito de propriedade, que, nesse amplo processo de mudanças socioeconômicas, passou a incluir objetos e coisas intangíveis em seu rol e que são passíveis de valorização econômica.

    Portanto, nesse sentido, o direito de propriedade assume sua forma efetivamente moderna, adequada e adequando-se à economia capitalista, reproduzindo, desta forma o sistema, sob a égide da regulamentação jurídica.

    Sendo assim, a disciplina jurídica estabelecida para a propriedade, permite e possibilita assegurar o domínio, não apenas sobre a coisa em si, mas, principal e especialmente sobre todas as possibilidades de criação de valor econômico, ou seja, – o meio de produção desses valores, bem como o conjunto de ideias, criativas, inventivas ali embutidas. Nesse sentido, alcança relevo e desponta uma nova modalidade de propriedade: A propriedade intelectual.

    1.3 O DESTAQUE ASSUMIDO PELA PROPRIEDADE INTELECTUAL NA ATUALIDADE

    Conforme mencionado anteriormente, a atribuição da propriedade ou sua apropriação, normalmente, refere-se aos bens tangíveis ou materiais. Existe certa dificuldade ou resistência na compreensão de que os bens imateriais, incorpóreos ou intangíveis possam ser objeto de apropriação.

    Desta forma, no campo da propriedade intelectual o que está em jogo, em última análise, é a detenção ou apropriação das possibilidades, formalizadas e contidas em conhecimentos (métodos, procedimentos, modos e formas de realizar) para a produção de novos processos de produção e também de novos produtos, em escala industrial, sendo assim, essa modalidade de propriedade adstringe-se à possibilidade de reprodução sistemática e periódica desses bens, estabelecendo uma estratégia econômica e comercial emergentes.

    A partir das considerações sobre a normatização da propriedade no Direito brasileiro, primeiramente não se pode perder de vista que essa modalidade de propriedade: a intelectual deve necessariamente seguir a disciplina geral da propriedade estabelecida no Texto Constitucional, quanto à aplicação do princípio da função social da propriedade. Ao mesmo tempo, todo o quadro jurídico regulatório infraconstitucional, deve também necessariamente consubstanciar-se nesse princípio.

    No entanto, é necessário destacar que a Constituição da República delineia normas próprias e específicas referentes à propriedade intelectual, é o mesmo artigo 5o, anteriormente destacado, que genericamente em seus incisos XXVII, XXVIII e XIX estabelecem o seguinte:

    "XXVII – aos autores pertence o direito exclusivo de utilização, publicação ou reprodução de suas obras, transmissível aos herdeiros pelo tempo que a lei fixar;

    XXVIII – são assegurados, nos termos da lei:

    a) a proteção às participações individuais em obras coletivas e à reprodução da imagem e voz humanas, inclusive nas atividades desportivas;

    b) o direito de fiscalização do aproveitamento econômico das obras que criarem ou que participarem aos criadores, aos intérpretes e às respectivas representações sindicais e associativas;

    XXIX – a lei assegurará aos autores de inventos industriais privilégios temporários para sua utilização, bem como proteção às criações industriais, à propriedade das marcas, aos nomes de empresas e a outros signos distintivos, tendo em vista o interesse social e o desenvolvimento tecnológico e econômico do País;"

    A partir da transcrição literal desses incisos do artigo 5o da Constituição da República, primeiramente deve-se observar que o Texto destacado não faz nenhuma referência nem expressa, nem implícita ao termo propriedade intelectual. Ao mesmo tempo, verifica-se que os incisos XXVII e XXVIII referem-se à concessão ou atribuição de direitos aos autores. No entanto, o inciso XXIX faz menção expressa à concessão de privilégios temporários aos autores de inventos. Em face da normatização Constitucional apresentada e dessas observações preliminares, a primeira questão a ser formulada e que merece ser enfrentada consiste em: O que é propriedade intelectual?

    Segundo a Organização Mundial da Propriedade Intelectual¹⁶, no que se refere ao seu glossário, o verbete que define ou conceitua a propriedade, estabelece:

    A característica mais importante da propriedade é que o titular da propriedade pode utilizá-la como desejar; nenhum terceiro pode usar legalmente sua propriedade sem a sua autorização. O titular da propriedade pode ser uma pessoa física ou jurídica, como uma sociedade comercial.

    A Organização Mundial da Propriedade Intelectual¹⁷ esclarece a questão relativa à propriedade intelectual, em termos específicos, da seguinte forma:

    "Atualmente, o termo ‘propriedade intelectual’ se restringe a tipos de propriedade que resultem da criação da mente humana. É interessante constatar que o termo propriedade intelectual na Convenção que institui a Organização de Propriedade Intelectual, ou OMPI, não tem uma definição mais formal. Os Estados que redigiram a Convenção preferiram definir uma lista exaustiva¹⁸ dos direitos como relativos a: ‘obras literárias, artísticas e científicas; interpretações dos artistas intérpretes e execução dos artistas executantes, fonogramas e emissões de radiodifusão; invenções em todos os domínios da atividade humana; descobertas científicas; desenhos e modelos industriais; marcas industriais, comerciais e de serviço, bem como firmas comerciais e denominações comerciais; proteção contra a concorrência desleal e ‘ todos os outros direitos inerentes à atividade intelectual nos domínios industrial, científico, literário e artístico’. (Convenção que institui a organização Mundial da Propriedade Intelectual, assinada em Estocolmo em 14 de julho de 1967; artigo 2, d viii)."

    No contexto jurídico doutrinário, Aurélio Wander Bastos¹⁹, identifica e qualifica a propriedade intelectual nos seguintes termos:

    Compreende-se nesta matéria a legislação sobre a propriedade das criações intelectuais particularmente as invenções tecnológicas e as obras literárias e artísticas. Os direitos de Propriedade Intelectual estendem-se, também, para proteger marcas, invenções, modelos de utilidade, desenhos industriais, indicações de procedência, denominações de origem, a concorrência desleal, know-how, direitos autorais e conexos e o software.

    Verifica-se em face do exposto, que ao conceituar, o autor enumera as possibilidades nas quais incide a propriedade intelectual. Além do mais, esse rol de incidência é extenso e abarca várias modalidades.

    Desta forma, é preciso estabelecer primeiramente algumas considerações imprescindíveis para estabelecer uma tentativa de entendimento do instituto. A propriedade intelectual, conforme discutido anteriormente é uma modalidade de propriedade, cuja existência e relevância na atualidade é fruto das mudanças sociais, das mudanças no sistema produtivo e, sobretudo, das mudanças econômicas. A especificidade da propriedade intelectual é proteger ou incidir sobre bens imateriais, bens que não possuem existência corpórea, tangível, ou seja, bens produzidos a partir do intelecto humano e de suas possibilidades criativas e inventivas.

    No entanto, conforme será mencionado, no momento oportuno, ao serem analisadas as diversas modalidades de propriedade intelectual, cada legislação, ao disciplinar as especificidades das categorias incidentes nesse âmbito de proteção, estabelecem que seus bens são considerados móveis, para fins de proteção. Desta forma, parece importante, trazer à baila as disposições normativas estabelecidas no atual Código Civil²⁰ no tocante a essa modalidade de bens. Vejamos:

    "Art. 82. São móveis

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